Jean Améry
ALEM DO CRIME E CASTIGO
TENTATIVAS DE SUPERACAO
xoucko
Marijane Lishoa
conteapontoEm janeiro de 1945, com a aproxima:
‘0 das tropas sovdticas, o Exército
lemao decide evacuar 0 campo de
concentragdo de Auschwitz. 6 tert:
velmente debilitados, os prisioncizos
sacm em marcha forcada, scoltados
pelas SS, que fuzilam em campo aber
to. que perdem as forgas para con
‘inuar. A “marcha da morte’, como
ficou conhecids, passa por Gleiwite,
dirige-se para Buchenwald e, final-
mente, chega a Bergen-Belsen no int-
cio de marso,
Dos 25.437 prisioneros belgas que
iniciaram a jornada, somente 615 es-
tavam vivos em 15 de abril, quando 0
Exército inglés 0s localizou eos liber-
tou. Jean Amery estava entre ees. Pe-
sava 45 quilos, Havia passado 642
dias em campos de concentracao.
Na verdade, nao era belga, mas
austriaco, Nao se chamava Jean
‘Améry, mas Hans Maier. Era jude,
‘mas de uma familia convertida a ca
toliciemo e perfeitamente assimilada
805 costumes da repo do Tirol. Esta
va em fuga desde 1938, quando as
tropas alemas ocuparam Viena sob
aclamagio popular. Encontrou refi
fo temporirio na Belgica, onde ado-
tou 0 novo nome, que nunca mais
abandonaria, Em 1940, quando esse
pais também foi ocupado, aderiu &
Resistencia, 0 que o levou as expe-
riénciasextremas da prisio da tortu-
tae de Auschwitz.
Com o fim da guerta, Améry se
torna jornalistae escritor, mas espera
ALEM DO CRIME E CASTIGO
TENTATIVAS DE SUPERACAOven vo cums & castigo: TEATS De SUPERAGRO
Samos do campo despidos, siqueados, varios, desorientados
‘e demorou muito até que reaprendéssemos a linguagem coti
‘diana da liberdade. Alt, faamos sobre ela com mal-estar, sem
plena confianca em sua validade
‘Aperar diso, a estads no campo nao fo instil para nds, do
ponto de vista intelectual; refro-me aos intelectuals ateus esem
comptometimento com doutrinas politica. Dai em diante,ad-
‘guirimos a certezainquestionavel de que, em grande medida, 0
intelecta € de fato um luduse nds somos apenas —e jf éramos
antes de entrarmos no campo — homines ludentes. Com iso
znos despojamos de muita rzogAncia e de muita petulincia me-
tafisica, mas também de muita alegra intelectual ingénua e de
muito sentido fictico da vida. Em As palavras, Sartre diz que
precisou de trinta anos para se desfazer do idealismo tradicional
dos filsofos. Em nosso caso, asseguro, foi muito mais répido.
[Algumas semanas no campo bastavam para desfazero encanta-
mento desee inventirioflosifico, Outros espiritos muito mais
bbem-dotados e maisatilados que 0s nossos talver necessitem de
toda a vida para aleangar o mesmo resultado.
"Nao abandonamos Auschwitz mais sdbios nem mais profun-
dos, mas sim mais sagazes. “A profundidade do conhecimento
‘nunca clareou o mundo, mas aIucidez vé mais fundo no mun-
do, disse Arthur Schnitlercerta vez, Em nenhum lugar fo to
facil incorporar essa sagacidade como no campo, particular:
mente em Auschwitz, Se me permitem mais uma ctagio, desta
vez de um austraco, gostaia de recordar uma sentenga de Karl
Kraus, formulada nos primeiros anos do Terceiro Reich: “A pa-
lavra expirou quando aquele mundo despertou” Ele a formu-
Jou, evidentemente, como defensor dessa “palavra” metafsica,
enquanto nds, ex-prisioneiros do campo, tomamos emprestada
a frae para repeti-la com ceticismo, A paavra se cala ali onde a
realidade se impde de modo totalitrio, Hi muito ela expirou
para nés, Nao nos restou sequer 0 sentimento de que deveria
‘mos lamentar sua partida
A tortura
(Quem visita a Belgica como turista pode encontrar casualmen
te, a meio camino entre Bruxelas ¢ Antuérpia, forte Breen-
donk, Foi uma fortaleza da Primeira Guerra Mundial. Ignoro 0
seu destino na época. Na Segunda Guerra Mundial, durante a
curta resisténcia de dezoito dias do Exércto belga em maio de
1940, Breendonk foo iltimo quartel-general do Rei Leopoldo,
Depois, durante a ocupagio alemd, foi uma espécie de pequeno
‘campo de concentragio, um Auffanglage (campo de captura),
‘como se dizia na giria do Terceizo Reich, Hoje € um museu na-
ional belga,
AA primeira vista, 0 forte Breendonk parece muito antigo,
‘quase hist6rico. Ali onde se ergue — sob o céu eternamente
encoberto de Flandres, com as torres cobertas de musgo e uma
rmuralha escura — ele parece uma gravura melancélica da
Guerra Franco-Prussiana de 1870: pensamos em Gravelotte €
Sedan! e imaginamos que o Imperador Napoleso It, derratado,
pode surgir a qualquer momento de seus ports imponentes ¢
‘urvos, com o quepe na mio. B preciso chegar mais pero para
‘que a imagem fugidia de tempos passados sejasubstitulda por
‘uma imagem mais familiar: torzes de vigilanca, igadas por cer
«as de arame farpado, erguem-se ao longo do foseo da fortaleza,
A gravura de 1870 se sobrepoesubitamente a horrenda fotogra
fia daquele mundo que David Rousseau chamou de “universo
‘oncentracionério’ Os curadores do Museu Nacional mantive-
ram tudo como era entre 1940 e 1944, Lé esti as placas de
pareds, agora amareladas:“Além deste limite os guardasatirardo
"Referéci a dus batahas treads durante a Goer Franco-Prussian, em
170, com vrs eis dos prsisnos Em San prio npr
Napoleto it di rnp, cs prison, [NT]