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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

INSTITUTO DE HISTÓRIA

CURSO DE GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

APROPRIAÇÃO DO DESFILE DA BEIJA FLOR DE 2015 NOS


DISCURSOS DO GOVERNO E DOS ATIVISTAS POLÍTICOS DA
GUINÉ EQUATORIAL

Bianca Guimarães Santoro

Niterói,

Dezembro, 2017
Projeto de monografia apresentado na Faculdade de História da Universidade Federal
Fluminense como requisito básico para a conclusão do curso de graduação.

Oriantadora: Marina Annie Martine Berthet Ribeiro

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1. Introdução - Tema e Problematização

Acerca da colonização da atual Guiné Equatorial há um consenso na historiografia sobre a


negligência da metrópole em relação à colônia. No século XIX a principal atividade dos colonos
espanhóis era o comércio de escravos.1 Neste período muitos escravos eram enviados da Libéria
para trabalharem em outros territórios, principalmente a ilha de Fernando Pó. Tratava-se de um
embarque forçado, a fim de que estes escravos trabalhassem para os espanhóis. A Sociedade da
Liga das Nações instou a Libéria a pôr fim ao tráfico, porém a Espanha não sofreu nenhuma
punição.2

Essa posição de negligência por parte da metrópole frente a uma maior exploração da colônia
de Fernando Pó mudou apenas após a guerra civil espanhola. Franco impôs mudanças na
colônia, promovendo mudanças e investimento na produção promovendo lucros para a
Espanha.

Após esse período, a Guiné Equatorial é apresentada como uma colônia de assimilação. 3 A
partir da década de 1960 alguns hispano-guineenses participam da corte em Madri. Revoltas e
lutas pela emancipação já ocorriam na colônia, desde a década de 1950 4. Diante das revoltas e
da pressão da ONU, em 1968 a Guiné Equatorial conquista a independência. Eleições são
realizadas, na qual Francisco Nguema se torna presidente.

O período de presidência de Nguema foi marcado pela censura às mídias e aos intelectuais.
Bibliotecas foram fechadas e intelectuais foram perseguidos pelos agentes do governo 5. A
outrora próspera economia do café do cacau entrou em colapso 6. De forma geral, a economia
do país encontrava-se estagnada.

Este governo é acusado de perseguição às massas opositoras, com diversos mortos 7. O governo
de Francisco Nguema é acusado de perseguição ao povo Bubi e tal fato surge como legitimador
do golpe de Estado de 1979. Todos estes apectos serviram para enfraquecer o governo do
primeiro presidente da Guiné Equatorial. Teodoro Obiang, sobrinho de Francisco Nguema,
assume o poder, cargo que ocupa ainda hoje.

1 História Geral da África Unesco. Volume 7.


2 IDEM.
3 KI-Zerbo.1972.
4 FAGE, John. 2010.
5 Disponível em: http://egjustice.org/post/equatorial-guinea
6 DIsponível em: http://egjustice.org/post/equatorial-guinea
7 KI-ZERBO,. 1972.

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De acordo com a EG Justice, alguns desafios foram superados com a queda de Francisco
Nguema do poder, porém o país enfrenta ainda o desrespeito aos direitos humanos por parte do
Estado e há grandes desafios socioeconômicos, incluindo falta de distribuição de renda e os
escândalos de corrupção8. Além disso, todos os meios de comunicação do país são controlados
pelo governo, prejudicando a atuação da mídia independente e o acesso à informação por grande
parte da população. Mídias como a EG Justice atuam fora do país, pois este tipo de mídia não
é permitido na Guiné Equatorial.

Desde 1991 ocorrem eleições multipartidárias no país, porém relatórios de observadores


internacionais apontam para graves fraudes. Nas eleições Obiang ganha com 95% dos votos
registrados. Grande parte dos partidos são aliados à Obiang com a oposição ocupando poucos
assentos no parlamento. 9

O governo de Obiang é acusado por diversos ativistas e por entidades do mundo todo de
negligência dos direitos humanos, prisões, tortura e extermínio de opositores. Outro desafio
enfrentado pelo governo diz respeito ao petróleo. Este gera grande renda ao país, porém há
pouco investimento na sociedade. Além disso, o país encontra-se na lista dos governos mais
corruptos, sendo acusados por diversos órgãos internacionais como a ONU e organizações de
ativistas10.

Os aspectos sociais são negativos de acordo com índices internacionais, apesar dos
significantes recursos em petróleo, com um dos maiores índices de produção per capita do
mundo. Porém, apenas a elite política do país possui acesso a estas riquezas. O acesso ao
saneamento básico também é restrito no país. No setor da saúde, apesar dos investimentos e
avanços dos últimos anos, maiores melhorias poderiam ser atingidas utilizando-se o recurso do
petróleo, por exemplo, de acordo com especialistas.

O contexto apresentado nesta introdução constrói uma imagem negativa da Guiné Equatorial
no contexto internacional. Grandes mídias e organizações internacionais sempre apontam os
aspectos negativos do pais em questão. Corrupção, miséria, violação dos direitos humanos,
prisões arbitrárias são sempre apontadas como as maiores características do país. Podemos nos
questionar, se, tratando-se de um país africano, essa mídia não está a alimentar ainda mais os

8 Disponível em: http://egjustice.org/post/equatorial-guinea


9 Disponível em: http://egjustice.org/post/equatorial-guinea
10 Disponível em: http://egjustice.org/post/equatorial-guinea

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estereótipos acerca do continente. Por se tratar de uma ditadura na África, ela irá sempre ser
representada como um dos governos mais catastróficos do mundo 11.

Porém há diversos outros aspectos relevantes a serem abordados, tais como a atuação social
dos ativistas e a riqueza de suas reivindicações. Outro aspecto importante é como o próprio
governo irá utilizar a imagem negativa que tem no exterior e manipulá-la a seu próprio favor.
Nota-se que ambos os grupos se utilizam dessa imagem negativa com o propósito de atingir
objetivos diferenciados.

O governo da Guiné Equatorial utilizou-se de diversas estratégias para melhorar a imagem do


país no exterior e buscar aliados. Em 2014 após oitos anos pleiteando a entrada na CPLP, com
pedidos negados devido à manutenção da pena de morte na Guiné Equatorial, o pedido foi
aceito. Entendemos esta reivindicação como uma tentativa do país se manter no cenário
internacional, já que 90% da população fala espanhol12. É notável que um aliado do presidente
Obiang encontram-se na comunidade, o presidente de Angola José Eduardo Nascimento.

Devemos observar o olhar positivo que o ativismo político pode ter encarado a entrada do
país na CPLP. Ponciano Nvó, advogado e ativista, que discursou destacando a possibilidade
das exigências da CPLP serem cumpridas pelo governo, dentre elas a abolição da pena de morte.
Outra possibilidade de melhoria seria a maior vigilância destes países estrangeiros em relação
à Guiné Equatorial.

Foi possível, inclusive, que um grupo de ativistas recorressem aos países membros da CPLP
com o pedido de que averiguassem as violações de direitos humanos no país. Até hoje, pouco
mudou no país e violações de direitos humanos continuam ocorrendo. Porém, podemos buscar
compreender se essa visão positiva e esperançosa teve uma maior proliferação entre os grupos
ativistas.

No ano seguinte à entrada da Guiné Equatorial na CPLP, a Beija Flor de Nilópolis realizou
um desfile de carnaval exaltando a cultura do país africano. Entendemos a escolha do tema da
escola de samba como fruto da entrada do país na CPLP e seu maior espaço no cenário

11 Ideias apresentadas pela orientadora Marina Berthet nas reuniões sobre o projeto.
12 disponível
em:https://brasil.elpais.com/brasil/2014/07/20/internacional/1405852956_098717.html

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internacional. Essas hipóteses serão trabalhadas na pesquisa utilizando como base para a
compreensão do contexto, as notícias das mídias abordando o desfile.

Porém, também foram feitas homenagens ao presidente africano e este teria doado um alto
valor em dinheiro para a escola. Este fato gerou a circulação de diversas críticas ao desfile por
parte da mídia. Ativistas políticos guineenses se apropriaram do desfile para realizar críticas
contundentes ao governo de seu país. Utilizando-se e apropriando-se da mídia, esses ativistas
buscaram estabelecer seu espaço de crítica ao governo.

Procuramos nesta pesquisa entender como o governo da Guiné Equatorial entende tanto o
desfile da Beija Flor como a entrada do país na CPLP como uma estratégia de legitimação
diante do cenário internacional, e ainda, na busca por países aliados.

Procuramos também, compreender o olhar dos ativistas do país diante deste contexto.
Notamos que este grupo busca na entrada da Guiné Equatorial na CPLP, uma forma de maior
visibilidade do país no exterior. Desta forma, os países estrangeiros poderiam "vigiar" os abusos
do governo com a população.

O desfile também é apropriado pelos ativistas. O tema escolhido pela escola da Beija-Flor
gerou uma maior visibilidade tanto para o país quanto para os ativistas. Diversas entrevistas
foram feitas com ativistas políticos nas mídias, possibilitando um maior campo de debate acerca
dos direitos humanos na Guiné Equatorial. Ainda que este debate possa encontrar dificuldades
de penetração devido ao entendimento difuso sobre o papel da cultura e da política.

2. Justificativa e Balanço Historiográfico

A partir da análise bibliográfica, constata-se que a historiografia pouco abordou a história da


Guiné Equatorial. Muitos autores não inseriram o tema em suas análises sobre a história geral
do continente africano. Ao abordar temas como colonização e independência, poucos autores
citam o país. A constatação que chegamos é que a maioria dos autores ainda preferem trabalhar
em suas pesquisas com países colonizados por grandes potências. Por se tratar de uma colônia
espanhola, outros países são preteridos pelos pesquisadores.

A ideia surgida com essas leituras é que, mesmo os pesquisadores que propõe uma leitura
alternativa às análises baseadas no olhar colonial ainda preferem estudar países que foram
colônias de grandes nações imperialistas europeias. Sendo assim, a Guiné Equatorial, por se
tratar de uma ex-colônia espanhola, acaba sendo pouco analisada pela historiografia. Outro fator

6
que contribui para o país atrair pouca atenção dos pesquisadores, é por se tratar de um pequeno
território que em 1980 concentrava uma população menor que 1.000 habitantes por metro
quadrado.

A partir da análise da bibliografia de obras sobre a História Geral da África percebemos que
o pouco de abordagens sobre a Guiné Equatorial concentra-se no período da colonização
espanhola e da autonomia e independência do país. As contribuições mais importantes dessas
obras é contestar a visão propagada de que certas independências africanas forma fruto apenas
de uma negociação com as metrópoles, sem haver conflitos nesses casos.

Fage13 contribuiu com a construção da história da Guiné Equatorial ao citar a presença de


missionários ingleses na colônia espanhola de Fernando Pó, onde construíram escolas, igrejas
e oficinas no século XIX. Essa abordagem é realizada a partir da perspectiva dos africanos, o
que pode ser considerada como uma grande contribuição para a historiografia. O autor cita a
existência de conflitos entre as populações locais e os missionários ingleses, indicando as
diversas formas e resistências africana frente a ocupação e exploração de seu território pelos
europeus.

No volume 8 da História Geral da África da Unesco, destaca-se a existência já em 1950 de


movimentos de reivindicações, a mais importante sendo a Cruzada de Libertação Nacional.
Percebe-se através da leitura que a reação da Espanha foi de opressão e muitos guineenses se
exilaram no exterior. Apesar da oficialização da independência do país ter ocorrido através de
negociações com a Espanha e o auxílio da ONU em 1967 e 1968, o contexto foi de
reivindicações e revoltas por parte dos guineenses.

Ki-Zerbo no volume 2 de História da África Negra, faz uma análise da história da Guiné
Equatorial na página 313. O autor apresenta a colônia representada pelo regime de assimilação
pela Espanha. A justificativa é a participação em 1960 de dois hispano-guineenses na corte de
Madri. Porém cabe ressaltar as lutas e reivindicações ocorridas na década de 1950 pelos nativos,
que foram citadas por Fage.

Na mesma página Ki-Zerbo analisa o processo de autonomia e independência da Guiné


Equatorial. Com a pressão da ONU e dos partidos políticos guineenses de Monalige e IPGE, a
Espanha concedeu o regime de autonomia em 1964. Em 12 de outubro de 1968, a partir de
acordos com a Espanha, a Guiné Equatorial se torna independente e realiza eleições. A vitória

13 FAGE, John. História da África. Pp 523.


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foi de Francisco Nguema. Além da ONU, União Soviética, Cuba e China declararam apoio ao
país. Apoio que podemos inserir no contexto internacional da Guerra Fria.

Ki-Zerbo destaca a perseguição realizada por Francisco Nguema aos seus opositores. Muitos
opositores foram mortos e o governo do presidente é acusado de ter realizado execuções em
massa no país14. Em 1979 o sobrinho de Nguema, Teodoro Obiang, promove um sangrento
golpe de estado, e permanece no poder até hoje. Assim como o governo de seu tio, o presidente
também é acusado de diversas violações de direitos humanos.

Essa análise bibliográfica da colonização e independência da Guiné Equatorial é importante


pois a mesma lógica se aplica na reflexão sobre a história mais recente da Guiné Equatorial.
Ainda que se trate de um país que está constantemente presente na mídia devido às acusações
de violação aos direitos humanos, o tema ainda não se tornou objeto de análise dos
historiadores. Além disso, trata-se de um país que é grande produtor de petróleo e em
decorrência está ganhando espaço nas relações internacionais. Podemos entender esses
constantes esforços do governo de Teodoro Obiang de inserir-se nas relações internacionais
como uma tentativa de melhorar a sua imagem no exterior. Dentre essas tentativas, destaco a
entrada da Guiné Equatorial na CPLP.

Por outro lado, também é essencial entender como ativistas políticos e opositores ao regime
de Obiang utilizam-se da mídia e de entidades internacionais para conquistarem espaço e
visibilidade na sociedade. Compreender as estratégias desses setores para chamar a atenção
internacional é importante para entender o contexto em que o país se insere.

Nessa problemática considero a análise das mídias como importante forma de expressão dos
setores populares e do governo. Esse é o meio principal pelo qual ambos os setores buscam
comover e mudar a opinião internacional de acordo com seus pontos de vista e objetivos. É
através da mídia que as alianças são feitas e os pontos de vista são apresentados para os leitores.
Para este tipo de análise é essencial entender a mídia como veiculadora de ideologias. Assim,
diferentes periódicos apresentam diversas representações sobre um mesmo assunto.

O desfile da escola de samba Beija Flor em 2015, que teve como tema a Guiné Equatorial,
ocasionou tensão entre os dois grupos antagonistas. Gerou ainda, uma maior visibilidade para
os grupos de ativistas, com entrevistas e reportagens sobre violação dos direitos humanos no

14 KI-Zerbo.1972.
8
país. Portanto, considero esse momento como ponto principal para uma melhor compreensão
da situação da Guiné Equatorial.

3. Objetivos:

3.1: Geral:

Como objetivo geral da pesquisa, nossa proposta é a análise das relações entre o governo da
Guiné Equatorial e os ativistas políticos do país. Essas relações são norteadas, principalmente,
pelas violações dos direitos humanos por agentes do governo. A análise baseia-se no relatório
da Anistia Internacional de 2014-2015, período em que se realizou o desfile da Beija Flor em
homenagem à Guiné Equatorial. Este o qual gerou diversas reações.

Considerando este aspecto, pretendemos compreender, de forma geral, quais os meios são
utilizados por ambos os grupos como forma de estabelecer seus discursos. A mídia aparece
como principal ferramenta de uso político, entre blogs, imprensa e sites de ativistas.
Pretendemos, nesta análise, compreender como o uso político desses meios de comunicação
interfere nas relações sociais no país e, também, na opinião pública internacional acerca do
regime vigente na Guiné Equatorial.

Entendemos a entrada da Guiné Equatorial na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa 15


como inserida em um momento de tentativa do governo guineense em melhorar a imagem de
seu país no exterior. Desta forma, procuramos analisar como este fato foi apropriado e analisado
pela imprensa dos países de língua portuguesa. Esta parte da pesquisa busca resgatar os
interesses da imprensa no assunto e como esta molda a opinião pública acerca dos fatos.

Outro aspecto que buscaremos compreender, é como as pessoas entendem os conceitos de


cultura e política como termos isolados entre si. Este fato pode auxiliar-nos na pesquisa sobre
o desfile e a forma como grande parte dos membros da escola e o público comentaram
positivamente acerca do tema. A recepção positiva sobre um tema polêmico pode ser explicada
através da concepção atual de carnaval. Neste ponto, utilizaremos conceitos e termos dos
autores Berstein e Viveiros de Castro.

3.2 Específicos:

O objetivo específico deste projeto é a análise do desfile da escola de samba da Beija-Flor,


que como tema abordou a escola o país africano, cujo líder é Teodoro Obiang Nguema. O

15 disponível em: https://www.cplp.org/id-4452.aspx


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desfile será nosso objeto, e como base teórica para esta parte fundamental da pesquisa
utilizaremos a autora Maria Viveiros de Castro Cavalcanti. Nesta pesquisa, utilizaremos a ideia
16
que Viveiros de Castro apresenta em sua obra Carnaval Carioca: dos bastidores ao desfile
de que os elementos do desfile de carnaval absorvem conflitos, disputas e segmentações da
sociedade. Assim, como seria essa absorção de elementos de disputas pelo desfile quando se
trata de um tema que não está necessariamente inserido na sociedade a qual o carnaval ocorre?

Compreender como ocorre a absorção, pelo carnaval, de temas que geram conflitos políticos
apresenta-se como objetivo específico dessa pesquisa. Neste caso, abordaremos a forma que a
escola da Beija-flor abordou e apresentou aspectos que são fonte de disputa na Guiné
Equatorial, em seu desfile de 2015. Para tal, é essencial, também, o outro viés do desfile da
escola de samba, que é a compreensão de como a homenagem da Beija Flor ao país, mudou ou
influenciou as relações entre ativistas políticos e o governo. E como estes também utilizaram
do desfile em seus discursos.

A partir dos conceitos de Viveiros de Castro, busco compreender ainda, de qual forma o
patronato interferiu, e se interferiu diretamente, no ritual do desfile. Em sua obra, a autora
buscou compreender a relação entre o jogo do bicho e as escolas de samba e como esta relação
pode gerar reações e mudanças no desenrolar do desfile das escolas de samba. O interessante é
percebermos como diferentes visões de mundo interferem na realização e apresentação da
temática do desfile.

No caso do desfile de 2015 da Beija Flor, pretendemos utilizar estas ideias para a análise da
relação entre o desenvolvimento do tema do desfile da escola de samba e o governo de Obiang,
que teria doado três milhões de dólares à escola de samba 17. Este é um aspecto sociológico o
qual possui potencial transformador no desenvolvimento do desfile da escola de samba.

Outra relação que buscamos analisar, tendo em consideração os conceitos elaborados pela
autora, é se a questão da reciprocidade entre a festa e a cidade, de um modo geral, foi alterada
pela escola ter abordado um tema que gerou polêmica. Viveiros de Castro afirma em sua obra,
que o desfile de carnaval nos revela uma síntese do imaginário que a sociedade apresenta sobre
determinado tema. Este é outro aspecto apresentado pela autora que influenciou esta pesquisa.

16 Cavalcanti, Maria Viveirios de Castro, 2006.


17 Fonte disponível em: https://diariorombe.es/la-escuela-beija-flor-sera-juzgada-por-recibir-3-
millones-de-euros-de-los-obiang/
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4. Metodologia

Na elaboração desta pesquisa, utilizaremos conceitos da Nova História Política e da Nova


História Cultural. A retomada dos estudos políticos pelos historiadores é resultado dos diálogos
com a Antropologia e as Ciências Sociais. Serge Berstein, no processo de definição de cultura
política utiliza o termo capital cultural. A posse deste por determinados grupos os leva a
obterem sucesso na manutenção ou legitimação do poder 18.

A recriação de lugares de memória, no campo subjetivo ou objetivo, tem papel importante na


manutenção de determinados grupos no poder. Consideramos esta tese pertinente para uma
compreensão mais ampla do desfile como estratégia do governo da Guiné Equatorial em
melhorar sua imagem, principalmente entre os países da CPLP, a qual é membro.

Para Berstein, a cultura política não está limitada a ideologias ou tradições políticas de um
país. Trata-se de um conjunto homogêneo que busca definir identidades. A análise destas
identidades pressupõe na definição de uma cultura política nacional, pois nas sociedades a
cultura expressa pelas elites e pelas massas são distintas. Para o autor, a diferença essencial está
na expressão desta cultura e não no conteúdo ou contexto cultural.

Outro aspecto da cultura política proposta por Berstein que pretendemos utilizar nesta
pesquisa, é a ideia a qual a interação entre os agentes deve ser considerada nas análises deste
campo. Esta interação gera mudanças ao longo do tempo na cultura política, além da
possibilidade nos depararmos com uma multiplicidade de culturas políticas no interior de um
grupo ou de determinada sociedade.

Desta forma pretendemos estabelecer uma relação entre as torturas (citadas nesta pesquisa) e
a corrupção do governo de Nguema como uma forma de estabelecimento de seu poder. Por
outro lado, entendemos que nenhum governo se mantém apenas pelas armas. Desta forma, a
análise irá abranger a entrada do país na CPLP e o investimento e participação ativa no desfile
de carnaval de 2015 como formas manter uma imagem positiva no exterior e buscar países
parceiros.

A escolha das mídias que serão utilizadas nesta pesquisa como fonte, foi feita levando-se em
consideração a necessidade de comparação entre os discursos do governo de Obiang e os
ativistas políticos no momento posterior ao desfile da escola de samba da Beija-Flor.

18BERSTEIN, Serge. A cultura política. In: RIOUX, Jean-Pierre & SIRINELLI, Jean-François. Para uma História
Cultural. Lisboa, Editorial Estampa, 1998.
11
Comunicados oficiais do governo foram publicados online na imprensa da Guinea Ecuatorial
Press, como resposta às acusações de doação do presidente à escola de samba.

O Diário Rombe, imprensa da Guiné Equatorial, é hospedado na Espanha com intuito de


manter-se independente do governo. Tal fato permite que suas abordagens apresentem um
caráter de denúncia, tal qual na abordagem do desfile de carnaval da Beija-Flor. Ao abordar a
relação do presidente da Guiné Equatorial com a escola de samba19, o jornal destaca a ditadura
de Obiang como uma das mais sangrentas do mundo.

A comparação que será feita entre os dois discursos dos jornais será baseada na metodologia
de análise da imprensa de Heloísa de Farias Cruz e Maria do Rosário da Cunha Peixoto,
apresentada no livro Na Oficina do Historiador: Conversas sobre História e Imprensa. As
autoras defendem a comparação entre fontes como uma forma de compreendermos o campo
maior das disputas sociais.

Para a boa utilização das fontes de mídias, de acordo com as autoras, devemos compreender a
imprensa a partir de dois olhares. O primeiro que apresenta esta como força social ativa; o
segundo que entende a imprensa como braço do capitalismo, aspecto que evidencia a
necessidade de não analisarmos esta fonte como mera narrativa dos acontecimentos históricos,
mas sim como difusora de ideologias e desfazer-se do mito da objetividade da imprensa.

A imprensa constrói uma perspectiva histórica, um diagnóstico da realidade social em um


dado processo e conjuntura e se posiciona no campo da memória social. Estas são estabelecidas
através da correlação de forças e o campo de lutas sociais do momento. As autoras, assim,
defendem uma abordagem que se inicie nos jornais e direcione-se para a compreensão da
conjuntura social. A partir desta metodologia, pretendemos responder de que forma isto
acontece no caso das disputas entre os dois grupos antagônicos em relação ao desfile de samba
de 2015.

Notícias sobre o desfile que foram veiculadas pela imprensa brasileira serão utilizadas como
fonte referencial para uma compreensão mais abrangente do tema. Consideramos importante a
análise dessas mídias pelo fato do desfile ter-se realizado no país e assim, estar inserido no
contexto social brasileiro, aspecto este que deve ser levado em consideração. Esta utilização

19 Disponível em:
https://diariorombe.es/la-escuela-beija-flor-sera-juzgada-por-recibir-3-
millones-de-euros-de-los-obiang/
12
será abordada através da defesa que Cruz e Rosário fazem para que a análise compare fontes,
permitindo uma maior compreensão das forças e práticas sociais do período em estudo.

Outra fonte que será utilizada será o desfile da Beija-Flor, com análise do aspecto visual e
do samba-enredo, além de como este processo documentado pela imprensa. O objetivo é
analisar o aspecto social das relações entre o governo de Obiang e a escola de samba brasileira,
e ainda, suas repercussões no campo social. A metodologia utilizada será desenvolvida por
Viveiros de Castro Cavalcanti em Carnaval carioca: dos bastidores ao desfile pela autora
abordar aspectos sociológicos do desfile de carnaval.

A metodologia da autora baseia-se na análise do samba-enredo, conteúdo do desfile, temas e


alegorias de forma a estabelecer a relação entre a cidade e o desfile. Entendendo assim, o desfile
como "arena onde se confrontam forças políticas e culturais diferenciadas"20. Neste aspecto,
adicionamos na análise a especificidade do nosso tema, que é deste fazer uma releitura da
cultura da Guiné Equatorial.

Esta metodologia será utilizada para a compreensão das continuidades e mudança na vida
social urbana. A defesa da autora é a utilização de aspectos internos e externos ao desfile de
carnaval. Entre estes estão samba-enredo, ritmos, processos de expansão da base social da
escola e de comercialização, além da relação com o investimento do jogo do bicho. No caso do
desfile da escola da Beija Flor em 2015, utilizaremos para esta pesquisa, o investimento do
governo da Guiné Equatorial como base para a análise.

Para a autora, enredo e samba-enredo representam uma ressignificação da sociedade sobre


determinado tema. O desfile em estudo tem em seu tema uma inspiração da cultura africana, o
qual a autora afirma começou a ganhar força nos desfiles de carnaval a partir da década de 1960.
A partir da década de 1990 os temas passaram a ser os mais diversos, de acordo com a autora.
Utilizando a metodologia desta autora procuramos compreender a escolha deste tema e sua
relação com investimentos para o desfile, esta muitas vezes relacionada aos critérios de
avaliação e às hierarquias entre as escolas de samba. De acordo com as análises de Viveiros de
Castro, entendemos o carnaval, também, como comercialização da cultura.

BIBLIOGRAFIA:

20 CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de Castro. 2006.


13
BERSTEIN, Serge. A Cultura Política. In: Rioux, Jean-Pierre & SIRINELLI, Jean François.
Para uma história cultural. Lisboa, Editorial Estampa, 1998.

CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de Castro. Carnaval Carioca: dos bastidores ao desfile.
3. ed. Rio de Janeiro. EDUFRJ. 2006.

CRUZ, Heloísa de Farias; PEIXOTO, Maria do Rosário. Na oficina do historiador: conversas


sobre história e imprensa. Revista PUCSP. Vol. 37. 2007.

FAGE, John. História da África. Edições 70. 1995.

LUCA, Tânia Regina de. História de, no e por meio dos periódicos. São Paulo. Contexto. 2005.

KI-ZERBO, Joseph. História da África Negra. Volume 2. Lisboa. Publicações Europa-


América. 1972.

UNESCO. História Geral da África. São Paulo: Ática. / Unesco 1991. (Volumes 7 e 8).

FONTES:

ÁFRICA 21. 18 de fevereiro de 2015. Disponível em:


https://africa21digital.com/2015/02/18/beija-flor-vence-carnaval-do-rio-de-janeiro-com-um-
enredo-sobre-a-guine-equatorial/

AMNISTIA INTERNACIONAL. Relatório 2014-2015. Disponível em:


file:///C:/Users/bianc/Downloads/POL1000012015PORTUGUESE.PDF

CPLP. Disponível em: https://www.cplp.org/id-2600.aspx

DIARIO ROMBE. Vários. Disponível em: https://diariorombe.es/la-escuela-beija-flor-sera-


juzgada-por-recibir-3-millones-de-euros-de-los-obiang/

EG Justice. Disponível em: http://egjustice.org/

EL PAIS. Disponível em:


https://brasil.elpais.com/brasil/2014/07/20/internacional/1405852956_098717.html
ESTADÃO. Vários. Disponível em: http://brasil.estadao.com.br/noticias/rio-de-janeiro,tv-e-
jornais-oficiais-da-guine-silenciam-sobre-carnaval-no-rio,1636407

GUINEA ECUATORIAL PRESS. Vários. Disponível em:


http://www.guineaecuatorialpress.com/noticia.php?id=6268

14
PORTAL LUSO TIMES. Vários. Disponível em: https://www.lusotimes.co.uk/ativistas-
pedem-cplp-averigue-violacoes-direitos-humanos-na-guine-equatorial/

SIC NOTICIAS. Disponível em: http://sicnoticias.sapo.pt/mundo/2014-07-22-Ativista-da-


Guine-Equatorial-considera-que-entrada-do-pais-na-CPLP-e-positiva

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