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RESUMO
1. Introdução
As interações entre linguagem e cultura, que perpassam as práticas
sociais cotidianas, produzem efeitos nas relações sociais, como reflexo do uso
da linguagem. O indiscutível alcance sociocultural dos discursos produzidos
pela mídia contemporânea torna o estudo dessas práticas discursivas uma
questão fundamental para a pesquisa acadêmica. Além disso, a investigação
de tais discursos, embora voltada à análise linguística, favorece o exercício da
interdisciplinaridade, tema que desperta o interesse de pesquisadores
pertencentes às diversas áreas das Humanidades que se ocupam da
discussão a respeito da interação entre linguagem, cultura e sociedade, tais
como: Comunicação Social, Psicologia, Sociologia, Educação, etc.
Linguagem e sociedade encontram-se em relação dialética, o que
pressupões a ação dos sujeitos por meio de discursos e das demais práticas
sociais. Tal dinâmica converge para as questões linguísticas, que devem ser
consideradas lado a lado com os problemas de ordem social. Devido à
natureza social e não individual da linguagem, a língua, bem como os
indivíduos que a usam, deve estar situada em um contexto sócio-histórico. “A
língua penetra na vida através dos enunciados concretos que a realizam”
(BAKHTIN, 1997: 282), da mesma forma que, por meio deles, a vida penetra
nela.
A atividade publicitária como prática de interação social midiatizada,
materializada em textos geralmente polissêmicos, apresenta um propósito bem
definido, qual seja, o de persuadir. Assim, o uso de textos verbais e/ou visuais,
constituintes de determinada esfera cultural, os quais são reconhecíveis pelos
leitores, consiste em uma estratégia de criação publicitária que se utiliza de
meios multimodais para convencer os seus leitores-consumidores a adquirirem
determinados produtos e/ou serviços.
No que concerne à cultura, enquanto elemento constitutivo dos
processos sociais e dos sujeitos (HALL, 1997), entende-se que ela opera em
todas as instâncias da vida humana, definindo e redefinindo práticas
discursivas e sociais. A cultura, tanto constitui os discursos, quanto é por eles
constituída nos mais diversos usos da linguagem, como as práticas discursivas
publicitárias, as quais produzem elementos que, no decorrer do tempo, tanto
incorporam como geram novos significados à cultura.
Assim, este trabalho propõe-se a realizar uma reflexão teórica e uma
incursão de ordem prática voltada às representações sociais identificadas nos
discursos publicitários e, desse modo, investigar como elas produzem sentidos
nas práticas sociais. O aporte analítico deste estudo volta-se às formas
significativas, visuais e discursivas, relacionadas às práticas discursivas da
mídia publicitária.
Vinculado a este aporte teórico, adota-se como procedimento
metodológico aquele baseado na análise dialógica do discurso, abrangendo as
duas esferas da enunciação, a dimensão social e a verbal. Na dimensão social,
em que se considera o sujeito como histórico e social, é levado em conta o
contexto no qual ele se desenvolve. Com relação à esfera verbal,
compreendemos a análise propriamente dita. São verificadas, assim,
ocorrências linguísticas e visuais em textos publicitários multimodais, além de
descrevê-las. Por fim, são realizadas interpretações das representações
sociais, discursivas e de imagens, verificadas nesses textos.
2. Linguagem, cultura e discursos: interações
Faz parte da experiência de qualquer falante nativo a noção de que a
sua língua não é falada de maneira uniforme por todos os membros da
comunidade. Não é necessário um senso de observação muito apurado para
se perceber que, ao sul Brasil, no Rio Grande do Sul, por exemplo, fala-se um
português (regionalmente chamado de gauchês) repleto de diferenças em
relação ao idioma falado em outras regiões do país.
Sendo assim, a linguagem é a fonte mais importante de representações
coletivas. Jovchelovitch (2000, p. 65) acrescenta que, por meio dela os seres
humanos “lutam para dar sentido ao mundo, entendê-lo e nele encontrar o seu
lugar, através de uma identidade social”. Tal forma de identidade é construída
por meio de vivências e de experiências plurais e diversificadas; de encontros
da vida pública que produzem “uma realidade plural e tem sua base no diálogo
e na conversação”. (JOVCHELOVITCH, 2000, p. 68).
2.1 Linguagem
Integrando o enfoque da linguagem como uma representação social,
inclui-se teoria dialógica da enunciação de Mikhail Bakhtin, a qual propõe um
processo de intersubjetividade, cujo suporte é a relação sujeito-linguagem-
história-sociedade. Na instituição desse processo, a identidade decorre do
reconhecimento desse sujeito histórico por meio da alteridade, ou seja, de
outros seres sociais.
A experiência do cotidiano e a manifestação dialógica são pontos
capitais para os estudos bakhtinianos da linguagem. A relevância do estudo
dos gêneros discursivos cotidianos é enfatizada no conjunto da obra do autor,
pois é devido à dimensão dos gêneros que a natureza social da linguagem é
diretamente percebida por meio da relação entre o enunciado e o meio social
circundante.
Como possibilidade de demonstrar o processo relacional de
intersubjetividade, é analisada a questão da intertextualidade, a qual aparece
nos textos publicitários, como um relevante e criativo recurso de linguagem,
evidenciando o caráter multifacetado e dialógico do discurso.
Para se pensar em intertextualidade, é necessário retomar o conceito de
dialogismo, conceito basilar do pensamento bakhtiniano, princípio constitutivo
da linguagem do qual se derivam, em síntese, duas noções: o diálogo entre
interlocutores e o diálogo entre textos. Bakhtin (1997, p.35-36) propõe o
dialogismo como propriedade fundamental da linguagem (seja como língua,
seja como discurso), princípio que se estende à sua concepção de mundo e de
sujeito. Há uma dialogização interna da linguagem, que se dá por via da
interação entre as palavras dos sujeitos.
Além disso, como já foi salientado, é possível verificar que a linguagem e
a sociedade constituem-se em relação dialética. Por tal fator, entende-se que
os sujeitos agem por meio de discursos e das demais práticas sociais. Definir a
linguagem como prática social significa compreender que, além de um modo de
representação, ela é, também, um modo de ação das pessoas sobre o mundo
e sobre outras pessoas, bem como uma prática de significação.
No momento em que bordões, jogos de palavras e slogans inventivos
passam a integrar as esferas cotidianas de uso da linguagem, isto é, as
conversas informais, a cultura midiática torna-se, em parte, cultura popular, no
sentido de que passa a integrar a fala de pessoas comuns, fazendo do discurso
publicitário um material de pesquisa promissor, razão pela qual será o foco das
análises apresentadas neste artigo.
2.2 Cultura
Hoje diversos conceitos são atribuídos ao termo cultura. Essa palavra se
origina do latim, colere, e significa cultivar. Com os romanos, pela primeira vez
o termo foi empregado no sentido de destacar a educação aprimorada de uma
pessoa, o seu interesse pelas artes, pela ciência, pela filosofia, em resumo, por
tudo o que o homem produziu ao longo da história. A partir de novos estudos
na área, cultura passa a ser tratada, em sua pluralidade, como "o processo
global por meio do qual as significações são social e historicamente
construídas" (MATTELART e MATTELART, 1999: 105).
No Novo Dicionário da Língua Portuguesa, de Aurélio Buarque (1999), a
quarta acepção do termo cultura indica que essa trata do complexo dos
padrões de comportamento, das crenças, das instituições e dos valores
espirituais e materiais transmitidos coletivamente, os quais são característicos
de uma sociedade. Nesse mesmo sentido, Caldas (2008) afirma que existe
uma cultura regional com traços diversificados em todos os estados brasileiros.
Geertz (1989) enfatiza, entretanto, que além das características locais, a
cultura envolve um conjunto de mecanismos de controle – planos, receitas,
regras, instruções - para governar o comportamento.
Observa-se, também, um estreito vínculo entre linguagem e cultura:
uma é expressão da outra. Essas duas entidades possuem uma relação tão
ampla e complexa, que abrange desde a consideração de que as estruturas
linguísticas podem se edificar, a partir de uma situação cultural, até a
afirmação, em sentido contrário, de que os costumes linguísticos, de
determinados grupos, tenham moldado, fundamentalmente, a cultura desses
povos. Ou seja, dialeticamente, a linguagem modifica a cultura e esta modifica
aquela. As interações entre linguagem e cultura nos discursos do cotidiano têm
seus efeitos sobre as relações sociais como reflexo do uso da linguagem.
Deduz-se, dessa maneira, que há um dialogismo entre os discursos do
cotidiano e a cultura.
Concebida como elemento constitutivo dos processos sociais e dos
sujeitos (HALL, 1997), a cultura por operar em todas as instâncias da vida
humana, define e redefine práticas discursivas e sociais. Os estudos midiáticos
do cotidiano surgem como significativos materiais para o estudo das interações
entre linguagem e cultura, para a compreensão de como esses discursos são
produzidos e consumidos, e quais são os seus reflexos na sociedade.
Visto que, a sociedade é formada por um grupo organizado de pessoas
regidas pelo mesmo conjunto de normas e de leis, cujo objetivo é a
manutenção do que constitui essa sociedade, é preciso levar em conta que
esse conjunto de regras encontra-se em constante processo de transformação.
Segundo Hall (1997), as sociedades modernas são sociedades de mudança
constante, rápida e permanente, sendo possível afirmar que as diferentes
construções sociais encontram-se na base da produção das diversas
sociedades.
Os comportamentos de uma família são distintos dos de outras, as
manifestações socioculturais de diferentes cidades são distintas entre si, a
formação de cada país é específica e não se repete. Stuart Hall também ensina
que falar uma língua não significa apenas expressar pensamentos mais
interiores e originais. Significa também ativar a imensa gama de significados
que já estão ‘embutidos’ em nossa língua e em nossos sistemas culturais.
Apesar da inter-relação cultura e sociedade, e apesar de uma ser
imprescindível à outra, deve-se levar em conta o aspecto de que ambas são
distintas e de que, assim, apresentam dinâmicas diferentes. A dinâmica da
cultura permite que, ao longo do curso da História, ela adquira novos
elementos e que abandone outros, devido ao desuso. Os padrões culturais,
sob essa perspectiva, podem ser vistos como resultantes de distintas formas
de interação social e têm como finalidade conservar determinada organização
social.
Portanto, ao analisar a relação dialógica entre linguagem e cultura
contida nos discursos do cotidiano é imprescindível levar em conta os padrões
culturais da sociedade na qual esses discursos foram produzidos. Cada
sociedade ou grupo possui valores e padrões que dinamizam, a todo o
momento, a cultura vivida no cotidiano.
2.3 Discursos
Compreendidos como práticas sociais, os discursos produzidos nas
esferas cotidianas ajudam a construir o pensamento médio. Em consequência,
os gêneros da mídia publicitária, por exemplo, funcionam como representações
sociais e refletem o pensamento do senso comum. Além disso, devido a sua
presença constante na vida das pessoas, esses contribuem para a
naturalização de crenças e de papéis sociais, de preconceitos e de relações de
poder.
Entretanto, definir o discurso como prática social significa compreender
que, além de um modo de representação, ele é um modo de ação das pessoas
sobre o mundo e sobre outras pessoas, bem como uma prática de significação,
pois, uma vez que a relação entre discurso e estrutura social é dialética, o
discurso é, ao mesmo tempo, moldado pela estrutura social e constitutivo de tal
estrutura. O discurso também é uma prática especificamente discursiva, ao
materializar-se em textos. Logo, toda prática discursiva carrega uma dimensão
social (a prática social) e uma dimensão material ou materialidade linguística (o
texto).
Os sujeitos agem por meio de discursos e das demais práticas sociais
que constroem suas identidades sociais, a partir do momento em que se
interage com diferentes experiências, criando-se, assim, novos conceitos de
mundo e novas maneiras de entendê-lo e de habitá-lo.
As práticas sociais, originando-se das interações entre linguagem e
cultura, desenvolvem relações sociais por meio do seu principal meio, a
linguagem. A publicidade, por exemplo, ao operar com textos verbais e/ou
visuais, tem a capacidade de produzir subsídios que com o passar do tempo,
juntam-se à cultura popular propriamente dita, originando-se, a partir desse
processo, um exercício de intertextualidade.
Os discursos midiáticos presentes no cotidiano constituem-se, em vista
disso, em materiais de interesse para o estudo das interações entre linguagem
e cultura, para a compreensão de como esses discursos são historicamente
produzidos e consumidos e, além disso, oferecem suporte para a identificação
e análise de seus reflexos na sociedade.
3. Metodologia
O encaminhamento metodológico desta pesquisa tem cunho qualitativo,
pois a pesquisa realizada teve como fonte os discursos de variadas formas
midiáticas do cotidiano. A explicação, compreensão e interpretação dos dados
coletados centram-se na análise dinâmica de aspectos das relações sociais.
As informações colhidas são de caráter descritivo, analítico e
interpretativo: conforme os resultados parciais obtidos, os anúncios publicitários
foram descritos, analisados e interpretados.
A seleção do corpus de análise desta pesquisa foi realizada por meio da
escolha de material publicitário, envolvendo conteúdo identitário e cultural.
Foram escolhidos três exemplares: a) vídeo publicitário Bah da cerveja Polar,
veiculado pela TV aberta no ano de 2011; b) Coisas que Porto Alegre fala,
vídeo veiculado pelo Youtube a partir de março de 2012; e c) Comercial
intitulado “ Problema” da montadora Renault, veiculado pela mídia televisa no
ano de 2012.
3.1 Procedimentos metodológicos
O procedimento metodológico adotado tem na análise dialógica do
discurso seu suporte analítico, procurando demonstrar que nos textos
publicitários inscrevem-se movimentos heterogêneos tanto de aceitação como
de repúdio a determinados sentidos, arraigados ao meio social.
Conforme a “ordem metodológica” proposta por Bakhtin (1986), é
focalizada, primeiramente, a esfera social ou o domínio discursivo de interação,
assim como as condições concretas em que os anúncios foram produzidos, ou
seja, focaliza-se a esfera publicitária que tem uma função de sedução e
convencimento em relação ao leitor, orientando-o à aquisição de um
determinado produto e/ou à adesão a determinada marca.
O segundo passo volta-se aos gêneros discursivos e às ideologias
(horizonte axiológico) ali formalizadas: são peças publicitárias que têm como
portadores (suportes) de texto, revistas, televisão e sites da Internet. O terceiro
passo descreve as sequências linguísticas e, no caso desta pesquisa,
ampliando para uma análise semiótica, serão também consideradas as
sequências de imagens das peças selecionadas..
Por fim, é realizada a interpretação do material, com base nas categorias
teóricas estudadas. As análises em questão passam a ser desenvolvidas a
seguir.
Guria: substantivo que corresponde a menina, a moça: Ai, guria, não olha
agora.
Cigano Igor: alusão ao ator Ricardo Macchi, que participou de uma novela
com esse personagem: Aquele ali não é o cigano Igor?
A fu: expressão que “designa aquilo que é muito bom, de alta qualidade,
tanto uma situação quanto um sujeito” (Fischer, 2000, p.23): Aquele ali, ó, a
fu!
Parque Farroupilha: designação da maior área verde de Porto Alegre:
Entrar no Parque Farroupilha.
Bienal: denominação da Bienal do Mercosul, uma mostra internacional de
arte contemporânea que ocorre em Porto Alegre, reunindo obras de arte do
Brasil e dos países do Prata: Mas Bienal não é todo ano?
Aeromóvel: um projeto de transporte alternativo, realizado nos anos 80,
mas que nunca foi colocado em funcionamento: Parece que este ano sai o
aeromóvel.
T1, T2, T3, T4, T5 e demais Ts: nomes de linhas de ônibus transversais
que circulam pela cidade: T1, T2,...T3, T4, T5.
5. Considerações parciais
Este artigo focalizou as interações entre linguagem e práticas
socioculturais ao abordar as representações sociais situadas no âmbito
publicitário. Tais representações, construídas pelos leitores, e em grande parte
influenciadas pela publicidade que costumam ler ou assistir, podem
redirecionar ou até alterar sua visão de mundo, uma vez que essas peças
refletem a ideologia e também o conjunto de mudanças que tem lugar no
conhecimento da sociedade.
Com base na teoria das representações sociais, pode-se afirmar que a
linguagem é a fonte principal de representações sociais, responsável pela
formação de imagens, conceitos e de preconceitos construídos pela sociedade.
Assim, linguagem e representações sociais são indissociáveis.
Ao mesmo tempo, como destacou Bakhtin (1986), uma mesma língua é
coabitada por “linguagens sociais”, dinâmicas, que se cruzam e que são
atravessadas pelo plano social e pela História. São linguagens do
“plurilinguismo”, nas quais se inscrevem pontos de vista inseparáveis das
transformações da experiência cotidiana.
A mídia publicitária não é uma instituição impermeável ou resistente à
quebra de tabus tradicionais, uma vez que toda a esfera discursiva é
constituinte e constitutiva da sociedade. Como explica Fairclough (2001: 66),
“neste período de transformação social rápida e profunda, há uma tensão entre
pressões pela estabilização, parte da consolidação da nova ordem social, e
pressões pela fluidez e pela mudança”.
A inscrição, no texto publicitário, de visões de mundo diversas,
circulantes no meio social e reconhecíveis por parte de seus leitores-
consumidores, fornece aos estudos da linguagem um amplo material para
análise e interpretação de discursos e práticas sociais, contribuindo para a
reflexão, além de propiciar a construção de um mapa da resistência e da
pluralidade cultural em todos os momentos históricos.
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