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OS PURIS E OS BOTOCUDOS

O território capixaba por muito ficou desolado e até mesmo proibido à exploração do seu interior. Lá por meados do séc. XVIII
nos sertões do território brasileiro, ainda dividido em capitanias, encontravam-se espaços pouco conhecidos, temidos e desejados,
com muito ouro, terras férteis, lugares de risco e perigo, áreas fracamente ocupadas pelo homem branco e, no caso do leste da
capitania, habitadas pelas tribos indígenas dos Botocudos, Coropós, Coroados e Puris.
Os Puris eram hábeis pescadores que viviam originalmente no Litoral do Espírito Santo e Rio de Janeiro. A partir de 1500, porém,
foram obrigados a se adaptar e se refugiar nas frias regiões montanhosas com a chegada dos portugueses, mais a temida e
consequente escravidão, algo que estes índios abominavam, além de encurralados pelos europeus e por algumas tribos mais
selvagens como os Botocudos que dominavam o Vale do Rio Doce. Maria de Jesus, no livro em que trata de Muribeca, área próxima
à foz do Itabapoana, faz citações desde o início da colonização quando procedeu-se à catequização dos Puris e Botocudos pelos
padres da Companhia de Jesus no aldeamento da Fazenda da Muribeca, local do primeiro grande passo dado à colonização do sul
do Espírito Santo.
Os Puris estavam distribuídos em grupos desde o Rio Paraíba, penetrando na parte oriental de Minas Gerais, e os Goitacases entre
o Baixo Paraíba e Macaé, até o Espírito Santo. Nesta área havia duas principais nações de tapuias: os Guaymorés ao norte e os
Guaytacases ao sul, hoje conhecidos como Aimorés e Goitacases. Estes índios habitavam regiões próximas ao Caminho Velho e o
Caminho Novo. O Caminho Velho iniciava-se por Parati, no RJ, porém em 1725 o Caminho Novo começou a ser criado, abrindo-
se novas picadas na mata, resultando na inevitável expulsão dos índios da região.

Os índios Puris são identificados como descendentes dos Coropós e Coroados, ou muito parecidos, também em seus aspectos
culturais, como descrevem os cientistas Von Spix e Von Martius nas expedições realizadas no início do século XIX. Estes indígenas
como todos os de outras tribos em geral apresentavam os seguintes aspectos físicos: baixos ou de estatura mediana, robustos, largos,
achatados, pescoço curto e grosso, formas arredondadas, pés largos e dedos grandes, pele macia de cor parda-escura, cabelo
comprido liso de cor negra, sem cabelo nas axilas e peito, rosto largo, testa estreita, nariz curto, olhos pequenos, boca pequena e
dentes claros.

Segundo grande parte dos estudiosos modernos, os Goitacases falavam uma língua parecida com a dos Puris e, ainda segundo eles,
os Puris e os Coropós seriam os descendentes da mescla entre Goitacases e Gês do sertão, lembrando que ambos eram do tronco
macro-gê e viveram na mesma região geográfica, embora em épocas diferentes. Infelizmente, não nos foi legado algum
dicionário Goitacás-Português. Um padre jesuíta chegou a compilar um através os Goitacases agrupados em um aldeamento tupi,
mas a obra não sobreviveu no tempo.

Já da língua puri existem alguns dicionários. O mais famoso foi compilado em 1889, pelo engenheiro Alberto de Noronha
Torrezão. Ao final do “Dicionário dos Puris”, está o veredito de um dos índios entrevistados que disse ter assistido à guerra dos
Coropós com os Botocudos e que, acompanhando os primeiros, atravessou duas vezes o Rio Doce em perseguição dos segundos,
tendo perdido um irmão nestes combates.

Cita também que o terreno aquém do Rio Doce ficou limpo de Botocudos, mas que os mineiros tendo acabado com os Puris, os
Botocudos outra vez voltaram para o sul e, dizimados como se encontravam os Puris e Coropós, não puderam resistir aos Botocudos,
a não ser mais para cima, para os lados de Muriaé (MG) onde estavam outros grupos de Coropós e Coroados.
O termo botocudo é a denominação dada pelos portugueses aos indígenas pertencentes a grupos de diversas filiações linguísticas e
regiões geográficas, uma vez que a maior parte usava botoques labiais e auriculares, acessórios que na verdade eram peças
arredondadas, as vezes até de grandes dimensões, que fixavam nos lóbulos das orelhas e nos lábios, conferindo-lhes aparência
particularmente assustadora.
Os Botocudos, também chamados Boruns ou Aimorés, pertenciam ao tronco macro-gê (grupo não-tupi-guarani) como os
Goitacases e viviam do sul da Bahia ao norte do Espírito Santo e região do vale do rio Doce. Ainda há botocudos nas bacias dos
Rios Mucuri e Pardo. Caracterizavam-se por sua violência. Consta em várias citações que tinham o costume da antropofagia,
atacando aldeias de Puris ou de Goitacases, seus adversários tradicionais, ou caravanas de viajantes e até fazendas de sesmeiros,
incendiando o que encontravam no caminho.
Cronistas antigos já atestavam que os Goitacases falavam uma língua diferente da língua tupi - era mais "bárbara" e "truncada" e os
tupis não a compreendiam. Chamavam estes povos Gês de Tapuias (bárbaros, inimigos). Já a língua dos Puris era diferente da dos
demais indígenas de outras tribos, caracterizava-se por um vocabulário esparso, do qual alguns viajantes fabricaram pequenos
dicionários. A língua puri era falada nos vales do Itabapoana, médio Paraíba do Sul e nas serras da Mantiqueira e das Frecheiras,
entre os rios Pomba e Muriaé. Dividia-se em três subgrupos: sabonan, uambori e xamixuna.
Com a descoberta do ouro nas proximidades, os bandeirantes passaram a investir nesta região e a partir de 1780 começou um
verdadeiro extermínio aos Puris. Com a crise do ouro, existia a preocupação em aumentar os campos de minerações e, sabendo-se
da existência de ouro na região, de imediato organizaram-se expedições, sendo a primeira em Julho de 1780 por um ano, quando
ocorreram várias mortes e escravização de índios Puris.
A segunda expedição, de Julho de 1781, foi mais desbravadora ainda. Abriram-se caminhos por toda a região, seguida de distribuição
de terras e incentivo à mineração e à agricultura. Os conflitos entre índios e brancos se tornaram então cada vez mais frequentes e
contínuos, acarretando na matança dos índios que não eram considerados pelos “invasores”, ou melhor, pelos europeus, donos das
terras nem seres dignos de respeito.
Com isto, viu-se a necessidade de intensificar o processo de “civilização”, criando aldeamentos sem nenhum critério, misturando-
se tribos e etnias diferentes, introduzindo a eles os valores europeus, sem nenhum respeito à sua cultura nativa. Os índios que se
rebelavam ou aqueles que não se submetiam eram caçados e praticamente exterminados, através inclusive de guerra bacteriológica
principalmente com o vírus da varíola introduzida nas aldeias através de presentes.
Também eram comuns massacres promovidos por soldados do governo e até mesmo o estímulo de guerras entre tribos, além de
matanças isoladas, promovidas por fazendeiros, que se viam no direito de eliminar “obstáculos”. Os índios Puris só conseguiram
sobreviver por mais tempo devido à sua imersão em matas e serras de difícil acesso. Até o final do século XIX, mantinha-se boa
parte de sua cultura e costumes, alguns destes ainda preservados por famílias que se dizem descendentes destes indígenas.
Os Puris tinham sua sociedade composta por um chefe, por um pajé e homens e mulheres com funções distintas. O chefe era eleito
pela astúcia, braveza e habilidades de guerreiro e não tinha poder efetivo sobre seu povo: Ao pajé se destinavam as tarefas religiosas
e rituais de cura; aos homens cabiam a fabricação de armas, a caça e a guerra; as mulheres cuidavam da colheita, de recolher as
caças abatidas e cuidar das vasilhas e demais utensílios usados na tribo.
Cada índio podia escolher mais de uma esposa, eram polígamos. A sociedade indígena desta espécie não exercia a agricultura nem
a navegação, retiravam da natureza seus meios de subsistência. Por isso, viviam em habitações provisórias como nômades.
Eram devotos de várias entidades poderosas, contemplavam a natureza e seus fenômenos como deuses. Usavam colares protetores
para afastar animais ferozes. Ressalta-se o papel do pajé como símbolo maior do poder da religião entre os índios. Após o
falecimento, eram colocados em vasos de barro junto a seus pertences e sua habitação abandonada por medo do espírito do morto.
O significado da palavra Puri, em tupi, pode ser "… gentinha ou povo miúdo ou comedor de carne humana”, contudo esta segunda
não pode ser comprovada apenas pelos relatos dos viajantes da época. Também há relatos descrevendo os Puris como traiçoeiros e
desumanos com os homens brancos, contudo esses atos podem ser tidos como resistência contra as agressões para defesa de seu
território, sua família, sua tribo. Para o autor Cláudio Moreira Bento:
"…Não se conhecia fato algum de um Puri que haja matado um branco. Quando os brancos embrenhavam-se na mata para colher
a planta medicinal poaia, ao encontrarem os Puris estes se punham a correr arriscando-se furtivamente a apanharem para seus
usos as ferramentas dos brancos. O próprio nome Puri significava na língua deles gente mansa ou tímida."
Quanto aos costumes e hábitos indígenas, a contradição da busca por riquezas pelos portugueses e a indiferença do índio pelas coisas
materiais eram fatores que o homem branco não conseguia compreender, pareciam exóticos, incompreendidos e mal-interpretados.
Eram opostos extremos, os índios almejavam a harmonia com a terra para o seu sustento e o europeu buscava apenas a riqueza,
adentrando a mata e tomando posse do que antes era de todos, e que, a partir de então, passaria a ser do homem branco.
Os Puris foram descritos como calmos e receptivos por alguns e valentes e armados, por outros, de fato, podemos perceber que o
homem branco facilmente os combateu. Os brancos adentraram a mata fechada, favorecendo embates entre os exploradores e os
índios. Com a exploração das terras, o índio também foi empregado. Sabe-se que leis tratavam de impor que não fossem
exterminados, mas como em toda história brasileira e, nesta região não seria diferente, a extinção dos indígenas ocorreu. Os Puris
sumiram da área sem deixar rastros não existindo sinais de quando partiram, mas sabe-se que a sua extinção se deu ainda no século
XVIII.
Até pouco tempo julgava-se extinta a cultura e o povo Puri, porém, mais recentemente, tem-se notícia da existência de inúmeros
descendentes que guardam a língua, a história, os costumes e outros saberes, além de marcarem presença no folclore e no imaginário
religioso. Os Índios Puris são lembrados até hoje através de suas heranças culturais, podendo-se destacar a Dança de Caboclopor
regiões mineiras, uma das mais importantes manifestações folclóricas daquela região.
De acordo com pesquisas realizadas, esta dança era praticada pelos próprios índios Puris. Com o passar do tempo e devido à forte
perseguição à sua cultura, principalmente às de maior expressão, como as danças e rituais religiosos, o costume foi sendo esquecido
pelos remanescentes, inibidos, e talvez proibidos de cultuar e praticar seus costumes.
A principal fonte de documentação dos Puris no momento encontra-se perdida. O padre Manuel Eufrazio de Oliveira, sucessor do
padre Francisco das Chagas Lima (1757-1832) que catequizou esses índios quando foi pároco de Queluz na divisa entre os estados
de Minas Gerais e do Rio de Janeiro, mencionou a existência de um catecismo bilíngue elaborado pelo Pe. Francisco e que o teria
enviado ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. O conhecimento dessa língua ficou prejudicado pela falta de documentação.
Restam apenas algumas listas de palavras.
Alberto Torrezão, responsável pelo melhor material conhecido dos Puris, em 6 de setembro de 1885 encerra suas anotações com
os ensinamentos de dois remanescentes dos puris, um já idoso e outro seu sobrinho-neto, Manoel José Pereira e Antônio Francisco
Pereira, que lhe passaram alguns vocábulos desta língua desconhecida, resultando em uma amostra escassa. Nesta ocasião
encontravam-se domiciliados em terras dos Srs. Frades, na localidade do Gramma, a três léguas aproximadamente daquele arraial,
o Arraial do Abre-Campo em MG.
Com esforço e dedicação podem ser realizadas pesquisas e escavações arqueológicas nos sítios e fazendas por toda região sul
capixaba e norte fluminense para resgate de uma definitiva fonte de pesquisa sobre os índios que habitaram a região. Além de é
claro fornecer material que confirme que a ocupação do sul capixaba foi diferente de todo os demais pontos do Estado.

Responda as perguntas:

1- Onde viviam os Puris inicialmente? Para onde tiveram que ir e por que?
2- Quem eram os botocudos? Qual era a relação deles com os Puris?
3- O que significa a palavra Puri? Como foi descrito o comportamento dos Puris, segundo o texto?
4- Como era a sociedade Puri? O que sabemos da sua língua?
5- Os Puris foram extintos? O que rsestou deles e da cultura deles?

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