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Capítulo do livro Repensando a Teoria Literária Contemporânea. Org. João Sedycias.

Recife: Ed. UFPE, 2015, p. 363-404.


[A numeração das páginas da publicação está indicada entre colchetes. Esta versão traz as referências
bibliográficas completas nas notas de rodapé.]

Marxismo
Edu Teruki Otsuka
Universidade de São Paulo

“Teoria literária marxista” é um rótulo genérico que abarca grande diversidade de


tendências e angulações crítico-teóricas. Seu núcleo comum é a própria teoria econômica,
social, histórica, política e cultural desenvolvida nos escritos de Karl Marx, os quais, por
sua vez, são objeto de disputas interpretativas, por vezes acirradas, que se renovam
periodicamente. Não se trata, portanto, de um terreno pacífico ou sem conflitos internos, e
muito menos de uma doutrina acabada e definitiva, que possa ser simplesmente assimilada
e aplicada à leitura das obras, mas sim de uma teoria que, consciente de seu caráter
histórico, implica a própria capacidade de reinventar-se historicamente.
No campo dos estudos literários, o marxismo não se apresenta como uma corrente
teórica entre outras – pois não pretende concorrer no mercado acadêmico com as outras
vertentes disponíveis –, mas como um modo mais abrangente de compreender a literatura:
uma compreensão materialista e dialética, que se articula a uma investigação da estrutura da
sociedade.
Diferentemente das correntes que foram elaboradas no processo mesmo de
especialização dos estudos literários como disciplina autônoma (notadamente as correntes
formalistas), a crítica marxista não se formou dentro de um terreno demarcado pelos
cercamentos da “literariedade” ou de alguma “essência” da literatura; busca antes [365/366]
desfazer as separações ideológicas que apartam a atividade literária das outras práticas
sociais (e não apenas as culturais). Não se trata, contudo, de desconhecer as especificidades
de cada campo, e sim de investigar as articulações precisas entre o estético e o histórico-
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social, visando a revelar o teor de conhecimento das obras literárias.


Além disso, a crítica literária marxista não se confunde com a sociologia da
literatura, que dirige o foco do estudo para dados externos às obras, tais como as
circunstâncias de produção e de circulação das obras, a composição social de autores e de
públicos, os efeitos na recepção etc.; assim como não se limita a situar as obras em seu
contexto histórico para aferir sua representação temática. A crítica marxista não se volta
para fora da obra, mas procura, antes, aprofundar-se dentro dela; não se trata tanto de
buscar no exterior da obra os fatores sociais que poderiam explicá-la, mas principalmente
de examinar sua lógica interna, por meio da análise formal, reconhecendo na literatura seu
valor cognitivo.1

1. Os inícios
1.1.
As figuras centrais da tradição inicial, Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels
(1820-1895), não chegaram a elaborar uma teoria da literatura ou da arte que se possa
considerar acabada ou sistematizada. No entanto, os escritos de Marx registram com
abundância a preocupação de compreender adequadamente o fenômeno artístico, sem
reduzi-lo a mero documento. Consta mesmo que ele teria [366/367] planejado redigir um
estudo sobre Balzac e até escrever um tratado sobre estética, embora não tenha chegado a
esboçar tais projetos. De qualquer modo, com sua ampla formação cultural humanística,
Marx demonstra uma impressionante acumulação de conhecimentos não apenas sobre
filosofia, história, economia, etc., mas também sobre literatura, a qual deixou marcas na

1
O presente capítulo deve muito a alguns textos que, pelo caráter introdutório, se indicam como
sugestões de leitura: EAGLETON, Terry. Marxism and literary criticism. Berkeley and Los
Angeles: University of California Press, 1976. [Trad.: Marxismo e crítica literária. Trad. Matheus
Corrêa. São Paulo: Ed. Unesp, 2011.] CALLINICOS, Alex. “Marxism and literary criticism”. In:
The Cambridge history of literary criticism. Vol. 9: Twentieth-century historical, philosophical and
psychological perspectives. Ed. Christa Knellwolf & Christopher Norris. Cambridge: Cambridge
University Press, 2001, pp. 89-98. MULHERN, Francis. “Marxist literary criticism: past and
future”. In: The present lasts a long time. Field Day / University of Notre Dame Press, 1998, pp. 29-
54. FORGÁCS, David. “Marxist literary theories”. In: JEFFERSON, Ann & ROBEY, David (eds.)
Modern literary theory: a comparative introduction. 2nd ed. London: Batsford, 1986, pp. 166-203.
Para um contato inicial com textos de alguns autores centrais, recomendam-se as seguintes
antologias: EAGLETON, Terry & MILNE, Drew (eds.). Marxist literary theory: a reader. Oxford:
Blackwell, 1996. MULHERN, Francis (ed.) Contemporary Marxist literary criticism. London:
Longman, 1992.
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profusão de alusões e citações literárias disseminadas em seus escritos, e sobretudo na


reconhecida força expressiva de sua prosa. Mais importante do que os dados biográficos da
formação cultural de Marx, porém, são as considerações relacionadas à literatura e à arte
que ele e Engels deixaram, pois a partir delas se buscou definir, em retrospecto, pontos de
apoio para a construção de uma teoria literária marxista.2
Um trecho muito comentado pela tradição posterior, e por isso mesmo
incontornável, é o do “Prefácio” (1859) a Para a crítica da economia política, em que se
esquematiza a relação entre base (infraestrutura) e superestrutura, em torno da qual outros
teóricos discutiram o problema correlato da relação entre a realidade social e a literatura:

na produção social de sua vida, os homens contraem relações determinadas,


necessárias e independentes de sua vontade, relações de produção estas que
correspondem a uma etapa determinada de desenvolvimento das suas forças
produtivas materiais. A totalidade dessas relações de produção forma a
estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se levanta uma
superestrutura jurídica e política, e à qual correspondem formas sociais
[367/368] determinadas de consciência. O modo de produção da vida material
condiciona o processo em geral de vida social, político e espiritual. Não é a
consciência dos homens que determina o seu ser, mas, ao contrário, é o seu
ser social que determina sua consciência. Em uma certa etapa de seu
desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em
contradição com as relações de produção existentes ou, o que nada mais é do
que a sua expressão jurídica, com as relações de propriedade dentro das
quais aquelas até então se tinham movido. De formas de desenvolvimento
das forças produtivas estas relações se transformam em seus grilhões.
Sobrevém então uma época de revolução social. Com a transformação da

2
Os textos de Marx e de Engels sobre arte e literatura (e questões pertinentes à discussão do tema)
foram compilados em diversas antologias, entre as quais: MARX, K. & ENGELS, F. On literature
and art. Ed. Lee Baxandall & Stefan Morawski. New York: International General, 1974. Id.,
Cultura, arte e literatura (textos escolhidos). Ed. de José Paulo Netto e Miguel M. C. Yoshida. São
Paulo: Expressão Popular, 2010. Um estudioso de Literatura Comparada fez o levantamento
minucioso das referências literárias nos escritos de Marx; ver PRAWER, S. S. Karl Marx and world
literature. Oxford: Oxford University Press, 1978.
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base econômica, toda a enorme superestrutura se transforma com maior ou


menor rapidez. Na consideração de tais transformações é necessário
distinguir sempre entre a transformação material das condições econômicas
de produção, que pode ser objeto de rigorosa verificação da ciência natural,
e as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas, em
resumo, as formas ideológicas pelas quais os homens tomam consciência
deste conflito e o conduzem até o fim.3

Marx situa a arte no domínio da superestrutura, junto a outras formas ideológicas


(políticas, religiosas, filosóficas etc.), através das quais os homens tomam consciência das
próprias condições de existência e procuram resolver os conflitos em que estão implicados.
Assim, o funcionamento da ideologia é indissociável das relações específicas entre as
classes na sociedade.
Em algumas passagens de texto anterior, A ideologia alemã (1845-1846), percebe-
se com clareza que a insistência de Marx na determinação material das formas ideológicas
se deve ao caráter polêmico da discussão, em que ele se opõe à compreensão da história
[368/369] humana como sendo determinada por ideias. Contra tal concepção, Marx aponta a
centralidade do trabalho humano, mostrando que a própria produção cultural não pode ser
compreendida como esfera separada da totalidade das atividades realizadas pelos homens.4
Por isso, talvez a formulação citada acima possa parecer unilateral, como se apenas a
prática econômica influísse sobre a superestrutura, e esta apenas acompanhasse o
desenvolvimento material. Mas seria mais preciso dizer que, para Marx, a produção
material e a produção da consciência mostram ser reciprocamente determinantes: “A
produção [...] produz não somente um objeto para o sujeito, mas também um sujeito para o
objeto.”5

3
MARX, K. “Para a crítica da economia política”. In: Os pensadores. Trad. de José Arthur
Giannotti e Edgar Malagodi. São Paulo: Abril Cultural, 1978, pp. 129-130.
4
Ver MARX, K. & ENGELS, F. A ideologia alemã. Trad. Rubens Enderle, Nélio Schneider e
Luciano Cavini Martorano. São Paulo: Boitempo, 2007, pp. 93-95.
5
MARX, K. “Introdução”. In: Grundrisse: manuscritos econômicos de 1857-1858. Esboços da
crítica da economia política. Trad. Mario Duayer e Nélio Schneider. São Paulo: Boitempo; Rio de
Janeiro: Ed. UFRJ, 2011, p. 47. Vale lembrar, a propósito, que o jovem Marx já esboçava uma
historicização dos sentidos humanos ao notar que “a formação dos cinco sentidos é um trabalho de
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Importa notar aqui que Marx enfatiza as inter-relações das formas ideológicas e das
atividades materiais, de tal modo que a consciência não preexiste em relação à prática
material, nem é mero epifenômeno ou subproduto dela: “A produção de ideias, de
representações, da consciência, está, em princípio, imediatamente entrelaçada com a
atividade material e com o intercâmbio material dos homens, com a linguagem da vida
real.”6 Desse modo, Marx procura realizar um movimento de “ascender do abstrato ao
concreto”7, desfazendo a aparência de autonomia das formas ideológicas, as quais não são
independentes da prática material e das relações entre os homens na sociedade.
É verdade que algumas dessas formulações, quando lidas isoladamente, acabaram
dando margem a certas esquematizações simplificadoras que a tradição posterior (de fundo
positivista) vulgarizou.8 Mas as várias considerações de Marx e Engels sobre [369/370] o
tema permitem entender a relação entre arte e estrutura econômica como sendo mais
complexa do que a simples relação direta e mecânica em que a cultura estaria a reboque do
desenvolvimento produtivo. Embora as transformações na superestrutura estejam de algum
modo atreladas ao ritmo da produção material, para Marx as formas ideológicas não são
mero reflexo passivo da estrutura econômica.9
Nesse sentido, cumpre lembrar uma anotação de maturidade (1858) de Marx em que
ele assinala “a relação desigual do desenvolvimento da produção material com, por
exemplo, o desenvolvimento artístico”:

Na arte, é sabido que determinadas épocas de florescimento não guardam


nenhuma relação com o desenvolvimento geral da sociedade, nem, portanto,

toda a história do mundo até aqui”. Ver Id., Manuscritos econômico-filosóficos [1844]. Trad. Jesus
Ranieri. São Paulo: Boitempo, 2004, p. 110.
6
MARX, K. & ENGELS, F. A ideologia alemã, cit., p. 93.
7
MARX, K. “Introdução”. In: Grundrisse, cit., p. 54.
8
Em 1890, Engels alertava para o perigo da simplificação mecanicista, que ele já identificava entre
os novos “marxistas”. Ver Carta a Joseph Bloch, 21-22 de setembro de 1890, in: MARX &
ENGELS. Cultura, arte e literatura, cit., pp. 103-4 e 106-7. Para uma discussão do tema, ver
WILLIAMS, R. “Base e superestrutura na teoria da cultura marxista” [1973]. In: Cultura e
materialismo. Trad. André Glaser. São Paulo: Ed. Unesp, 2011. Id., Marxismo e literatura. [1977]
Trad. Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Zahar, 1979, pp. 79-86. Id., “Marx on culture” [1983]. In:
What I came to say. London: Hutchinson Radius, 1989, pp. 195-225.
9
A propósito, note-se que, ao tratar de literatura, Marx jamais usou a metáfora do “reflexo”. Cf.
PRAWER, S. S. Op. cit., p. 409.
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com o da base material, que é, por assim dizer, a ossatura de sua


organização. P. ex., os gregos comparados com os modernos, ou mesmo
Shakespeare. Para certas formas de arte, a epopeia, por exemplo, é até
mesmo reconhecido que não podem ser produzidas em sua forma clássica,
que fez época, tão logo entra em cena a produção artística enquanto tal; que,
portanto, no domínio da própria arte, certas formas significativas da arte só
são possíveis em um estágio pouco desenvolvido do desenvolvimento
artístico. Se esse é o caso na relação dos diferentes gêneros artísticos no
domínio da arte, não surpreende que seja também o caso na relação do
domínio da arte como um todo com o desenvolvimento geral da sociedade.10
[370/371]

Para Marx, o trabalho crítico consistiria não só em reconhecer essas contradições,


mas sobretudo em especificá-las, para assim explicá-las. Na sequência do trecho citado, ele
se coloca também o problema do valor estético:

a dificuldade não está em compreender que a arte e o epos gregos estão


ligados a certas formas de desenvolvimento social. A dificuldade é que ainda
nos proporcionam prazer artístico e, em certo sentido, valem como norma e
modelo inalcançável.11

Marx não deixou uma resposta satisfatória para o problema proposto, lembrando
apenas que as condições sociais que produziram a arte grega antiga “não podem retornar
jamais”. No entanto, as observações de Marx e Engels que tratam diretamente de literatura,
mais do que fornecer respostas definitivas, apresentam um conjunto de questões que a
tradição posterior continuou investigando. Seja como for, uma contribuição central de Marx
para a teoria literária (e não só literária) é a exigência de compreender as atividades
culturais no seu entrelaçamento com outras práticas materiais, como parte, portanto, da
totalidade do processo social.

10
MARX, K. “Introdução”. In: Grundrisse, cit., pp. 62-63.
11
Id., ib., p. 63.
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1.2.
Na geração seguinte à de Marx e Engels, ou, para usar as balizas convencionais,
desde os anos 1870 até a Primeira Guerra Mundial, prevaleceu entre os marxistas a vontade
de sistematizar as ideias dos fundadores, estabelecendo padrões científicos. A ciência, no
caso, era entendida na acepção predominante no final do século XIX, ou seja, positivista, o
que redundou, para o tema aqui discutido, em uma visão determinista rígida da relação
entre base e superestrutura.
No campo da reflexão sobre arte e literatura, o crítico russo Georgi Plekhanov
(1856-1918) é o principal representante dessa [371/372] tendência. Segundo ele, cabia ao
estudioso encontrar o “equivalente social” dos fatos literários, isto é, uma tarefa da crítica
seria a identificação, a partir das obras, das afiliações ideológicas e da posição de classe dos
escritores. Embora nas declarações teóricas Plekhanov sugerisse que a influência direta da
economia sobre a arte só raramente se observa, na prática a relação entre os fatores sociais
condicionantes e as obras artísticas frequentemente acabou recaindo em análises
simplificadoras.12
No começo do século XX, homens políticos como Lênin (1870-1924)13 e Trotsky
(1879-1940)14 também se dedicaram ao estudo da literatura e da arte, muitas vezes
apresentando observações sobre base e superestrutura e sobre forma e conteúdo que se
mostram mais complexas do que as esquematizações mecânicas do marxismo vulgar. Mas,
mais do que esmiuçar suas concepções crítico-teóricas, importa notar que, para Lênin e
Trotsky, com suas perspectivas diversas, o alcance prático dos artigos sobre literatura era
uma preocupação central, pois as reflexões sobre a produção literária eram entendidas
também como intervenções políticas nas controvérsias ideológicas. Assim, e muito por
razões históricas, que deixaram de existir para as gerações seguintes, falar sobre literatura

12
Ver PLEKHANOV, G. A arte e a vida social [1912] e Cartas sem endereço [1899]. Trad.
Eduardo Sucupira Filho. São Paulo: Brasiliense, 1969. Sobre o “equivalente social”, ver
JAMESON, Fredric. “Introduction”. In: ARVON, Henri. Marxist esthetics. Trans. Helen R. Lane.
Ithaca: Cornell University Press, 1973, pp. ix-x. Para um comentário geral, ver KONDER, Leandro.
“Plekhanov”. In: Os marxistas e a arte. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967, pp. 39-45.
13
LENIN, V. I. Cultura e revolução cultural. Trad. Lincoln Borges Jr. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1968. Id., On literature and art. Moscow: Progress, 1970.
14
TROTSKY, Leon. Literatura e revolução. Trad. Moniz Bandeira. Rio de Janeiro: Zahar, 1969.
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não era, para eles, uma atividade separada da prática revolucionária.


O percurso e o destino do inglês Christopher Caudwell (1907-1937) servem de
emblema representativo dos intelectuais políticos daquela quadra. Com seus conhecimentos
enciclopédicos acumulados em um curto intervalo de tempo, o “autodidata” Caudwell
produziu toda sua obra em menos de quatro anos, abarcando assuntos que iam da física à
literatura. Em Ilusão e realidade (1937), seu [372/373] estudo mais conhecido, buscou, com
base no marxismo, fornecer uma explicação antropológica das origens e da função da
poesia.15 Longe de ser apenas um literato com inclinações radicais, Caudwell, comunista
ativo, juntou-se às Brigadas Internacionais e lutou na Guerra Civil Espanhola, morrendo na
frente de batalha antes de completar trinta anos de idade.16

2. Marxismo ocidental e desdobramentos


2.1.
É sobretudo a partir do trabalho do filósofo húngaro György Lukács (1885-1971)
que se define com mais clareza a feição geral de uma teoria literária marxista propriamente
dita. Nos anos 1930, Lukács trabalhou na Rússia ao lado de Mikhail Lifshitz (1905-1983)17,
e, contrariando a opinião predominante na época, ambos estavam convencidos de que o
marxismo continha, em germe, uma estética coerente, ainda que não sistematizada. Não se
tratava, portanto, de complementar o marxismo com uma estética externa a ele (como
tentaram fazer os predecessores que foram buscar em Kant aquilo que julgavam faltar à

15
CAUDWELL, C. Illusion and reality: a study of the sources of poetry. London: MacMillan,
1937. Outro estudo deste autor sobre literatura é Id., Romance and realism: a study in English
bourgeois literature. Princeton: Princeton University Press, 1970.
16
Este parágrafo sobre Caudwell reproduz observações de MULHERN, F. “Marxist literary
criticism: past and future”, cit., p. 35. Ver também Id., “The Marxist aesthetic of Christopher
Caudwell”, New left review, n. 85, May-June 1974, pp. 37-58. THOMPSON, E. P. “Christopher
Caudwell”. In: Making history: writings on history and culture. New York: The New Press, 1994,
pp. 77-140.
17
O estudo pioneiro e mais conhecido de Lifshitz, cuja primeira edição russa é de 1933, é
LIFSHITZ, M. The philosophy of art of Karl Marx. Trans. Ralph B. Winn. London: Pluto Press,
1973. Sobre sua trajetória, ver MITCHELL, Stanley. “Mikhail Lifshits: a Marxist conservative”. In:
HEMINGWAY, Andrew (ed.). Marxism and the history of art: from William Morris to the New
Left. London: Pluto Press, 2006, pp. 28-44.
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teoria marxista18); tratava-se antes de desentranhar e desenvolver a reflexão estética que já


estava latente nos próprios escritos dos fundadores. Coube a Lukács definir as grandes
linhas da investigação marxista da literatura, a partir da qual, ou contra a qual, muito da
reflexão posterior foi elaborada. [373/374]
Autor, na juventude, do influente estudo não-marxista A teoria do romance
(1916)19, que não cabe comentar aqui, Lukács aproximou-se do marxismo e escreveu
História e consciência de classe (1923)20, marco iniciador do assim chamado marxismo
ocidental. Juntamente com o conceito de reificação, que desenvolve a noção marxiana do
“fetichismo da mercadoria”, apresenta-se no livro o tema do ponto de vista da totalidade.
Embora a estética não estivesse no centro de seus argumentos, essa obra abria um quadro
teórico que possibilitava enfrentar a relação entre forma literária e processo social em
termos novos, pois deslocava o modelo da relação entre base e superestrutura, afirmando
antes a primazia do conceito de totalidade social.21
A partir dos anos 1930, Lukács elaborou uma teoria da literatura com base em uma
concepção própria de realismo, e, embora tivesse sido levado a renegar as teses de História
e consciência de classe, o tema da totalidade persiste, subjacente, em sua teorização da
literatura realista, em que a narração ocupa lugar central.22
Para Lukács, a literatura se torna significativa (realista) na medida em que alcança

18
É o caso de Plekhanov, já mencionado, e do alemão Franz Mehring. Sobre este, ver LUKÁCS, G.
“Franz Mehring (1846-1919)”. In: Aportaciones a la historia de la estética. Trad. Manuel Sacristán.
México: Grijalbo, 1966, pp. 383-486.
19
LUKÁCS, G. A teoria do romance. Um ensaio histórico-filosófico sobre as formas da grande
épica. Trad. José Marcos de Macedo. São Paulo: Duas Cidades / Ed. 34, 2000.
20
Id., História e consciência de classe. Estudos sobre a dialética marxista. Trad. Rodnei
Nascimento. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
21
“Não é o predomínio de motivos econômicos na explicação da história que distingue de maneira
decisiva o marxismo da ciência burguesa, mas o ponto de vista da totalidade. A categoria da
totalidade, o domínio universal e determinante do todo sobre as partes constituem a essência do
método que Marx recebeu de Hegel e transformou de maneira original no fundamento de uma
ciência inteiramente nova.” (Id., História e consciência de classe, cit., p. 105.) Como lembra um
comentador, mais do que apenas a preocupação com as mediações, o conceito de totalidade implica
decisivamente a transição do ponto de vista do indivíduo para a perspectiva das classes sociais.
(MUSSE, R. “Álgebra da revolução”. Folha de S. Paulo, Jornal de Resenhas, 14 de fevereiro de
2004, p. 10.)
22
Ver JAMESON, Fredric. “Em defesa de Georg Lukács”. In: Marxismo e forma. Teorias dialéticas
da literatura no século XX. Trad. Iumna Maria Simon et al. São Paulo: Hucitec, 1985, pp. 127-160.
Id., “History and class consciousness as an unfinished project”. In: Valences of the dialectic.
London: Verso, 2009, pp. 201-222.
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apreender as forças históricas que movem a sociedade, não se limitando à figuração das
aparências superficiais; estas não são descartadas, mas mostradas na sua conexão com a
estrutura profunda (ou a essência social) de que são manifestações. [374/375]
Objeto central para a teoria de Lukács é o romance, a epopeia burguesa moderna (na
caracterização de Hegel), “de tal modo ajustada ao novo curso do mundo que o ‘realismo’
vem a ser uma determinação inerente à sua forma”23. O movimento que o romance realista
realiza em sua estrutura equivale a uma desalienação, pois se trata de atravessar a aparência
reificada da vida social e mostrar como esta é resultado da estrutura da sociedade, em cujo
fundo atuam as forças motrizes que carregam o impulso transformador. Assim, no romance,
narrar equivale a captar as articulações e inter-relações entre a experiência imediata (da
vida cotidiana) e o dinamismo histórico profundo; ou seja, corresponde a apreender, no
desenvolvimento da ação, as conexões que remetem ao processo social em sua
integralidade.24
Dizendo de outro modo, na concepção lukacsiana, o romance realista toma como
ponto de partida as noções comuns, dadas na vivência cotidiana imediata, e o
desenvolvimento do enredo desdobra as situações concretas nas quais as noções iniciais são
postas à prova. A força do romance está na consistência com que apresenta o curso dessa
evolução, ao longo do qual os significados se deslocam ou se restabelecem, revelando a
verdade ou a inverdade das noções de que partira. Assim, tal dinâmica do romance realista
é análoga ao movimento dialético da crítica marxista da sociedade burguesa: “o jogo
concreto das categorias [...] passa juízo sobre si mesmo”.25
Ainda no período de juventude, Lukács cunhou uma fórmula que, lida com
referência à sua obra posterior, não deixa de resumir o princípio básico que orienta sua

23
ARANTES, Paulo E. Um departamento francês de ultramar. Estudos sobre a formação da cultura
filosófica uspiana. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994, p. 224.
24
Ver LUKÁCS, G. Ensaios sobre literatura. Trad. Leandro Konder et al. 2ª ed. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1968. Id., Marxismo e teoria da literatura. Sel. e trad. Carlos Nelson
Coutinho. 2ª ed. São Paulo: Expressão Popular, 2010. Id., Arte e sociedade: escritos estéticos,
1932-1967. Org. C. N. Coutinho e J. P. Netto. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2009. Id., O romance
histórico. Trad. Rubens Enderle. Apresentação Arlenice Almeida da Silva. São Paulo: Boitempo,
2011.
25
Ver SCHWARZ, Roberto. “A letra escarlata e o puritanismo”. In: A sereia e o desconfiado. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965, pp. 115 e 119. Ver também ARANTES, P. E. Um
departamento francês de ultramar, cit., p. 215. Id., O fio da meada. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1996, p. 35.
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crítica madura: em literatura, diz ele, o verdadeiramente social é a forma. 26 A despeito dos
aspectos [375/376] problemáticos de sua teoria do realismo, que gerou incompreensões,
discussões e polêmicas, o fato é que Lukács é o primeiro crítico marxista a efetivamente
fazer análise formal de maneira consequente, como se vê, por exemplo, no notável ensaio
“Narrar ou descrever?” (1936).27 Ali Lukács investiga o predomínio da utilização de
procedimentos formais naturalistas (a que ele chama de “descrição”) que substituem o uso
de recursos realistas (“narração”), sendo essa transformação no plano das formas literárias
correspondente à guinada ideológica da burguesia, ligada aos eventos políticos de 1848 na
França.
Lukács argumenta persuasivamente que o naturalismo prenuncia procedimentos
“formalistas” que seriam depois levados ao extremo pelo modernismo, assim como sugere
a conexão entre o predomínio da descrição no romance e a intensificação histórica dos
efeitos da reificação. No entanto, embora tenha mostrado a articulação entre a mudança
estético-formal e o novo conteúdo histórico-social, Lukács considera a literatura pós-
realista como simples reprodução do mundo reificado, assimilando essa produção literária à
decadência ideológica da burguesia depois de 1848.28 Estudos posteriores, retendo a
fecunda percepção lukacsiana da guinada pós-realista, procuraram, no entanto, reconsiderar
o sentido e o alcance estético das inovações formais impulsionadas pela nova configuração
da luta de classes na Europa ocidental, descobrindo nelas não tanto uma capitulação
ideológica, mas a invenção de procedimentos literários capazes de fazer frente às novas
condições.29 [376/377]

26
LUKÁCS, G. “Reflexões sobre a sociologia da literatura”. In: Georg Lukács: Sociologia. Org.
José Paulo Netto, São Paulo: Ática, 1981, p. 174. Trata-se de excerto da Introdução ao livro
História do desenvolvimento do drama moderno (1909).
27
Id., “Narrar ou descrever”. In: Ensaios sobre literatura, cit., pp. 47-99.
28
“A tirania da prosa do capitalismo sobre a íntima poesia da experiência humana, a crueldade da
vida social, o rebaixamento do nível de humanidade são fatos objetivos que acompanham o
desenvolvimento do capitalismo e desse desenvolvimento decorre necessariamente o método
descritivo.” (Id., ib., p. 66.)
29
Ver SCHWARZ, R. “Questões de forma”. In: Um mestre na periferia do capitalismo: Machado
de Assis. São Paulo: Duas Cidades, 1990, esp. pp. 167-173. Cumpre mencionar aqui os estudos de
OEHLER, Dolf. Quadros parisienses: estética antiburguesa em Baudelaire, Daumier e Heine,
1830-1848. Trad. José Marcos Macedo e Samuel Titan Jr. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
Id., O velho mundo desce aos infernos: auto-análise da modernidade após o trauma de Junho de
1848 em Paris. Trad. José Marcos Macedo. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
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2.2.
O problema da reversibilidade da análise de forma literária e de processo social
permanece no centro da reflexão estética posterior a Lukács. No âmbito da Teoria Crítica,
destaca-se o filósofo alemão Theodor W. Adorno (1903-1969).30
Na obra de Adorno pode-se discernir um tipo de crítica que não estabelece, de
antemão, princípios abstratos, externos aos objetos estudados, com os quais buscasse
avaliá-los; ao contrário, trata-se de levar a cabo uma crítica imanente, que permanece
dentro do objeto analisado e, a partir dele, elabora os conceitos com os quais procura
compreendê-lo, só extrapolando os limites do objeto na medida em que o respeita, pois visa
a seu conteúdo de verdade, que o transcende.31
Assim como, na filosofia, as categorias não só possibilitam conhecer o real mas
também carregam traços da experiência histórica que as tornou possíveis (havendo,
portanto, um nexo entre a trama dos conceitos e o processo social), assim também, na
literatura, as configurações trazem as marcas da sociedade da qual se separaram ao
individualizarem-se. As obras de arte têm um teor cognitivo, ainda que o conhecimento
produzido pela arte não possa ser diretamente traduzido numa série de proposições. Para
Adorno, as obras são como relógios de sol histórico-filosóficos [377/378] que marcam a hora
histórica,32 e isso porque o conteúdo social está inscrito na organização formal das obras,
embora não seja evidente nem imediatamente apreensível. Revelá-lo é a tarefa do crítico,
que não buscará o social fora da obra de arte, mas o especificará tanto melhor quanto mais
fundo mergulhar na obra, deixando-se guiar por sua lógica própria.33
Não se trata, portanto, de estudar os condicionamentos ou os efeitos da obra na

30
Para uma introdução às ideias de Adorno, em que estas observações se apoiam, ver JARVIS,
Simon. Adorno: a critical introduction. Cambridge: Polity Press, 1998.
31
“Se o conteúdo de verdade é verdadeiro no sentido enfático, se é mais do que meramente o que é
intencionado, então ele deixa para trás a imanência na medida em que se constitui. A verdade de um
poema não existe sem a estrutura do poema, a totalidade de seus momentos; mas ao mesmo tempo é
algo que transcende a estrutura, enquanto estrutura da aparência estética: não a partir de fora,
através de um conteúdo filosófico enunciado, mas em virtude da configuração dos momentos que,
tomados no conjunto, significam mais do que o que a estrutura intenciona.” (ADORNO, T. W.
“Parataxis”. In: Notes to literature. Trans. Shierry Weber Nicholsen. New York: Columbia
University Press, 1992, vol. 2, pp. 112-113. Também foi consultada a tradução espanhola: Id.,
Notas sobre literatura. Trad. Alfredo Brotons Muñoz. Madrid: Akal, 2003, p. 433.)
32
ADORNO, T. W. “Palestra sobre lírica e sociedade”. In: Notas de literatura I. Trad. Jorge de
Almeida. São Paulo: Duas Cidades / Ed. 34, 2003, pp. 78-79.
33
Id., ib., p. 66.
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sociedade, nem, muito menos, de usar as obras literárias para ilustrar teses sociológicas ou
filosóficas: “O pensamento é profundo por se aprofundar em seu objeto, e não pela
profundidade com que é capaz de reduzi-lo a outra coisa.”34 A crítica procura, antes,
mostrar de que maneira “o todo de uma sociedade, tomada como unidade em si mesma
contraditória, aparece na obra de arte”35. Assim é que, mesmo a configuração lírica, que
parece ser o que há de mais afastado do social ou mesmo oposto a ele, “é sempre, também,
a expressão subjetiva de um antagonismo social”.36
Da perspectiva adorniana, o problema do realismo no romance ganha outra feição.
Observando o desenvolvimento histórico das formas, Adorno argumenta que, para
continuar fiel a seu impulso realista original, o romance precisou renunciar ao antigo
realismo que, limitando-se a reproduzir o movimento aparente da sociedade, acabava por
alinhar-se com a ideologia. Na sociedade totalmente administrada, em que a própria
alienação se transformou em meio estético, o momento antirrealista do romance moderno,
que toma partido contra a mentira da representação e contra o próprio narrador, surge como
desdobramento e resposta à impossibilidade de se [378/379] apresentar o curso do mundo
como algo inteligível e narrável, como se ainda fosse, essencialmente, um processo de
individuação.37
Informada pela experiência da arte moderna (produzida sob o influxo das
vanguardas históricas), a teoria de Adorno deixa para trás as concepções tradicionais de
obra orgânica,38 entrevendo no fragmentário e no dissonante modos de formalização
estética que dão a ver as contradições históricas:

Para a crítica imanente uma formação bem-sucedida não é [...] aquela que
reconcilia as contradições objetivas no engodo da harmonia, mas sim a que
exprime negativamente a ideia de harmonia, ao imprimir na sua estrutura

34
Id., “O ensaio como forma”. In: Notas de literatura I, cit., p. 27.
35
Id., “Palestra sobre lírica e sociedade”, cit., p. 67.
36
Id., ib. p. 76.
37
Id., “Posição do narrador no romance contemporâneo”. In: Notas de literatura I, cit.
38
A partir do estudo das vanguardas históricas, o crítico Peter Bürger discute a teoria de Adorno e
desenvolve a concepção de obra inorgânica, a qual exige a redefinição dos métodos críticos
tradicionais: “Não é mais a harmonia das partes individuais que constitui o todo da obra, mas, sim, a
relação contraditória entre partes heterogêneas.” (BÜRGER, P. Teoria da vanguarda. Trad. José
Pedro Antunes. São Paulo: Cosac Naify, 2008, p. 162.)
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mais íntima, de maneira pura e firme, as contradições.39

A questão da atualidade balizada pelo desenvolvimento das forças produtivas é


central na teoria de Adorno, e havia sido explorada, no campo da estética, por Walter
Benjamin (1892-1940). Entusiasmado com o progresso das técnicas de reprodução das
obras de arte, e tendo em vista a arte vanguardista russa pós-revolucionária, Benjamin
procura identificar, no âmbito da arte, um dinamismo interno análogo ao do avanço das
forças produtivas que, segundo o esquema de Marx, entra em contradição com as relações
de produção e invalida as categorias que a acompanham. A reprodutibilidade técnica solapa
o estatuto da obra “autêntica” ou “aurática”, que mantém vestígios da função originária da
arte ligada ao ritual; com isso, as categorias de autenticidade e de unicidade, em que se
baseava a autoridade das obras, tornam-se obsoletas. Uma vez que o objeto único ocupa, no
campo da arte, um lugar correspondente [379/380] ao da propriedade privada no domínio
prático, a transformação identificada no âmbito estético anuncia o destino da própria classe
proprietária e a alteração no relacionamento da arte com o real. Por isso, nas palavras de
Benjamin, quando o critério da autenticidade perde força em face da produção artística, a
arte deixa de fundar-se no ritual para fundar-se em outra práxis: a política.40
Junto a isso, e influenciado pelo teatrólogo alemão Bertolt Brecht (1898-1956),41
Benjamin ensaiou ideias sobre a atuação política dos intelectuais, concebendo o “autor
como produtor”. Sugerindo uma alternativa aos termos tradicionais do debate sobre a
“tendência” política nas artes, ele propõe que, em vez de se perguntar sobre o modo como a
39
ADORNO, T. W. “Crítica cultural e sociedade”. In: Prismas: crítica cultural e sociedade. Trad.
Augustin Wernet e Jorge de Almeida. São Paulo: Ática, 1998, p. 23.
40
Ver BENJAMIN, W. “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica” [1935/36]. In:
Obras escolhidas: magia e técnica, arte e política. Trad. Sergio Paulo Rouanet. São Paulo:
Brasiliense, 1985, pp. 171-2. Reproduzo comentário de SCHWARZ, R. “Nota sobre vanguarda e
conformismo”. In: O pai de família e outros estudos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978, p. 44; Id.,
“Sobre Adorno (entrevista)”. In: Martinha versus Lucrécia. São Paulo: Companhia das Letras,
2012, pp. 44-45.
41
Este capítulo fica devendo um comentário adequado sobre Brecht. Ver BRECHT, B. Escritos
sobre teatro. Trad. Fiama Pais Brandão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1978. Id. Brecht on
theatre: the development of an aesthetic. Ed. and trans. by John Willett. London: Methuen, 1964.
Id., El compromiso en literatura y arte. Barcelona: Península, 1973. Ver também BENJAMIN, W.
Understanding Brecht. Trans. Anna Bostok. London: Verso, 1983. PASTA Jr., José Antonio.
Trabalho de Brecht: breve introdução ao estudo de uma classicidade contemporânea. São Paulo:
Duas Cidades / Ed. 34, 2010. SCHWARZ, R. “Altos e baixos da atualidade de Brecht”. In:
Sequências brasileiras. São Paulo: Companhia das Letras, 1999, pp. 113-148.
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obra literária se situa nas relações entre as classes, caberia indagar como ela se situa dentro
das relações de produção. Insistindo na necessidade de o artista refletir sobre sua posição
no processo produtivo, Benjamin lembra que, para Brecht, trata-se de transformar
(“refuncionalizar”) os meios de produção artística em sentido progressista, tendo em vista a
sua liberação. O intelectual que se solidariza com o proletariado não deve apenas abastecer
o aparelho de produção existente, ainda que com obras de feição revolucionária; ele deve,
antes, buscar modificá-lo, na medida do possível, num sentido socialista.42 Ao argumentar
que a realização do progresso técnico acaba por conduzir à transformação da função das
formas artísticas e, consequentemente, dos meios de produção intelectuais, Benjamin
procurou vincular a arte modernista à causa da revolução.43 [380/381]
Seria coerente notar ainda que a própria sofisticação teórica e filosófica de Adorno
(e de outros marxistas ocidentais) não deixa de ser também resultado de impasses históricos
determinados. Ao mesmo tempo em que o marxismo ocidental, de que a Teoria Crítica é
uma ponta avançada, aprofundou a análise da sociedade moderna, a ênfase sobre as
questões culturais e sobre o problema da reificação correspondia também ao momento
histórico em que, derrotadas as irrupções revolucionárias em vários países da Europa, o
desfecho prático da ação política, em princípio inseparável da atividade teórica da crítica,
parecia bloqueado. Os desenvolvimentos teóricos mais criativos do marxismo no século
XX sem dúvida ocorreram fora do bloco socialista (em que se impôs a doutrina do
“realismo socialista” nas artes e na crítica44). Em parte, isso se deveu à falta de perspectivas

42
BENJAMIN, W. “O autor como produtor” [1934]. In: In: Obras escolhidas, cit., p. 127.
43
Cf. JAMESON, F. “Versões de uma hermenêutica marxista”. In: Marxismo e forma, cit., p. 69.
44
Promovido pelo secretário do Comitê Central Andrei Zhdanov (1896-1948), sobretudo nos anos
1940, o “realismo socialista” foi a doutrina estética oficial do período stalinista. Não é preciso
enfatizar aqui o quanto tal doutrina foi perniciosa para a produção artística oficialmente sancionada
dos Estados comunistas. Para um apanhado histórico da discussão teórica desde seus antecedentes,
ver STRADA, Vittorio. “Da ‘revolução cultural’ ao ‘realismo socialista’” e “Do ‘realismo
socialista’ ao zhdanovismo”. In: HOBSBAWM, Eric J. (org.) História do marxismo. Vol. 9, O
marxismo na época da Terceira Internacional: problemas da cultura e da ideologia. 2ª ed. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1989, pp. 109-150 e 151-219. Para um estudo dos romances soviéticos do
realismo socialista, que recaíam na repetição dos modelos, ver CLARK, Katerina. The Soviet novel:
history as ritual. 3rd ed. Bloomington: Indiana University Press, 2000. E, para dimensionar
adequadamente o problema, convém lembrar que o romance proletário mundial nem sempre esteve
submetido aos preceitos do realismo socialista; ver o apanhado de DENNING, Michael. “A
Internacional dos romancistas”. In: A cultura na era dos três mundos. Trad. Cid Knipel. São Paulo:
Francis, 2005, pp. 61-82.
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da prática política ligada à situação histórica após a derrota da revolução. 45 Nos seus piores
efeitos, essas circunstâncias levaram à academização do marxismo, que corre o risco de
converter-se em uma interminável reflexão teórica sobre si mesmo.

2.3.
Nos anos 1960, o influxo avassalador do Estruturalismo nas Humanidades não
deixou de imprimir sua marca também no [381/382] marxismo.46 No tocante à teoria literária
ligada ao marxismo estruturalista, cabe mencionar Pierre Macherey (1938- ), ligado ao
grupo de Louis Althusser (1918-1989), que empreendeu nos anos 1960 uma releitura da
obra de Marx.
Opondo-se francamente às teorias tradicionais da literatura, geralmente voltadas
para o consumo dos textos, Macherey desloca o acento para a investigação das condições
de produção das obras. Ele rejeita as concepções “realistas” (representacionais) da
literatura, bem como o procedimento imanente da crítica, buscando antes investigar a forma
literária nas suas lacunas, que são inevitáveis e significativas.47
Para Macherey, a crítica não pode ser apenas a verbalização do conhecimento mudo
que o objeto supostamente abriga em seu cerne; a crítica deve ser antes uma forma de
conhecimento científico que, distanciando-se do objeto, procura conhecê-lo como ele
mesmo não pode conhecer-se. O escritor não fabrica os materiais que elabora, e a obra não
é criada por uma intenção (subjetiva ou objetiva) que lhe dá unidade; ela é produzida em
condições determinadas, por meio da elaboração de uma diversidade de materiais
45
Ver ANDERSON, Perry. Considerações sobre o marxismo ocidental / Nas trilhas do
materialismo histórico. Trad. Isa Tavares. São Paulo: Boitempo, 2004. Aproveito, neste passo, uma
formulação de EAGLETON, T. “Introduction Part I”. In: EAGLETON, T. & MILNE, D. (eds.).
Marxist literary theory: a reader, cit., pp. 11-12.
46
Uma tentativa de articular marxismo e estruturalismo, que só mencionaremos de passagem, foi
feita por Lucien Goldmann (1913-1970), filósofo romeno radicado na França. Goldmann
desenvolveu um método crítico a que chamou de “estruturalismo genético”, que se volta para a
investigação das estruturas mentais em sua relação com as condições históricas que as produziram.
Para ele, caberia discernir as “homologias estruturais” entre as obras literárias e as “visões de
mundo” das classes sociais. Ver GOLDMANN, L. Sociologia do romance. Trad. Álvaro Cabral.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1967. Para um comentário abrangente, ver LÖWY, Michael & NAÏR,
Sami. Lucien Goldmann, ou a dialética da totalidade. Trad. Wanda Caldeira Brant. São Paulo:
Boitempo, 2009.
47
Ver MACHEREY, Pierre. Para uma teoria da produção literária. [1966] Trad. Ana Maria Alves.
São Paulo: Mandacaru, 1989. Para um comentário, ver EAGLETON, T. “Macherey and Marxist
literary theory”. In: Against the grain: essays 1975-1985. London: Verso, 1986, pp. 9-21.
Edu Teruki Otsuka – Marxismo

ideológicos e contraditórios. A obra é a tentativa de solução imaginária das contradições


inconciliáveis, e se apresenta como uma unidade aparente e ilusória; o que a crítica deve
buscar não são as marcas de sua coesão, e sim as suas rupturas internas. Assim, a obra não
é tanto um todo completo que se basta a si mesmo, pois forçosamente [382/383] apresenta
lacunas, ausências – uma incompletude determinada, pois o que lhe falta é o que a constitui
como objeto.48 A relação da obra literária com a realidade objetiva não é, portanto, uma
relação de representação. Nesse sentido, a obra não expressa a ideologia; ela dá a ver uma
ausência determinada, sem a qual não existiria, e nessa relação com o ausente se pode
observar o funcionamento da ideologia. O importante na obra é o que não está dito: não o
que ela se recusa a dizer, mas aquilo que ela não pode dizer:

o texto literário não é tanto a expressão de uma ideologia [...] mas a sua
encenação, a sua exibição, operação na qual a ideologia se volta de certa
maneira contra si mesma, visto que não pode ser assim exibida sem fazer
aparecer os seus limites, no ponto preciso em que se mostra incapaz de
assimilar realmente a ideologia adversa.49

Notadamente, na teoria de Macherey a obra literária não é concebida como uma


forma que carrega um conhecimento acerca da realidade objetiva; ela é entendida sobretudo
como um momento do processo de reprodução da ideologia dominante. O conhecimento só
pode ser alcançado pelo crítico, que examina as condições de produção da obra e a

48
“A obra existe sobretudo pelas suas ausências determinadas, por aquilo que não diz, pela sua
relação com tudo o que não seja ela própria. Não que, a bem dizer, a obra possa dissimular seja o
que for: a obra não escondeu esse sentido no mais profundo de si própria, não o mascarou, nem lhe
deu uma falsa aparência. Não se trata, por conseguinte, de o perseguir com uma interpretação. Não
está na obra, está fora dela, nas suas margens, nesse limite em que a obra deixa de ser o que
pretende ser, por aí entrar em relação com as condições da sua viabilidade.” (MACHEREY, P. Op.
cit., p. 149.)
49
BALIBAR, Étienne & MACHEREY, P. “Sobre a literatura como forma ideológica: algumas
hipóteses marxistas” [1974]. In: SEIXO, Maria Alzira (org.). Literatura, significação e ideologia.
Trad. Maria Madalena Gonçalves. Lisboa: Arcádia, 1976, p. 38. Ver também ALTHUSSER, Louis.
“A letter on art in reply to André Daspre” [1966]. In: Lenin and philosophy and other essays. Trans.
Ben Brewster. New York: Monthly Review, 1971, pp. 221-227. Na formulação de Althusser, “a
ideologia representa a relação imaginária dos indivíduos com suas condições reais de existência”.
(Id., Aparelhos ideológicos de estado. 6ª ed. Trad. Maria Laura Viveiros de Castro. Rio de Janeiro:
Graal, 1992, p. 85.)
Edu Teruki Otsuka – Marxismo

interroga sobre aquilo que ela não diz. [383/384]

2.4.
No início dos anos 1970, nos Estados Unidos, Fredric Jameson (1934- ) publicou
um dos primeiros trabalhos a oferecer uma visão geral do repertório teórico-literário do
marxismo ocidental, o livro Marxismo e forma (1971).50 Retomando as obras de Theodor
Adorno, Walter Benjamin, Herbert Marcuse, Ernst Bloch, Georg Lukács e Jean-Paul Sartre,
Jameson procura aproveitar a lição desses autores para elaborar uma teoria própria.
Tomando o problema do desenvolvimento histórico das formas literárias, Jameson
recupera o tema da dialética de forma e conteúdo, assinalando que o novo está para o velho
como o conteúdo latente procurando emergir à superfície para deslocar uma forma
doravante obsoleta. A contradição entre o novo conteúdo e a forma velha, no plano da arte,
corresponde, no plano da realidade, ao modelo marxiano da transformação revolucionária,
em que o desenvolvimento das forças produtivas materiais entra em contradição com as
relações de produção existentes e as modifica.51
A forma, portanto, não é vista como aquilo com o que se começa, um molde inicial
previamente dado, mas sim como aquilo com que se termina, isto é, a articulação última da
lógica mais profunda do próprio conteúdo. (Mas a obra de arte perfeita, em que a forma
seria inteiramente adequada ao conteúdo, não pode ter surgido ainda, simplesmente porque
suporia a reconciliação dos antagonismos concretamente realizada na vida social.)

A adequação do conteúdo à forma nela realizada, ou não realizada, ou


realizada de acordo com determinadas proporções, é, [384/385] afinal de
contas, um dos índices mais precisos da sua realização no momento
histórico; na verdade, a forma é apenas a elaboração do conteúdo no
domínio da superestrutura.52

50
JAMESON, F. Marxismo e forma. Teorias dialéticas da literatura no século XX. Trad. Iumna
Maria Simon et al. São Paulo: Hucitec, 1985.
51
Id., ib., p. 250-251. Note-se de passagem que essa dinâmica da relação entre conteúdo e forma
sustenta o eixo do estudo de SZONDI, Peter. Teoria do drama moderno (1880-1950). Trad. Luiz
Repa. São Paulo: Cosac Naify, 2001.
52
JAMESON, F. Op. cit., p. 252.
Edu Teruki Otsuka – Marxismo

O juízo crítico sobre as obras individuais é sempre, em última análise, social e


histórico, pois avalia, no plano do resultado estético, as realizações e os defeitos formais,
que são, ao mesmo tempo, índices da própria configuração social e histórica
correspondente, a qual cabe à crítica explorar.53
Retomando elementos centrais da tradição anterior, Jameson indica que o método
imanente é indispensável à crítica marxista.54 E mostra que, como consequência disso, o
pensamento dialético envolve autoconsciência, é pensamento elevado à segunda potência,
pois consiste em refletir sobre um dado objeto e também, simultaneamente, observar os
próprios processos de pensamento. Tudo se passa como se o próprio material se elevasse à
consciência, não só como objeto analisado, mas também como um conjunto de operações
mentais propostas pela natureza intrínseca desse objeto particular.55
Em linha com outros autores da tradição dialética, Jameson lembra que o conteúdo
(social) das obras não é informe, mas pré-formado e significativo desde o início: [385/386]

a característica essencial da matéria-prima literária ou do conteúdo latente é,


precisamente, que nunca é inicialmente sem forma, nunca [...] inicialmente
contingente, mas sim significativo já de saída, não sendo nem mais nem
menos do que os próprios componentes de nossa vida social concreta:
palavras, pensamentos, objetos, desejos, pessoas, lugares, atividades. A obra
de arte não confere significado a esses elementos, mas antes transforma seus
significados iniciais em uma nova e intensificada construção de significado;
por esse motivo, a criação ou a interpretação da obra não podem mais

53
Nesta passagem, Jameson cita um trecho significativo da Estética de Hegel: “a deficiência da
obra de arte não deve ser sempre atribuída apenas à falta de habilidade subjetiva, [...] a deficiência
da Forma também provém da deficiência do conteúdo”. (HEGEL. Cursos de estética, vol. I. Trad.
M. A. Werle. São Paulo: Edusp, 1999, pp. 89-90.) A observação hegeliana está na base de algumas
considerações de Adorno, que diz, por ex., que “todo fracasso [artístico] [...] que não resulte da
contingência do talento e que se torne transparente em sua necessidade, aponta para o social”.
(ADORNO, T. W. “Ideias para a sociologia da música”. In: Benjamin, Horkheimer, Adorno,
Habermas, Textos escolhidos (Os pensadores). São Paulo: Abril Cultural, 1983, p. 267.) A questão
é retomada por SCHWARZ, R. Um mestre na periferia do capitalismo, cit., p. 161.
54
“Para uma crítica genuinamente dialética [...] não pode haver nenhuma categoria de análise
preestabelecida: na medida em que cada obra é o resultado final de uma espécie de lógica interna ou
do desenvolvimento no seu próprio conteúdo, ela produz suas próprias categorias e dita os termos
específicos de sua própria interpretação.” (JAMESON, F. Op. cit., p. 255.)
55
Id., ib., p. 260.
Edu Teruki Otsuka – Marxismo

constituir um processo arbitrário.56

Tendo em vista que a forma literária é conteúdo elaborado e transformado, Jameson


completa o raciocínio sugerindo que, para a crítica dialética, falar em “interpretação” das
obras não deixa de ser impreciso: o conteúdo não precisa ser interpretado, pois é
significativo por si mesmo. O conteúdo, sendo experiência social e histórica, já é concreto;
ele apenas foi transformado em outra coisa ao ser formalizado artisticamente. Para usar a
analogia psicanalítica, o conteúdo latente (a experiência original) diverge do conteúdo
manifesto, que é sua manifestação distorcida. Assim, a tarefa da crítica não é tanto a
interpretação do conteúdo, mas é a revelação ou o desnudamento desse conteúdo, é a
reconstituição da experiência original; e esse procedimento crítico toma a forma de uma
explicação de como o conteúdo foi distorcido na elaboração formal.
Essa elaboração artística, que transforma o conteúdo e os significados iniciais, é
significativa pelo modo como opera. O importante não é apenas desvendar o conteúdo ou a
experiência histórica original, mas sim especificar a maneira pela qual a obra literária
distorce ou transforma os materiais de que parte, pois é na particularidade da configuração
formal que se inscreve seu sentido [386/387] histórico. Assim, a arte pode ser entendida
como resolução imaginária de contradições sociais reais,57 e é essa questão que Jameson
desenvolve e elabora em seu livro O inconsciente político (1981).58 Na medida em que se
trata de reconstituir o conteúdo social e histórico original, o horizonte último da crítica é
sempre a própria Historia: “a História é o que fere, o que recusa o desejo e impõe limites
inexoráveis ao indivíduo e à práxis coletiva [...]. Mas esta História só pode ser apreendida
por meio de seus efeitos, e nunca diretamente como uma força reificada”.59
Pode-se lembrar aqui, ainda que apenas de passagem, um ponto de contato com a
perspectiva (na verdade bastante diversa) do crítico britânico Terry Eagleton (1943- ), no

56
Id., ib., pp. 305-306.
57
Id., ib., p. 291.
58
Diz Jameson: “a ideologia não é algo que informa ou envolve a produção simbólica; em vez
disso, o ato estético é em si mesmo ideológico, e a produção da forma estética ou narrativa deve ser
vista como um ato ideológico em si próprio, com a função de inventar ‘soluções’ imaginárias ou
formais para contradições sociais insolúveis.” (Id., O inconsciente político: a narrativa como ato
socialmente simbólico. Trad. Valter Lellis Siqueira. São Paulo: Ática, 1992, p. 72.)
59
Id., ib., p. 93.
Edu Teruki Otsuka – Marxismo

livro em que expõe, de maneira mais desenvolvida, uma teoria própria:

Mais do que “transpor imaginariamente” o real, a obra literária é a produção


de certas representações do real produzidas num objeto imaginário. Se ele
distancia a história, não é porque a transmuta em fantasia [...], mas porque as
significações que elabora em ficção já são representações da realidade mais
do que a própria realidade. O texto é um tecido de significados, percepções e
respostas que aderem em primeiro lugar àquela produção imaginária do real
que é a ideologia. O “real textual” está relacionado com o real histórico, não
como sua transposição imaginária, mas como produto de certas práticas de
significação cuja fonte e referente é, em última instância, a própria história.60
[387/388]

Por fim, cabe fazer um autocomentário, lembrando, com Jameson, que “a única
apresentação genuinamente concreta da crítica dialética é a prática dessa mesma crítica”,61
e, nesse sentido, o presente apanhado de questões teórico-metodológicas da crítica marxista
se atém a apenas uma de suas metades, deixando de fora as análises concretas. Se
renunciamos, aqui, a apresentar resumos das leituras interpretativas de textos literários
realizadas pelos autores tratados, é porque fazê-lo neste contexto equivaleria a rebaixá-las a
meras exemplificações dos procedimentos metodológicos. O alcance (e risco) da crítica
marxista mostra sua força nos resultados da análise de obras específicas, resultados que
apontam sempre para problemas histórico-sociais mais amplos, que não se limitam a
questões de método (o próprio método é antes submetido ao escrutínio crítico no processo

60
EAGLETON, T. Criticism and ideology: a study in Marxist literary theory. London: Verso, 1976,
p. 75 (tradução minha). A obra de Eagleton não será comentada aqui, mas convém ao menos indicar
alguns de seus estudos de cunho teórico: Id., Teoria da literatura: uma introdução. Trad. Waltensir
Dutra. São Paulo: Martins Fontes, 1983. Id., A função da crítica [1984]. Trad. Jefferson Luiz
Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1991. Id., A ideologia da estética [1990]. Trad. Mauro Sá
Rego Costa. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993. Id. Ideologia: uma introdução [1991]. Trad. Luis
Carlos Borges e Silvana Vieira. São Paulo: Boitempo / Ed. Unesp, 1997. Id., Depois da teoria
[2003]. Trad. Maria Lucia Oliveira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.
61
Id., Marxismo e forma, cit., p. 260.
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mesmo da investigação do objeto literário).62

3. Crítica literária marxista no Brasil


3.1.
Mais do que numa simples recepção da teoria literária marxista no Brasil, convém
pensar na sua reinvenção ou na sua apropriação original por parte de críticos literários que
souberam reconhecer na experiência brasileira um prisma a partir do qual observar o
mundo contemporâneo e, como tal, capaz de sustentar desdobramentos teóricos novos (ou
que, pelo menos, contrariavam alguns esquemas vigentes no marxismo do tempo).
O marxismo nos estudos literários brasileiros ganhou impulso nos anos 1960 e
amadureceu nas décadas seguintes. Antes desse [388/389] período, a crítica de inspiração
marxista produzida por aqui tem apenas interesse histórico: o principal personagem é
Astrojildo Pereira (1890-1965), antigo anarquista que se tornou figura política importante
nos inícios do comunismo brasileiro. Como crítico literário, estudou principalmente a obra
de Machado de Assis, sem, no entanto, ultrapassar o viés limitado que tratava as obras
como documentos históricos.63
Outro crítico ligado ao marxismo é o historiador Nelson Werneck Sodré (1911-
1999), que foi dos primeiros a tentar incorporar as ideias de Lukács ao estudo da literatura
brasileira (na 3ª ed. de sua História da Literatura Brasileira, publicada em 1960),
restringindo-se, porém, à declaração de intenções e princípios teóricos, sem chegar, no ato
crítico, à efetiva superação do sociologismo que pretendia derrotar.64
Dos críticos jovens que despontaram nos anos 1960, cabe mencionar Carlos Nelson
Coutinho (1943-2012), talvez aquele que, entre todos, produziu os estudos mais aderentes à
teoria lukacsiana estrita no Brasil, num momento em que Lukács era das poucas referências
de peso na teoria literária marxista. No percurso intelectual posterior, Coutinho aproximou-

62
Para as análises textuais de Jameson, ver, além dos capítulos interpretativos de O inconsciente
político, os estudos reunidos em Id. The ideologies of theory [1988]. London: Verso, 2008.
63
Ver PEREIRA, A. Machado de Assis: ensaios e apontamentos avulsos. [1959] 2ª ed. Belo
Horizonte: Oficina de Livros, 1991. Id., Interpretações. Rio de Janeiro: Casa do Estudante
Brasileiro, 1944.
64
Ver SODRÉ, N. W. História da literatura brasileira: seus fundamentos econômicos. 3ª ed.,
integralmente refundida. Rio de Janeiro: José Olympio, 1960. Id., O Naturalismo no Brasil. [1965]
2ª ed., Belo Horizonte: Oficina de Livros, 1992.
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se da obra do italiano Antonio Gramsci (1891-1937), sem contudo abandonar o núcleo


lukacsiano, pelo menos no que toca os estudos literários.65

3.2.
Mas foi junto à tradição de pensamento sobre o Brasil e sua posição particular no
sistema mundial que se desenvolveu a mais penetrante e fecunda crítica literária marxista
brasileira. [389/390]
Todo o percurso de Antonio Candido de Mello e Souza (1918- ) na crítica literária
pode ser visto como um esforço de superar as principais modalidades críticas então
vigentes e alcançar um método próprio, capaz de fazer justiça à complexidade das obras
literárias, em suas múltiplas dimensões, que incluem a histórica e a social. Embora seu
trabalho mantenha distância da terminologia marxista, pode-se dizer que sua inspiração
fundamental é o marxismo.
Da perspectiva metodológica, Antonio Candido anuncia um modo de ler voltado
para a configuração particular das obras, procurando descobrir nas formas aquilo que a
literatura é como conhecimento. Nos anos 1960, diante das insuficiências das vertentes
formalistas da crítica e do marxismo vulgar, Antonio Candido elabora de maneira
independente um modo de examinar a dialética de forma literária e processo social. O
problema se punha como necessidade de superar os estudos “paralelísticos” das obras
literárias, ou seja, as análises que se limitam a traçar paralelos entre as obras e a vida social,
de tal modo que os elementos sociais são considerados somente como fatores
condicionantes ou como enquadramento contextual, permanecendo, portanto, fora das obras
estudadas. Tais estudos se mostram insatisfatórios porque tratam a literatura como
documento e apenas indicam a ocorrência temática de aspectos sociais nos textos,
menosprezando sua elaboração estética e, consequentemente, seu valor cognitivo próprio.
Para ultrapassar essas abordagens, Candido passa a investigar os processos de estruturação,
em que os dados externos da realidade social se convertem em elementos estruturadores

65
Ver COUTINHO, C. N. Literatura e humanismo: ensaios de crítica marxista. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1967. Id., Cultura e sociedade no Brasil: ensaios sobre ideias e formas. Belo Horizonte:
Oficina de Livros, 1990. Id., Lukács, Proust e Kafka: literatura e sociedade no século XX. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. Sobre o autor, ver KONDER, L. “Carlos Nelson Coutinho”.
In: Intelectuais brasileiros e marxismo. Belo Horizonte: Oficina de Livros, 1991, pp. 117-124.
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internos à obra, podendo, assim, ser tratados como fatos estéticos.66 A consequência é que a
prioridade passa para a análise formal, a partir da qual se revela o teor de conhecimento das
obras. [390/391]
Essa conversão do externo em interno, ou, mais precisamente, a transformação de
uma forma social, posta pela vida prática, em forma literária, trabalhada pelo escritor, é o
que Antonio Candido chama de “formalização estética” ou “redução estrutural” dos dados
sociais. Pode-se mesmo dizer que, para a crítica dialética, mais do que a relação entre
literatura e sociedade, importa examinar a transformação da sociedade em texto, isto é, a
maneira como a sociedade se objetiva na forma literária.
O alcance do método se faz notar nos estudos analíticos publicados na década de
1970: “Dialética da malandragem” (1970), “Degradação do espaço” (1972), “O mundo-
provérbio” (1972) e “De cortiço a cortiço” (redigido em 1973).67 O conjunto desses
ensaios, sobretudo os que tratam de romances brasileiros, são dos raros em que a análise
formal, guiada pela experiência estética e confiando no valor de conhecimento da literatura,
efetivamente alcança a descoberta e a conceitualização de aspectos ocultos da sociedade,
podendo contrariar noções estabelecidas ou suscitar questões espinhosas.68
Aqui, a forma funciona como “um princípio mediador que organiza em
profundidade os dados da ficção e do real, sendo parte dos dois planos”.69 Produzida pelo
próprio processo social, a forma faz parte dos materiais elaborados pelo escritor,
correspondendo a um princípio estruturador que torna coerente e inteligível tanto os
elementos da realidade quanto os da ficção. Diferentemente da visão corriqueira segundo a
qual a realidade é informe e o escritor lhe [391/392] dá uma forma, aqui a realidade social é
entendida como sendo ela mesma dotada de forma. A forma literária é, nesse sentido, “a
transformação, com resultado variável, de formas preexistentes, artísticas ou extra-
66
Ver CANDIDO, A. “Crítica e sociologia”. In: Literatura e sociedade: estudos de teoria e história
literária. [1965] 5ª ed. São Paulo: Nacional, 1980, pp. 3-15; Id., “Prefácio” a O discurso e a cidade.
São Paulo: Duas Cidades, 1993, p. 9.
67
Estudos reunidos na primeira parte de O discurso e a cidade, cit. O melhor comentário ao
trabalho de Candido, em que nos apoiamos amplamente, encontra-se nos artigos de Roberto
Schwarz indicados nas notas seguintes.
68
“Se a forma literária for levada a sério e tomada como ponto de partida dialético, o resultado da
reflexão não estará sob controle nem será previsível de antemão.” (SCHWARZ, R. “Pressupostos,
salvo engano, de ‘Dialética da malandragem’”. In: Que horas são? São Paulo: Companhia das
Letras, 1989, p. 147.)
69
Id., ib., p. 141.
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artísticas”70, ou seja, a forma, assim entendida, sempre tem um fundamento prático-


histórico.
Junto aos desenvolvimentos que, por falta de expressão melhor, chamamos aqui de
“metodológicas”, a obra de Antonio Candido deu configuração para o problema básico da
vida cultural brasileira, discernindo o eixo central da experiência intelectual no país. Em
Formação da literatura brasileira (1959)71, Candido elaborou as balizas para a
compreensão do funcionamento dos sistemas culturais no Brasil (dos quais o sistema
literário foi o mais acabado), marcados pela incontornável tensão entre localismo e
cosmopolitismo, em cujo fundo se encontrava a particularidade do país periférico no
capitalismo internacional. Alinhando-se a outros ensaios de interpretação do Brasil, que
explícita ou implicitamente eram guiados pela ideia de “formação”, o estudo de Candido
forneceu as bases para a explicação adequada da lógica da vida cultural brasileira, que se
assenta na dupla fidelidade às formas importadas e à realidade local, com seus resultados
variáveis.
O essencial no processo formativo é a definição de uma tradição, que não é vista
como mera linha de continuidade, mas como “um sistema local de problemas e
contradições” que passa a funcionar como um filtro histórico, o qual permite dimensionar e
assimilar criteriosamente o influxo externo, ou seja, tendo em vista a experiência social
específica.72 Assim, a formação do sistema literário não só consistia no funcionamento de
um sistema articulado [392/393] de autores, obras e público, mas também envolvia a
constituição de uma tradição, entendida como um campo de problemas reais, específicos e
irresolvidos, que exigem superação.73
Mas aqui já estamos adentrando aquilo que, posteriormente, Roberto Schwarz
desvendará ao fornecer uma explicação histórica e materialista para o tema das “ideias fora
70
Id., “Adequação nacional e originalidade crítica”. In: Sequências brasileiras. São Paulo:
Companhia das Letras, 1999, p. 31.
71
CANDIDO, A. Formação da literatura brasileira (momentos decisivos). 7ª ed. Belo Horizonte:
Itatiaia, 1993.
72
SCHWARZ, R. “Sobre a Formação da literatura brasileira”. In: Sequências brasileiras, cit., p.
20. Ver também ARANTES, P. E. “Providências de um crítico literário na periferia do
capitalismo”. In: ARANTES, Otília B. F. & ARANTES, P. E. Sentido da formação: três estudos
sobre Antonio Candido, Gilda de Mello e Souza e Lúcio Costa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997,
pp. 7-66. Id., Sentimento da dialética na experiência intelectual brasileira. Dialética e dualidade
segundo Antonio Candido e Roberto Schwarz. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
73
Ver SCHWARZ, R. “Nacional por subtração”. In: Que horas são?, cit., p. 31.
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de lugar”74: partindo do sentimento comum de que a vida cultural no Brasil aparece como
sendo postiça, imitada ou inautêntica, Schwarz reconstitui a dinâmica cultural pós-
independência com base na inserção do país na nova ordem do capitalismo internacional e
demonstra que os problemas culturais do Brasil não se devem à importação das formas, e
sim à segregação dos pobres, a quem não são estendidos os resultados da civilização
contemporânea, de tal modo que a estrutura de iniquidades do país “confere à cultura uma
posição insustentável, contraditória com o seu autoconceito”.75

3.3.
A obra crítica de Roberto Schwarz (1938- ) se beneficia do trabalho de Antonio
Candido em toda linha, tanto dos procedimentos analíticos quanto da elucidação da
experiência brasileira. Voltando-se para a investigação dos inícios do romance nacional até
a sua culminação na obra madura de Machado de Assis, Schwarz desenvolve e aprofunda a
lição do mestre.76
O comentário de Schwarz sobre a crítica de Antonio Candido pode ser tomado
também como explicação de seus próprios procedimentos e princípios teóricos: [393/394]

A forma de que falamos aqui é inteiramente objetiva, com o que queremos


dizer que ela se antepõe às intenções subjetivas, das personagens ou do
autor, as quais no âmbito dela são apenas matéria sem autoridade especial,
que não significa diretamente, ou que só significa por intermédio da
configuração que a redefine. Quanto a afinidades, o primado da forma sobre
opiniões e intenções se torna programático, na história do romance, a partir
de Flaubert. Fora da literatura, o sentimento análogo se encontra na ideia
marxista da precedência do processo, cuja engrenagem objetiva,

74
SCHWARZ, R. “As ideias fora do lugar”. In: Ao vencedor as batatas: forma literária e processo
social nos inícios do romance brasileiro. São Paulo: Duas Cidades, 1977, pp. 13-28. Id., “Por que
‘ideias fora do lugar’?”. In: Martinha versus Lucrécia, cit., pp. 165-172.
75
Id., ib., p. 46.
76
Ver SCHWARZ, R. Ao vencedor as batatas: forma literária e processo social nos inícios do
romance brasileiro. São Paulo: Duas Cidades, 1977. Id., Um mestre na periferia do capitalismo:
Machado de Assis. São Paulo: Duas Cidades, 1990. Id., “A viravolta machadiana”. In: Martinha
versus Lucrécia, cit., pp. 247-279. Ver também ARANTES, P. E. Sentimento da Dialética, cit.
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funcionando atrás das costas dos protagonistas, também lhes utiliza e


desqualifica os propósitos, transformados em ilusões funcionais [...]. O
interesse dessa ideia “desumana” e puramente relacional de configuração
artística, cheia de implicações materialistas e desabusadas, não está na
harmonia, mas na dissonância reveladora, cuja verdade histórica é tarefa da
interpretação evidenciar. Por fim, trata-se de uma forma de formas, um
complexo altamente heterogêneo de experiências literariamente transpostas,
sobre o qual o romancista trabalha.77

Tal como outros críticos marxistas, Schwarz entende que a matéria trabalhada pelo
escritor não é informe: “é historicamente formada, e registra de algum modo o processo
social a que deve a sua existência”. A forma literária alcançada pelo escritor é, portanto,
elaborada sobre formas (sociais) prévias, e o resultado estético depende do acordo ou
desacordo entre a forma literária e a matéria pré-formada.78
Dito de outro modo, no processo de configuração literária, um aspecto da lógica
estrutural da sociedade se converte em princípio formal da obra, subordinando os outros
elementos e organizando a obra como um todo: [394/395]

do conjunto mais ou menos contingente de condições em que uma forma


nasce, esta retém e reproduz algumas – sem as quais não teria sentido – que
passam a ser o seu efeito literário, o seu “efeito de realidade”, o mundo que
significam. Eis o que interessa: passando a pressuposto sociológico uma
parte das condições históricas originais reaparece, com sua mesma lógica,
mas agora no plano da ficção e como resultado formal. Neste sentido,
formas são o abstrato de relações sociais determinadas, e é por aí que se
completa [...] a espinhosa passagem da história social para as questões
propriamente literárias, da composição – que são de lógica interna e não de
origem.79

77
Id, “Adequação nacional e originalidade crítica”. In: Sequências brasileiras, cit., p. 41.
78
Id., Ao vencedor as batatas, cit., pp. 25 e 42.
79
Id., ib., pp. 38-39.
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Ao estudar o romance urbano de José de Alencar e a obra inicial de Machado de


Assis, Schwarz mostra que a formação do romance brasileiro envolve uma variante original
da dialética de forma e conteúdo. A incorporação, por Alencar, da forma do romance
realista europeu acabava produzindo contrassenso ao amalgamar-se com a matéria
brasileira. Isso porque o eixo do romance realista é sustentado por enredos que “devem a
sua força simbólica a um mundo que no Brasil não tivera lugar. Sua forma é a metáfora
tácita da sociedade [desencantada] [...] que resulta da racionalidade burguesa, ou seja, da
generalização da troca mercantil”.80 No Brasil de meados do século XIX, cuja produção
econômica, voltada para o mercado externo, se fundava no trabalho escravo e no latifúndio,
o principal da vida ideológica girava em torno das relações de favor e dependência pessoal
direta, o que deslocava o funcionamento da cultura burguesa e, consequentemente, os
grandes temas centrais do realismo literário.
Depois de esmiuçar os fundamentos históricos das fraturas formais do melhor
romance urbano de Alencar, Senhora (1875), [395/396] Schwarz resgata o momento de
verdade do fracasso artístico, assinalando o valor mimético da inconsistência formal. O
defeito formal pode ser entendido então como novo ingrediente que se acrescenta ao
material artístico: “de forma a inconsistência passa a matéria”; ou seja, a forma fraturada se
converte em material a ser, por sua vez, elaborado em outra forma. Agora, a própria matéria
brasileira está enriquecida e por assim dizer amadurecida, pois passa a incluir todo um
universo formal degradado: “nossa matéria literária alcança densidade suficiente só quando
inclui, no próprio plano dos conteúdos, a falência da forma europeia, sem a qual não
estamos completos”.81
Em sua obra madura, a partir de Memórias póstumas de Brás Cubas (1880),
Machado de Assis inventa uma forma sui generis para tratar adequadamente essa matéria.
Fundada na volubilidade narrativa e nas relações de classe brasileiras, a solução formal
machadiana mostrou-se capaz de assimilar a matéria cotidiana da vida social, bem como de
incorporar as formas modernas (burguesas) enquanto formas falidas. Dessa combinação
peculiar de notação local e cultura “universalista” resultava a desqualificação recíproca dos

80
Id., ib., p. 42.
81
Id., ib., pp. 50-51.
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dois polos, a qual aponta para a efetiva universalidade de Machado, cuja força crítica não se
restringe ao plano nacional, mas visa à sociedade burguesa no seu conjunto. Dessa
perspectiva, a inovação formal empreendida por Machado não decorreu apenas do talento
individual, mas sobretudo da tenacidade com que enfrentou os problemas inscritos em seu
material, dominando-os na elaboração da forma literária.82
Neste desenvolvimento peculiar do romance periférico, não é tanto o novo conteúdo
que torna obsoleta a forma enrijecida [396/397] e doravante antiquada, mas é a forma mais
avançada (a do romance realista) que é posta em questão pela matéria brasileira,
aparentemente atrasada. “Aparentemente” porque o conjunto problemático das relações
locais não era mero resquício do passado que barrava a entrada do progresso, mas era ele
mesmo um resultado moderno do desenvolvimento do capitalismo mundial, pois a
reprodução do sistema escravista-clientelista era a condição que possibilitava à elite
brasileira a participação no universo cultural moderno. Assim, a crítica literária de Schwarz
examinava as consequências estéticas e ideológicas do “desenvolvimento desigual e
combinado do capitalismo”, demonstrando no detalhe como as peculiaridades da
experiência brasileira, formalizada no romance maduro de Machado, articulam-se ao
sistema mundial unificado pelo capital e ao mesmo tempo assimétrico em seus múltiplos
efeitos.
A leitura empreendida por Schwarz devia o seu tanto a uma nova compreensão do
Brasil que se entroncava na tradição crítica local e que consistia em “articular a
peculiaridade sociológica e política do país à história contemporânea do capital”83, abrindo
a possibilidade de abarcar, por meio dos problemas nacionais, a integralidade do processo.
Essa reflexão coletiva possibilitou, assim, desembaçar o ponto de vista da periferia, que
passou a funcionar como as lentes bifocais com que se tornou possível não apenas examinar
a experiência local e seu show de horrores, mas também observar e criticar a cena mundial
e suas abominações próprias; desse modo, revitalizou-se a noção de totalidade, a qual

82
Talvez não seja descabido lembrar aqui uma imagem de Adorno; segundo ele, as obras
significativas deixam vestígios no material, e esses vestígios, sobre os quais a obra qualitativamente
nova trabalha, são cicatrizes, são os pontos em que as obras precedentes fracassaram. (ADORNO,
T. W. Teoria estética. Trad. Artur Morão. Lisboa: Martins Fontes, 1988, pp. 48-49.)
83
SCHWARZ, R. “Um seminário de Marx”. In: Sequências brasileiras, p. 93.
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hibernava, desacreditada pela teoria produzida nos núcleos centrais.84


O resultado decisivo dos estudos de Schwarz sobre Machado de Assis, obtido por
meio da investigação estética, diz respeito ao [397/398] modo como a narrativa machadiana
madura dá a ver o formalismo da civilização burguesa, que pode não apenas incluir, mas
chega mesmo a exigir as formas mais brutais de barbárie. Desse modo, a experiência
periférica revela de maneira mais extrema a regra geral do caráter incivil da civilização
burguesa.

4. A crítica literária marxista e o futuro

Qual o futuro da crítica literária marxista? Como se sabe, no âmbito acadêmico, a


partir dos anos 1990, os estudos literários tenderam cada vez mais a se transformarem em
estudos culturais. Trata-se de um processo de incorporação de um projeto crítico que, em
sua origem, era fundamentalmente político: o “materialismo cultural” de Raymond
Williams (1921-1989)85 e os estudos culturais britânicos. Ao se generalizarem na academia
norte-americana (passando daí para outras partes do mundo), os estudos culturais se
alinharam com as novas “micropolíticas”, frequentemente deixando para trás o fundamento
propriamente marxista dos estudos culturais originais.86 Assim, os estudos literários
deixaram de ser exclusivamente literários, e, junto com o triunfo dos estudos culturais,
agora com nova feição, deu-se também um abandono do impulso político marxista que
havia motivado o projeto crítico na Inglaterra. Mais do que discutir o percurso institucional
da crítica contemporânea, porém, talvez seja o caso de indagar sobre o próprio estatuto da
literatura enquanto forma artística capaz de revelações sobre a experiência histórica atual.
A trajetória de Fredric Jameson pode servir de indicação das próprias dificuldades
84
Ver ARANTES, P. E. O fio da meada, cit., p. 66. Id., Sentimento da dialética, cit., p. 84.
85
Ver WILLIAM, R. Cultura e sociedade: 1780-1950 [1958]. Trad. Leônidas H. B. Hegenberg,
Octanny Silveira da Mota e Anísio Teixeira. São Paulo: Nacional, 1969. Id., O campo e a cidade
[1973]. Trad. Paulo Henriques Britto. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. Id., Cultura e
materialismo [1980]. Trad. André Glaser. São Paulo: Ed. Unesp, 2011. Id., Cultura [1981]. Trad.
Lólio Lourenço de Oliveira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. Id., Política do Modernismo: contra
os novos conformistas [1989]. Trad. André Glaser. Prefácio Maria Elisa Cevasco. São Paulo: Ed.
Unesp, 2011.
86
Ver JAMESON, F. “Sobre os ‘Estudos de cultura’”. Trad. John Manuel Monteiro e Otacílio
Nunes. Novos estudos CEBRAP, n. 39, São Paulo, julho de 1994, pp. 11-48. Ver também
CEVASCO, Maria Elisa. Dez lições sobre estudos culturais. São Paulo: Boitempo, 2003.
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da crítica literária marxista contemporânea. A partir dos anos 1980, Jameson voltou-se
progressivamente para [398/399] o estudo das mais diversas formas artísticas e culturais,
com o intuito de investigar a “lógica cultural do capitalismo tardio”.87 Além de intervir no
debate sobre o pós-modernismo, Jameson tinha em seu horizonte o desejo de mapear a
totalidade, examinando as manifestações culturais correspondentes ao que ele periodizou
como um novo estágio do capitalismo. É notório que, nesse processo, a produção literária
mostrou-se pouco eficaz no que diz respeito ao conhecimento que pôde lançar sobre a
sociedade contemporânea. No conjunto das investigações de Jameson sobre o pós-
modernismo, a análise em profundidade de textos literários deu lugar a apanhados amplos
em que a literatura ocupava posição marginal. À crescente mercantilização parecia
corresponder o enfraquecimento da literatura como forma capaz de apreender e configurar
aspectos sociais significativos da atualidade.
Para compor nosso problema de outro ângulo, lembremos que, em entrevista recente
(2004), Roberto Schwarz se pergunta sobre as dificuldades da crítica literária marxista nas
circunstâncias atuais:

esse tipo de crítica [dialética] supõe obras e sociedades muito estruturadas,


com dinamismo próprio. Trata-se de enxergar uma na outra as lógicas da
obra e da sociedade, e de refletir a respeito. Acontece que vivemos um
momento em que essa ideia de sociedade, como algo circunscrito, com
destino próprio, está posta em questão, para não dizer que está em
decomposição. Já ninguém pensa que os países de periferia têm uma
dialética interna forte – talvez alguns países do centro tenham, talvez nem
eles. E no campo das obras, com a entrada maciça do mercado e da mídia na
cultura, é voz corrente que a ideia de arte mudou, e [399/400] é possível que o
padrão de exigência do período anterior tenha sido abandonado. Talvez os

87
JAMESON, F. Pós-modernismo, a lógica cultural do capitalismo tardio [1991]. Trad. Maria
Elisa Cevasco. São Paulo: Ática, 1996. Id., A virada cultural: reflexões sobre o pós-modernismo
[1998]. Trad. Carolina Araújo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. Ver também
ANDERSON, P. As origens da pós-modernidade. Trad. Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 1999.
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pressupostos da crítica dialética estejam desaparecendo...88

Não se trata, é claro, de anunciar o fim da crítica dialética, mas de apontar a


necessidade de sua renovação diante das condições históricas vigentes, sem renunciar, no
entanto, a seu núcleo fundamental, a teoria marxiana do valor-trabalho. Se é verdade que as
feições transformadas da realidade presente indicam uma ruptura que abriu um novo ciclo
histórico que aguarda diagnóstico,89 então a crítica marxista (não só literária) defronta a
exigência de elaborar conceitualmente a lógica de funcionamento da sociedade capitalista
atual, talvez nem sempre adequadamente apreendida por meio das categorias estabelecidas,
e que a produção literária recente tampouco parece estar sendo capaz de penetrar com força
reveladora.
Deixando apenas esboçadas essas perguntas, resta terminar lembrando mais uma
vez que a relevância da teoria e da crítica literárias se vincula à abrangência com que faz
ressoar problemas mais amplos, de caráter histórico e social:

a crítica só foi significativa quando se envolveu com questões que


ultrapassavam o literário – quando, por alguma razão histórica, o “literário”
foi subitamente trazido ao primeiro plano como veículo de preocupações
vitais profundamente enraizadas na vida intelectual, cultural e política em
geral de uma época90

Assim como, para Marx, a prática revolucionária não deve colher sua poesia nas
imagens consolidadas do passado, mas sim [400/401] buscar sua inspiração no futuro,91 a
crítica literária marxista só pode ser movida pelo desígnio emancipatório que continua
irrealizado na tradição dos oprimidos e impulsiona a teoria crítica, fornecendo uma
perspectiva por meio da qual podemos observar a história contemporânea. Sendo acima de

88
SCHWARZ, R. “Na periferia do capitalismo”. In: Martinha versus Lucrécia, cit., p. 292.
89
Ver ARANTES, P. Extinção. São Paulo: Boitempo, 2007.
90
EAGLETON, T. The function of criticism. London: Verso, 2005, p. 107. [A função da crítica.
Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1991, p. 99. (A tradução foi
modificada.)]
91
K. Marx. O dezoito de brumário de Luis Bonaparte. Trad. Nélio Schneider. São Paulo: Boitempo,
2011, p. 28.
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tudo uma crítica do presente, o marxismo se volta para as questões da atualidade, cujo
enfrentamento estimula e é estimulado pelo empenho em construir a ruptura capaz de
encerrar a pré-história da humanidade em que ainda permanecemos mergulhados.92

Referências
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2003.
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Paulo: Ática, 1998.
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ANDERSON, P. Considerações sobre o marxismo ocidental / Nas trilhas do materialismo
histórico. Trad. Isa Tavares. São Paulo: Boitempo, 2004.
ARANTES, P. E. Um departamento francês de ultramar. Estudos sobre a formação da cultura
filosófica uspiana. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994.
______. O fio da meada. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.
______. Sentimento da dialética na experiência intelectual brasileira. Dialética e dualidade
segundo Antonio Candido e Roberto Schwarz. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
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& ARANTES, P. E. Sentido da formação: três estudos sobre Antonio Candido, Gilda de Mello e
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CANDIDO, A. O discurso e a cidade. São Paulo: Duas Cidades, 1993.
______. Formação da literatura brasileira (momentos decisivos). 7ª ed. Belo Horizonte: Itatiaia,
1993.

92
Ver o comentário de Paulo Arantes sobre a atualidade do Manifesto comunista de Marx e Engels:
ARANTES, P. E. “Nem tudo que é sólido desmancha no ar”. In: Zero à esquerda. São Paulo:
Conrad, 2004, pp. 133-137.
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______. Literatura e sociedade: estudos de teoria e história literária. 5ª ed. São Paulo: Nacional,
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