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LÓGICA 2

MÓDULO 2
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Noções básicas de Lógica Simbólica

linguagem ordinária. À linguagem que iremos


1. A importância aprender na sequência, i.e., à linguagem da lógi-
truturas lógicas de proposições e argumentos cujas for-
mas podem ser obscurecidas pela pouca maleabilidade
dos símbolos lógicos ca formal, dá-se o nome de linguagem simbólica da linguagem corrente”.
artificial, visto que ela é usada apenas como fer-
O estudo da relação lógica dos argumentos é uma parte ramenta de análise lógica.
Para exemplificar a importância dos símbolos lógicos
central da lógica. Contudo, os argumentos proferidos na
que estudaremos na sequência, cabe aqui uma compa-
língua cotidiana – seja o português, o francês, inglês, etc.
Cabe ressaltar que a criação e uso de uma ‘linguagem ração: podemos comparar o avanço proporcionado pela
– são de difícil análise devido ao uso das palavras de forma
lógica especial’como instrumento de análise não está criação moderna dos símbolos lógicos com a evolução
vaga e superficial, além da presença das particularidades de
presente somente no período moderno do pensamento. propiciada pela substituição da numeração romana pela
cada língua, do uso de metáforas e da distração promovida
Basta lembrarmos a figura de Aristóteles, fundador da notação arábica. É nítido para todos que a compreen-
pelo uso de emoções na argumentação. A fim de minimizar
lógica na Grécia Antiga, que fez uso de várias notações são da notação dos algarismos árabes (1, 200, 1000...)
esses problemas presentes nas variadas línguas, pensadores
e símbolos para facilitar seu trabalho de pesquisa. Por é muito mais fácil que a notação romana (I, CC, M,...).
modernos da lógica criaram uma linguagem simbólica ar-
isso, conforme afirma Copi (1978, p. 225), é de suma im- Noutros termos, a manipulação dos números se dá de
tificial. Eles criaram essa linguagem para que ela servisse
portância ter em mente que, “embora a diferença entre forma mais fácil pela notação árabe. Contudo, a supe-
de instrumento para a análise lógica dos argumentos pro-
a lógica moderna e a lógica clássica não seja de es- rioridade verdadeira da notação árabe só é revelada para
feridos em um discurso.
sência, mas de grau, a diferença de grau é enorme. A nós por meio do cálculo. Perceba: qualquer adolescente
maior extensão em que a lógica moderna desenvolveu pode multiplicar com certa facilidade 117 por 12. Porém,
a sua própria linguagem técnica especial tornou-se um é uma tarefa muito mais complexa multiplicar CXVII por
FOQUE ATENTO! Chamamos a linguagem usa-
instrumento incomensuravelmente mais poderoso para XII – e a dificuldade tende sempre a aumentar quando
da no dia a dia - independente da língua ou do
a análise e a dedução. Os símbolos especiais da lógica usamos números maiores. De modo similar, ao usarmos
dialeto que falamos - de linguagem natural ou
moderna ajudam-nos a expor, com maior clareza, as es- uma notação especial na lógica, a análise das proposi-
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ções e dos argumentos se torna muito mais simples e
eficiente. Sobre essa eficiência, cabe ressaltar o que diz APRENDENDO SOBRE
2. Introdução à lógica
Alfred N. Whitehead, um dos maiores propagadores da OS FILÓSOFOS simbólica dos enunciados
lógica simbólica.
Alfred Whitehead
2.1 Enunciados
Com auxílio do simbolismo, podemos fazer Inserir aqui a imagem “whitehead.jpg”
transições no raciocínio quase mecanicamente
Alfred Whitehead (1861-1947), lógico, matemá- Enunciados ou proposições são segmentos linguísticos
com os olhos, o que de outra maneira exigiria a
tico e metafísico britânico, reconhecido como um que têm sentido completo, ou seja, podem ser classifi-
atuação das altas faculdades do cérebro. É uma
dos grandes filósofos do século  XX. Nascido em cados como verdadeiros ou falsos. Noutras palavras, para
afirmação profundamente errônea, repetida por
Ramsgate (Kent), a 15 de Fevereiro de 1861, Whi- que um segmento linguístico seja classificado como um
todos os livros didáticos e por pessoas eminentes
tehead estudou no Trinity College (Cambridge), enunciado ou proposição, ele deve obedecer a duas con-
quando eles estão fazendo discursos, que
onde ensinou matemáticas entre 1885 e 1911. Ensi- dições básicas:
deveríamos cultivar o hábito de pensar naquilo
que estamos fazendo. É exatamente o caso nou matemáticas aplicadas e mecânica na Univer-
sidade de Londres entre 1911 e 1924,  filosofia na • Deve ter sentido completo;
oposto. A civilização avança ampliando o número
Universidade de Harvard entre 1924 e 1936. Foi • Deve poder ser verdadeiro ou falso.
de operações importantes que podemos executar
sem pensar sobre as mesmas. As operações de professor emérito de Harvard até sua morte, em 30
de Dezembro de 1947, e membro da Royal Society Para esclarecermos o que significa e como funcionam
pensamento são como investidas da cavalaria
e da Academia Britânica. Matemático brilhante, essas duas condições, observe as tabelas abaixo:
numa batalha – elas são estritamente limitadas em
número, elas que requerem cavalos descansados, tendo dado enormes contribuições no campo da
e apenas devem ser feitas em momentos decisivos matemática teórica, Whitehead tinha um grande Sentença: O mar é azul. SIM NÃO
(WHITEHEAD, 1911). conhecimento da filosofia e da literatura, e esta Tem sentido completo? x
preparação levou-o ao estudo das origens da ma- Pode ser classificado como ‘verdadeiro’ ou ‘falso’? x
temática e da filosofia da ciência, e ao desenvolvi- É um enunciado? x
Como podemos perceber, economizamos tempo e po- mento de lógica simbólica. Em colaboração com o
demos avançar no pensamento se usamos instrumentos seu aluno de Cambridge, o matemático e filósofo Sentença: Está frio hoje. SIM NÃO
que nos permitam isso. Essa é uma das grandes utilidades britânico Bertrand Russell, escreveu os três volu- Tem sentido completo? x
da lógica simbólica, tanto para a filosofia, quanto para a mes de Principia mathematica (1910-1913), uma Pode ser classificado como ‘verdadeiro’ ou ‘falso’? x
ciência e para a análise do discurso em geral. das maiores obras sobre lógica e matemáticas.  É um enunciado? x
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Sentença: Beija-me! SIM NÃO


poder ser falsa. Toda sentença bem formada pode mesmo tempo. Uma coisa não pode ser e não ser
ser ou verdadeira ou falsa. É possível a uma sen- ao mesmo tempo, segundo uma mesma perspec-
Tem sentido completo? x
tença ser simultaneamente verdadeira e falsa? Na tiva. Ou seja, não posso dizer, por exemplo, que
Pode ser classificado como ‘verdadeiro’ ou ‘falso’? x
É um enunciado? x
lógica que estudamos, que é chamada de trivial “A Teresa é e não é Teresinense”.
ou clássica, essa situação é impossível – não há
‘meia-verdade’. Por isso, na lógica clássica, valem Em termos de proposições: Uma proposição e a
Sentença: Cachorro SIM NÃO
três princípios básicos: sua negação não podem ser simultaneamente
Tem sentido completo? x
verdadeiras; e duas proposições contraditórias
Pode ser classificado como ‘verdadeiro’ ou ‘falso’? x
1. Princípio de identidade: Uma coisa é o que é. não podem ser simultaneamente verdadeiras.
É um enunciado? x
O que é, é; e o que não é não é. Esta formulação
remonta a Parmênides de Eléia, ou seja, A é A. O Um bom exemplo para a lei da não contradi-
Sentença: Qual é seu nome? SIM NÃO princípio de identidade A = A é autoevidente, não ção é a falaciosa afirmação que a verdade é
Tem sentido completo? x porque tal nos pareça ou porque tenhamos um relativa. A afirmação que a verdade é relativa é
Pode ser classificado como ‘verdadeiro’ ou ‘falso’? x sentimento de certeza de que é autoevidente, mas verdade? Ou seja, a exceção da verdade relativa
É um enunciado? x
porque sua contraditória, A ≠A, tem duplo sentido. é a verdade absoluta, o que deixa a afirmação
sem sentido.
Perceba que mesmo uma única palavra isolada – como 2. Princípio da Não Contradição: O Princípio
cachorro, no quadro acima – pode ser uma sentença, mas da Não Contradição foi formulado por Aristóte-
3. Princípio do Terceiro Excluído: O Princípio
isso não faz dela um enunciado ou proposição. Por quê? les em seus estudos sobre a lógica e diz que uma
do Terceiro Excluído nos diz que uma coisa deve
Pois não podemos classificá-la como verdadeira ou falsa, proposição verdadeira não pode ser falsa e uma
ser, ou então não ser; não há uma terceira pos-
e nem sabemos seu sentido completo (refere-se a um ca- proposição falsa não pode ser verdadeira. Ne-
sibilidade (o terceiro é excluído).
chorro específico? Ao marido? É um apelido?). Algo seme- nhuma proposição, portanto, pode ser os dois ao
lhante se dá com ordens e perguntas: embora saibamos mesmo tempo. O princípio da não-contradição é
Em termos de proposições, temos os enuncia-
seu sentido completo, não podemos dizer se são falsos ou representado do seguinte modo:
dos: Uma proposição é verdadeira, ou então é
verdadeiros, pois eles não possuem valor de verdade.
Exemplo: Não (“a bola é redonda” e “a bola não falsa; não há outra possibilidade; Se encarar-
é redonda”). mos uma proposição e a sua negação, uma é
FIQUE ATENTO! Denomina-se valor de verdade verdadeira e a outra é falsa, não há meio termo;
ou valor lógico de uma sentença tanto o fato Segundo o princípio da não contradição, uma e de duas proposições contraditórias, se uma é
de ela poder ser verdadeira, quanto o fato de ela proposição não pode ser verdadeira e falsa ao verdadeira, a outra é falsa, e se uma é falsa, a
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outra é verdadeira, não há meio termo. Ou A é x 2.2 Representação de enunciados tuem enunciados quaisquer. Costumamos usar as letras
ou é y e não há terceira possibilidade. simples e enunciados compostos como “p”, “q”, “r”, “s”, “t” e assim por diante para repre-
sentar enunciados simples. Para sinais especiais, usamos
Podemos classificar os enunciados ou proposições em símbolos como “ ”,“V”,“V” “—”, “—” e “¬”. Explicaremos, na
V
Nesse sentido, temos que enunciados são frases que têm
dois tipos, a saber, simples e compostos. Os enunciados sequência, o uso de cada um desses símbolos.
sentido e são passíveis de determinar seu valor de verda-
simples são aqueles que não contêm qualquer outro
de. Desse modo, alguns dos exemplos dados anteriormen-
enunciado como seu componente. Ou seja, todo enun- Veja a tabela abaixo a relação que podemos estabelecer
te são facilmente compreendidos por qualquer falante da
ciado que não é composto, é simples. Exemplos: “a folha entre os símbolos e os enunciados simples.
língua portuguesa e o seu valor de verdade acessível.
é verde”, “O São Paulo F.C. é o melhor time”, “A cerveja
está gelada”, etc. Todos esses são exemplos de enuncia- Enunciados Simples Representação
Se alguém dissesse “The snow is white” e uma outra
dos simples, pois, como vimos, possuem sentido com- João é Calvo. P
pessoa dissesse “a neve é branca”, o pensamento com-
pleto e também valor de verdade (independente se são
partilhado por esses dois enunciados - independente da Mara está sentada. Q
verdadeiros ou falsos).
língua em que foram expressos - é o que chamamos de A fila é preferencial para gestantes. R
proposição. Assim, proposição é o pensamento expresso
Diferentemente dos enunciados simples, os enunciados
por um enunciado com sentido. Observe que essa é apenas uma sugestão de representa-
compostos são aqueles que possuem dois ou mais enun-
ção para os enunciados. Assim sendo, eles não precisam
ciados simples, combinados por meio de palavras como
Valendo-nos ainda do enunciado do parágrafo anterior, necessariamente ser representados por essas letras, i.e.,
“e”, “ou”, “se... então”, e “somente se... então”. Para exem-
temos um termo quando a palavra ‘neve’ é pronunciada você pode usar a letra que quiser para representá-los.
plificar, têm-se os seguintes enunciados compostos:
ou escrita e o pensamento que nos remete tal palavra Logo, é possível representarmos o enunciado “João é
será o conceito. Em resumo, o conceito é a noção abs- • João é calvo e Mara está sentada. Calvo” com a letra “x” em vez invés da letra “p”. O mesmo
trata que designa um ou mais objetos (classe) e o termo • A fila é preferencial para gestantes ou deficientes. vale para os outros enunciados simples.
é a representação do conceito. • Se o meu time ganhar, então farei uma festa.
• João terá filho se – e somente se - Mara quiser casar. Entretanto, como proceder para representar logicamente
Em uma perspectiva lógica, o conceito compreende exten- enunciados compostos? Para explicar o modo como de-
são e compreensão. A extensão do conceito é o conjunto de Todos os enunciados acima são compostos e apresentam, vemos representar os enunciados compostos, retomemos
todos os membros que são designados por ele. Por exemplo, obviamente, a junção de enunciados simples. os exemplos anteriores.
homem abrange todos os indivíduos que são referidos por
este conceito. A compreensão do conceito, por seu turno, é Representamos os enunciados mediante sinais. Repre- 1. João é calvo e Mara está sentada.
o conjunto de características referidas pelo conceito. sentar é “estar por”. Isso significa que os sinais substi- 2. João é calvo ou Mara está sentada.
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3. Se João é calvo então Mara está sentada. Concisa da Filosofia Ocidental na qual ele trata da A sua invenção da lógica matemática foi uma das maiores
4. Se e somente se João é calvo Mara está sentada. importância do pensamento de Gottlob Frege para contribuições para os desenvolvimentos, em diversas dis-
o desenvolvimento da lógica e da filosofia. A com- ciplinas, que estiveram na origem da invenção dos com-
Como podemos observar, todos os quatro exemplos acima preensão da importância da revolução fregeana na putadores. Dessa forma, Frege afetou a vida de todos nós.
são composto pelos mesmos enunciados simples, a saber: lógica é basilar para o entendimento de problemas
filosóficos contemporâneos. A produtiva carreira de Frege começou em 1879 com a pu-
a. Enunciado simples 1: “João é Calvo” blicação de um opúsculo intitulado Begriffschrift, ou Es-
b. Enunciado simples 2: “Mara está sentada”. crita Conceptual. A escrita conceptual que deu o título
A lógica de Frege ao livro consistia num novo simbolismo concebido com
Porém, um exame superficial sobre o emprego das pala- o fim de exibir claramente as relações lógicas escondidas
vras já basta para nos fornecer a certeza de que os enun- O acontecimento mais importante na história da filosofia na linguagem comum. A notação de Frege, logicamente
ciados compostos acima têm distintos sentidos que são do século XIX foi a invenção da lógica matemática. Não elegante, mas tipograficamente incômoda, já não é usa-
fornecidos pelas palavras especiais marcadas em itálico. se tratou apenas de fundar de novo a própria ciência da da em lógica simbólica; mas, o cálculo por ele formulado
Tais termos informam o modo pelo qual os enunciados lógica; foi algo que teve igualmente consequências im- constitui desde então a base da lógica moderna.
simples estão sendo relacionados, formando, pela ordem, portantes para a filosofia da matemática, para a filosofia
os seguintes enunciados compostos: conjunção, disjun- da linguagem e, em última análise, para a compreensão Em vez de fazer da silogística aristotélica a primeira
ção, condicional e bicondicional. Para cada uma dessas que os filósofos têm sobre a natureza da própria filosofia. parte da lógica, Frege atribuiu esse lugar a um cálculo
relações, teremos um operador lógico distinto. Analisa- inicialmente explorado pelos estoicos: o cálculo propo-
remos todos eles no próximo capítulo. O principal fundador da lógica matemática foi Gottlob sicional, ou seja, o ramo da lógica que trata das infe-
Frege. Nascido na costa báltica alemã em 1848, Frege rências que assentam na negação, conjunção, disjunção,

3. Contato com textos filosóficos (1848-1925) doutorou-se em Filosofia em Göttingen e


ensinou na Universidade de Jena de 1874 até se reformar,
etc., quando aplicadas a frases declarativas no seu todo.
O seu princípio fundamental — que remonta igualmen-
em 1918. Exceto no que respeita à atividade intelectual, te aos estoicos — consiste em considerar que os valores
3.1. Anthony Kenny – História
a vida de Frege foi rotineira e isolada. O seu trabalho foi de verdade (isto é, verdadeiro ou falso) das frases decla-
Concisa da Filosofia Ocidental
pouco lido enquanto viveu, e mesmo depois da sua mor- rativas que contêm conectivos como “e”, “se”, “ou”, são
te só exerceu influência por intermédio dos escritos de determinados apenas pelos valores de verdade das frases
ESCLARECIMENTO: Anthony Kenny é um dos mais outros filósofos. Mas, gradualmente, reconheceu-se que ligadas pelos conectivos — da mesma forma que o valor
renomados historiadores da filosofia. Na sequência, Frege foi o maior de todos os filósofos da matemática e de verdade da frase “João é gordo e Maria é magra” de-
você terá acesso a uma parte de sua obra História que, como filósofo da lógica, foi comparável a Aristóteles. pende apenas dos valores de verdade de “João é gordo”
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e de “Maria é magra”. As frases compostas, no sentido sempre pode ser considerada uma tradução da primeira in- substituição que se fizer para a variável x, ou, em termino-
técnico dos lógicos, são tratadas como funções de ver- ferência, uma vez que a sua primeira premissa parece afir- logia técnica, do argumento que tomarmos para a função.
dade das frases simples que entram na sua composição. mar algo acerca de Sócrates em particular, ao passo que se Assim, o valor da função é 3 se o argumento for 4, e é
O Begriffschrift de Frege contém a primeira formulação “Todos os homens são mortais” for verdadeira, então 4 se o argumento for 6. Frege aplicou esta terminologia
sistemática do cálculo proposicional; este é apresentado (argumento, função, valor) tanto a expressões da lingua-
sob uma forma axiomática, na qual todas as leis da ló- • Se x é um homem, x é mortal. gem comum como a expressões em notação matemática.
gica são derivadas, por meio de regras de inferência, a Substituiu as noções gramaticais de sujeito e de predicado
partir de um certo número de princípios primitivos. será verdadeira independentemente do nome que subs- pelas noções matemáticas de argumento e de função e, a
tituir a variável  x. De fato, esta frase continuará a ser par dos números, introduziu os valores de verdade como
A maior contribuição de Frege para a lógica foi a sua verdadeira mesmo que x seja substituída por um nome valores possíveis de expressões. Assim, “x  é um homem”
invenção da teoria da quantificação; isto é: um méto- que não designe homem algum, uma vez que nesse caso representa uma função que toma o valor verdadeiro para
do para simbolizar e exibir rigorosamente as inferências a antecedente é falsa e, de acordo com as regras vero- o argumento “Sócrates” e o valor falso para o argumento
cuja validade depende de expressões como “todos” ou funcionais para frases declarativas condicionais, a frase “Vénus”. A expressão “para todo o x”, que introduz a frase
“alguns”, “qualquer” ou “cada um”, “nada” ou “nenhum”. na sua totalidade será verdadeira. Assim, podemos expri- anterior, diz, em termos freguianos, que o que se lhe segue
Este novo método permitiu-lhe, entre outras coisas, re- mir a proposição tradicional (“se x é um homem, x é mortal”) é uma função verdadei-
formular a silogística tradicional. ra para qualquer argumento. A uma expressão deste tipo
• Todos os homens são mortais. chama-se “quantificador”.
Existe uma analogia entre a inferência desta forma:
• Para todo o x, se x é um homem, x é mortal.
• Todos os homens são mortais. Além de “para todo o x”, o quantificador universal, exis-
• Sócrates é um homem. te também o quantificador particular “para algum x”,
• Logo, Sócrates é mortal. Esta reformulação constitui a base da teoria da quantifica- que diz que o que se lhe segue é verdadeiro para pelo
ção de Frege. Para vermos como isso acontece, temos que menos um argumento. Então, “alguns cisnes são pretos”
e a inferência
explicar de que forma Frege concebeu cada um dos ele- pode representar-se num dialeto freguiano como “para
• Se Sócrates é um homem, Sócrates é mortal. mentos que contribuem para formar uma frase complexa. algum x, x é um cisne e x é preto”. Pode-se considerar
• Sócrates é um homem. que esta frase é equivalente a “existem coisas que são
• Logo, Sócrates é mortal. Frege introduziu a terminologia da álgebra na lógica. cisnes pretos”; e, na verdade, Frege usou o quantifi-
Pode-se dizer que uma expressão algébrica como  x/2 + cador particular para representar a existência. Assim,
A segunda é uma inferência válida no cálculo proposicio- 1 representa uma função de x; o valor do número repre- “Deus existe” ou “há um Deus” é representada no seu
nal (se p, então q; dado que p, segue-se que q). Mas, nem sentado pela expressão na sua globalidade dependerá da sistema por “para algum x, x é Deus”.
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O uso da sua nova notação para a quantificação per- Frege sustentava que se deve fazer uma distinção sis- O auge da carreira de Frege enquanto filósofo deveria ter
mitiu a Frege apresentar um cálculo que formalizou a temática entre conceitos e objetos, correlatos ontoló- sido a publicação dos dois volumes de Die Grundgesetze
teoria da inferência de uma forma mais rigorosa e mais gicos dos polos da distinção linguística corresponden- der Arithmetik (1893-1903), nos quais se propunha apre-
geral do que a tradicional silogística aristotélica, a qual, te entre funções e argumentos. Os objetos são aquilo sentar com todo o rigor formal a construção logicista da
até a época de Kant, fora considerada o suprassumo da que é designado pelos nomes próprios: existem objetos aritmética baseada na lógica pura e na teoria dos conjun-
lógica. Depois de Frege, a lógica formal podia, pela pri- de muitos tipos, desde seres humanos a números. Os tos. Esta obra deveria executar a tarefa esboçada nos an-
meira vez, lidar com argumentos que envolviam frases conceitos são itens que têm uma incompletude fun- teriores livros sobre filosofia da matemática: deveria enun-
com quantificação múltipla, frases que eram, por assim damental, que corresponde à lacuna assinalada numa ciar um conjunto de axiomas constituído por verdades
dizer, quantificadas em ambos os extremos, tais como função pela sua variável. Nos pontos em que outros fi- reconhecidamente lógicas, propor um conjunto de regras
“ninguém conhece toda a gente” e “qualquer criança em lósofos falavam ambiguamente sobre o significado de de inferência indiscutivelmente corretas e, então, por meio
idade escolar pode dominar qualquer língua”. uma expressão, Frege introduziu uma distinção entre dessas regras e a partir desses axiomas, apresentar uma a
a referência de uma expressão (o objeto a que se refere: uma as derivações das verdades canônicas da aritmética.
“Veremos que a filosofia da matemática de Frege está o planeta Vénus é a referência de ‘Estrela da Manhã’)
intimamente ligada ao modo como ele entende vários e o sentido de uma expressão (‘A Estrela da Tarde’ tem Este magnífico projeto abortou antes de estar completo.
conceitos-chave de lógica e de filosofia; e, na verdade, um sentido diferente de ‘A Estrela da Manhã’, apesar O primeiro volume foi publicado em 1893. Quando o se-
no Begriffschrift e nos Grundlagen, Frege não só fundou de ambas as expressões, como os astrónomos desco- gundo volume apareceu, em 1903, tinha-se descoberto
a lógica moderna, mas também a disciplina filosófica mo- briram, se referirem a Vénus.). Frege sustentava que a que o engenhoso método de Frege para construir a sé-
derna de filosofia da lógica. Fê-lo ao traçar uma distinção referência de uma frase é o seu valor de verdade (isto rie dos números naturais a partir unicamente de noções
clara entre o tratamento filosófico da lógica e, por um é, verdadeiro ou falso), e também que, numa linguagem lógicas continha uma deficiência fatal. A descoberta
lado, a psicologia (com a qual fora por vezes confundida cientificamente respeitável, todos os termos têm de ter devia-se ao filósofo inglês Bertrand Russell.”
pelos filósofos da tradição empirista), e, por outro, a epis- uma referência e todas as frases declarativas devem ser
temologia (com a qual fora por vezes fundida pelos filóso- ou verdadeiras ou falsas. Muitos filósofos posteriores KENNY, Anthony. História concisa da filosofia ociden-
fos da tradição cartesiana). No entanto, não existe na sua adotaram a sua distinção entre sentido e referência, tal. Trad. Desidério Murcho, Fernando Martinho, Maria
obra a mesma distinção clara entre lógica e metafísica; na mas a maior parte rejeitou a noção de que as frases José Figueiredo, Pedro Santos e Rui Cabral. Lisboa: Temas
realidade, as duas estão estreitamente relacionadas. completas têm um tipo qualquer de referência. e Debates, 1999.

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