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ValorInveste: O tempo como aliado Revistas 


08/10/2012 às 15h37

Ceará
Por Flavia Lima e Alessandra Bellotto | Valor

SÃO PAULO - Há quase 20 anos, a indústria de fundos via pela primeira vez a
formação de um grupo independente de gestores - um papel que antes se restringia
aos grandes bancos de investimento e às instituições de varejo. Em 1993, às vésperas
da implantação do Plano Real, a economia brasileira se deparava com números
absurdamente superlativos: o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA)
registrava alta de 2.477%, um dólar comprava 326 "cruzeiros reais" e a hoje
comentadíssima taxa Selic estava para ser inventada.

Ainda assim, um grupo formado principalmente por engenheiros, economistas e


Porto seguro para investir
administradores deixava um futuro potencialmente promissor em grandes
instituições financeiras e empresas privadas para se dedicar a uma tarefa ainda
incomum no Brasil: multiplicar recursos de terceiros. A inspiração veio
especialmente do que acontecia nos Estados Unidos, onde gestores não ligados a
bancos - o mega- investidor George Soros à frente deles - abalavam mercados mundo
afora e faziam rios de dinheiro em apostas mais ou menos arriscadas.
Anuários 
A dura empreitada de seduzir quem buscava acima de tudo se proteger da inflação
foi, aos poucos, sendo substituída pelo trabalho tão ou mais árduo de concorrer com
uma das taxas de juros mais altas do mundo. Com senso de oportunidade,
competência e um discurso calcado em algo que por muito tempo se manteve
inviável no país - o longo prazo -, esse grupo de heróis da resistência vem, ano após
ano, entregando resultados atrativos. Com consistência.

No Brasil, onde por muito tempo tudo o que


interessou ao investidor foi proteger seu
poder de compra em aplicações de curtíssimo
prazo (o famoso "overnight"), 15 ou 20 anos 200 maiores - com organogramas de participações
de experiência de mercado pode ser acionárias
considerado muito. Quando a data é
comemorada em meio a mudanças
significativas da economia - juros em níveis
historicamente baixos -, novos desafios se Newsletter
colocam. Em meio à maior crise global desde 1929, é consenso entre os gestores que
talvez esse seja justamente o momento de olhar um pouco mais para fora. Do ponto
O melhor conteúdo em economia, negócios e
de vista do investidor, talvez valha a pena saber o que pensam e o que fazem esses
finanças gratuitamente direto em seu e-mail.
sobreviventes, acostumados a manter certa serenidade diante do caos.

O ano era 1993. Aos 19 anos, morando com os pais na capital paulista e sem um Receba Gratuitamente
tostão para alugar um escritório, dois jovens decidem trocar carreiras recém-iniciadas
em uma multinacional para se dedicar exclusivamente a suas paixões. Acordavam
todas as manhãs, vestiam terno e gravata e se reuniam na casa de um deles. O quarto
se transformava em escritório. Um sentava-se à mesa em que ficava o único Valor 1000 - 2017
computador, o outro, na cama. Objetivo: gerir o equivalente a US$ 10 mil confiados
por um punhado de ex-colegas de trabalho sob a promessa de multiplicar o bolo no
mercado de ações.

De casa em casa, o escritório foi itinerante


por mais de um ano como uma forma de
"administrar os custos". Os US$ 10 mil
rendiam a eles, em forma de taxas de
administração, US$ 200. Por ano. "Naquela
época de inflação de 40% ao mês, falar em As 1000 maiores empresas do Brasil
ações era quase um palavrão. Não tínhamos
Use o ranking interativo para pesquisar e comparar
histórico e nem idade para tanto, mas aquele
Promoção
sonho irresponsável de jovem- Valor
que acha Econômico
que
companhias e seus indicadores
pode tudo", conta Fabio Alperowitch, um dos sócios-fundadores, ao lado de Clique aqui
Mauricio Levi, de uma das primeiras gestoras de recursos independentes do mercado
- a Fama Investimentos.

O pouco dinheiro fez com que Levi e Alperowitch se especializassem em algo quase
desconhecido naquele momento: o investimento em papéis de empresas menores, de
baixa capitalização. "Eu não podia bater na porta de uma Sadia na época e dizer 'oi,
sou o Fabio, tenho 19 anos, R$ 152,00 investidos na sua empresa e gostaria de ter
uma reunião com o diretor financeiro'", brinca Alperowitch. Já na pequenina
metalúrgica Metisa, foi recebido pelo presidente. Resultado: o papel está até hoje na
carteira.

A primeira tese de investimento de sucesso da Fama, a Embraer, que hoje nada tem
de "small cap", era então vista com desconfiança pelo mercado. "Não me lembro de
quantas vezes fomos chamados de idiotas. Mas, depois de algum tempo em que você
é o único a sustentar uma posição que dá certo, a reputação vem a reboque", conta
Alperowitch. Só em 1999, o carro-chefe da Fama, o fundo Futurewatch, rendeu mais
de 240% graças à fabricante de aviões.

Anos antes, no Rio de Janeiro, outros dois jovens na casa dos 20 anos trocavam
ideias sobre o mercado financeiro, em lados diferentes do balcão: Roberto Vinhaes e
seu corretor de confiança, Christiano Fonseca Filho.

O que "Crico" - como Fonseca é conhecido - tinha como profissão, Vinhaes fazia por
prazer: admirador do megainvestidor americano Warren Buffett, desde os 15 anos
administrava parte do dinheiro da família investido em ações. O objetivo era
aproveitar a irracionalidade do mercado e comprar papéis abaixo do valor que
considerava justo.

Vinhaes adorava visitar a sala de ações da


corretora em que Fonseca trabalhava,
especializada em pequenos investidores. Foi
então que ele teve a ideia de propor um
negócio para atender essas pessoas físicas
que naquela toada, acreditava ele, só faziam
perder dinheiro. Fonseca argumentou, na
época, que quem administrava fundo no
Brasil era banco. "Além disso, como dois
jovens, de 25 e 22 anos, manteriam um negócio que dependia fundamentalmente de
credibilidade?" A última palavra veio de Vinhaes: ele convenceu o colega lembrando
que o modelo já existia lá fora desde a década de 70 e que valia a pena tentar.

Da amizade à sociedade foi um pulo. Em 1988 nascia a Investidor Profissional


Consultoria, transformada em gestora de recursos cinco anos depois, em 1993. Para
conquistar credibilidade e atrair investidores, a dupla escolheu um caminho nada
convencional: montar uma revista semanal, cuja principal função era divulgar a
empresa. Na virada de sexta para sábado, os sócios dormiam no escritório para editar
a publicação - que circulou até 1995 - e levar o material para a gráfica. "Hoje eu diria
que foi uma loucura, mas quando você tem pouca idade não analisa todos os riscos
envolvidos", diz Fonseca.

Dirigir sem olhar para os lados

No fim de 1993 o Plano Real recebia os últimos ajustes e, quando foi lançado, em
1994, trouxe com ele a tão sonhada estabilização monetária. Entre 1993 e 1999, o
Ibovespa, principal índice da bolsa de valores, registrou apenas duas quedas: baixa
de 1,3% em 1995 e de 33,5% em 1998. Em 1996, a alta foi de 63,8%, seguida por
valorização de 44,8% em 1997. Em 1999, teve um forte ganho de quase 152%.
Olhando por esse prisma, pode-se pensar que se viviam tempos dourados. Mas a
realidade era outra. E a volatilidade, alta.

Um ambiente macroeconômico complexo se


apresentava. Junto com a estabilidade
monetária vieram o engessamento artificial
do câmbio e os juros nas alturas para
defender a paridade entre o real e o dólar. Em
novembro de 1997, em meio a uma das crises
cambiais do período, a taxa média de juros
saiu de cerca de 20% para 45% ao ano. Fora
as crises externas. Somente na década de 90
foram três: a do México, em 1995, a da Ásia, em 1997, e a da Rússia, em 1998. Um
mix de eventos que culminou com a maxidesvalorização cambial, em janeiro de
1999.
Se o cenário assustava? "Simplesmente nunca olhamos para cenário", analisa Pedro
Damasceno, um dos gestores de outra das mais respeitadas casas independentes
focadas em bolsa, a Dynamo, também fundada em 1993.

A estratégia tem dado certo. O carro-chefe da


Dynamo, por exemplo, o fundo Cougar, bate
tanto o Ibovespa quanto o Certificado de
Depósito Interfinanceiro (CDI) em diferentes
períodos. Em 15 anos, a rentabilidade anual é
de 27,8%, contra alta anual de 16,75% do
CDI e de 12% do Ibovespa. Em cinco anos, o
portfólio rende 15,2% ao ano, contra 10,68%
do CDI e 0,89% do Ibovespa. Nos últimos
três anos, é ainda mais surpreendente: alta de 92,4% ao ano para o fundo, ante 10%
do CDI e mísero 0,34% do Ibovespa.

Já em 1994, portanto apenas alguns meses depois de ter sido criado, o Cougar
ganhou muito com um investimento em Lojas Americanas. As ações de Ambev e
Itaú também fazem parte da composição da carteira desde o início, em setembro de
1993. "É melhor achar um investimento que gere uma rentabilidade de 15% ou 20%
ao ano em dez anos do que outro que alcance 100% em um ano e se esgote por aí",
diz Damasceno.

O que coloca esses gestores em um lugar privilegiado na indústria de fundos, dizem


especialistas, não é apenas o fato de terem conseguido sobreviver a inúmeras crises e
cenários econômicos desafiadores. Impressiona também terem conseguido unir
senioridade à consistência.

O gestor Paulo Bodin é outro caso desses. Ele


começou a história do Tempo - seu único e
estreladíssimo fundo - na década de 90.
Irmão de Pedro Bodin, ex-diretor do Banco
Central e um dos formuladores do Plano
Real, Paulo teve uma breve passagem pela
Dynamo antes de fundar a Tempo Capital,
aos 30 e poucos anos, em 1995.

Para se ter uma ideia do que Bodin conseguiu fazer ao longo destes anos, quem
investiu R$ 1 mil no Tempo desde o início de sua série histórica - em agosto de 1996
- teria R$ 82 mil no fim de agosto de 2012. A mesma quantia, se aplicada no CDI,
teria se transformado em pouco mais de R$ 12,4 mil. No Ibovespa, o valor seria hoje
de R$ 9 mil.

Avesso a entrevistas, o "João Gilberto" da gestão de recursos falou uma única vez à
ValorInveste, em 2009. Na ocasião, justificou o excelente desempenho de longo
prazo do seu fundo de uma maneira singela: "Cada gestor tem uma estratégia. Eu
gosto de ações que estão baratas".

Pode soar óbvio, mas preço foi e continua sendo uma preocupação crucial para todas
essas casas. "Na década de 90, o juro era muito alto, é verdade, mas o valor das
companhias era muito baixo. Enquanto grandes investidores estrangeiros só olhavam
Telebras e Vale, sempre muito preocupados com o curto prazo, nós encontrávamos
companhias com bons valores, a despeito das turbulências macro - exatamente o
oposto do que vemos hoje", afirma Damasceno, da Dynamo.

Seu sócio, Bruno Rudge, endossa a percepção. "Não vemos muita coisa barata hoje
no mercado e, pela dificuldade de achar boas oportunidades, temos 20% do fundo em
caixa", afirma. Para a equipe da Dynamo, os papéis que estão baratos hoje, como
commodities e setor imobiliário, carregam um risco razoável e, portanto, estão fora
do radar.

Damasceno chegou à Dynamo em 1993, mesmo ano em que a gestora foi fundada
por Bruno Rocha e Pedro Eberle. Logo em seguida chegou o terceiro vértice, Luiz
Orenstein. Um pouco mais velhos do que os meninos da Fama ou da Investidor
Profissional (IP), Rocha e Eberle inauguravam naquele momento uma espécie de
linhagem, a de gestores independentes com passagem por grandes bancos de
investimento - no caso deles, o antigo Garantia, fundado por Jorge Paulo Lemann e
comprado pelo Credit Suisse em 1998.

Ativismo de origem

Outro fator determinante a contribuir para o sucesso dessas casas especializadas em


ações foi um esforço crescente de se aproximar das empresas que consideravam
i bj i d i li l d N dé d d 90 i
promissoras, com o objetivo de impulsionar os resultados. Na década de 90 - assim
como nos últimos três anos -, as oportunidades na bolsa estavam no universo de
companhias voltadas para o mercado local, cujo valor do negócio era mais fácil de
ser compreendido. Porém, como a maioria desses grupos era familiar, a liquidez dos
papéis acabava restrita. "Era muito difícil entrar em uma empresa desse tipo, por isso
o gestor tinha que ter a certeza de que estaria protegido lá dentro, longe de eventuais
abusos do controlador", diz Pedro Andrade, sócio mais novo da IP.

Ele lembra que um dos primeiros grandes aprendizados da IP foi o investimento em


Lojas Renner. Em 1999, o controle da companhia foi vendido para a J.C. Penney, que
pretendia fechar o capital, pagando menos aos minoritários. A partir daí, foram
extensas as negociações da IP com o novo controlador, a fim de conseguir uma
proposta mais justa para a compra de suas ações. Hoje, uma das grandes apostas da
IP é Dimed, empresa do Sul do país, dona da rede de farmácias Panvel. A gestora
tem 16% do capital da empresa, cujo lucro cresceu à taxa anual de 20% nos dez anos
em que a casa tem o papel.

Reestruturações também estão no sangue da Fama. A gestora manteve investimentos


em Guararapes por dez anos, de 1995 a 2005. No período, convenceu a empresa, por
exemplo, a montar um departamento de relações com investidores. Entre 2004 e
2005, vendeu um terço da posição, aumentando a liquidez dos papéis. "As ações
passaram de três para cem reais", diz Alperowitch.

Mais recentemente, em 2009, um caso emblemático foi o investimento no grupo


educacional SEB. Segundo Alperowitch, a empresa era "fantástica", mas
concentrava todas as decisões na figura do controlador, Chaim Zaher, por falta de um
conselho e de uma diretoria fortes. A Fama condicionou o investimento à permissão
para atuar na melhoria das práticas de governança - e Zaher, surpreendentemente,
aceitou. A relação ia bem, até que Alperowitch decidiu concorrer a uma vaga no
conselho. "Ele disse que no conselho eu não entrava, e aí começou uma briga feia",
lembra o gestor.

O inesperado resultado da queda de braço foi uma aproximação entre os dois.


Embora Alperowitch não tenha entrado no conselho, acabou atuando como uma
espécie de conselheiro quando Zaher decidiu vender uma participação da SEB para a
Pearson.

O mais lembrado

Quando se fala em gestão de fundos de investimento, talvez ninguém seja mais


reverenciado pelo mercado do que Luis Stuhlberger e o seu famoso fundo Verde.
Não é para menos. Em uma lista com os 20 fundos antigos mais rentáveis do
mercado em 15 anos, impressiona constatar que, incluídas as carteiras de ações, o
Verde fica com o terceiro melhor desempenho do período - sendo o primeiro entre os
multimercados. Os outros cinco multimercados da lista começam a aparecer a partir
da 12ª posição.

Embora só tenha entrado na gestão de


recursos mais tarde - mais precisamente em
1992, quando a Hedging-Griffo criou seu
braço de gestão -, Stuhlberger tem uma longa
experiência no mercado. Ele iniciou sua
carreira em 1978, na corretora Griffo,
negociando commodities agrícolas como café
e algodão. Na década de 80, tornou-se um
dos operadores de ouro mais respeitados do
mercado.

Foi só aos 42 anos e com cerca de R$ 5 milhões "herdados" de carteiras que


administrava para clientes individuais que o gestor lançou o Verde. Quase dez anos
depois, a Hedging-Griffo deixaria de ser uma asset independente, ao ser comprada
pelo Credit Suisse, em 2006.

O gestor costuma justificar o desempenho único do Verde por meio de oito grandes
eventos - sendo a maxidesvalorização cambial, em 1999, um dos maiores em termos
de retorno para o portfólio. O restante, gosta de afirmar, foram as empresas e o CDI
trabalhando pelo fundo.

O nome da carteira foi inspirado na cor do dólar, mercado em que Stuhlberger


sempre operou; na cor das commodities agrícolas, que marcam o início de sua
carreira, na corretora Griffo; além de ser a cor do time de coração do gestor, o
Palmeiras. Ninguém é perfeito, dirão alguns.
Stuhlberger já afirmou que, no fim da década de 80, tinha claro que seria gestor de
recursos e se preparava para isso. Mas o fato é que o mercado de gestão de recursos
local ainda amadureceria muito até que Stuhlberger se decidisse por criar o seu
próprio fundo, em 1997.

No fim da década de 80 e ao longo da década seguinte, os tomadores de risco no


Brasil eram os bancos de investimento, cujas tesourarias eram conhecidas por suas
estratégias arrojadas. A gestão dos fundos mais sofisticados também estava nas mãos
dessas mesmas grifes, como Garantia, Pactual, Matrix, Icatu e Liberal.

Em uma dessas casas, o Opportunity, os fundos estiveram por muitos anos sob o
comando de Dório Ferman, um dos gestores considerados mais experientes pelo
mercado. Ele foi o criador do Lógica, fundo com quase 25 anos de estrada que,
inclusive, deu origem à gestora. Com sua fama de competente, buscou manter o
braço de gestão de recursos resistente aos problemas que, em meados da década
passada, atingiram o sócio mais conhecido da instituição, Daniel Dantas.

O fim do reinado desses bancos de investimento se deu na segunda metade da década


de 90. Abalados pelos impactos que uma sucessão de crises externas teve sobre a
economia local, alguns deles, como o Garantia e o Liberal, acabaram comprados por
estrangeiros. Outros, por bancos nacionais, caso do Matrix.

Além dos próprios bancos de investimento, a crise asiática estremeceu as bases de


um concorrente importante deste grupo. Nos moldes das inúmeras casas que hoje
inundam o mercado, a Linear Investimentos foi a primeira gestora de recursos não
ligada a uma instituição financeira que, diferentemente das gestoras menores
existentes à época, focadas em ações, oferecia uma família de produtos que ia do
mais conservador DI até o mais agressivo "hedge fund".

Os hedge funds ou multimercados usam instrumentos variados, como derivativos e


opções, para ganhar em diferentes mercados e em quaisquer cenários. No exterior,
eles já eram famosos - George Soros e seu 'Quantum Fund' ganharam rios de
dinheiro apostando contra o banco da Inglaterra em 1992. Por aqui, no entanto, os
hedge funds eram bem pouco difundidos.

Criada em 1993 pelo ex-presidente do Banco Central Ibrahim Eris, pelo ex-consultor
do governo Sarney Luís Paulo Rosenberg e mais dois executivos do mercado
financeiro, Emir Capez e David Gotlib, a Linear era uma referência. Luiz Parreiras,
estrategista do Verde, conta que o próprio Stuhlberger teve a chance de aprender,
com a Linear, como era um hedge fund.

A casa era conhecida justamente pelos seus fundos mais agressivos, todos com
nomes de bichos, como Leopardo ou Condor. O mais incensado deles, o Tiger, era
um hedge fund que alavancava em muitas vezes o seu patrimônio, o que abria a
possibilidade de obter uma alta rentabilidade sobre seus investimentos - ou perdas
extraordinárias.

Com o sucesso de seus fundos, que dificilmente deixavam de figurar nas listas dos
mais rentáveis daquele período, em cerca de três anos, o patrimônio sob a batuta de
Eris se multiplicou. Até a crise da Ásia. Apostas erradas no dólar provocaram perdas
significativas, especialmente ao Tiger, em outubro de 1997. Desesperados,
investidores iniciaram uma onda de saques que atingiram praticamente todos os
fundos da gestora. E cerca de R$ 1 bilhão administrado naquele momento
transformou-se em algo ao redor de R$ 300 milhões alguns meses depois. Em 2000,
a gestora se despediu do mercado.

Em meio à série de aquisições de bancos de investimento ocorridas ao longo da


década de 90, e em um ambiente menos receptivo a operações de perfil mais arrojado
nas novas tesourarias formadas, alguns antigos operadores desses bancos partiram
em voo solo. Talvez esteja aí a origem da crença de que, no segmento de
multimercados, o cabelo branco é fundamental para o negócio.

Experiência no dia a dia agitado das mesas de operações é marca, por exemplo, da
GAP Asset Management. A empresa nasceu em 1996, fruto de uma sociedade entre
Carlos Camacho, Emanuel Pereira e Renato Junqueira, todos ex-sócios do antigo
Banco Cindam, e cada um deles especializado em um segmento do mercado, como
renda fixa, bolsa e câmbio. "Desde o início, nunca acreditamos em um modelo
apoiado em um único gestor", diz Camacho.

A história da GAP se mistura um pouco com a da IP, gestora de ações com a qual
operou em parceria de 1996 até 2001. O objetivo era compartilhar a área comercial
da IP, que já operava desde 1988. "Cada uma das assets tinha fundos próprios e
estratégias complementares", diz Junqueira, da GAP. Em 2001, a GAP entendeu que
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era hora de se separar e aí ingressaram na asset outros dois sócios, Oscar Camargo,
que vinha do Banco Matrix, e Leonardo Callou, que tinha sido tesoureiro do BBA
Creditanstalt. Foi nessa época também que a gestora contratou sua primeira equipe
de análise de ações. Até então, a gestão de bolsa era mais oportunista, com apostas
na direção do mercado, e apoiada em derivativos.

Em 1998, foi a vez de a JGP estrear no


mercado a partir do projeto dos ex-Pactual
André Jakurski, Arlindo Vergaças e Paulo
Guedes. Tido por muitos como o maior
"trader" do mercado na década de 90,
Jakurski trabalhou durante dez anos em um
grande banco de varejo e participou da
criação, em 1983, do Pactual, banco do qual
saiu para fundar a JGP. "Em multimercados, há menos ativos a
explorar relativamente à bolsa, que tem
"O Pactual era uma empresa que lucrava centenas de empresas e histórias
girando a própria carteira", diz Jakurski. Na acontecendo", diz André Jakurski, da JGP
visão dele, gestores que passaram por tesouraria fazem diferença em multimercados,
uma vez que é preciso ser ágil para alterar posições que, em geral, são grandes.
"Temos de matar um leão por dia e há menos ativos para explorar relativamente à
bolsa, que tem centenas de empresas e histórias acontecendo diariamente",
acrescenta.

Transformações intensas

Ao longo dos anos, a indústria de fundos no Brasil cresceu e se multiplicou. Dos


cerca de R$ 320 bilhões registrados pelo primeiro ranking global de administração
de recursos publicado pela antiga associação do setor, a Anbid, em 2000, o salto é
gigante. O acompanhamento mais recente, já sob a nomenclatura Anbima, aponta um
volume total sob gestão superior a R$ 2 trilhões.

Mas pouco desses recursos está investido em ativos realmente descolados do CDI,
como ações e fundos multimercados que atuam como tal - algo entre 10% e 20% do
total, avaliam gestores. O crescimento do número de assets, contudo, talvez seja um
indicativo de que há gente interessada em apostar no diferencial. Em 2000, eram 60.
Hoje, são mais de 440 gestoras de recursos.

Um motor importante dessa diversificação podem ser os juros, hoje em níveis


historicamente baixos. "Lá atrás, com o juro real extremamente alto, não fazia
sentido adotar estratégias mais voláteis", argumenta Jakurski, da JGP. "Se o sujeito
conseguia dobrar seu capital a cada cinco anos sem fazer esforço, por que inventar?"

O jogo pode, pela primeira vez na história da indústria de fundos, estar mudando. Ao
longo desses anos, o que se viu foi que diversas casas focadas em ações entregaram
retornos consistentes, mas tinham suas captações muito atreladas aos soluços do
Ibovespa. Já muitos multimercados conseguiram, ano após ano, atrair uma enxurrada
de recursos, escorando-se no conforto dos juros altos, sem, no entanto, oferecer
rentabilidades surpreendentes.

Parreiras, o estrategista do Verde, dá uma pista importante de por onde pode começar
a mudança. "Juro alto sempre foi ruim porque lutava contra o desenvolvimento do
resto do mercado. Ao mesmo tempo, existe uma poupança que cresceu por causa
desse juro alto e que está aí querendo ser investida", diz.

A percepção destes gestores é que as mudanças não serão generalizadas, mas virão.
A indústria de fundos deve caminhar para uma diversidade cada vez maior de
produtos calcados em estratégias diversas, especialmente em ações e em produtos
atrelados ao mercado imobiliário.

Para acompanhar o aumento do apetite por risco, as gestoras passaram a colocar na


prateleira, além de fundos de ações, opções de multimercados mais agressivos. "O
juro real desapareceu, o jogo está mudando e a capacidade de se adaptar às novas
circunstâncias passou a ser fundamental para ter sucesso no longo prazo", aposta
Jakurski.

A maior crise econômica global desde 1929 preocupa pelo seu longo e incerto
desenrolar, mas também abre oportunidades. "Investimentos fora são uma das nossas
apostas de crescimento importante nos próximos dez anos", diz Parreiras, da Griffo.

Damasceno, da Dynamo, concorda. "Está difícil achar bons negócios a preços


razoáveis no Brasil. Assim, olhar para fora faz muito sentido e é uma das razões para
termos aberto um fundo global." Na IP, além do grande foco no fundo global, outra
saída encontrada foi incluir BDRs - recibos de ações de empresas estrangeiras
negociados no mercado local em seu fundo mais conhecido o IP Participações
negociados no mercado local - em seu fundo mais conhecido, o IP Participações.
A percepção geral é que o chamado "kit Brasil" - o que engloba uma fase que se
estendeu de 2003 a 2007, quando os gestores vendiam câmbio, aplicavam em renda
fixa prefixada e compravam bolsa - ficou no passado.

Na indústria de fundos, o ano de 2008 foi sinônimo de prejuízos generalizados. E


muitas gestoras, até mesmo as mais experientes, perderam recursos. Ainda assim,
muitos avaliam que o impacto da crise externa na economia local foi amortecido por
medidas tomadas pelo governo. E os gestores que conseguiram sobreviver ganharam
um bom dinheiro nos anos seguintes, seja com a bolsa ou com papéis que se
beneficiaram da queda dramática dos juros.

"Muitos gestores mais novos ainda não pegaram, como na década de 90, vários anos
com ventos macro muito contra", comenta uma fonte.

Nunca é demais lembrar que desempenho passado não é - nunca foi - garantia de
ganhos futuros. Mas a voz da experiência pode ser útil a uma nova leva de gestores
que começam a encarar um tipo novo de desafio. O investidor vai ter que escolher
entre ganhar nada ou procurar alternativas que deem retornos reais, acima da
inflação. E a geração do "bull market", como qualificou um desses gestores
experientes, vai ter que se mexer.

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