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Ceará
Por Flavia Lima e Alessandra Bellotto | Valor
SÃO PAULO - Há quase 20 anos, a indústria de fundos via pela primeira vez a
formação de um grupo independente de gestores - um papel que antes se restringia
aos grandes bancos de investimento e às instituições de varejo. Em 1993, às vésperas
da implantação do Plano Real, a economia brasileira se deparava com números
absurdamente superlativos: o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA)
registrava alta de 2.477%, um dólar comprava 326 "cruzeiros reais" e a hoje
comentadíssima taxa Selic estava para ser inventada.
O ano era 1993. Aos 19 anos, morando com os pais na capital paulista e sem um Receba Gratuitamente
tostão para alugar um escritório, dois jovens decidem trocar carreiras recém-iniciadas
em uma multinacional para se dedicar exclusivamente a suas paixões. Acordavam
todas as manhãs, vestiam terno e gravata e se reuniam na casa de um deles. O quarto
se transformava em escritório. Um sentava-se à mesa em que ficava o único Valor 1000 - 2017
computador, o outro, na cama. Objetivo: gerir o equivalente a US$ 10 mil confiados
por um punhado de ex-colegas de trabalho sob a promessa de multiplicar o bolo no
mercado de ações.
O pouco dinheiro fez com que Levi e Alperowitch se especializassem em algo quase
desconhecido naquele momento: o investimento em papéis de empresas menores, de
baixa capitalização. "Eu não podia bater na porta de uma Sadia na época e dizer 'oi,
sou o Fabio, tenho 19 anos, R$ 152,00 investidos na sua empresa e gostaria de ter
uma reunião com o diretor financeiro'", brinca Alperowitch. Já na pequenina
metalúrgica Metisa, foi recebido pelo presidente. Resultado: o papel está até hoje na
carteira.
A primeira tese de investimento de sucesso da Fama, a Embraer, que hoje nada tem
de "small cap", era então vista com desconfiança pelo mercado. "Não me lembro de
quantas vezes fomos chamados de idiotas. Mas, depois de algum tempo em que você
é o único a sustentar uma posição que dá certo, a reputação vem a reboque", conta
Alperowitch. Só em 1999, o carro-chefe da Fama, o fundo Futurewatch, rendeu mais
de 240% graças à fabricante de aviões.
Anos antes, no Rio de Janeiro, outros dois jovens na casa dos 20 anos trocavam
ideias sobre o mercado financeiro, em lados diferentes do balcão: Roberto Vinhaes e
seu corretor de confiança, Christiano Fonseca Filho.
O que "Crico" - como Fonseca é conhecido - tinha como profissão, Vinhaes fazia por
prazer: admirador do megainvestidor americano Warren Buffett, desde os 15 anos
administrava parte do dinheiro da família investido em ações. O objetivo era
aproveitar a irracionalidade do mercado e comprar papéis abaixo do valor que
considerava justo.
No fim de 1993 o Plano Real recebia os últimos ajustes e, quando foi lançado, em
1994, trouxe com ele a tão sonhada estabilização monetária. Entre 1993 e 1999, o
Ibovespa, principal índice da bolsa de valores, registrou apenas duas quedas: baixa
de 1,3% em 1995 e de 33,5% em 1998. Em 1996, a alta foi de 63,8%, seguida por
valorização de 44,8% em 1997. Em 1999, teve um forte ganho de quase 152%.
Olhando por esse prisma, pode-se pensar que se viviam tempos dourados. Mas a
realidade era outra. E a volatilidade, alta.
Já em 1994, portanto apenas alguns meses depois de ter sido criado, o Cougar
ganhou muito com um investimento em Lojas Americanas. As ações de Ambev e
Itaú também fazem parte da composição da carteira desde o início, em setembro de
1993. "É melhor achar um investimento que gere uma rentabilidade de 15% ou 20%
ao ano em dez anos do que outro que alcance 100% em um ano e se esgote por aí",
diz Damasceno.
Para se ter uma ideia do que Bodin conseguiu fazer ao longo destes anos, quem
investiu R$ 1 mil no Tempo desde o início de sua série histórica - em agosto de 1996
- teria R$ 82 mil no fim de agosto de 2012. A mesma quantia, se aplicada no CDI,
teria se transformado em pouco mais de R$ 12,4 mil. No Ibovespa, o valor seria hoje
de R$ 9 mil.
Avesso a entrevistas, o "João Gilberto" da gestão de recursos falou uma única vez à
ValorInveste, em 2009. Na ocasião, justificou o excelente desempenho de longo
prazo do seu fundo de uma maneira singela: "Cada gestor tem uma estratégia. Eu
gosto de ações que estão baratas".
Pode soar óbvio, mas preço foi e continua sendo uma preocupação crucial para todas
essas casas. "Na década de 90, o juro era muito alto, é verdade, mas o valor das
companhias era muito baixo. Enquanto grandes investidores estrangeiros só olhavam
Telebras e Vale, sempre muito preocupados com o curto prazo, nós encontrávamos
companhias com bons valores, a despeito das turbulências macro - exatamente o
oposto do que vemos hoje", afirma Damasceno, da Dynamo.
Seu sócio, Bruno Rudge, endossa a percepção. "Não vemos muita coisa barata hoje
no mercado e, pela dificuldade de achar boas oportunidades, temos 20% do fundo em
caixa", afirma. Para a equipe da Dynamo, os papéis que estão baratos hoje, como
commodities e setor imobiliário, carregam um risco razoável e, portanto, estão fora
do radar.
Damasceno chegou à Dynamo em 1993, mesmo ano em que a gestora foi fundada
por Bruno Rocha e Pedro Eberle. Logo em seguida chegou o terceiro vértice, Luiz
Orenstein. Um pouco mais velhos do que os meninos da Fama ou da Investidor
Profissional (IP), Rocha e Eberle inauguravam naquele momento uma espécie de
linhagem, a de gestores independentes com passagem por grandes bancos de
investimento - no caso deles, o antigo Garantia, fundado por Jorge Paulo Lemann e
comprado pelo Credit Suisse em 1998.
Ativismo de origem
O mais lembrado
O gestor costuma justificar o desempenho único do Verde por meio de oito grandes
eventos - sendo a maxidesvalorização cambial, em 1999, um dos maiores em termos
de retorno para o portfólio. O restante, gosta de afirmar, foram as empresas e o CDI
trabalhando pelo fundo.
Em uma dessas casas, o Opportunity, os fundos estiveram por muitos anos sob o
comando de Dório Ferman, um dos gestores considerados mais experientes pelo
mercado. Ele foi o criador do Lógica, fundo com quase 25 anos de estrada que,
inclusive, deu origem à gestora. Com sua fama de competente, buscou manter o
braço de gestão de recursos resistente aos problemas que, em meados da década
passada, atingiram o sócio mais conhecido da instituição, Daniel Dantas.
Criada em 1993 pelo ex-presidente do Banco Central Ibrahim Eris, pelo ex-consultor
do governo Sarney Luís Paulo Rosenberg e mais dois executivos do mercado
financeiro, Emir Capez e David Gotlib, a Linear era uma referência. Luiz Parreiras,
estrategista do Verde, conta que o próprio Stuhlberger teve a chance de aprender,
com a Linear, como era um hedge fund.
A casa era conhecida justamente pelos seus fundos mais agressivos, todos com
nomes de bichos, como Leopardo ou Condor. O mais incensado deles, o Tiger, era
um hedge fund que alavancava em muitas vezes o seu patrimônio, o que abria a
possibilidade de obter uma alta rentabilidade sobre seus investimentos - ou perdas
extraordinárias.
Com o sucesso de seus fundos, que dificilmente deixavam de figurar nas listas dos
mais rentáveis daquele período, em cerca de três anos, o patrimônio sob a batuta de
Eris se multiplicou. Até a crise da Ásia. Apostas erradas no dólar provocaram perdas
significativas, especialmente ao Tiger, em outubro de 1997. Desesperados,
investidores iniciaram uma onda de saques que atingiram praticamente todos os
fundos da gestora. E cerca de R$ 1 bilhão administrado naquele momento
transformou-se em algo ao redor de R$ 300 milhões alguns meses depois. Em 2000,
a gestora se despediu do mercado.
Experiência no dia a dia agitado das mesas de operações é marca, por exemplo, da
GAP Asset Management. A empresa nasceu em 1996, fruto de uma sociedade entre
Carlos Camacho, Emanuel Pereira e Renato Junqueira, todos ex-sócios do antigo
Banco Cindam, e cada um deles especializado em um segmento do mercado, como
renda fixa, bolsa e câmbio. "Desde o início, nunca acreditamos em um modelo
apoiado em um único gestor", diz Camacho.
A história da GAP se mistura um pouco com a da IP, gestora de ações com a qual
operou em parceria de 1996 até 2001. O objetivo era compartilhar a área comercial
da IP, que já operava desde 1988. "Cada uma das assets tinha fundos próprios e
estratégias complementares", diz Junqueira, da GAP. Em 2001, a GAP entendeu que
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era hora de se separar e aí ingressaram na asset outros dois sócios, Oscar Camargo,
que vinha do Banco Matrix, e Leonardo Callou, que tinha sido tesoureiro do BBA
Creditanstalt. Foi nessa época também que a gestora contratou sua primeira equipe
de análise de ações. Até então, a gestão de bolsa era mais oportunista, com apostas
na direção do mercado, e apoiada em derivativos.
Transformações intensas
Mas pouco desses recursos está investido em ativos realmente descolados do CDI,
como ações e fundos multimercados que atuam como tal - algo entre 10% e 20% do
total, avaliam gestores. O crescimento do número de assets, contudo, talvez seja um
indicativo de que há gente interessada em apostar no diferencial. Em 2000, eram 60.
Hoje, são mais de 440 gestoras de recursos.
O jogo pode, pela primeira vez na história da indústria de fundos, estar mudando. Ao
longo desses anos, o que se viu foi que diversas casas focadas em ações entregaram
retornos consistentes, mas tinham suas captações muito atreladas aos soluços do
Ibovespa. Já muitos multimercados conseguiram, ano após ano, atrair uma enxurrada
de recursos, escorando-se no conforto dos juros altos, sem, no entanto, oferecer
rentabilidades surpreendentes.
Parreiras, o estrategista do Verde, dá uma pista importante de por onde pode começar
a mudança. "Juro alto sempre foi ruim porque lutava contra o desenvolvimento do
resto do mercado. Ao mesmo tempo, existe uma poupança que cresceu por causa
desse juro alto e que está aí querendo ser investida", diz.
A percepção destes gestores é que as mudanças não serão generalizadas, mas virão.
A indústria de fundos deve caminhar para uma diversidade cada vez maior de
produtos calcados em estratégias diversas, especialmente em ações e em produtos
atrelados ao mercado imobiliário.
A maior crise econômica global desde 1929 preocupa pelo seu longo e incerto
desenrolar, mas também abre oportunidades. "Investimentos fora são uma das nossas
apostas de crescimento importante nos próximos dez anos", diz Parreiras, da Griffo.
"Muitos gestores mais novos ainda não pegaram, como na década de 90, vários anos
com ventos macro muito contra", comenta uma fonte.
Nunca é demais lembrar que desempenho passado não é - nunca foi - garantia de
ganhos futuros. Mas a voz da experiência pode ser útil a uma nova leva de gestores
que começam a encarar um tipo novo de desafio. O investidor vai ter que escolher
entre ganhar nada ou procurar alternativas que deem retornos reais, acima da
inflação. E a geração do "bull market", como qualificou um desses gestores
experientes, vai ter que se mexer.
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