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Textos para

Discussão
145
Outubro
De 2005

CRÍTICA DO CRESCIMENTO
COM POUPANÇA EXTERNA

LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA


CRÍTICA DO CRESCIMENTO COM POUPANÇA EXTERNA

Luiz Carlos Bresser-Pereira


Paulo Gala

Trabalho apresentado em seminário na Escola de


Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas,
23 de maio de 2005. Versão atualizada em 9.11.2005.

RESUMO

O presente artigo é uma formalização da crítica à estratégia do crescimento com poupança


externa. Apesar dos países de renda média serem pobres em capital, os déficits em conta corrente
(poupança externa), financiados por empréstimos ou investimentos diretos externos, não
necessariamente farão aumentar a taxa de acumulação de capital ou, mesmo, terão pouco impacto
sobre ela, de forma que os déficits em conta serão associados a taxas de câmbio apreciadas, altos
salários e ordenados reais e altos níveis de consumo. Conseqüentemente, o país se endividará
para consumir, e não para investir e crescer. Apenas quando há grandes oportunidades de
investimento, estimulados por uma diferença considerável entre a taxa de lucro esperada e a taxa
de juros a longo prazo, o lucro adicional produzido pelo fluxo de capital estrangeiro será usado
para investimento, e este trade-off entre a redução da poupança externa e interna não ocorrerá.

PALAVRAS CHAVES

Poupança externa, poupança interna e financiamento do desenvolvimento.

CLASSIFICAÇÃO JEL

E1, E2, F0, F3, O11.

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ABSTRACT

The present paper is a formalization of the critique of the growth with foreign savings
strategy. Although medium income countries are capital poor, current account deficits (foreign
savings), financed either by loans or by foreign direct investments, will not usually increase the
rate of capital accumulation or will have little impact on it in so far as current account deficits
will be associated with appreciate exchange rates, increased real wages and salaries and high
consumption levels. In consequence, the rate of substitution of foreign savings for domestic
savings will be relatively high, and the country will get indebted to consume, not to invest and
grow. Only when there are large investment opportunities, stimulated by a sizeable difference
between the expected rate of profit and the long term interest rate, additional income originated
by foreign capital flows will be used for investment and this trade-off between foreign savings
and domestic savings reduction will not occur.

KEY WORDS

Foreign savings, domestic savings, development finance.

Os artigos dos Textos para Discussão da Escola de


Economia de São Paulo da Fundação Getulio
Vargas são de inteira responsabilidade dos autores
e não refletem necessariamente a opinião da FGV-
EESP. É permitida a reprodução total ou parcial
dos artigos, desde que creditada a fonte.

Escola de Economia de São Paulo da


Fundação Getulio Vargas FGV-EESP
www.fgvsp.br/economia

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Um pressuposto razoável de todas as teorias de desenvolvimento é o de que, dado um
determinado nível de progresso técnico e a forma de alocação dos recursos disponíveis, o
crescimento econômico será tanto maior quanto maior for a taxa de poupança e investimento. Por
outro lado, desde que a teoria do desenvolvimento econômico surgiu, nos anos 40 e 50, com os
trabalhos clássicos de Rosenstein-Rodan, Nurkse, Lewis, um segundo pressuposto era o de que,
dada a escassez de poupança dos países em desenvolvimento, além da adoção de mecanismos de
poupança forçada interna com o aumento da poupança pública, a poupança externa na forma de
financiamentos e investimentos seria a forma por excelência de promover esse desenvolvimento.
Entre os anos 30 e 60, esta era antes uma proposta sem aplicação prática, já que a poupança
transferida pelos países ricos aos países que mais se desenvolveram foi pequena. Nos anos 70,
entretanto, a teoria transformou-se em realidade, na medida em que foi possível a muitos países
incorrerem em elevados déficits em conta corrente, e financiá-los com aumento da dívida
financeira ou então patrimonial. O episódio terminou com a grande crise da dívida externa dos
anos 80.

Ao mesmo tempo, e ainda com mais ênfase nos anos 90, depois que o Plano Brady
equacionou a crise anterior, a idéia foi retomada, transformando-se na ‘estratégia de crescimento
com poupança externa e abertura da conta capital’. O pressuposto era sempre o do aumento da
capacidade de investir do país. De acordo com o argumento convencional, a abertura da conta de
capital poderi contribuir para o aumento da renda per capitã de um país na medida em que
ampliaria as opções de investimentos produtivos de seus agentes locais. Um país de renda per
capitã baixa e, portanto, com baixo estoque de capital, apresentaria um produto marginal do
capital mais elevado quando cmprado a um país desenvolvido, com elevado estoque de capital. O
maior retorno do investimento permitiria ao país mais pobre ampliar sua capacidade produtiva,
pagando futuramente ao país mais rico os juros e o total da dívida contraída com os resultados da
aplicação produtiva dos recursos emprestados. Para o país desenvolvido, a possibilidade de
aplicação de poupanças a uma taxa maior do que a remuneração doméstica também traria ganhos
de bem estar. A abertura da conta de capital permitiria um processo de arbitragem que, em tese,
seria capaz de igualar os produtos marginais do capital nas diversas economias, aumentando o
bem estar de países pobres e ricos num possível arranjo ótimo.

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A conclusão desse argumento de arbitragem de produtos marginais do capital é a de que
países em desenvolvimento deveriam necessariamente conviver com déficits em contas correntes,
pois só assim estariam aproveitando a poupança externa. Nas palavras de Obstfeld & Rogoff:
“economic policy makers often express concern about national current account deficits or
surpluses. Our simple model makes the very important point that an unbalanced current account
is not necessarily a bad thing. […] intertemporal trade makes possible a less jagged time profile
of consumption [or investment]” (Obstfeld e Rogoff 1996, pg.18). Como conseqüência, um nível
de câmbio real relativamente apreciado e permanentes déficits em conta corrente seriam situações
normais e recomendáveis a países em desenvolvimento, desde que fossem moderados não
levando a crises de balanço de pagamento. Nossa crítica vai diretamente contra essa
argumentação independentemente da ocorrência ou não de crises.

Em vários trabalhos anteriores temos feito a crítica dessa estratégia e da conseqüente


sobrevalorização cambial que dela decorreu, procurando substanciá-la com verificação empírica,
mas não formalizamos o raciocínio, mostrando que o resultado do influxo de poupança externa
não é principalmente o crescimento da taxa de investimento mas o aumento do consumo e do
endividamento externo, verificando-se uma taxa relativamente elevada de substituição da
poupança interna pela externa. Isto só não ocorreria no caso particular de existência de grandes
oportunidades de investimento nos países recipientes.1 O objetivo deste paper é, da maneira mais
simples possível, formalizar essa idéia a partir de relações de contas nacionais, e, assim, fazer a
crítica da estratégia de crescimento com poupança externa. É demonstrar que, exceto no caso de
um grande diferencial entre a taxa de juros e a taxa de lucro esperada, a poupança externa
provoca nos países em desenvolvimento a apreciação do câmbio, a elevação dos salários reais, a
elevação do consumo, e a diminuição da poupança interna – diminuição essa que, dependendo, de
um lado, do grau de apreciação da moeda, e, de outro, do diferencial taxa de lucro e taxa de juros,
poderá mais do que compensar a entrada de capitais. No caso de excessiva apreciação, que leve a
um crescente aumento do grau de endividamento, a estratégia de crescimento com poupança
externa leva sempre ao aumento dos índices de endividamento do país, que resultará em

1
Ver Bresser-Pereira (2001, 2002, 2004) e Bresser-Pereira e Nakano (2003), Bresser-Pereira e Varela
(2004).

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fragilização financeira do país senão em crise cambial. Embora crises de balanço de pagamentos
sejam uma ocorrência comum, não serão incluídas na formalização por se tratar de um problema
óbvio.

A própria perda de crédito externo e a conseqüente elevação das taxas de juros nos empréstimos
internacionais a que estão sujeitos os países que adotam a estratégia de crescimento com
poupança externa não serão também aqui consideradas. Estamos interessados apenas em mostrar
o caso mais geral de compensação da poupança externa pela diminuição da interna, ou, em outras
palavras, pela transformação da poupança interna em consumo interno.2 A crise cambial
constitui, a nosso ver, o limite do problema, e a fragilização das economias em desenvolvimento
que passam a viver cronicamente em instabilidade financeira, um dado do problema. Nossa
preocupação está em criticar, de maneira geral, o pressuposto da teoria econômica convencional
segundo a qual “os países ricos em capital devem transferir seus recursos para os pobres em
capital”.

A estratégia de crescimento com poupança externa é antiga, mas se tornou dominante nos anos
90, quando foi acompanhada pela abertura financeira dos países em desenvolvimento e o grande
aumento dos fluxos de capital em direção a eles. Existe uma ampla literatura sobre esse tema,
mas nela não se discute o pressuposto do crescimento com poupança externa. Ao invés,
ressaltam-se os problemas relacionados com a abertura da conta-capital, como o da alta
volatilidade desses capitais, ou, simplesmente, com o endividamento externo, como é o caso do
conceito de ‘pecado original’, ou seja, o fato de que esses países não podem, como os países
ricos, tomar emprestado em sua própria moeda.3 Por outro lado, na literatura jornalística
econômica, a poupança externa é geralmente confundida com investimentos diretos, e se supõe
que uma condição de desenvolvimento seja competir por esses recursos. Não se deixa claro que o

2
A crise de balanço de pagamentos geralmente ocorre quando o país ultrapassa o limiar de endividamento
externo (debt treshold), na medida em que o índice dívida externa – exportações se eleva e acaba por gerar
uma situação onde há uma crescente preocupação por parte dos credores internacionais. (Cohen, 1994; e
Patillo, Poirson e Ricci).
3
Dentre essa imensa literatura, cito aqui apenas Calvo, Leiderman e Reinhart Eichengreen e Leblang (1995),
Rodrik (1998), Eichengreen e Leblang (2002), Eichengreen (2003).

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investimento direto não precisa financiar déficits em conta corrente, podendo, ao invés, financiar
aumento de reservas, ou compensar investimentos diretos realizados pelo país recipiente.

Neste trabalho apresentaremos uma formalização para a crítica da estratégia de utilizar déficits
em conta corrente ou poupança externa para crescer e mostraremos que só em uma situação
especial esta estratégia será válida. Na primeira seção, discutiremos algumas relações
formalizadas de contas nacionais; na segunda, mostraremos que a substituição de poupança
interna pela externa poderá ser maior ou menor dependendo da existência ou não de grandes
oportunidades de investimento. Na terceira seção apresentaremos uma série de pesquisas
empíricas já realizadas anteriormente comprovando a existência de relativamente elevadas taxas
de substituição da poupança interna pela externa. A última seção traz uma breve conclusão. Dado
nosso objetivo de fazer a crítica da estratégia de crescimento com poupança externa, estamos
pressupondo que a taxa de câmbio, mesmo quando for flutuante, não é determinada
exclusivamente pelo mercado, em função de fluxos comercias e financeiros, mas que pode ser
razoavelmente administrada. Quando um país define a estratégia de crescer com déficits em conta
corrente, o que se está fazendo é administrando para baixo (valorizando) a taxa de câmbio. Em
outras palavras, nosso pressuposto é o de que a alternativa “fix or float” é falsa: existe a
alternativa de, dentro de certos limites, administrar a taxa de câmbio.

1.1.1 Relações formais


Iniciamos com as relações de contas nacionais de uma economia sem Estado, no qual o produto
(Y) é a soma de investimento (I) com consumo (C) e exportações (X) menos importações (M); a
renda bruta (Rb) é a somatória de salários dos trabalhadores (Wt), ordenados da classe média
profissional (Wo), e rendimentos do capital (Π); e a renda nacional é a renda bruta menos os
rendimentos do capital enviados ao exterior (RLE). O investimento é igual à poupança (S), não se
fazendo distinção entre ex ante e ex-post porque, exclusivamente para efeito de simplificação, o
pleno emprego é pressuposto: a poupança total, interna (Si) mais externa (Sx), financia e
determina o investimento.

Y=C+I+X–M (1)

Rb = Wt + Wo + Π + RLE (2)

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Rn = Rb – RLE (3)

I = S = Si + Sx (4)

Esta é sem dúvida uma simplificação, porque na vida real raramente existe pleno emprego, e fora
dele, conforme ensina a macroeconomia keynesiana, é o investimento que determina a poupança
e não o inverso. Entretanto, a situação não muda de forma substancial se abandonássemos a
hipótese do pleno emprego e tornássemos esta formalização coerente com a macroeconomia
keynesiana, como salientaremos no final do trabalho.

A poupança externa, ou seja, a poupança que um país recebe do exterior, é igual ao déficit em
conta corrente, que, por sua vez, corresponde ao saldo comercial mais os rendimentos líquidos
enviados ao exterior.
Sx = M – X + RLE [ poupança externa ] (4.1)

A poupança externa, por sua vez, variará com a taxa de câmbio real (θ). Quanto mais
desvalorizada, menor a poupança externa necessária para fechar as contas do país em cada ano,
conforme a expressão 4.1’.

dSx/dθ = h<0 (4.1)’

A poupança interna é igual aos rendimentos do trabalho e do capital menos o consumo.


Si = Wt + Wo + Π - C [ poupança interna ] (4.2)

De (1) e (2), temos

C + I + X – M = Wt + Wo + Π + RLE (5)

logo, retornamos à identidade (4)


I = (Wt + Wo + Π - C) + (M - X + RLE) [poupança interna (Si) + poupança externa (Sx)] (6)

A taxa de câmbio é o preço macroeconômico estratégico em nossa crítica na medida em que


determina não apenas importações e exportações, mas também consumo e poupança interna. Só
não determina plenamente a poupança externa porque para essa contribui também o valor da
renda líquida enviada ou recebida do exterior e as relações de troca do país (que no nosso modelo
são consideradas constantes). Entenderemos que a taxa de câmbio ‘de equilíbrio’ ou

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simplesmente a taxa de câmbio de referência é aquela que, a médio prazo, garante a zeragem da
conta corrente. Ela varia em torno desse ponto em função dos fluxos de entrada e saída de
capitais. Supondo-se constantes as reservas internacionais do país, a taxa de câmbio depende do
saldo ou déficit em conta corrente, ao mesmo tempo em que o determina. Decorre daí uma
conseqüência fundamental para as economias em desenvolvimento e para este modelo: quando
um país adota a estratégia de crescer com poupança externa, ou seja, com déficits em conta
corrente, financiando-os seja com empréstimos seja com investimentos diretos, a taxa de câmbio
estará em um nível valorizado em relação à aquele que prevaleceria se a estratégia fosse de
manter em torno de zero o saldo em conta corrente.4

Mas a taxa de câmbio tem uma outra conseqüência menos discutida. Quanto mais apreciada for,
mais altos serão os salários (dos trabalhadores) e ordenados (da classe média profissional) reais,
na medida em que o preço dos bens de consumo que são comercializáveis internacionalmente
(commodities) baixa com a apreciação da moeda local. Cada economia terá uma variação dos
salários e ordenados reais em relação à taxa de câmbio (ϕ), que será tanto maior para cada família
quanto maior for o consumo de bens comercializáveis. Em qualquer hipótese, será uma variação
relativamente estável, só se alterando a longo prazo. Os salários e ordenados, portanto, além de
dependerem, substancialmente, do nível de produtividade da economia e do seu padrão de
distribuição de renda, dependem da taxa de câmbio.

Para a definição do câmbio real (θ), adotamos a tradicional definição de câmbio nominal
multiplicado pela relação entre preços externos (P*) e internos (P),

θ = e P*/P (7)

4
A existência de déficit em conta corrente está associada à relativa apreciação do câmbio e, portanto, poderia
implicar em uma pressão de mercado para que ela se depreciasse e o déficit fosse zerado. Entretanto, como
estamos falando aqui em uma ‘estratégia’, isto significa que as autoridades econômicas estão satisfeitas com
o déficit e, principalmente através de uma política de juros altos, procuram manter a taxa de câmbio no nível
relativamente apreciado consistente com ele.

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Assumindo-se que trabalhadores recebem um salário nominal (w) e adquirem bens
comercializáveis e não comercializáveis, teremos que o custo de vida dos trabalhadores (Q)
dependerá da posição do câmbio nominal e da parcela de bens comercializáveis na cesta de
consumo (α).

Q = P(1- α) eP*α (8)

Assumindo-se também que os preços são formados na economia de acordo com a


conhecida regra kaleckiana, que relaciona o nível de preços (P) com o salário nominal (w), o
nível de produtividade (b) e com o mark up (m),

P = w(1+m)1/b (9)

Teremos, a partir da definição de câmbio real (7), da definição do custo de vida dos
trabalhadores (8) e da definição da formação de preços (9), que o salário real (w/Q) é função da
produtividade, do câmbio real e do mark-up ou padrão de distribuição de renda.5

w/Q = b/ (1+m) θα (10)

w/Q/dθ = ϕ<0 (10.1)

A partir destas definições, teremos que uma desvalorização do câmbio real com o
aumento do preço dos comercializáveis em relação ao salário nominal significará uma queda de
salário real já que a cesta de consumo do trabalhador em questão custará mais caro. Num
processo de desvalorização real, o aumento do preço dos comercializáveis certamente
contaminará (P), que é um índice composto por comercializáveis e não comercializáveis. A

5
Bhaduri e Marglin (1990), Simonsen e Cysne (1995: 452).

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restrição fundamental para que haja uma desvalorização real é a de que o aumento de (P) não
supere o aumento de (e), dado (P*). Isso somente ocorrerá se o preço dos não comercializáveis,
especialmente os salários nominais, permanecerem constantes ou se alterarem menos do que
proporcionalmente a variação em (P). 6

O consumo, por sua vez, depende dos salários e ordenados reais e do diferencial entre a
taxa de juros e de lucro (r). A variação do consumo em relação aos salários e ordenados é
definida por (µ).

C = C(w/Q, r) (11)

dC/dw/Q = µ (11.1)

dC/dw/Q >0, dC/dr <0 (11.2)

Logo, o consumo varia positivamente com os salários e, como veremos mais adiante,
negativamente com a taxa de lucro.

Quando prevalece a estratégia de crescimento com poupança externa, e, portanto, de déficits em


conta corrente, a taxa de câmbio se manterá em um nível relativamente apreciado, fazendo com
que os salários e ordenados se elevem em relação à taxa de câmbio de referência e a massa de
salários e ordenados se mantenham em um nível artificialmente elevado. O consumo, por sua vez,
aumenta e se mantém elevado, diminuindo a poupança interna. A poupança interna, portanto, é
função, nesta formalização, da taxa de câmbio. Como o nível de renda está dado no pleno
emprego, um aumento de massa de salários deverá ser acompanhado de queda na massa de lucros
e nas rendas do capital (equação 2) e em queda do investimento financiado pela poupança
interna. Como, porém, está entrando poupança externa, o investimento total poderá aumentará,
permanecer constante, ou diminuir dependendo do grau de apreciação cambial, do efeito dessa

6
Estamos, portanto, assumindo a hipótese keynesiana de rigidez de salários nominais e flexibilidade dos
reais, ao invés da neoclássica de flexibilidade dos salários nominais e rigidez dos reais (Corden, 1981: 31-
32).

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apreciação sobre os salários e ordenados (ϕ) e do efeito do aumento dos salários e ordenados
sobre o consumo, (µ).

1.1.2 Substituição da poupança interna pela externa


Para a crítica aqui desenvolvida, embora trabalhemos com variações da taxa de câmbio, estamos
mais interessados no seu nível. Interessa apenas secundariamente o momento da apreciação ou da
depreciação do câmbio. Mais importante é o nível da taxa de câmbio e da correspondente
poupança externa. Imaginemos dois períodos: um período t em que a poupança externa é zero e a
taxa de câmbio é de equilíbrio, e um período t+1 no qual surge um déficit (superávit) em conta
corrente e a taxa de câmbio é baixa (alta) ou apreciada (depreciada). A incógnita principal é o
aumento ou não da taxa de investimento. A variável chave é a variação do consumo em relação
aos salários e ordenados, (µ), que, como vimos, depende do diferencial da taxa de lucros-taxa de
juros (r), considerada constante a variação dos salários e ordenados reais em relação à variação da
taxa de câmbio (ϕ).

De quanto variará a poupança interna em função da apreciação da moeda do país recipiente de


poupança externa? Isto dependerá da derivada da poupança interna em relação à poupança
externa (z), entre as quais existe um trade-off ou compensação: o aumento da primeira tende a
implicar na diminuição da segunda. Uma apreciação da moeda local poderá reduzir a poupança
interna para o mesmo valor ou mesmo para menos do que representa o acréscimo de poupança
externa, ocorrendo assim um deslocamento de poupança total (“savings displacement”). Pode-se
observar a partir da equação 6 que, se a queda de (Si) for maior do que o aumento de (Sx), a
poupança total cai, o investimento total cai, o consumo total aumenta e a renda se mantém. A
equação (12) define aquela compensação, que chamaremos de substituição de poupança interna
pela externa, ou derivada de uma em relação à outra (z). Se (z) for igual a -1, haverá perfeita
compensação, se (z) for 0, não haverá compensação nenhuma e a poupança externa se
transformará em investimento. Nos casos intermediários, parte da poupança externa será
canalizada para consumo e parte para investimento.

Temos, portanto, que (z) deve ser negativa: z = dSi/dSx ≤ 0. Como isto pode ser demonstrado, ou,
em outras palavras, de que depende (z)? Como se pode observar na expressão (12), dada a

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variação dos salários e ordenados em relação à apreciação do câmbio (ϕ), que já vimos poder ser
considerada estável, (z) dependerá essencialmente de (h), ou seja da variação da poupança
externa em relação à taxa de câmbio real, e de (µ), ou seja, da variação do consumo em relação
em relação aos aumentos dos salários e ordenados, como já está implícito nas equações (4.1),
(4.2), (10) e (11).

z = dSi/dC . dC/dw/Q . dw/Q/dθ . dθ/dSx (12)

Logo, fazendo as devidas substituições, temos z ≤ 0, como em (12.1).

z = (-1.µ.ϕ.1/h) ≤ 0 (12.1)

E de que dependerá (µ)? Nossa hipótese é que dependa da existência ou não de oportunidades de
investimentos, ou, mais precisamente, do diferencial da taxa de lucro esperada em relação à taxa
de juros (r). Caso haja grandes oportunidades de lucro, além da classe capitalista usar uma parte
maior de sua renda esperada e auferida no investimento, aumentando sua propensão marginal a
investir, os aumentos dos salários da classe operária e principalmente dos ordenados da classe
média aumentarão também sua propensão marginal a investir, de forma que o (µ) tenderá para
zero . Em outras palavras, a variação do consumo em relação aos aumentos dos salários e
ordenados será no limite nula7. O aumento dos ordenados será também usado para financiar
investimentos ao invés de simplesmente financiar o consumo, como está implícito na equação
(11). Para isto, porém, será necessário que haja grandes oportunidades de investimento. Se o
diferencial r for pequeno, teremos oportunidades ‘normais’ de investimento, que não estimularão
a classe média a desviar parte do seu aumento de ordenados para o investimento. Em
conseqüência, a entrada de poupança externa será compensada pela diminuição da poupança
interna decorrente do aumento do consumo. Além disso, os próprios lucros e seu reinvestimento

7
Ou negativa ser os agentes econômicos passassem a consumir menos do que consumiam anteriormente.

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serão modestos. O resultado dos dois fatos será que novos investimentos não ocorrerão, não
obstante o influxo de poupança externa.

A questão principal nessa formalização é saber se a poupança externa se transforma em


investimento ou em consumo. Se (r) for relativamente baixo, a variação (µ) será alta, de forma
que o aumento dos salários e ordenados causado pela apreciação da taxa de câmbio orientar-se-á
principalmente para o consumo. Em conseqüência, dada a renda, a poupança interna diminuirá
substancialmente. No outro extremo, se o diferencial de taxa de lucro-juros for alto, a variação
(µ) será baixa, e uma grande parte do aumento de salários e ordenados se dirigirá não para o
consumo mas para o investimento.

A diminuição da poupança interna poderá, portanto, ser igual, maior, ou menor do que o influxo
de poupança externa. Se for igual, havendo substituição total de um pelo outro tipo de poupança,
a derivada (z) será igual a -1. Quando a taxa de substituição da poupança interna pela externa (z)
for, por exemplo, de -0,6, para cada unidade de poupança externa entrando no país haverá uma
diminuição de poupança interna (aumento do consumo) de 60% desse valor. Se (z) for 0, a crítica
à estratégia de crescimento com poupança externa perde o sentido, porque a poupança externa é
integralmente transformada em investimento. Nossa hipótese é a de que a taxa de substituição de
poupança interna pela externa tende a ser alta, aproximando-se de -1 quando ocorrem déficits em
conta corrente sem efetiva vinculação com investimentos e um processo de crescimento como
aconteceu na América Latina nos anos 90. A derivada (z) é assim a chave para entender nossa
crítica.

Sabemos historicamente ou empiricamente que, em determinadas circunstâncias, países


desenvolveram-se com poupança externa. Qual a condição para que isto ocorra, ou seja, para que
a substituição de poupança interna pela externa fique próxima de 0? A resposta a essa pergunta já
foi sugerida quando fizemos (µ) depender de (r) (equação 11) e (z) depender de (µ) (equações 6,
10 e 11). Para que o valor de (z) fique entre 0 e -1, pressupomos uma taxa de juros normal e uma
taxa de lucros também normal, ou seja, pouco acima da taxa de juros de longo prazo. Em
determinados momentos, porém, uma conjugação favorável de externalidades e de aumento de
demanda provoca uma situação de grandes oportunidades de investimento, que se expressam por

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altas taxas de lucro esperadas, sempre combinadas com elevadas taxas de crescimento do PIB.
Quando isto ocorre, é preciso abandonar a hipótese de que o aumento de salários e ordenados se
destine principal senão integralmente ao aumento do consumo. Dividindo os salários totais, W,
entre salários dos trabalhadores, Wt, e ordenados da classe média profissional, Wo, quando a taxa
de lucros esperada sobe substancialmente, a classe média profissional principalmente (mais do
que os trabalhadores) se deixa motivar por essa taxa e passa a aplicar parte de seu aumento de
ordenados reais em investimentos. Logo, a partir de um determinado nível de diferencial taxa de
lucros esperada-taxa de juros, o investimento, que já é função da taxa de lucro para os capitalistas
e as empresas, passa a sê-lo também para a classe média profissional.

Em termos das relações apresentadas até então, a derivada z=dSi/dSx ou taxa de substituição de
poupança interna pela externa se aproxima de 0, o que significa que grande parte do déficit em
conta corrente está se transformando em investimentos. A substituição de poupança interna pela
externa é, portanto, função da variação do consumo em relação ao aumento dos salários e
ordenados, a qual, por sua vez, é função das oportunidades de investimento ou do diferencial taxa
de juros e lucros esperados (equação 11).

No início deste trabalho afirmamos que a hipótese de pleno emprego é uma hipótese
simplificadora. As conclusões aqui apresentadas não mudariam se, mais realisticamente,
abandonássemos a hipótese do pleno emprego e tornássemos esta formalização coerente com a
boa macroeconomia keynesiana. Suponhamos que o país decida abandonar a estratégia de
crescimento com poupança externa. No processo de transição, a depreciação da moeda, causando
a queda dos salários e ordenados reais e o aumento dos lucros, pode provocar uma queda
momentânea de renda, mas a injeção de demanda resultante do aumento de exportações, e dos
investimentos estimulados pela oportunidade de exportar irá contrabalançar em breve o efeito
recessivo. Os investimentos tornam-se, portanto, também função da taxa de câmbio e das
expectativas de lucro que a própria taxa de câmbio determina. Com o aumento das exportações e
a redução dos salários reais, o volume de lucros e a poupança interna, aumentam, assim como
aumentam a taxa de lucro esperada e os investimentos. A poupança externa diminui na medida
em que as importações e o déficit em conta corrente caem. No novo equilíbrio, o nível de renda é
o mesmo, mas a poupança interna e o investimento são maiores. Houve uma concentração da

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renda, mas, em compensação, graças ao aumento dos investimentos e das taxas de crescimento
futuras, os salários deverão apresentar uma taxa de crescimento substancialmente superior àquela
que tinham antes da depreciação e rapidamente mais do que compensar a perda havida.

1.1.3 Evidências empíricas


Existe hoje uma considerável literatura empírica que trata da relação entre poupança interna e
externa. Vários trabalhos procuram medir a sensibilidade da poupança interna em relação a
utilização de poupança externa. O principal foco dos trabalhos é empírico e as atenções se
voltam, em geral, para os possíveis determinantes da poupança interna. A maioria dos estudos
aponta para o resultado de substituição de poupança interna pela externa, no que parece constituir
quase um consenso na literatura. Curiosamente, a questão cambial é deixada de lado. A maioria
dos trabalhos nessa área não se preocupa com o papel do câmbio na determinação do nível de
poupança interna ou externa, nem apresenta uma teoria explicativa da taxa de substituição de
poupança externa por interna. Limitam-se a apresentar os resultados de suas pesquisas, que são
significativos.

Fry (1978) foi um dos pioneiros em estudos econométricos com o objetivo de medir os possíveis
determinantes da poupança interna. Apesar de não se preocupar primordialmente com a relação
entre poupança interna e externa, fornece resultados interessantes sobre o grau de substituição
entre as duas em suas análises empíricas. Formula a seguinte especificação econométrica:
Sd/Y = f(g, y, r, Sf/Y, Sd/Y-1) (10)

Sd/Y: poupança doméstica/PIB

g: taxa de crescimento do PIB

y: log natural do PIB per capita medido dólares de 1970

r: taxa real de juros

Sf/Y poupança externa/PIB

Os resultados são obtidos com regressões de mínimos quadrados com dummies para os diversos
países. Os dados abordam 7 países asiáticos no período 1962-1972: Índia (1962-1972), Coréia do

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Sul (1962-1972), Burma (1962-1969), Malásia (1963-1972), Filipinas (1962-1972), Cingapura
(1965-1972) e Taiwan (1962-1972). Os resultados apontam para um valor de aproximadamente -
0,5 para a substituição de poupança interna pela externa nos vários tipos de especificações do
modelo. Ou seja, 50% da utilização de poupança externa seria neutralizada por uma queda da
poupança interna. O grau de substituição é considerável para essa amostra de países no período
em questão.

Edwards (1995) faz uma ampla análise sobre determinantes da poupança privada doméstica.
Além de discutir alguns aspectos teóricos acerca das diversas explicações para distintos níveis de
poupança doméstica, apresenta uma extensa análise empírica para países desenvolvidos e em
desenvolvimento. Faz estimações com dados em painel de 1970 a 1992 para 25 países em
desenvolvimento e 11 desenvolvidos. Utiliza como variáveis independentes e, portanto, possíveis
candidatos na determinação da taxa de poupança privada doméstica, uma extensa lista: taxa de
dependência demográfica (população com menos de 15 anos + população com mais de 65 anos
dividida pela população entre 15 e 65 anos), população urbana, poupança pública, taxas de
crescimento, GDP per capita, base monetária/GDP, crédito para o setor privado, gastos do
governo em previdência social, taxa de juros real, poupança externa, inflação, distribuição de
renda, estabilidade política. Nos diversos modelos estimados encontra novamente um valor
negativo em torno de 0,5 para o coeficiente de poupança externa (mínimo 0,38, máximo 0,625),
indicando substancial substituição entre poupança interna privada e poupança externa.

Schmidt-Hebel et al. estudam o comportamento da poupança doméstica a partir da perspectiva


das famílias. Ao invés de se concentram na poupança agregada, baseiam sua análise empírica na
poupança das famílias sobre a renda disponível. Dentre as variáveis independentes para a
estimação, selecionam: renda per capita das famílias em níveis, taxas e tendência, taxas reais de
juros, taxas de inflação, poupança externa, entre outras. Os cálculos são feitos para 10 economias
em desenvolvimento entre os anos de 1970 e 1985 com dados em painel utilizando-se um modelo
de efeitos fixos e aleatórios. Os coeficientes associados a poupança externa apontam para valores
em torno de -0.2, indicando algum grau de substituição entre poupança externa e interna. Os
autores chamam a atenção para esse fato, "foreign saving, which acts as an external liquidity

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constraint, boosts private consumption, as shown by its significantly negative influence on
saving"8.

Reinhart e Talvi (1998) fazem uma comparação entre Ásia e América latina a respeito da questão
da substituição entre poupança externa e interna. Argumentam que os altos níveis de poupança na
Ásia estão mais relacionados a tendências históricas do que ao comportamento dos fluxos de
capital. Encontram resultados empíricos que se alinham com Schmidt-Hebbel (1992) e Edwards
(1995) de que há razoável grau de substituição entres as duas. A utilização de poupança externa
está negativamente correlacionada ao nível de poupança doméstica para ambas as regiões.
Utilizando uma especificação próxima de Fry (1978), onde a poupança interna é definida como
função da poupança externa e um vetor de outros determinantes, Uthoff e Titelman (1998)
também encontram uma substituição de poupança interna pela externa que gravita em torno do
valor de -0,5. Os autores formulam a seguinte especificação econométrica:

S / Ytk =α0 +α1Ytk +α2DYTTK +α3CRECtk +α4INFLtk +α5RDDtk +α6FSTtk +α7DFSTtk +α8IRtk +ε

tk: país k no período t

S/Y: poupança interna

YT: tendência do PIB per capita

DYT: desvios da tendência do PIB per capita

CREC: taxa de crescimento do PIB per capita

INFL: taxa de inflação

RDD: taxa de dependência demográfica

FST: tendência da poupança externa

DFST: desvio de tendência da poupança externa

IR: taxa de juros real

8
Schmidt-Hebel et al., 1992: 543

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As estimativas cobrem 15 países Latino-Americanos e do Caribe entre 1972 e 1993, usando
dados de cross-section e séries de tempo num total de 330 observações. As estimações foram
feitas utilizando-se os métodos de efeitos fixos e aleatórios com e sem instrumentos. Os
resultados em relação à poupança externa apontam para um coeficiente negativo de -0.47,
altamente significante. Os autores também calculam os impactos da poupança externa sobre a
interna a partir de uma separação entre tendência e desvio de tendência da poupança externa.
Novamente os resultados apontam para uma substituição de poupança interna pela externa em
torno de -0,48, com valores entre -0,31 e -0,46 para o impacto do aumento de tendência e entre –
0,48 e –0,49 para desvios de tendência. Os autores chamam a atenção para o caso mexicano.
Entre 1983-90 a 1992-94, a utilização de poupança externa no México cresceu em 7.4 pontos
percentuais de PIB, mas a taxa de investimento cresceu em apenas 4.4 pontos percentuais de PIB.
Grande parte dos recursos externos foi utilizada para financiamento de aumento do consumo e a
poupança doméstica caiu. Para a média da América Latina, a poupança externa aumentou em 2
pontos percentuais entre 1983-90 e 1992-1994, enquanto a taxa de investimento aumentou 0,3%
pontos percentuais de PIB e a poupança interna caiu 1.7 pontos percentuais9.

Apesar de não utilizar diretamente a taxa de câmbio nas medições econométricas, esses trabalhos
fornecem evidências empíricas favoráveis, mesmo que de forma indireta, para os argumentos
teóricos apresentados neste trabalho. Assumindo-se que situações de déficits em contas correntes
são acompanhadas por algum grau de apreciação cambial, podemos concluir que os trabalhos
empíricos apresentados acima se alinham com o argumento de que, em geral, a utilização de
poupança externa está aliada à redução de poupança interna e aumento do nível agregado de
consumo. Por outro lado, a variação da substituição de poupança interna pela externa verificada
dependendo do país e do momento em que os dados são levantados provavelmente deriva da
existência ou não, em cada momento estudado, de expectativas muito elevadas de taxa de lucro,
ou, em outras palavras, de grandes oportunidades de investimento transformadas em altas taxas
de crescimento.

9
Uthoff e Titelman, 1998:36

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Nos trabalhos originais fazendo a crítica da estratégia de crescimento com poupança externa de
Bresser-Pereira, individualmente ou com Y. Nakano, ou com C. Varela, já referidos, não havia
esta formalização, mas já estavam presentes em várias outras comprovações empíricas,
principalmente aquelas relativas à década de 90 no Brasil e na América Latina. A experiência
recente dos países ricos também é claríssima, como Feldstein e Horioka verificaram,10 e, depois,
um grande número de novas pesquisas comprovou.

1.1.4 Conclusão
Em síntese, na formalização da crítica à estratégia de crescimento com poupança externa que
acabamos de apresentar, assume-se pleno emprego e a taxa de câmbio define não apenas (X) e
(M) e, portanto, a poupança externa, mas também (w/Q), e, portanto, o consumo e a poupança
interna. Logo, define também o investimento. Dada a variação dos salários e ordenados reais em
relação à taxa de câmbio (ϕ), que pode ser considerada constante, o efeito do influxo de
poupança externa (ou de apreciação da taxa de câmbio) sobre a poupança interna, (z), depende da
variação do consumo em relação aos salários e ordenados (µ) que, por sua vez, depende da taxa
de lucros esperada (r).

A entrada de capitais ou de poupança externa tende a provocar apreciação cambial, aumento dos
salários reais e das importações, dado que a variação do consumo em relação à remuneração dos
trabalhadores e da classe média é em geral maior do que zero (µ > 0). Em conseqüência, temos
uma substituição de poupança interna pela externa significativa, que gira em torno de -0,5, mas
pode variar para mais ou para menos dependendo da situação econômica. Quando a economia
vive um momento de altas taxas de crescimento, no qual o diferencial entre a taxa de lucros
esperada e a taxa de juros de longo prazo é alto, o aumento do consumo pode ser pequeno,
porque principalmente a classe média poderá direcionar seu aumento real dos ordenados para o
investimento tornado muito mais atrativo. É isto que explica porque, em determinados

10
Feldstein e Horioka (1980). Um grande número de pesquisas comprovou o fato. Entretanto, os
economistas, surpresos, insistiam em falar no ‘quebra-cabeça Feldstein-Horioka’. Nos últimos anos, porém,
estudos econométricos mostraram que se tratava essencialmente de uma restrição de solvência dos países
(Sinn, 1992; Rocha e Zerbini, 2002; Coakley, Kulasi e Smith, 2002).

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momentos, como os Estados Unidos na segunda metade do século dezenove, ou a Coréia do Sul e
o Brasil, na primeira metade dos anos 70, cresceram com poupança externa.

Na maioria dos casos, porém, nossa hipótese é a de que, como aconteceu durante os anos 90, essa
condição excepcional não está presente e a poupança externa se transformará simplesmente em
maior consumo e em maior endividamento financeiro ou patrimonial do país, o segundo
endividamento menos líquido que o primeiro, mas ambos implicando em pesado ônus de remessa
de rendimentos para o exterior sem que tenha havido aumento da capacidade de investir e
exportar do país. Isto explica também porque os países asiáticos têm defendido tão fortemente
sua taxa de câmbio, mantendo-a competitiva, através da estratégia de crescer com despoupança
externa, ou seja, com superávits em conta corrente e aumento ou de reservas ou de investimentos
no exterior. Esta crítica contraria o pressuposto da teoria econômica convencional de que os
países ricos em capital transferem (e devem transferir) seus recursos para os países pobres em
capital. Sabemos, entretanto, que o avanço da ciência, em qualquer campo, está em desafiar
várias formas de saber convencional; saber esse que, sendo meramente hipotético-dedutivo
(como é aquele pressuposto) facilmente contraria a experiência histórica dos países que foi
sempre a de que, exceto em alguns momentos, o capital se faz em casa11. Com este trabalho,
esperamos contribuir para uma teoria que explique essa experiência.

1.1.5 Referências
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Segundo Consenso de Washington”. In Ana Célia Castro, org., Desenvolvimento em Debate:
Painéis do Desenvolvimento Brasileiro I, v.2. Rio de Janeiro: Mauad/BNDES, 2002: 359-398.

11
A expressão é de Barbosa Lima Sobrinho, em seu clássico trabalho sobre o desenvolvimento do Japão
(1973).

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Bresser-Pereira, Luiz Carlos (2004) “Brazil’s Quasi-stagnation and the Growth cum Foreign
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