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Discussão
145
Outubro
De 2005
CRÍTICA DO CRESCIMENTO
COM POUPANÇA EXTERNA
RESUMO
PALAVRAS CHAVES
CLASSIFICAÇÃO JEL
The present paper is a formalization of the critique of the growth with foreign savings
strategy. Although medium income countries are capital poor, current account deficits (foreign
savings), financed either by loans or by foreign direct investments, will not usually increase the
rate of capital accumulation or will have little impact on it in so far as current account deficits
will be associated with appreciate exchange rates, increased real wages and salaries and high
consumption levels. In consequence, the rate of substitution of foreign savings for domestic
savings will be relatively high, and the country will get indebted to consume, not to invest and
grow. Only when there are large investment opportunities, stimulated by a sizeable difference
between the expected rate of profit and the long term interest rate, additional income originated
by foreign capital flows will be used for investment and this trade-off between foreign savings
and domestic savings reduction will not occur.
KEY WORDS
Ao mesmo tempo, e ainda com mais ênfase nos anos 90, depois que o Plano Brady
equacionou a crise anterior, a idéia foi retomada, transformando-se na ‘estratégia de crescimento
com poupança externa e abertura da conta capital’. O pressuposto era sempre o do aumento da
capacidade de investir do país. De acordo com o argumento convencional, a abertura da conta de
capital poderi contribuir para o aumento da renda per capitã de um país na medida em que
ampliaria as opções de investimentos produtivos de seus agentes locais. Um país de renda per
capitã baixa e, portanto, com baixo estoque de capital, apresentaria um produto marginal do
capital mais elevado quando cmprado a um país desenvolvido, com elevado estoque de capital. O
maior retorno do investimento permitiria ao país mais pobre ampliar sua capacidade produtiva,
pagando futuramente ao país mais rico os juros e o total da dívida contraída com os resultados da
aplicação produtiva dos recursos emprestados. Para o país desenvolvido, a possibilidade de
aplicação de poupanças a uma taxa maior do que a remuneração doméstica também traria ganhos
de bem estar. A abertura da conta de capital permitiria um processo de arbitragem que, em tese,
seria capaz de igualar os produtos marginais do capital nas diversas economias, aumentando o
bem estar de países pobres e ricos num possível arranjo ótimo.
1
Ver Bresser-Pereira (2001, 2002, 2004) e Bresser-Pereira e Nakano (2003), Bresser-Pereira e Varela
(2004).
A própria perda de crédito externo e a conseqüente elevação das taxas de juros nos empréstimos
internacionais a que estão sujeitos os países que adotam a estratégia de crescimento com
poupança externa não serão também aqui consideradas. Estamos interessados apenas em mostrar
o caso mais geral de compensação da poupança externa pela diminuição da interna, ou, em outras
palavras, pela transformação da poupança interna em consumo interno.2 A crise cambial
constitui, a nosso ver, o limite do problema, e a fragilização das economias em desenvolvimento
que passam a viver cronicamente em instabilidade financeira, um dado do problema. Nossa
preocupação está em criticar, de maneira geral, o pressuposto da teoria econômica convencional
segundo a qual “os países ricos em capital devem transferir seus recursos para os pobres em
capital”.
A estratégia de crescimento com poupança externa é antiga, mas se tornou dominante nos anos
90, quando foi acompanhada pela abertura financeira dos países em desenvolvimento e o grande
aumento dos fluxos de capital em direção a eles. Existe uma ampla literatura sobre esse tema,
mas nela não se discute o pressuposto do crescimento com poupança externa. Ao invés,
ressaltam-se os problemas relacionados com a abertura da conta-capital, como o da alta
volatilidade desses capitais, ou, simplesmente, com o endividamento externo, como é o caso do
conceito de ‘pecado original’, ou seja, o fato de que esses países não podem, como os países
ricos, tomar emprestado em sua própria moeda.3 Por outro lado, na literatura jornalística
econômica, a poupança externa é geralmente confundida com investimentos diretos, e se supõe
que uma condição de desenvolvimento seja competir por esses recursos. Não se deixa claro que o
2
A crise de balanço de pagamentos geralmente ocorre quando o país ultrapassa o limiar de endividamento
externo (debt treshold), na medida em que o índice dívida externa – exportações se eleva e acaba por gerar
uma situação onde há uma crescente preocupação por parte dos credores internacionais. (Cohen, 1994; e
Patillo, Poirson e Ricci).
3
Dentre essa imensa literatura, cito aqui apenas Calvo, Leiderman e Reinhart Eichengreen e Leblang (1995),
Rodrik (1998), Eichengreen e Leblang (2002), Eichengreen (2003).
Neste trabalho apresentaremos uma formalização para a crítica da estratégia de utilizar déficits
em conta corrente ou poupança externa para crescer e mostraremos que só em uma situação
especial esta estratégia será válida. Na primeira seção, discutiremos algumas relações
formalizadas de contas nacionais; na segunda, mostraremos que a substituição de poupança
interna pela externa poderá ser maior ou menor dependendo da existência ou não de grandes
oportunidades de investimento. Na terceira seção apresentaremos uma série de pesquisas
empíricas já realizadas anteriormente comprovando a existência de relativamente elevadas taxas
de substituição da poupança interna pela externa. A última seção traz uma breve conclusão. Dado
nosso objetivo de fazer a crítica da estratégia de crescimento com poupança externa, estamos
pressupondo que a taxa de câmbio, mesmo quando for flutuante, não é determinada
exclusivamente pelo mercado, em função de fluxos comercias e financeiros, mas que pode ser
razoavelmente administrada. Quando um país define a estratégia de crescer com déficits em conta
corrente, o que se está fazendo é administrando para baixo (valorizando) a taxa de câmbio. Em
outras palavras, nosso pressuposto é o de que a alternativa “fix or float” é falsa: existe a
alternativa de, dentro de certos limites, administrar a taxa de câmbio.
Y=C+I+X–M (1)
Rb = Wt + Wo + Π + RLE (2)
I = S = Si + Sx (4)
Esta é sem dúvida uma simplificação, porque na vida real raramente existe pleno emprego, e fora
dele, conforme ensina a macroeconomia keynesiana, é o investimento que determina a poupança
e não o inverso. Entretanto, a situação não muda de forma substancial se abandonássemos a
hipótese do pleno emprego e tornássemos esta formalização coerente com a macroeconomia
keynesiana, como salientaremos no final do trabalho.
A poupança externa, ou seja, a poupança que um país recebe do exterior, é igual ao déficit em
conta corrente, que, por sua vez, corresponde ao saldo comercial mais os rendimentos líquidos
enviados ao exterior.
Sx = M – X + RLE [ poupança externa ] (4.1)
A poupança externa, por sua vez, variará com a taxa de câmbio real (θ). Quanto mais
desvalorizada, menor a poupança externa necessária para fechar as contas do país em cada ano,
conforme a expressão 4.1’.
C + I + X – M = Wt + Wo + Π + RLE (5)
Mas a taxa de câmbio tem uma outra conseqüência menos discutida. Quanto mais apreciada for,
mais altos serão os salários (dos trabalhadores) e ordenados (da classe média profissional) reais,
na medida em que o preço dos bens de consumo que são comercializáveis internacionalmente
(commodities) baixa com a apreciação da moeda local. Cada economia terá uma variação dos
salários e ordenados reais em relação à taxa de câmbio (ϕ), que será tanto maior para cada família
quanto maior for o consumo de bens comercializáveis. Em qualquer hipótese, será uma variação
relativamente estável, só se alterando a longo prazo. Os salários e ordenados, portanto, além de
dependerem, substancialmente, do nível de produtividade da economia e do seu padrão de
distribuição de renda, dependem da taxa de câmbio.
Para a definição do câmbio real (θ), adotamos a tradicional definição de câmbio nominal
multiplicado pela relação entre preços externos (P*) e internos (P),
θ = e P*/P (7)
4
A existência de déficit em conta corrente está associada à relativa apreciação do câmbio e, portanto, poderia
implicar em uma pressão de mercado para que ela se depreciasse e o déficit fosse zerado. Entretanto, como
estamos falando aqui em uma ‘estratégia’, isto significa que as autoridades econômicas estão satisfeitas com
o déficit e, principalmente através de uma política de juros altos, procuram manter a taxa de câmbio no nível
relativamente apreciado consistente com ele.
P = w(1+m)1/b (9)
Teremos, a partir da definição de câmbio real (7), da definição do custo de vida dos
trabalhadores (8) e da definição da formação de preços (9), que o salário real (w/Q) é função da
produtividade, do câmbio real e do mark-up ou padrão de distribuição de renda.5
A partir destas definições, teremos que uma desvalorização do câmbio real com o
aumento do preço dos comercializáveis em relação ao salário nominal significará uma queda de
salário real já que a cesta de consumo do trabalhador em questão custará mais caro. Num
processo de desvalorização real, o aumento do preço dos comercializáveis certamente
contaminará (P), que é um índice composto por comercializáveis e não comercializáveis. A
5
Bhaduri e Marglin (1990), Simonsen e Cysne (1995: 452).
O consumo, por sua vez, depende dos salários e ordenados reais e do diferencial entre a
taxa de juros e de lucro (r). A variação do consumo em relação aos salários e ordenados é
definida por (µ).
C = C(w/Q, r) (11)
dC/dw/Q = µ (11.1)
Logo, o consumo varia positivamente com os salários e, como veremos mais adiante,
negativamente com a taxa de lucro.
6
Estamos, portanto, assumindo a hipótese keynesiana de rigidez de salários nominais e flexibilidade dos
reais, ao invés da neoclássica de flexibilidade dos salários nominais e rigidez dos reais (Corden, 1981: 31-
32).
Temos, portanto, que (z) deve ser negativa: z = dSi/dSx ≤ 0. Como isto pode ser demonstrado, ou,
em outras palavras, de que depende (z)? Como se pode observar na expressão (12), dada a
z = (-1.µ.ϕ.1/h) ≤ 0 (12.1)
E de que dependerá (µ)? Nossa hipótese é que dependa da existência ou não de oportunidades de
investimentos, ou, mais precisamente, do diferencial da taxa de lucro esperada em relação à taxa
de juros (r). Caso haja grandes oportunidades de lucro, além da classe capitalista usar uma parte
maior de sua renda esperada e auferida no investimento, aumentando sua propensão marginal a
investir, os aumentos dos salários da classe operária e principalmente dos ordenados da classe
média aumentarão também sua propensão marginal a investir, de forma que o (µ) tenderá para
zero . Em outras palavras, a variação do consumo em relação aos aumentos dos salários e
ordenados será no limite nula7. O aumento dos ordenados será também usado para financiar
investimentos ao invés de simplesmente financiar o consumo, como está implícito na equação
(11). Para isto, porém, será necessário que haja grandes oportunidades de investimento. Se o
diferencial r for pequeno, teremos oportunidades ‘normais’ de investimento, que não estimularão
a classe média a desviar parte do seu aumento de ordenados para o investimento. Em
conseqüência, a entrada de poupança externa será compensada pela diminuição da poupança
interna decorrente do aumento do consumo. Além disso, os próprios lucros e seu reinvestimento
7
Ou negativa ser os agentes econômicos passassem a consumir menos do que consumiam anteriormente.
A diminuição da poupança interna poderá, portanto, ser igual, maior, ou menor do que o influxo
de poupança externa. Se for igual, havendo substituição total de um pelo outro tipo de poupança,
a derivada (z) será igual a -1. Quando a taxa de substituição da poupança interna pela externa (z)
for, por exemplo, de -0,6, para cada unidade de poupança externa entrando no país haverá uma
diminuição de poupança interna (aumento do consumo) de 60% desse valor. Se (z) for 0, a crítica
à estratégia de crescimento com poupança externa perde o sentido, porque a poupança externa é
integralmente transformada em investimento. Nossa hipótese é a de que a taxa de substituição de
poupança interna pela externa tende a ser alta, aproximando-se de -1 quando ocorrem déficits em
conta corrente sem efetiva vinculação com investimentos e um processo de crescimento como
aconteceu na América Latina nos anos 90. A derivada (z) é assim a chave para entender nossa
crítica.
Em termos das relações apresentadas até então, a derivada z=dSi/dSx ou taxa de substituição de
poupança interna pela externa se aproxima de 0, o que significa que grande parte do déficit em
conta corrente está se transformando em investimentos. A substituição de poupança interna pela
externa é, portanto, função da variação do consumo em relação ao aumento dos salários e
ordenados, a qual, por sua vez, é função das oportunidades de investimento ou do diferencial taxa
de juros e lucros esperados (equação 11).
No início deste trabalho afirmamos que a hipótese de pleno emprego é uma hipótese
simplificadora. As conclusões aqui apresentadas não mudariam se, mais realisticamente,
abandonássemos a hipótese do pleno emprego e tornássemos esta formalização coerente com a
boa macroeconomia keynesiana. Suponhamos que o país decida abandonar a estratégia de
crescimento com poupança externa. No processo de transição, a depreciação da moeda, causando
a queda dos salários e ordenados reais e o aumento dos lucros, pode provocar uma queda
momentânea de renda, mas a injeção de demanda resultante do aumento de exportações, e dos
investimentos estimulados pela oportunidade de exportar irá contrabalançar em breve o efeito
recessivo. Os investimentos tornam-se, portanto, também função da taxa de câmbio e das
expectativas de lucro que a própria taxa de câmbio determina. Com o aumento das exportações e
a redução dos salários reais, o volume de lucros e a poupança interna, aumentam, assim como
aumentam a taxa de lucro esperada e os investimentos. A poupança externa diminui na medida
em que as importações e o déficit em conta corrente caem. No novo equilíbrio, o nível de renda é
o mesmo, mas a poupança interna e o investimento são maiores. Houve uma concentração da
Fry (1978) foi um dos pioneiros em estudos econométricos com o objetivo de medir os possíveis
determinantes da poupança interna. Apesar de não se preocupar primordialmente com a relação
entre poupança interna e externa, fornece resultados interessantes sobre o grau de substituição
entre as duas em suas análises empíricas. Formula a seguinte especificação econométrica:
Sd/Y = f(g, y, r, Sf/Y, Sd/Y-1) (10)
Os resultados são obtidos com regressões de mínimos quadrados com dummies para os diversos
países. Os dados abordam 7 países asiáticos no período 1962-1972: Índia (1962-1972), Coréia do
Edwards (1995) faz uma ampla análise sobre determinantes da poupança privada doméstica.
Além de discutir alguns aspectos teóricos acerca das diversas explicações para distintos níveis de
poupança doméstica, apresenta uma extensa análise empírica para países desenvolvidos e em
desenvolvimento. Faz estimações com dados em painel de 1970 a 1992 para 25 países em
desenvolvimento e 11 desenvolvidos. Utiliza como variáveis independentes e, portanto, possíveis
candidatos na determinação da taxa de poupança privada doméstica, uma extensa lista: taxa de
dependência demográfica (população com menos de 15 anos + população com mais de 65 anos
dividida pela população entre 15 e 65 anos), população urbana, poupança pública, taxas de
crescimento, GDP per capita, base monetária/GDP, crédito para o setor privado, gastos do
governo em previdência social, taxa de juros real, poupança externa, inflação, distribuição de
renda, estabilidade política. Nos diversos modelos estimados encontra novamente um valor
negativo em torno de 0,5 para o coeficiente de poupança externa (mínimo 0,38, máximo 0,625),
indicando substancial substituição entre poupança interna privada e poupança externa.
Reinhart e Talvi (1998) fazem uma comparação entre Ásia e América latina a respeito da questão
da substituição entre poupança externa e interna. Argumentam que os altos níveis de poupança na
Ásia estão mais relacionados a tendências históricas do que ao comportamento dos fluxos de
capital. Encontram resultados empíricos que se alinham com Schmidt-Hebbel (1992) e Edwards
(1995) de que há razoável grau de substituição entres as duas. A utilização de poupança externa
está negativamente correlacionada ao nível de poupança doméstica para ambas as regiões.
Utilizando uma especificação próxima de Fry (1978), onde a poupança interna é definida como
função da poupança externa e um vetor de outros determinantes, Uthoff e Titelman (1998)
também encontram uma substituição de poupança interna pela externa que gravita em torno do
valor de -0,5. Os autores formulam a seguinte especificação econométrica:
S / Ytk =α0 +α1Ytk +α2DYTTK +α3CRECtk +α4INFLtk +α5RDDtk +α6FSTtk +α7DFSTtk +α8IRtk +ε
8
Schmidt-Hebel et al., 1992: 543
Apesar de não utilizar diretamente a taxa de câmbio nas medições econométricas, esses trabalhos
fornecem evidências empíricas favoráveis, mesmo que de forma indireta, para os argumentos
teóricos apresentados neste trabalho. Assumindo-se que situações de déficits em contas correntes
são acompanhadas por algum grau de apreciação cambial, podemos concluir que os trabalhos
empíricos apresentados acima se alinham com o argumento de que, em geral, a utilização de
poupança externa está aliada à redução de poupança interna e aumento do nível agregado de
consumo. Por outro lado, a variação da substituição de poupança interna pela externa verificada
dependendo do país e do momento em que os dados são levantados provavelmente deriva da
existência ou não, em cada momento estudado, de expectativas muito elevadas de taxa de lucro,
ou, em outras palavras, de grandes oportunidades de investimento transformadas em altas taxas
de crescimento.
9
Uthoff e Titelman, 1998:36
1.1.4 Conclusão
Em síntese, na formalização da crítica à estratégia de crescimento com poupança externa que
acabamos de apresentar, assume-se pleno emprego e a taxa de câmbio define não apenas (X) e
(M) e, portanto, a poupança externa, mas também (w/Q), e, portanto, o consumo e a poupança
interna. Logo, define também o investimento. Dada a variação dos salários e ordenados reais em
relação à taxa de câmbio (ϕ), que pode ser considerada constante, o efeito do influxo de
poupança externa (ou de apreciação da taxa de câmbio) sobre a poupança interna, (z), depende da
variação do consumo em relação aos salários e ordenados (µ) que, por sua vez, depende da taxa
de lucros esperada (r).
A entrada de capitais ou de poupança externa tende a provocar apreciação cambial, aumento dos
salários reais e das importações, dado que a variação do consumo em relação à remuneração dos
trabalhadores e da classe média é em geral maior do que zero (µ > 0). Em conseqüência, temos
uma substituição de poupança interna pela externa significativa, que gira em torno de -0,5, mas
pode variar para mais ou para menos dependendo da situação econômica. Quando a economia
vive um momento de altas taxas de crescimento, no qual o diferencial entre a taxa de lucros
esperada e a taxa de juros de longo prazo é alto, o aumento do consumo pode ser pequeno,
porque principalmente a classe média poderá direcionar seu aumento real dos ordenados para o
investimento tornado muito mais atrativo. É isto que explica porque, em determinados
10
Feldstein e Horioka (1980). Um grande número de pesquisas comprovou o fato. Entretanto, os
economistas, surpresos, insistiam em falar no ‘quebra-cabeça Feldstein-Horioka’. Nos últimos anos, porém,
estudos econométricos mostraram que se tratava essencialmente de uma restrição de solvência dos países
(Sinn, 1992; Rocha e Zerbini, 2002; Coakley, Kulasi e Smith, 2002).
Na maioria dos casos, porém, nossa hipótese é a de que, como aconteceu durante os anos 90, essa
condição excepcional não está presente e a poupança externa se transformará simplesmente em
maior consumo e em maior endividamento financeiro ou patrimonial do país, o segundo
endividamento menos líquido que o primeiro, mas ambos implicando em pesado ônus de remessa
de rendimentos para o exterior sem que tenha havido aumento da capacidade de investir e
exportar do país. Isto explica também porque os países asiáticos têm defendido tão fortemente
sua taxa de câmbio, mantendo-a competitiva, através da estratégia de crescer com despoupança
externa, ou seja, com superávits em conta corrente e aumento ou de reservas ou de investimentos
no exterior. Esta crítica contraria o pressuposto da teoria econômica convencional de que os
países ricos em capital transferem (e devem transferir) seus recursos para os países pobres em
capital. Sabemos, entretanto, que o avanço da ciência, em qualquer campo, está em desafiar
várias formas de saber convencional; saber esse que, sendo meramente hipotético-dedutivo
(como é aquele pressuposto) facilmente contraria a experiência histórica dos países que foi
sempre a de que, exceto em alguns momentos, o capital se faz em casa11. Com este trabalho,
esperamos contribuir para uma teoria que explique essa experiência.
1.1.5 Referências
Bhaduri, Amit e Stephen Marglin (1990) “Unemployment and the Real Wages: The Economic
Basis for Constesting Political Ideologies”. Cambridge Journal of Economics 14(4): 375-393.
Barbosa Lima Sobrinho, Alexandre (1973) Japão: O Capital se Faz em Casa. Rio de Janeiro:
Editora Paz e Terra.
Bresser-Pereira, Luiz Carlos (2001) “A Fragilidade que Nasce da Dependência da Poupança
Externa”. Valor 1000, setembro 2001.
Bresser-Pereira, Luiz Carlos (2002) “Financiamento para o Subdesenvolvimento: O Brasil e o
Segundo Consenso de Washington”. In Ana Célia Castro, org., Desenvolvimento em Debate:
Painéis do Desenvolvimento Brasileiro I, v.2. Rio de Janeiro: Mauad/BNDES, 2002: 359-398.
11
A expressão é de Barbosa Lima Sobrinho, em seu clássico trabalho sobre o desenvolvimento do Japão
(1973).