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1. Direito Penal
Conjunto de normas jurídicas que associam factos penalmente relevantes
uma determinada consequência jurídica, uma sanção jurídica ou, conjunto de
normas jurídicas que fazem corresponder a uma descrição de um determinado
comportamento uma determinada consequência jurídica desfavorável.
A esses factos penalmente relevantes correspondem determinadas sanções
jurídico-penais, que são basicamente:
- As penas, e as principiais são:
Prisão;
Multa.
- As medidas penais, e as principiais são:
Medidas de segurança;
Medidas de correcção.
a) Medidas de segurança
Têm um carácter essencialmente preventivo, embora sejam sempre pós-
delituais e são baseadas na perigosidade do delinquente.
No âmbito do Direito Penal vigora o princípio da culpa que significa que toda
a pena tem como suporte axiológico normativo uma culpa concreta; a culpa é
simultaneamente o limite da medida da pena.
Ou seja, quanto mais culpa o indivíduo revelar na prática de um facto
criminoso, maior será a pena, quanto menor a culpa menor será a pena.
O fundamento para a aplicação de uma medida de segurança, não pode ser a
culpa, mas sim a perigosidade, ou seja, justifica-se a imposição daquela
medida de segurança quando há suspeita de que aquele indivíduo que cometeu
aquele facto penalmente relevante volte a cometer novo ilícito, de gravidade
semelhante.
b) Medidas de correcção
São medidas (penais) que se aplicam a jovens delinquentes.
A partir dos 16 anos, o indivíduo tem plena capacidade de culpa e sobre ele
pode recair uma pena: pena de prisão ou pena de multa. Antes dos 16 anos, o
indivíduo é inimputável.
c) Penas
Sanção característica do Direito Penal. Prevista e regulada nos arts. 40º segs.
CP.
A pena de prisão tem um limite mínimo de um mês e um limite máximo de 20
anos podendo ir até aos 25 anos em determinados casos (art. 41º CP).
A pena de multa tem um limite mínimo de 10 dias e um limite máximo de 360
dias (art. 47º CP).
A pena de prisão distingue-se da pena de multa:
- A pena de prisão é uma pena privativa da liberdade, em que o indivíduo é
encarcerado num determinado estabelecimento prisional onde cumpre a
pena, vendo a sua liberdade de movimentação coactada;
A pena de multa é uma pena de natureza essencialmente pecuniária, se
-
o juiz condenar alguém pela prática de um crime com uma pena de multa
e esta não paga, ela tem a virtualidade de ser convertível em prisão.
2. Definição estrutural de Direito Penal
Direito Penal é composto por um conjunto de normas jurídicas com uma
determinada estrutura. Essa estrutura é a descrição de um facto, de um
comportamento humano que é considerado crime ou contravenção, a que
corresponde uma sanção jurídico-penal1 . [1]
8. O que é a culpa?
É um juízo de censura formulado pela ordem jurídica a um determinado
agente.
Censura-se ao agente o facto de ele ter decidido pelo ilícito, o facto de ele ter
cometido um crime, quando podia e devia ter-se decidido diferentemente, ter-se
decidido de harmonia com o direito.
Dentro do âmbito e delimitação do Direito Penal, pode-se distinguir três
conceitos:
1) Crimes;
2) Contravenções;
3) Contra-ordenações.
3[3]
E não tribunais administrativos.
12. Direito Penal geral e Direito Penal especial
A base da distinção encontra-se no art. 8º CP.
Quando se fala no artigo em Direito Penal militar e Direito Penal da marinha
mercante, isso são fundamentalmente leis penais específicas, ou seja, leis que
têm a ver com a categoria funcional de determinadas pessoas e que valem,
portanto, dentro de determinados limites. Aplicam-se, como os nomes indicam,
aos agentes que detêm essas qualidades.
Portanto, as disposições deste código penal aplicam-se não só ao Direito
Penal, como à restante legislação especial.
Significa, pois que o código penal está dividido em duas partes:
- Uma parte geral, que vai até o art. 130º CP, inclusive;
- Uma parte especial, que vai do art. 131º CP, em diante.
Há leis de carácter pessoal4 que saíram posteriormente à feitura e à
[4]
13. Noção
Essência do Direito Penal como objectivo de proteger bens jurídicos
fundamentais.
O Prof. Figueiredo Dias define bem jurídico como, expressão de um interesse
de uma pessoa ou da comunidade, integridade do Estado, vão-se sentar na
própria pessoa ou na comunidade.
Trata-se do objecto do Direito Penal, objecto que é em si mesmo
socialmente relevante fundamental para a integridade do Estado.
A noção material de crime era todo o comportamento humano que lesava ou
ameaçava de lesão bens jurídicos fundamentais.
A ideia de que o crime lesa bens fundamentais e não direitos remonta a
Birnbaum (séc. XIX), que vem dizer que os crimes não lesam direitos, mas sim
bens, isto é, entidades para além da própria ordem jurídica.
Os bens jurídicos não são realidades palpáveis, concretas, são antes valores
da existência social.
Não é efectivamente o legislador que cria esses bens, pois eles já existem,
preexistem, sendo certo obviamente que quando o legislador lhes confere tutela
jurídica transforma esses bens em bens jurídicos.
Estes bens são interesses da coexistência social, são valores reputados
fundamentais à própria existência da sociedade organizada em termos de
4[4]
Direito Penal especial.
Estado. Os comportamentos que agridam lesem, ponham em causa, façam
perigar esses interesses, devem ser objecto de uma reacção.
O Direito Penal não deve intervir para tutelar todo e qualquer bem jurídico; o
Direito Penal deve intervir apenas para tutelar as ofensas mais graves a esses
bens jurídicos que, por outro lado, têm de ser bens jurídicos fundamentais, daí
carácter subsidiário e fragmentário do Direito Penal.
O Direito Penal só deve intervir para proteger bens jurídicos fundamentais, ou
seja, valores, interesses sociais e individuais juridicamente reconhecidos quer do
próprio, quer da colectividade, em virtude do especial significado que assumem
para a sociedade e das suas valorações éticas, sociais e populares.
O Direito Penal justifica a sua intervenção não só devido à natureza dos bens
jurídicos em causa, que têm de ser bens jurídicos fundamentais, mas também
atendendo à intensidade da agressão que é levada a cabo para com esses bens
jurídicos fundamentais.
5
O Prof. Figueiredo Dias, diz que existe uma axiologia constitucional, os bens
jurídicos, são exclusivamente definidos na Constituição. Mútua referência, só
não ordem constitucional, é possível identificar os bens jurídicos que a ordem
jurídica vai defender.
A restrição do Direito Penal é a restrição de uma tutela de bens jurídico
constitucionalmente consagrados. Compromisso de ter de proteger os bens
jurídicos constitucionalmente consagrados.
- Direito Penal de justiça ou clássico ou primário: corresponde ao
núcleo de bens jurídicos consagrados constitucionalmente, estando
consagrados no Código Penal;
- Direito Penal secundário: todos os bens jurídicos que estavam na
Constituição, mas não nos direitos, liberdade e garantias, não devem ser
tratados no Código Penal, mas em legislação avulsa.
Não há uma exclusiva vinculação da ordem penal à constitucional. A ordem
constitucional identifica valores fundamentais, na ordem social, encontram-se
valores que podem fazer intervir o Direito Penal, valores que poderão não estar
referidos constitucionalmente.
Não há correspondência total da ordem penal na ordem constitucional
6[5]
Art. 18º/2 CRP.
18. Introdução
O Direito Penal pode encontrar legitimação a partir de duas ideias
fundamentais:
- Da teoria do bem jurídico;
- Da teoria dos fins das penas.
No âmbito dos fins das penas, pode-se distinguir, fins de duas naturezas: fins
mediatos e fins imediatos:
- Como fins mediatos das penas tem-se os fins do Estado;
- Como fins imediatos das penas tem-se a ideia de retribuição e de
prevenção.
O Direito Penal é um ramo de direito produzido pelo Estado e como tal, deve
em última análise prosseguir fins imanentes a esse mesmo Estado.
A finalidade das penas7 pode ser vista não numa óptica mediata de
[6]
6
7[6]
Pena, sanção característica do Direito Penal determinadas pela lei.
As penas servem para retribuir o mal a quem praticou o mal, esta é a teoria
retributiva das penas: tem uma finalidade retributiva.
Ou então poder-se-á dizer que as penas servem para fazer com que as
pessoas em geral não cometam crimes, uma finalidade de prevenção geral.
Ou dizer que as penas servem para que a pessoa que é condenada a uma
pena e que a tenha de cumprir não volte ela própria a cometer crimes, tem-se
aqui uma finalidade de prevenção especial.
A estas ideias subjacentes aos fins das penas, há que distinguir entre:
- Teorias absolutas das penas;
- Teorias relativas das penas.
É a teoria que mais se opõe à retributiva. O Direito Penal é cada vez mais
dirigido à pessoa do criminoso, criando condições para o sociabilizar. É alvo de
críticas.
Tal como a prevenção geral, não nos fornece um critério de quanto e a
duração das penas. Os sistemas (teorias) desenvolvidos por si só são falíveis,
começando a se desenvolver teorias mistas.
12[11]
Limita a intervenção penal.
13[12]
Vai limitar a medida da pena.
Este período dura até ao constitucionalismo liberal 14 . Há uma tentativa de
[13]
PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
24. Fundamentos
O Direito Penal funda-se na Constituição, as normas penas ordinárias são
autorizadas, são delegadas por outras normas, essas de natureza constitucional.
Na Constituição encontram-se vários conjuntos de normas que conexionam
directamente com o Direito Penal.
Em primeiro lugar encontram-se um grupo de normas que proíbem certas
penas e certas medidas de segurança16[15]. Neste sentido pode-se ver aqui que
este conjunto de normas constitucionais que proíbem certas penas ou certas
medidas de segurança filiam-se num princípio de política penal, que é o
princípio da humanidade das penas.
Mas na Constituição encontram-se também normas que proíbem a
transmissibilidade das penas; o art. 30º/3 CRP, consagra assim, o princípio da
intransmissibilidade das penas e acolhe o carácter pessoal da responsabilidade
penal (art. 11º CP).
14[13]
Carta constitucional de 1822.
15[14]
Projecto de Melo Freir procura a humanidade das penas.
16
[15] Arts. 24º/2, 25º/2, 30º/1 e 2, 33º/1 e 3, 30º/4 CRP.
A Constituição contém também um conjunto de normas que delimitam a
aplicação no tempo das leis penais e fixam o âmbito da sua interpretação (art.
29º CRP):
- Art. 29º/1, proíbe-se a retroactividade das leis penais incriminadoras;
- Art. 29º/3, proíbe a integração de lacunas em Direito Penal por analogia;
- Art. 29º/4, impõe obrigatoriamente a retroactividade das leis penais mais
favoráveis ao agente;
- Art. 29º/5, consagra-se o princípio “ne bis in idem”, ou seja, o princípio de
que ninguém pode ser condenado mais do que uma vez pela prática do
mesmo facto.
Também os princípios gerais de direito internacional são fonte de Direito
Penal (art. 29º/2 CRP).
O Direito Penal funda-se também no sentido de que o legislador ordinário
deve de alguma forma dar acolhimento e plasmar a axiologia ou a valoração
constitucional.
Diz-se que as valorações, as opções axiológicas constitucionais devem ser
respeitadas pelas normas penais, porque é a Constituição que contem os
valores que o Direito Penal deve proteger (art. 18º CRP):
- Princípio da necessidade da pena: da máxima restrição da pena e das
medidas de segurança;
- Princípio da intervenção mínima do Direito Penal, ou da subsidiariedade
do Direito Penal;
A lei, só pode intervir para restringir ou limitar direitos, liberdades e garantias
fundamentais quando isso se revele absolutamente imprescindível para
acautelar outros direitos tão fundamentais.
- Princípio da jurisdicionalidade da aplicação do Direito Penal ou
princípio da mediação judicial (arts. 27º/2, 33º/4, 30º/2 CRP):
As sanções de Direito Penal e a responsabilidade criminal de uma pessoa só
podem ser decididas pelos tribunais, que são órgãos de soberania,
independentes, órgãos que julgam com imparcialidade.
Outro princípio fundamental que norteia todo o Direito Penal é o princípio da
legalidade, na sua essência visa a submissão dos poderes estabelecidos à lei,
traduz-se numa limitação de poderes estabelecidos pela própria lei.
17
Normas incriminadoras: são aquelas que criam crimes ou que agravam os
[16]
pressupostos de punibilidade ou de punição.
1) O princípio de que não há crime nem pena sem lei certa – “nullum
crimen nulla poena sine lege certa”;
2) Decorrência de que não existe crime nem pena sem lei escrita –
“nullum crimen nulla poena sine lege scripta”.
d) Exigência de intervenção judicial, “nullum crimen nulla poena sine juditio”.
Neste sentido, as sanções jurídico-penais sejam elas penas ou medidas
penais, têm de ser sempre aplicadas por um órgão de soberania independente,
com a finalidade de aplicar a justiça, que entre nós são os tribunais.
e) Proibição de dupla condenação pelo mesmo facto
Consagra-se o princípio “ne bis in idem”, isto é, o princípio de que ninguém
pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo facto.
Existem categorias analíticas e sistemáticas da teoria do facto punível: são as
categorias da tipicidade, da ilicitude e da culpabilidade. Muito genericamente dir-
se-á:
1) O crime é um facto humano;
2) Tem de ser típico, ou seja, tem de estar descrito numa lei, tem de
corresponder a uma descrição legal;
3) Este facto tem ainda de ser simultaneamente ilícito.
18
[17] Exs arts. 278º, 213º/1-b, 150º/1 CP.
Na determinação da responsabilidade criminal dos agentes que praticam factos
penalmente relevantes podem suceder situações de anulação ou concurso de
infracções, sempre que o agente com a sua conduta cometa uma pluralidade de
infracções. As quais podem traduzir o preenchimento de vários tipos de crimes,
ou do mesmo tipo mais do que uma vez.
A teoria do concurso permite distinguir os casos nos quais as normas em
concurso requerem uma aplicação conjunta, das situações em que o conteúdo
da conduta é absorvido por uma única das normas.
- Concurso efectivo ou concurso de crimes: constitui a situação em que o
agente comete efectivamente vários crimes e a sua responsabilidade
contempla todas essas infracções praticadas;
- Concurso aparente ou concurso de normas: uma vez que a conduta do
agente só formalmente preenche vários tipos de crimes, na concretização
da sua responsabilidade a aplicação de um dos crimes afasta a aplicação
de outro ou outras de que o agente tenha também preenchido os
elementos típicos.
Em rigor não se pode falar em verdadeiro concurso de crimes, mas tão só em
concurso de normas (concurso legal), o qual se traduz num problema de
determinação da norma aplicável19[18].
O tema do concurso de infracções deve ser integrado no âmbito da teoria da
infracção, constituindo uma forma de crime.
O que se depreende da prática judiciária, em consonância com a maioria da
doutrina é que a resolução concreta do concurso de normas opera no momento
final da teoria da infracção. Sendo sempre um dos últimos passos na resolução
da responsabilidade dos intervenientes no crime.
A relação de concurso aparente consagra-se por conexões de subordinação e
hierarquia, podendo identificar-se essencialmente três tipos de relações:
1) Relação de especialidade
Uma norma encontra-se numa relação de especialidade em relação a outra
quando acrescenta mais um tipo incriminador, não a contradizendo contudo.
Neste sentido, vê-se que por força de uma relação de especialidade em que
as normas se podem encontrar, tanto pode subsistir a norma que contenha a
moldura penal mais elevada, como a norma que contenha a moldura penal mais
baixa.
2) Relação de subsidiariedade
Nos casos em que a norma vê a sua aplicabilidade condicionada pela não
aplicabilidade de outra norma, só se aplicando a norma subsidiária quando a
outra não se aplique. A norma prevalecente condiciona de certo modo o
funcionamento daquela que lhe é subsidiária. Distinguem-se dois tipos:
a) Subsidiariedade expressa: é a própria lei que afirma expressamente
que uma norma só se aplica se aquela outra não se puder aplicar;
b) Subsidiariedade implícita ou material: resulta quando em face de um
raciocínio imperativo, se chega à mesma conclusão, ou seja, quando
19
[18] O concurso estabelecido entre as normas revela-se meramente aparente,
sendo de excluir a aplicação cumulativa, pois não se aplicam todos os preceitos
normativos.
por força de uma interpretação verificar-se que a relação que existe
entre as normas não pode deixar de ser uma relação de
subsidiariedade.
Existem tendencialmente ou em princípio quatro grandes situações em que as
normas se encontram numa relação de subsidiariedade implícita ou material:
1º Diz-se que as incriminações de perigo ou os crimes de perigo se
encontram numa relação de subsidiariedade implícita ou material em
relação aos crimes de lesão.
2º Casos em que subsiste uma imputação a título negligente e doloso,
sendo certo que a responsabilidade por facto negligente é subsidiária à
imputação por facto doloso;
3º Diferentes formas de participação ou autoria;
4º Entre as condutas de omissão e por acção.
3) Relação de consunção
Quando um certo tipo legal de crime faça parte não por uma definição do
código, mas por uma forma característica, a realização de outro tipo de crime, ou
seja, quando tem uma discrição típica suficientemente ampla que abranja os
elementos da discrição típica da outra norma.
A finalidade das normas concentra-se sempre na tutela de bens jurídicos,
sendo possível identificar em cada tipo legal a ratio da conduta descrita.
A relação de consunção acaba por colocar em conexão os valores protegidos
pelas normas criminais. Não deve confundir-se com a relação de especialidade,
pois ao contrário do que se verifica naquela relação de concurso de normas, a
norma prevalecente não tem necessariamente de conter na sua previsão todos
os elementos típicos da norma que derroga.
IMPUTAÇÃO OBJECTIVA
72. Nexo de causalidade ou nexo de imputação
É um elemento objectivo não escrito do tipo nos crimes materiais ou de resultado.
Dentro da teoria do facto punível e das categorias analíticas começou-se por analisar a
acção. Verificando-se que havia uma acção penalmente relevante, essa acção tinha de ser
subsumível a um tipo. E portanto o tipo tem uma determinada estrutura que é composta
por elementos objectivos e por elementos subjectivos.
Para se verificar se aquela acção se subsume a um tipo legal, tem-se de ver se os
elementos do tipo estão preenchidos; se os elementos objectivos estiverem preenchidos,
vai-se então ver se os elementos subjectivos do tipo também estão preenchidos para,
estando o tipo integralmente preenchido, passar a outra categoria analítica que é a
ilicitude.
Se faltar um elemento objectivo do tipo, já não há tipicidade. E já nem sequer há que
passar para a categoria seguinte, para analisar a responsabilidade jurídico-penal.
Há uma acção penalmente relevante, mas não é típica se não é típica, não há
responsabilização penal do agente.
Nos crimes materiais ou de resultado, tem-se como elemento objectivo o nexo de
causalidade ou nexo de imputação, que permite efectivamente imputar um evento a uma
determinada conduta, em termos de poder responsabilizar uma pessoa por aquele facto
que ocorreu.
Esse nexo de causalidade, sendo um elemento objectivo do tipo nos crimes materiais, de
resultado, ou omissões impuras, é um elemento não escrito do tipo, não está lá escrito,
excepto se se tratar de um crimes de realização vinculada.
A imputação objectiva só existe nos crimes materiais, nos crimes de resultado ou nas
omissões impuras, nos crimes de mera actividade, como a conduta do agente consuma
desde logo o tipo legal e não é necessário que espaço-temporalmente algo se diferencia,
não há nada a imputar. A própria conduta consuma o tipo legal de crime.
O nexo de causalidade pressupõe que entre os fenómenos se estabeleça um nexo causal
em relação de causa e efeito. Quando se fala em imputação objectiva, pressupõe-se que
entre fenómenos exista um nexo relacional.
Portanto, imputação objectiva e causalidade não são a mesma coisa, porque, pode haver
causalidade e não haver imputação objectiva; da mesma forma que só artificialmente é
que se poderá falar de causalidade e no entanto haver imputação objectiva.
Esta matéria de imputação objectiva mais na faz do que decidir quando é que se pode
responsabilizar criminalmente uma pessoa por alguma coisa que ela fez. E
nomeadamente, ver se é possível aferir, em termos de nexo de imputação, um
determinado resultado, um determinado evento ou uma determinada conduta humana.
E só havendo nexo de imputação, esse nexo relacional, que não tem de ser necessária e
forçosamente causal, é que se pode afirmar a responsabilidade jurídico-penal do agente.
73. Teoria da causalidade ou teoria “conditio sine qua non” ou teoria da equivalência das
condições
Surge uma teoria que procurava dar resposta a esta imputação do resultado a uma
determinada actividade e que é uma verdadeira teoria da causalidade, que pressupõe a
existência de um nexo causal entre um determinado resultado e uma conduta, em termos
de causa e efeitos.
A causa de um determinado resultado é toda a circunstância sem a qual o resultado não se
produziria. Neste sentido todas as condições se equivalem enquanto causa do mesmo
resultado. Ou seja, para os partidários da teoria “conditio sine qua non”, eles partiam dum
processo hipotético de eliminação para verificar se um determinado comportamento
podia ser ou não causa de um determinado resultado.
Então, através deste raciocínio hipotético, eles pensavam assim: vai-se abstrair dessa
conduta cuja causalidade se quer aferir e verificar se o resultado, abstraindo da conduta,
se mantém ou não. E chega-se a esta conclusão: se abstraindo do comportamento o
resultado permanecer é porque aquele comportamento não é causa de resultado.
Se pelo contrário, abstraindo-se do comportamento ou da conduta, é causado também
desaparecer, então é porque o comportamento é causa do resultado. E isto faz com que
exista um encadeamento causal infinito e leva a exageros de responsabilidade criminal.
Isto porquê? Porque eles nivelam todas as circunstâncias enquanto condição da produção
do resultado; todas concorrem equivalentemente para a produção do resultado, sem que
haja a possibilidade para se parar entre causas relevantes e causas irrelevantes.
Todas as circunstâncias se equivalem em termos de produção do resultado típico. Daí que
esta teoria seja também chamada a teoria da equivalência das condições.
Mas quando à partida a relevância da causa for desconhecida, a teoria pouco ou nada diz
sobre a manutenção ou não do resultado.
Uma critica que se faz à teoria da “conditio sine qua non” é que ela não resolve os casos
de imputação na chamada causalidade cumulativa e na chamada causalidade virtual ou
hipotética.
Por outro lado ainda, uma critica que se faz a esta teoria, é a de que esta teoria, já
excessiva na responsabilização criminal, por referência ao conceito de causa que tem, e
porque não permite distinguir entre causas relevantes e irrelevantes e irrelevantes porque
todas as circunstâncias são condições aptas à produção do resultado, então este conceito
naturalístico de causa não consegue explicar a imputação nos crimes omissões impuros
ou impróprios.
74. Teoria da causalidade adequada ou teoria da adequação
Parece ser aquela que o Código Penal perfilha no art. 10º, quando equipara a acção à
omissão e quando se diz que, quando de um crime faz parte um determinado resultado, o
facto é tanto a acção adequada a produzi-lo, como a omissão da acção adequada a evitá-
lo.
A teoria da adequação, visa restringir ou limitar os exageros da antecedente construção da
“conditio sine qua non”.
Já não são todas as circunstâncias que se equivalem enquanto causa do mesmo resultado,
mas são só importantes aquelas causas ou aquelas condições que sejam aptas, que sejam,
no sentido de importarem a obtenção de determinado resultado.
E para a determinação de que se considera causa adequada utiliza-se um juízo de
prognose objectiva posterior, ou prognose objectiva póstuma.
Neste juízo vai-se verificar se, para um homem médio, para um agente médio colocado
nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar daquele comportamento em concreto, era
previsível que resultasse aquela ocorrência ou que desse comportamento resultasse aquele
evento em concreto.
- Se se pudesse afirmar um juízo de previsibilidade, então dir-se-á que o comportamento
é causa adequada à produção desse resultado;
- Se, pelo contrário, não se puder afirmar um juízo de previsibilidade, então, ter-se-á de
considerar que aquele comportamento não é causa, no sentido de causa adequada, à
produção do resultado.
75. Juízo de prognose póstuma ou posterior
Fazer uma prognose é fazer uma previsão. E essa previsão é posterior, ou póstuma,
porque se vai fazer uma previsão no momento em que já ocorreu o resultado, quer-se
efectivamente comprovar se a conduta é conducente a esse resultado já ocorrido. Por isso
é que é uma prognose – uma previsão –, mas é póstuma.
E é objectiva, porque não se vai perguntar ao próprio agente que agiu se, actuando
daquela forma, lhe era a si previsível que ocorresse aquele evento, mas vai-se
efectivamente questionar, por relação – é quase uma valoração paralela na esfera laica do
agente. Ou seja, vai-se averiguar, para um homem médio colocado nas mesmas
circunstâncias de tempo e de lugar do próprio agente, se para ele era previsível que
daquela conduta ocorresse aquele resultado.
Na descoberta do critério da causalidade adequada hão-de estar presentes não só
elementos objectivos, não só o recurso à ideia da valoração feita pelo homem médio, mas
há que entrar em linha de conta também com os conhecimentos concretos que o agente
tenha daquela situação.
Para encontrar a verdadeira adequação, há que recorrer também aos conhecimentos que o
agente tenha no caso concreto.
Qual é o critério para se discernir se uma causa é adequada ou não à produção de um
determinado resultado?
Fazendo-se este juízo de prognose objectiva póstuma, faz-se entrar também em linha de
conta os conhecimento que o próprio agente tinha daquela situação.
Contudo, são várias as críticas que se podem fazer a esta teoria da adequação e que são as
seguintes:
Em primeiro lugar, é uma doutrina que postula, para a adequação da causa, elementos de
natureza subjectiva, uma vez que se tem de ter também em conta os conhecimentos que o
agente tinha da situação. E portanto já não se faz totalmente uma prognose objectiva
posterior, porque ela não é mesclada por uma subjectividade, pelos conhecimentos que o
agente tinha da própria situação.
Por outro lado, este critério, ou esta ideia de previsibilidade em que assenta a teoria da
adequação é um critério algo impreciso. E isto porque, postulando um conhecimento da
realidade e do mundo objectivo, não há dúvida nenhuma que esse conhecimento é
residual.
Finalmente, não se pode esquecer também que sendo categórico o juízo de
previsibilidade, ele só se pode afirmar ou negar.
76. Teoria do risco ou dos critérios do risco
Existem doutrinas posteriores cujo percurso foi iniciado por Klaus Roxin, que vêm
introduzir determinadas ideias para de alguma forma, corrigir estas teorias antecedentes:
quer a teoria da adequação ou da causalidade adequada, quer a teoria da “conditio sine
qua non” ou da equivalência das condições. É a chamada teoria do risco, ou dos critérios
do risco.
Os critérios do risco já não se fundam única e exclusivamente numa ideia de causalidade,
já não estabelecem um nexo de causalidade causa – efeito entre fenómenos. Estabelecem
antes um nexo de imputação, ou um nexo relacional, uma qualquer relação entre
fenómenos.
Os critérios de risco não são baseados em critérios de causalidade, sendo certo que a ideia
de causalidade em sede de imputação objectiva é um pressuposto mínimo ou um limite
máximo que não se pode dispensar.
Por vezes, a causalidade, o nexo de causalidade, não chega, não é suficiente para explicar
a imputação objectiva porque, pode existir causalidade, pode existir um nexo de causa e
efeito entre dois fenómenos e no entanto não haver lugar a imputação objectiva.
Perante a teoria do risco entende-se que só faz sentido considerar um evento, em termos
jurídico-penais, consequência de um determinado comportamento, sempre que o agente,
através do comportamento empreendido, criar um risco relevante, um risco juridicamente
desaprovado pela ordem jurídica.
Portanto, só faz sentido imputar um resultado, ou uma conduta humana, quando o agente
com aquela conduta:
- Criou um risco juridicamente relevante, proibido pela ordem jurídica;
- Ou então aumentou o risco existente;
- Ou ainda, quando não diminui um risco proibido.
O cerne está pois em que o comportamento ou a conduta do agente tem de ser criado,
aumentado ou não diminuído o risco proibido.
Só haverá lugar a imputação objectiva quando o agente, através da sua conduta, tiver
criado, aumentado ou não diminuído risco proibido.
Existem dois casos em que não há imputação objectiva:
- Nos casos em que o agente intervém no decurso de um processo causal já iniciado no
sentido de adiar, minorar o evitar a produção de um resultado lesivo, ou seja, nos casos de
diminuição do risco;
- E nos casos de risco lícito ou permitido[31].
Portanto, quando as situações estiverem fora do âmbito da esfera de protecção da norma,
também não há imputação objectiva.
Em conclusão:
A causalidade e imputação objectiva são duas realidades que não significa a mesma coisa.
A relação entre um determinado comportamento humano e um resultado, para efeitos de
punição, não tem que ser sempre necessariamente causal; e mesmo quando seja causal,
essa relação muitas vezes não é suficiente para afirmar a responsabilidade jurídico-penal
do agente. É o que acontece nomeadamente no caso dos crimes omissos impuros (ou
omissões impuras), em que não há uma causalidade em termos naturalísticos.
Por outro lado, pode haver causalidade e não obstante não haver imputação objectiva, são
casos de diminuição do risco[32].
Também a causalidade não resolve aquelas situações em que existe uma actuação
negligente por parte do agente, actuação negligente essa que da origem a um determinado
evento lesivo; mas, mesmo que o agente adoptasse um comportamento lícito, mesmo que
o agente actuasse diligentemente, com a observância de todos os cuidados que lhe são
impostos e de que era capaz, o resultado produzia-se na mesma.
Causalidade há, imputação objectiva em princípio não haverá, pelo menos para aqueles
que defendem como corrector, dentro dos critérios do risco, o chamado comportamento
lícito alternativo.
77. Desvios do processo causal
Quando uma pessoa pretende praticar um determinado crime, quando pretende a
obtenção de um determinado resultado típico, prevê normalmente a forma de obtenção
desse evento ou desse resultado típico, constrói, concebe um determinado processo
causal, isto é, faz desencadear uma série de acontecimentos que vão produzir o evento
pretendido pelo agente.
Muitas vezes o processo causal perspectivado pelo agente para obtenção do evento ou do
resultado típico diverge daquele que na realidade se verifica. Há diversos tipos de desvios
no processo causal:
- Desvios relevantes ou essenciais;
- Desvios irrelevantes ou não essenciais.
O critério utilizado para verificar se o desvio no processo causal é um desvio relevante ou
não relevante, isto é, se é um desvio essencial ou não essencial, é o mesmo critério de
previsibilidade que se utiliza para aferir da adequação da causa na teoria da adequação.
Ou seja, pergunta-se se, daquela actuação do agente seria previsível que ocorresse um
risco tal que levasse à produção daquele resultado.
- Se se afirmar essa previsibilidade e se disser que era previsível, então trata-se de um
desvio irrelevante;
- Se, pelo contrário, se afirmar que não era previsível, então trata-se de um desvio
relevante ou essencial.
Portanto, nos casos de desvio irrelevante ou não essencial do processo causal, há sempre
imputação objectiva.
78. Processo causais atípicos
São aquelas situações em que o agente consciente e voluntariamente provocou o desvalor
de acontecimento atípicos ou estranhos, isto é, provocou o desenrolar de acontecimento
que vão dar origem a um determinado resultado por ele pretendido, mas através dum
processo anormal, dum processo atípico ou estranho.
Causalidade virtual ou hipotética
É aquela causa que acontecem se isto ou aquilo não se verificasse ou não ocorresse; se
não se verificasse outro acontecimento que é, esse sim, a condição ou a causa real.
79. Comportamento lícito alternativo
São todas aquelas situações em que o agente adopta um comportamento negligente, não
observa os deveres de cuidado a que está obrigado e de que é capaz e, com esse
comportamento ilícito por ele adoptado, dá origem a um resultado lesivo; mas prova-se
que, mesmo que o agente actuasse diligentemente, observando todos os deveres de
cuidado, o resultado lesivo seria o mesmo, os chamados casos de comportamento lícito
alternativo.
Isto é, o agente teve um comportamento ilícito. Mas se tivesse sido um comportamento
lícito, o resultado seria exactamente o mesmo.
Nestes casos, os defensores da ideia de risco dividem-se:
- Há aqueles que dizem que nos casos de comportamento lícito alternativo não há lugar a
imputação objectiva;
- E há aqueles que dizem que nestes casos deve firmar-se a imputação objectiva do
agente.
80. Consagração no âmbito legislativo do art. 10º CP
O legislador relativamente ao art. 10º CP, equipara a acção à omissão e que ai se
consagrar as chamadas omissões impuras ou impróprias.
Nos termos do art. 10º/1 CP, diz-se que quando um determinado crime, ou um
determinado facto típico, compreende um resultado, o facto abrange não só a acção
adequada a produzi-lo, como a omissão da acção adequada a evitá-lo.
Neste sentido, parece que o legislador firma aqui, como ponto de partida para a
imputação objectiva, uma teoria da adequação, mas teoria da adequação que, sendo no
entanto maioritária na doutrina e jurisprudência mais recentes, completada pelos critérios
de imputação objectiva nomeadamente pelas ideias do risco.
Assim, em termos de imputação objectiva o quadro doutrinário no nosso país é o
seguinte:
- O Prof. Cavaleiro Ferreira e o Prof. Eduardo Correia utilizam basicamente a teoria da
adequação para formular a imputação objectiva;
- O Prof. Figueiredo Dias utiliza já alguns critérios do risco;
- A tendência é hoje cada vez mais para se adoptar:
· Ou uma teoria da “conditio sine qua non” e introduzir-lhe depois determinados
correspectivos com os critérios do risco;
· Ou, pelo contrário, partir de uma teoria da adequação – causalidade adequada – e
corrigi-la depois com os critérios ou ideias do risco.
Para afirmar a imputação objectiva assenta-se no critério básico da teoria da adequação,
num critério de previsibilidade assente num juízo de prognose póstumo ou posterior.
Introduzem-se depois correcções a esta teoria, correcções essas trazidas pela ideia de
risco, nomeadamente os casos de diminuição do risco, os casos de risco permitido ou
risco lícito, os casos que se situam para além da esfera de protecção da norma, em todos
eles há causalidade mas não há imputação objectiva.
Ainda um outro correctivo introduzido por força de um princípio dominante no Direito
Penal, que é o princípio da responsabilidade pessoal ou individual em Direito Penal e não
responsabilização por facto alheio.
[31] São riscos lícitos ou permitidos, porque são inerentes à própria sociedade em que as
pessoas vivem.
[32] Quando o agente intervém no decurso de um processo causal já iniciado, no sentido
de evitar a produção de um risco, de o adiar, ou de evitar um risco maior.
IMPUTAÇÃO SUBJECTIVA
I. Erro sobre elementos (de facto) do tipo
II. Erro sobre elementos normativos
III. Erro sobre proibições
81. Conceito e objecto do dolo
Do tipo fazem parte, para além dos elementos objectivos, os elementos subjectivos,
nomeadamente o elemento subjectivo geral nos crimes dolosos que é o dolo. E alguns
tipos pressupõem também elementos subjectivos específicos – as especiais tendências, as
especiais intenções.
O dolo é a consciência e vontade de praticar certo facto típico, ou de empreender certa
actividade típica.
O dolo, enquanto elemento subjectivo do tipo, consiste o conhecimento dos elementos
objectivos desse tipo e na vontade de os praticar: a pessoa actua dolosamente quando
conhece e quer os elementos objectivos de um tipo legal.
A responsabilidade em Direito Penal é genericamente, por facto doloso. Só
excepcionalmente existe responsabilidade por facto negligente (art. 13º CP).
A partir deste conceito de dolo, verifica-se que o dolo tem uma estrutura composta por
dois elementos:
1) Elemento intelectual ou cognitivo, que se traduz no conhecer;
2) Elemento volitivo que se traduz no crer.
Dentro da estrutura do dolo, o elemento intelectual precludido sempre o elemento
volitivo, porque só se pode querer aquilo que previamente se conheceu.
Faltando o elemento intelectual, está precedido o elemento volitivo, estando precludido
ou excluído o elemento volitivo, falta um elemento do dolo, a conclusão é a exclusão da
imputação dolosa – exclusão do dolo.
Esta falta de conhecimento de elementos do facto típico gera situações de erro; são as
situações de erro de tipo, situações em que há um desconhecimento ou um imperfeito
conhecimento dos factos ou da realidade.
Quanto ao elemento intelectual do dolo interessa ainda dizer que tem que ser um
conhecimento actual.
Quanto ao elemento volitivo – o querer – aqui distinguem-se basicamente três espécies de
dolo (art. 14º/1, 2 e 3 CP):
1) Dolo directo de primeiro grau ou intenção;
2) Dolo directo de segundo grau ou dolo necessário;
3) Dolo eventual ou dolo condicionado ou condicional.
São diferentes formas de graduação do dolo, diferentes formas de intensidade de querer
um determinado resultado.
Uma pessoa pode querer um resultado, ou pode querer um facto típico, com maior ou
menor intensidade.
Quando a pessoa quer directamente aquilo que prevê com a intenção de realizar aquilo
que prevê, está-se perante a forma mais intensa de querer, está-se perante o dolo de
intenção ou dolo directo de primeiro grau.
Portanto, em Direito Penal é incorrecto dizer-se que dolo é sinónimo de intenção, porque
intenção em termos rigorosos visa tão só uma das espécies de dolo, que é a forma mais
intensa (art. 14º/1 CP).
Outras vezes a relação de intensidade para com aquilo que o agente quer já não é tão
intensa. São aquelas em que o agente quer algo em primeira linha, e quer essa coisa com
a sua intenção; mas sabe que para conseguir essa coisa, como consequência necessária da
conduta que tem de empreender para conseguir isso que quer, algo vai acontecer como
consequência necessária da conduta.
Nestas situações está-se perante o dolo directo de segundo grau ou dolo necessário (art.
14º/2 CP).
Nas situações de dolo eventual, que é a forma mais ténue de intensidade da relação do
querer do agente para com o facto por ele praticado, o agente representa, prevê como
possível que da sua actuação possa ocorrer um determinado resultado lesivo, um
determinado tipo crime. E actua conformando-se com a possibilidade dessa realização,
actua conformando-se com a possibilidade de a sua actuação desencadear a ocorrência do
facto típico por ele previsto, é o chamado dolo eventual (art. 14º/3 CP).
Muito perto do dolo eventual, está uma outra figura que há chamada negligência
consciente.
Actuar dolosamente ou negligentemente conduz a resultados práticos e dogmáticos
diferentes.
Em primeiro lugar, a norma do art. 13º CP, diz-se que a regra geral é a imputação por
facto doloso e só excepcionalmente existe responsabilidade criminal por facto negligente.
Por outro lado, a figura da tentativa e a tipicidade da tentativa e do facto tentado prevista
no art. 22º CP é uma tipicidade dolosa. Não existe responsabilidade penal por tentativa
negligente.
E ainda, mesmo quando a lei prevê excepcionalmente responsabilidade por facto
negligente, a moldura penal prevista para o mesmo facto praticado dolosamente.
Como é que se distingue dolo eventual de negligência?
Enquanto que da estrutura do dolo fazem parte dois elementos – o elemento intelectual
(conhecer) e o elemento volitivo (o conhecer), como acontece na negligência
inconsciente; mas não há nunca o elemento volitivo.
Na negligência nomeadamente na negligência consciente, tem-se aquelas situações em
que o agente representa a possibilidade de perigo[33], mas actua não se conformando
com a realização do resultado típico que ele previu.
O agente, tendo previsto o perigo para determinado bem jurídico, perigo que resulta da
sua actuação, actua não se conformando que dessa sua actuação o perigo se venha a
desencadear na lesão.
O que é que a negligência consciente tem em comum com o dolo?
É que em ambos existe o elemento intelectual; em ambos existe a previsibilidade do
perigo; em ambos o agente reconhece a possibilidade ou probabilidade de lesão; o agente
reconhece um determinado perigo.
82. Teoria da probabilidade ou verosimilhança
Há quem secunde para a distinção entre dolo eventual e negligência consciente, uma
teoria da probabilidade ou verosimilhança.
Aqui, o critério fundamental é o grau de probabilidade com que se prevê um certo
resultado:
- Se uma pessoa prevê como altamente provável um certo resultado e não deixa de agir
como quer agir, pode dizer-se que essa pessoa actua com dolo eventual;
- Se o grau de probabilidade com que se prevê um determinado resultado é um grau
baixo, então haverá negligência consciente.
Esta teoria da probabilidade ou verosimilhança é um critério extraordinariamente
criticável pelo seguinte:
Este critério de grau de probabilidade com que se prevê um determinado resultado é
efectivamente um critério muito impreciso, porque pergunta-se: até que ponto é que se
limita o grau de probabilidade? Então uma pessoa previu como 50% de probabilidade ou
será 60% ou 70%?
É um critério impreciso.
Para além de ser um critério muito impreciso, o grau de probabilidade com que se prevê
ou não determinado resultado é subjectivável, varia de pessoa para pessoa: há pessoas
que são mais cautelosas e outras pessoas que o são menos.
E por outro lado, há determinados resultados que são altamente prováveis e que contudo,
ninguém pensa imputá-los a título doloso.
Deve afastar esta teoria da probabilidade ou da verosimilhança e se adopte a teoria da
aceitação do consentimento ou da confirmação ou seja, para além de se prever um
determinado resultado, só é possível imputá-lo a título doloso e afirmar que existe
vontade quando o agente tenha aceite ou consentido nesse mesmo resultado.
83. Teoria ou fórmula hipotética
Existem basicamente duas teorias, ou duas fórmulas de Frank que ajudam a compreender
quando é que o agente actua conformando-se e portanto querendo um resultado típico; ou
quando é que o agente actua não se conformando, não querendo o resultado típico.
No primeiro caso tem-se dolo eventual; no segundo negligência consciente.
Segundo a fórmula hipotética de Frank, à que se interrogar quando é que o agente
actuaria caso previsse como certo o resultado:
- Se se chegar à conclusão que, tendo previsto como certo o resultado lesivo, o agente não
actuaria daquela forma, então é porque o agente actuou com negligência consciente.
- Se pelo contrário, tendo previsto como certo o resultado lesivo, o agente não tivesse
deixado e actuar de forma como actuou, então é porque o agente actuou como dolo
eventual.
Esta fórmula ou teoria hipotética de Frank para distinguir os casos em que o agente
actuaria com dolo eventual ou com negligência consciente, é de alguma forma criticável.
Por força de algumas críticas Frank faz uma formulação positiva da sua teoria.
Já não se pergunta o que é que aconteceria se o agente tivesse previsto como certo o
resultado lesivo, mas vê-se antes, perante uma determinada situação fáctica, se a posição
do agente ao actuar é esta: “aconteça o que acontecer, haja o que houver, eu actuo”.
Para fazer a distinção entre dolo eventual e negligência consciente e saber quando é que o
agente actua conformando-se (e portanto querendo o resultado), a teoria ou fórmula
positiva de Frank é um bom ponto de partida.
Simplesmente, por vezes há que introduzir ainda determinados correctivos a esta
formulação positiva de Frank. E essa correcção deve ser feita por recurso ao caso
concreto, tendo nomeadamente em conta a intenção do agente e a posição do agente.
Para a distinção entre dolo eventual e negligência consciente, vai-se partir do princípio da
actuação da teoria positiva de Frank mas com um correctivo face ao apelo da motivação
concreta do agente quando actua de determinada forma.
E também a intensidade do dolo é reflectida em termos da medida da pena, no âmbito do
art. 72º CP.
84. Dolo de perigo
Os crimes de perigo têm uma estrutura típica em que o legislador descreve uma conduta
típica perigosa e da qual se autonomiza um resultado típico que é o próprio perigo para o
bem jurídico que o legislador pretende proteger através da incriminação.
Para que o tipo esteja consumado, é necessário que se autonomize dessa conduta o
resultado típico, que é o perigo para a própria vida da pessoa que foi exposta.
Nos crimes de perigo concreto o resultado é o próprio perigo para o bem jurídico que a
norma pretende tutelar.
Mas o perigo é uma possibilidade de lesão. Sendo o dolo a consciência e vontade de
realização dos elementos objectivos do tipo, nos crimes de resultado de que são exemplo
também os crimes de perigo concreto, o resultado é o elemento objectivo do tipo. Logo
tem de abarcar o próprio resultado enquanto elemento objectivo do tipo.
Donde, o dolo tem efectivamente de se reportar nos crimes de perigo concreto ao próprio
perigo que é o resultado autonomizável da conduta perigosa.
O dolo é uma figura que tem um recorte legislativo. Existem várias modalidades de dolo,
que é um dolo de lesão, previstas no art. 114º CP. Portanto o dolo de perigo há-de ser um
dolo que não pode ser uma figura inteiramente nova, mas que tem que ter algum apoio
legislativo. Há-de ter alguma filiação em sede do que já está no art. 14º CP, nalgum dos
seus números.
O dolo de perigo não é compaginável de ser recortado à figura do dolo directo de
primeiro grau, ou intenção, prevista no art. 14º/1 CP, porque é difícil conceber que quem
actuar querendo o perigo que é a probabilidade de lesão e querendo directamente aquele
perigo, pelo menos não se conforma com a possibilidade de lesão.
Por outro lado também não é concebível uma situação de dolo eventual de perigo, porque
se o dolo eventual nos termos do art. 14º/3 CP, é aquela situação em que o agente
representa como possível que da sua conduta vá ocorrer a lesão e actua conformando-se
com essa possibilidade, então o agente, ao prever como possível o perigo, está a prever a
possibilidade da lesão, porque o perigo é sempre a possibilidade de lesão.
O dolo de perigo há-de ser natural e necessariamente um dolo necessário de perigo, que
pode ser recortado nos moldes do art. 14º/2 CP.
Para que exista dolo de perigo é necessário um elemento positivo e dois elementos
negativos.
Elemento positivo:
É a consciência que o agente tem da situação de perigo: o agente tem de representar, tem
de tomar consciência (elemento intelectual do dolo) da possibilidade de lesão que é o
perigo.
Elementos negativos:
1) É preciso que o agente, tendo previsto e representado o perigo, que é a possibilidade de
lesão não se auto-tranquilize no sentido de pensar que aquilo que previu como perigoso
não irá ocorrer, porque nesse caso tem-se uma situação de negligência consciente (art.
15º/1 CP).
2) Por outro lado, tendo o agente representado o perigo e tendo consciência desse perigo,
ele não se pode auto-conformar. Na verdade, se o agente prevê o perigo e se auto-
conforma com a possibilidade de o perigo por ele previsto se desencadear em lesão, então
já se tem uma situação de dolo eventual de lesão.
Ainda no que diz respeito à imputação subjectiva, torna-se relevante falar nos elementos
subjectivos específicos ou especiais.
Os Neoclássicos chamariam à atenção para o facto de que o tipo tinha alguns elementos
subjectivos específicos. Foram referidas em sede própria as especiais tendências, as
especiais intenções, a propósito do crime de burla, que pressupunha uma intenção de
enriquecimento.
Nestes casos, os tipos só estão preenchidos e constituídos quando se verifica essa
intenção ou intenções. No entanto para a consumação material do tipo é necessário que o
resultado dessas intenções se concretize.
Quando o legislador nada diz, nos tipos da parte especial que são em geral dolosos,
admite-se qualquer forma de dolo – dolo directo, dolo necessário, dolo eventual – a não
ser que a lei expressamente limite a forma de dolo que serve para o preenchimento do
tipo legal[34].
85. Erro do tipo
Quando falte um dos elementos da estrutura do dolo este está automaticamente afastado.
E isto porque desde logo se o agente desconhece determinada realidade, nunca a poderia
ter querido. Logo, não há dolo. Estas situações de desconhecimento ou de imperfeito
conhecimento da realidade são situações de erro. E pode haver erro sobre elementos do
facto típico.
Enquanto consagração e disciplina legal, o regime do erro está previsto nos arts. 16º e 17º
CP.
O art. 16º CP expressa as situações de erro intelectual, enquanto que o art. 17º CP
expressa as situações de erro moral, também dito erro de valoração.
O erro de tipo que exclui o dolo do próprio tipo; e excluindo o dolo, poderá a tipicidade
estar afastada porque falta o elemento subjectivo geral.
Nos casos do erro do art. 17º CP erro moral ou de valoração, a sua relevância, filtrada ou
não por critérios de censurabilidade, tem quando o erro for não censurável, a função e
consequência de excluir a culpa.
O erro intelectual do art. 16º/1 CP (erro do tipo) é um erro que pode incidir sobre
elementos do facto típico, elementos normativos ou elementos de direito, e sobre
proibições cujo conhecimento fosse razoavelmente indispensável ao agente ter para tomar
consciência da ilicitude.
No art. 16º/2 CP prevê-se outra situação de erro, que não é já um erro de tipo, mas é um
erro sobre os pressupostos de facto ou de direito das causas de exclusão da ilicitude ou
das causas de exclusão da culpa.
Dentro das situações de erro intelectual pode-se distinguir duas espécies:
- Erro ignorância;
- Erro suposição.
Nas situações de erro ignorância, verifica-se por parte do agente um total
desconhecimento da realidade.
Por vezes, dentro da modalidade do erro intelectual pode haver uma errada representação
da realidade, ou um imperfeito conhecimento. É uma situação de erro suposição que é
uma das modalidades reconduzíveis à situação de erro intelectual.
É ainda necessário distinguir entre:
- Erro por defeito; e
- Erro por excesso.
Ou
- Erro de tipo; e
- Tentativa impossível.
Quando se traça a punibilidade da tentativa, fala-se de alguns casos de tentativa
impossível expresso no art. 23º/3 CP. A tentativa pode ser impossível por hipótese por
referência à inexistência do objecto.
As situações de erro de tipo são situações que se dizem normalmente de erro por defeito,
em que o agente, com o seu comportamento, dá origem a um resultado que ele não quis.
86. Critérios de relevância do erro
Em tese geral, como é que se distingue, em termos de relevância, o erro intelectual do art.
16º CP do erro moral ou de valoração do art. 17º CP?
- Enquanto que o erro intelectual, nas suas modalidades de erro ignorância e erro
suposição, releva imediatamente, releva por si mesmo, ou seja, basta provar que a pessoa
está no âmbito de uma dessas situações previstas no art. 16º CP para que o erro tenha
relevância;
- Já em sede de erro moral ou de valoração do art. 17º CP a relevância do erro é mais
exigente, terá que ser filtrada por critérios adicionais, por critérios de censurabilidade.
Numa situação de erro moral ou de valoração, que são aquelas situações em que as
pessoas ignoram a realidade, não têm uma errada percepção da realidade, mas têm sim é
uma errada valoração ou concepção valorativa dessa mesma realidade, o erro não releva
por si mesmo.
A percepção que se tem da valoração jurídica dessa mesma realidade é que é errada,
porque o agente presume que aquele comportamento é um comportamento lícito,
admitido pela ordem jurídica, quando na realidade a valoração dada àquela actuação é
uma valoração negativa, é um comportamento ilícito.
87. Regime da relevância
O erro moral ou de valoração do art. 17º CP não relva por si mesmo, como nos termos do
art. 16º/1 CP. A consequência não é automática, há uma relevância mais exigente: tem de
ser ainda filtrada por um critério de censurabilidade.
Assim, tem-se de ver se aquele erro de valoração, se aquele erro moral, é um erro
censurável ou um erro não censurável. Ou seja, se era um erro censurável, porque era um
erro evitável, e consoante um caso ou outro, assim a consequência, desta forma:
- Se o erro era um erro inevitável, não censurável, a culpa será excluída nos termos do art.
17º/1 CP;
- Se, pelo contrário, for um erro censurável, porque era um erro evitável, aí o agente
responde pelo crime doloso que cometeu, podendo a pena beneficiar de uma atenuação
especial e facultativa (art. 17º/2 CP).
Relativamente ao art. 16º/1 CP pode-se esquematizar da seguinte maneira:
I. Erro sobre elementos (de facto) do tipo:
1) Erro sobre o objecto:
a) Desvio no processo causal:
- Essencial;
- Não essencial.
b) Erro sobre a eficácia do processo (a “aberratio ictus”)
2) Erro sobre as qualidades do autor;
3) Erro sobre o processo causal;
4) Erro sobre os elementos acessórios.
II. Erro sobre os elementos normativos:
1) Erro sobre qualidades normativas do autor;
2) Erro sobre qualidades normativas do objecto:
a) Extensão do conceito normativo
III. Erro sobre proibições
1) Erro sobre a existência de proibições;
2) Erro sobre a extensão de proibições.
No art. 16º/1 CP encontram-se várias proposições:
- O erro sobre elementos de facto do tipo;
- O erro sobre elementos normativos de um tipo legal;
- O erro sobre proibições cujo conhecimento seja razoavelmente indispensável o agente
ter para tomar consciência da ilicitude do facto.
Todas estas circunstâncias, a estarem presentes, têm como consequência nos termos do
art. 16º/1 CP a exclusão do dolo. No art. 16º/3 CP ressalva-se a punibilidade por
negligência nos termos gerais.
I. Erro sobre elementos (de facto) do tipo
88. Erro sobre o objecto
a) Erro sobre a existência
Pode tratar-se de uma daquelas situações descritas de erro ignorância porque, o erro é um
total desconhecimento ou um imperfeito desconhecimento da realidade e do seu
significado. Neste sentido, nas situações de erro ignorância o agente desconhece
totalmente a realidade.
Nestas situações de erro sobre o objecto, nomeadamente erro sobre a existência do
objecto, também é possível configurar situações de erro suposição, ou seja, aquela
modalidade de erro intelectual em que o agente conhece mal, ou imperfeitamente, a
realidade.
Nas situações de erro sobre o objecto, nomeadamente erro sobre a existência do objecto,
também é possível configurar situações de erro suposição, ou seja, aquela modalidade de
erro intelectual em que o agente conhece mal, ou imperfeitamente, a realidade. Para
averiguar a relevância deste erro, tem-se de verificar se entre o objecto representado pelo
agente e o objecto efectivamente atingido ou agredido com a conduta do agente, existe ou
não uma distonía típica. Tem-se de verificar se entre o objecto representado pelo agente e
que ele quis atingir, e o objecto efectivamente atingindo, se a lei valora da mesma forma,
em termos de tipo, aquele comportamento. Havendo distonía típica, o erro é relevante; se
não existe distonía típica, o erro não é relevante, se não é relevante, então não se afasta o
dolo do tipo e não se aplica a consequência do art. 16º/1 CP.
b) Erro sobre as características
Estas características do objecto típico podem ser fácticas ou normativas.
Exemplo:
A, conhece e quer destruir um livro, mas desconhece que aquele livro que ele quer possui
um valor histórico grande. Desconhece pois aquela característica fáctica do objecto.
Então, o agente conhece e quer danificar o livro. Portanto, ele conhece e quer incorrer no
crime de dano. Mas na realidade, aquilo que acontece é que o agente, devido ao valor
histórico do objecto do tipo, está a incorrer no crime de dano agravado.
Qual é a consequência deste erro?
Desconhecendo, o agente, o carácter ou o valor histórico do livro, desconhece
efectivamente esta característica fáctica do objecto do tipo e isso leva a que o agente seja
responsabilizado pelo crime de dano (simples) e não pelo crime de dano qualificado.
Quanto ao erro sobre as características normativas, exemplo:
Suponha-se que A, conhece e quer destruir um pinheiro, desconhecendo porém que
aquele pinheiro se encontra numa zona florestal protegida por lei, pelo que a sua
destruição implica uma agravação: constitui um crime de dano substancialmente mais
agravado.
Em bom rigor, isto é um erro já da segunda parte do art. 16º CP sobre elementos
normativos, mais concretamente um erro sobre qualidades normativas do objecto. Neste
caso, a consequência será também a de punir o agente pelo crime de dano simples, na
medida em que o agente ignorava aquele elemento normativo que qualificava o crime.
89. Erro sobre as qualidades do autor
Os tipos legais de crime, quanto ao autor, numa das modalidades mas conhecidas, se
podem distinguir entre crimes gerais ou comuns e crimes específicos, podendo estes ser
crimes específicos em sentido próprio ou crimes específicos em sentido impróprio.
Chama-se agora à colação a noção dos crimes específicos ou próprios que são aqueles
que exigem determinadas qualidades, naturalísticas ou outras, da pessoa do autor. Ou
seja, nem todas as pessoas podem ser autoras daqueles tipos legais de crime, mas apenas
as pessoas que tenham a qualidade típica descrita na lei.
É um erro que se insere também no art. 16º/1 CP e que leva à exclusão do dolo[35].
90. Erro sobre o processo causal
Pode apresentar duas modalidades fundamentais:
- Pode tratar-se de um desvio no processo causal, que pode por seu turno ser um desvio
essencial ou um desvio não essencial;
- Ou pode tratar-se de um erro sobre a eficácia do processo causal.
Há quem não considere o erro sobre o processo causal como um erro de tipo. E isto desde
logo devido às consequências que a relevância deste tipo de erro tem.
A relevância do erro sobre o processo causal não é a mesma, em termos de
consequências, do que está preceituado no art. 16º/1 CP – não leva nunca à exclusão do
dolo, mas tem antes relevância ao nível da imputação objectiva.
Porquê então tratar aqui o erro sobre o processo causal, ao lado das situações de erro do
tipo?
Isto é assim porque o nexo causal o nexo de causalidade ou nexo de imputação é um
elemento objectivo do tipo, normalmente um elemento não escrito do tipo. Portanto,
como elemento do tipo que é, faz sentido tratar este erro ao lado das verdadeiras situações
de erro de tipo, como se de um verdadeiro erro de tipo se tratasse.
Mas note-se, que a relevância do erro sobre o processo causal, quer o desvio seja
essencial ou não essencial, quer do erro sobre a eficácia do processo causal, não é a
mesma em termos consequências do processo no art. 16º/1 CP não havendo exclusão do
dolo.
a) Desvio no processo causal
Tem-se um desvio no processo causal quando o resultado típico efectivamente pretendido
pelo agente se verifica por um processo causal diferente daquele que foi perspectivado
pelo próprio agente.
Tem-se que se ver quando é que se está perante um desvio no processo causal que seja
essencial, ou quando é que esse desvio no processo causal é não essencial, porque de
acordo com uma ou outra conclusão assim a consequência em termos de tratamento
jurídico-penal é diferenciada; assim:
- Se estiver perante um desvio no processo causal essencial, o agente só pode ser punido
por tentativa;
- Se pelo contrário, se estiver perante um desvio no processo causal não essencial, o
desvio não assume qualquer relevância e o agente é punido por facto doloso consumado.
Então, o cerne da questão está em saber quando é que um desvio no processo causal é
essencial e quando é que não é.
Para se determinar esta situação da essencialidade ou não essencialidade do desvio, vai-se
utilizar precisamente os critérios que se utilizou para firmar a imputação objectiva.
Nomeadamente partindo desde logo duma ideia de previsibilidade, isto é, perguntando se
da conduta adoptada pelo agente era previsível que, em termos de criação de um perigo
ou de um risco juridicamente desaprovado pela ordem jurídica, o resultado típico viesse
de facto a correr mercê do processo causal realmente verificado na prática. Ou seja, vai-
se verificar se era previsível para um homem médio, colocado nas mesmas circunstâncias
que o agente tendo os mesmos conhecimentos que ele tinha, etc.[36] Que daquela
conduta que visava um determinado processo causal tivesse ocorrido o processo causal
que não realidade ocorreu.
b) Erro sobre a eficácia do processo causal
São situações em que o agente se engana quanto à eficácia do processo, por si
perspectivado para levar a cabo o resultado típico por ele pretendido.
Quanto ao tratamento a dar a esta situação de erro a eficácia do processo causal, existe
uma divergência doutrinal.
Há quem veja nestas situações de erro sobre a eficácia do processo causal, uma situação a
que se pode chamar dolo geral, em que há um processo unitário levado a cabo pelo
agente com dolo geral: o agente conhece e quer matar uma pessoa e acaba por conseguir
naquilo que efectivamente quis.
A conclusão será responsabilizar o agente por crime doloso consumado.
Há quem pense de maneira diferente, distinguindo consoante a segunda acção levada a
cabo pelo agente e que acaba por ser o processo causal real que determina o resultado
lesivo típico já tivesse ou não sido planeada pelo agente.
E então dizem:
- Se a segunda acção, que deu origem ao resultado pretendido pelo agente, já tivesse sido
por este planeada quando ele empreendeu a primeira acção; e se esta segunda acção for o
desenvolvimento lógico do plano do agente, então nesse caso o agente deve ser
responsabilizado por crime doloso consumado.
- Se pelo contrário esta segunda acção, que determina o resultado lesivo pretendido pelo
agente numa primeira acção, não tiver sido planeada pelo agente e ocorrer
momentaneamente, não se tratando cuja do desenvolvimento dum plano inicialmente
concebido pelo agente, então o agente deve ser punido em concurso efectivo com uma
tentativa de homicídio e um homicídio negligente.
Mas nestas situações de erro sobre a eficácia do processo causal seja mais aceitável a
figura do dolo geral, vendo nestas acções um processo unitário levado a cabo pelo agente
com dolo geral e punido pois o agente por facto doloso consumado.
91. A “aberratio ictus”
Também designada erro sobre a execução ou execução defeituosa não é em rigor uma
situação de erro intelectual.
Nas situações de aberratio ictus” não existe uma representação errada da realidade, o que
se verifica, sim, é um insucesso do facto, ou um fracasso do facto.
Nas situações de “aberratio ictus” o agente representa bem o objecto e a vítima; a
realidade é integralmente representada em termos concretos pelo agente. Portanto, erro
intelectual não há.
Também aqui, existem várias posições doutrinais:
Uma delas, é a da Profa. Teresa Beleza, que dá a estas situações de “aberratio ictus”
exactamente o mesmo tratamento que dá às situações de erro sobre a identidade do
objecto, ou seja, entende que se deve averiguar se existe distonía típica entre o objecto
representado pelo agente e o objecto efectivamente atingido e tratar a situação como se de
um erro sobre o objecto se tratasse.
De acordo com outra posição perfilhada entre outros autores pelo Prof. Castilho Pimentel,
Dra. Conceição Valdágua e também pelos Profs. Cristina Borges Pinho e Costa Pimenta
será de entender que nestas situações de “aberratio ictus” se deve dar um tratamento
diferente, em termos de punir o agente em concurso efectivo com uma tentativa (de
homicídio ou outra) em relação ao objecto visado ou representado pelo agente e um
homicídio negligente (ou facto negligente) em relação ao objecto efectivamente atingido.
Admite-se em determinadas situações concretas de “aberratio ictus” que a solução matriz
agora referida possa não ser esta, mas possa ser antes uma tentativa em relação ao objecto
representado mas não atingido pelo agente, em concurso efectivo com um crime
consumado com dolo eventual.
São aquelas circunstâncias em que há um insucesso ou um fracasso de facto, nas
situações de “aberratio ictus” em que o agente, representando um determinado objecto
mas que o resultado se irá verificar num objecto diferente e mesmo assim actua,
conformando-se com essa situação.
92. Erro sobre elementos acessórios
Estes elementos acessórios de um tipo legal de crime podem constituir agravantes ou
atenuantes, quer genéricas, quer fundamentando um tipo autónomo de crime ou um tipo
diferenciado de crime.
Nestas circunstâncias, há que entender que se deve responsabilizar o agente pelo crime
que ele julga estar a cometer.
II. Erro sobre elementos normativos
93. Erro sobre as qualidades normativas do autor
Erro sobre elementos normativos, é a segunda proposição do art. 16º/1 CP: erro sobre
elementos de direito de um tipo legal de crime.
Exemplo:
O agente é um funcionário público, mas desconhece que tem aquela categoria:
desconhece que é funcionário público porque se convence que funcionários públicos só
são os funcionários que têm uma determinada graduação hierárquica, isto é, os
funcionários superiores da administração.
Desconhecendo o agente essa qualidade que na realidade tem, é um erro da 2ª parte do
art. 16º/1 CP relevante em termos de exclusão do dolo.
94. Erro sobre as qualidades normativas do objecto
É necessário para o erro sobre o objecto.
Exemplo:
Um pinhal situado numa região florestal protegida por lei: o agente desconhece a
existência dessa lei que enquadra aquela região numa zona protegida e que, em
consequência, pune criminalmente de uma forma mais severa o crime de dano (arrancar,
serrar ou por qualquer forma danificar as árvores).
A relevância do erro é a mesma, no sentido de excluir o dolo do crime de dano
qualificado, devendo o agente ser responsabilizado pelo crime de dano simples.
Ainda quanto ao erro sobre elementos normativos, há que referir a extensão do conceito
normativo.
Muitas vezes o agente ao actuar tem consciência, sabe, que determinado elemento
fáctico, que o objecto por ele visado, tem uma componente normativa, só que erra quanto
à extensão do conceito normativo.
Este erro sobre a extensão do carácter normativo é já um erro moral ou de valoração que
se há-de aferir em termos de relevância e consequência, em sede do art. 17º CP.[37]
Este erro sobre a extensão do carácter normativo há-de ser ponderado segundo um
critério de censurabilidade ou não censurabilidade, porque no fim de contas é um erro
moral ou de valoração.
III. Erro sobre proibições
95. Erro sobre a existência de proibições
Em primeiro lugar importa referir quais são estas proibições que se filiam em sede do art.
16º/1 CP e não saltam já para o campo do art. 17º CP como erro moral ou de valoração.
Das proibições legais são só e tão só aquelas ditas proibições artificiais ou proibições que
não têm um carácter ético ou social enraizado em termos de serem valorativamente
neutras no sentido de que os cidadãos não têm delas consciência ético-jurídica ainda
formulada; ou então as proibições novas.
No fim de contas, proibições que em termos de axiologia não representem uma
interiorização de comando em termos de lesão ético-jurídica de bens jurídicos reputados
como verdadeiramente fundamentais ou essenciais.
96. Erro sobre a extensão das proibições
Não se trata já de um erro ignorância, mas é um erro suposição.
Nestas situações em que se está perante um erro sobre a extensão de proibições, em que o
agente conhece a proibição mas engana-se tão só quanto à sua extensão, já não se está
perante um erro a ser valorado em termos do art. 16º/1 CP mas sim, está-se perante uma
situação de erro moral ou de valoração, a ser valorado à luz dos critérios do art. 17º CP.
Ter-se-á depois de fazer filtrar este erro, pelos critérios da censurabilidade ou não
censurabilidade para, em conformidade com o que dispõe o art. 17º/1 CP exclui a culpa,
ou, nos termos do art. 17º/2 CP punir o agente pelo crime doloso consumado respectivo
cumpra especialmente atenuada.
[33] E o perigo é sempre uma possibilidade ou uma probabilidade de lesão.
[34] Está-se a falar obviamente do dolo de lesão, porque o dolo de perigo só se verifica e
só é exigível nos chamados crimes de perigo concreto.
[35] Exclusão da imputação dolosa.
[36] Cá está o critério da adequação a funcionar em termos de previsibilidade.
[37] Não entronca já nas situações de erro intelectual previstas no art. 16º CP.
ILICITUDE
A. REGIME DAS CAUSAS DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE
a) Legítima defesa
b) Direito de necessidade
c) Outras causas de exclusão da ilicitude
97. Introdução
O conceito de ilicitude material foi uma conquista dos neoclássicos que também
analisaram quais eram as consequências relevantes da distinção entre ilicitude material e
ilicitude formal.
Nomeadamente a partir dum conceito de ilicitude material permita-se uma graduação do
conceito de ilicitude, ao mesmo tempo que permitia descobrir novas causas de
justificação e aderir à chamada justificação supra legal.
Quanto ao conceito de ilicitude pessoal e o contributo dado para esta categoria pelos
finalistas.
Uma acção é penalmente relevante, essa acção pode ser subsumível aos termos gerais e
abstractos dum tipo legal de crime.
Se a tipicidade objectiva e subjectiva estiver preenchida, tem-se que o tipo indicia a
ilicitude.
A um facto típico está indiciado um juízo de ilicitude, ilicitude formal, no sentido de que
aquilo que se fez é algo que contraria a ordem jurídica na sua globalidade, é algo que é
contrário à lei.
Mas este juízo de ilicitude indiciado pela tipicidade pode ser excluído, e é excluído pela
intervenção relevante das chamadas causas de exclusão da ilicitude ou causas de
justificação. Estas são causas, que visam excluir a ilicitude do facto típico; visam dizer
que aquele facto, que é típico, é aprovado pela ordem jurídica porque é um facto que está
justificado.
Mas um facto justificado[38], não deixa por esse facto de ser um facto típico. Portanto
um facto justificado permanece típico – tão só se exclui a ilicitude.
Um facto, ainda que justificado, não deixa de ser típico, porque os factos, ainda que
aprovados pela ordem jurídica (factos cuja ilicitude esteja excluída) não são
valorativamente neutros.
A própria função que o tipo deve desempenhar inculca a que se faça uma análise
tripartida do facto punível, com as categorias da tipicidade, de ilicitude e da culpa. E isto
porque o juízo que é dado sobre a tipicidade de um facto que acaba por ser justificado é
um juízo que não volta atrás: o tipo tem uma função de apelo, desde logo pelos fins das
penas, visível em cada tipo legal de crime, quer-se dizer com isto que o legislador quando
tipifica comportamentos o faz com uma determinada intenção.
Portanto, o tipo tem uma certa função de apelo:
- No sentido de que as pessoas não devem empreender essas condutas que a lei considera
proibidas;
- Ou no sentido de fazer com que as pessoas adoptem determinadas condutas que a lei
exige.
Esta função de apelo inerente aos tipos só se satisfaz se ainda que o facto esteja
justificado, o tipo permanecer intacto: em princípio não se deve matar, no entanto aprova-
se que alguém mate outrem em legítima defesa.
98. Juízo de ilicitude
É um juízo que é feito pela ordem jurídica, um juízo generalizado, um juízo de desvalor
que incide sobre o facto praticado, ou seja:
- A ordem jurídica fórmula um juízo negativo sobre quem adopta um determinado facto
que a ordem jurídica considera um facto proibido;
- Ou faz incidir um juízo de desvalor, porque efectivamente a pessoa não adoptou o
comportamento que devia ter adoptado quando a lei o exigia.
Neste sentido tem-se que o juízo de ilicitude é um juízo de desvalor generalizado que
incide sobre o próprio facto.
Este juízo de ilicitude diverge de um juízo de culpa, ou de um juízo de censura de culpa.
No juízo de censura de culpa há também um juízo de desvalor, mas que é já um juízo
individual, é um juízo feito pela ordem jurídica mas que incide já não sobre o facto
praticado, mas recai sobre o agente, precisamente porque o agente actuou tendo praticado
um facto ilícito, quando podia e devia ter-se decidido diferentemente, quando podia e
devia ter actuado de harmonia com o direito. Portanto, no juízo de censura de culpa, o
que se reprova é o agente (por isso é um juízo individualizado) por ele, naquele caso
concreto, ter actuado ilicitamente, quando podia e devia ter actuado de forma diferente,
ou seja, licitamente. Donde, o juízo de ilicitude é um juízo que procede necessariamente
o juízo de censura de culpa: se em sede de culpa a ordem jurídica dirige ao agente um
juízo de desvalor porque ele praticou um facto ilícito, então o juízo de ilicitude tem de ser
anterior; tem se der firmado anteriormente que o facto praticado pelo agente é um facto
ilícito.
99. Regras gerais e princípios que enformam as causas de exclusão da ilicitude
As causas de exclusão da ilicitude são determinada circunstâncias que, a estarem
presentes excluem a ilicitude do facto praticado, ou justificam o facto típico praticado
pelo agente.
Vigora um princípio, que é o princípio da unidade da ordem jurídica, ou o concerto
unitário de ilicitude, princípio esse que está expresso no art. 31º CP. Portanto, o facto, não
é ilícito quando a ilicitude for excluída pela ordem jurídica na sua globalidade.
Quando a ilicitude de um facto for excluída por qualquer elemento do ordenamento
jurídico, então esse facto não deve ser visto, para o direito penal, como um facto ilícito,
como um facto não justificado.
Como explicar este conceito unitário e esta exclusão da ilicitude, em sede de exclusão da
ilicitude?
Desde logo por força do princípio da subsidiariedade do direito penal.
Se o direito penal, de harmonia com este princípio, só deve intervir e emprestar a sua
tutela robusta quando a tutela fornecida por outros ramos do direito não for
suficientemente eficaz para tutelar cabalmente bens jurídicos reputados como
fundamentais e essenciais à sociedade; então se os outros ordenamentos jurídicos para
determinados factos consideram que o comportamento é lícito, não deve vir o direito
penal incriminar e emprestar a sua tutela àquele facto, que não merece tutela jurídico-
penal, precisamente porque outros ordenamentos jurídicos prescindiram da sua
consideração como facto ilícito, mas consideram-no um facto aprovado.
As causas de justificação, como visam excluir a ilicitude e irresponsabilizar o agente, são
normas penais favoráveis. Assim sendo, a elas não estão ínsitos os princípios de garantia
e as limitações impostas, enquanto garante do princípio da legalidade, como acontece
com as normas positivas ou normas que fundam positivamente a responsabilidade
jurídico-penal do agente.
As causas de exclusão da ilicitude em direito penal não são apenas as que estão
enumeradas no art. 31º CP mas todas aquelas que o ordenamento jurídico na sua
globalidade considera como relevantes para afastar a ilicitude de um determinado facto.
Inerente a toda a justificação existe uma ideia comum: não há participação em facto
justificados, ou seja, a participação num facto justificado não é punida.
Quando existe comparticipação criminosa, quando existe um envolvimento plural de
vários agentes no mesmo crime, uns desses agentes podem ser qualificados como autores
e outros como participantes. A participação está prevista no art. 27º CP e participantes são
os cúmplices e também, para alguma doutrina, os instigadores.
Quando se diz que não existe participação penalmente relevante, em termos de punição,
dum facto justificado, significa que não existe punibilidade da participação num facto
típico justificado.
Outra ideia comum às diferentes causas de justificação é a seguinte: inerentes a todas as
causas de justificação existem elementos subjectivos. O elemento subjectivo da causa de
justificação é, um elemento comum a todas as causas de justificação.
Toda a doutrina concorda num ponto: havendo elemento subjectivo da justificação só está
aprovado, só está justificado, se se verificarem simultaneamente os elementos objectivos
e subjectivos das causas de justificação.
Porém, verificando-se tão só a situação objectiva de justificação mas faltando o elemento
subjectivo:
b) Para determinada doutrina o facto é ilícito, mas o agente é punido por tentativa;
c) Para outro sector da doutrina o facto é também ilícito, mas o agente é punido por facto
consumado;
d) Outros autores distinguem consoante a causa de justificação tenha, quanto ao elemento
subjectivo um elemento intelectual e um elemento volitivo:
· Nas causas de justificação cujo elemento subjectivo tenha esta dupla estrutura, se o
elemento subjectivo tenha esta dupla estrutura, se o elemento subjectivo não estiver
preenchido o agente é punido por facto consumado;
· Se o elemento subjectivo da justificação prescindir do elemento volitivo e se contentar
só com o elemento intelectual do conhecimento, ou seja, se o elemento subjectivo não
tiver uma estrutura dupla, estão faltando o elemento subjectivo o agente é punido por
facto tentado.
CULPA
120. Culpa em direito penal
Para responsabilizar alguém criminalmente é necessário que essa pessoa, para além de ter
uma acção penalmente relevante, ou seja, simultaneamente típica e ilícita, e também
necessário que sobre essa pessoa que pratica esse facto típico e ilícito recaia um juízo de
censura de culpa, é necessário também que o facto seja culposo.
A relação que se estabelece entre a ilicitude e a culpa não é feita nos mesmos termos,
porque a ilicitude não indica a culpa.
Um facto pode ser ilícito e não estar subjacente a esse facto qualquer juízo de censura de
culpa, por isso, a culpa é um pressuposto analítico da punibilidade autónomo e é também
um pressuposto material da punibilidade.
A culpa em direito penal em primeiro lugar é a negação da responsabilidade
objectiva[42]. A responsabilidade penal tem que se fundar numa culpa concreta, daí o
preceituado no art. 18º CP quando se diz que “a imputação do resultado, ainda que não
previsto ou não querendo pelo agente, tem que ser feita pelo menos a título de
negligência”.
Nesse sentido a imputação do resultado tem na sua base um juízo de censura da culpa,
uma culpa concreta do agente, dolosa ou negligente.
A culpa é também um princípio de política penal ou criminal.
A culpa é o fundamento e o limite da medida da pena, isto é, não é possível aplicar uma
pena, que é a sanção característica do direito penal, a quem não tenha actuado com culpa.
Daí que, a culpa seja o fundamento da pena. Mas a culpa é também o limite da medida da
pena, na medida em que consoante a maior ou menor culpa manifestada pelo agente na
prática do facto ilícito, daí a maior ou menor pena, de acordo com a graduação da medida
da pena (arts. 71º segs. CP).
121. Culpa como categoria analítica de juízo penal
A ilicitude consistia num juízo de desvalor formulado pela ordem jurídica, juízo de
desvalor esse dirigido ao agente pela prática de um facto contrário à ordem jurídica na
sua globalidade.
Na culpa passa-se algo de diferente, também o juízo de culpa é um juízo de censura, um
juízo de desvalor dirigido ao agente, já não diferente sobre o facto que ele praticado, mas,
pela atitude que o agente expressa na prática de um determinado facto, quando ao agente
foi dada a possibilidade e se ter decidido diferentemente, de se ter decidido de harmonia
com o direito (em vez de se ter decidido como decidido, pelo ilícito). Assim:
- Enquanto que na ilicitude se verifica a violação de um dever;
- Na culpa coexiste a ideia não de um dever, mas de um poder.
Na culpa, este juízo de censura é um juízo individualizado, dirigido ao agente. Aquilo que
se se censura ao agente é ele ter manifestado na prática de um determinado facto uma
certa atitude, querendo praticar esse facto (por hipótese), quando podia ter actuado de
uma forma diferente, quando podia ter actuado de harmonia com o dever ser, de
harmonia com o direito.
No juízo de censura der culpa aquilo que se censura ao agente é ele ter-se decidido pelo
ilícito, quando podia comportar-se de maneira diferente. Assim sendo, o juízo de ilicitude
tem de preceder necessariamente o juízo de culpa.
122. Elementos da culpa
Ela é integrada desde logo:
- Pela capacidade de culpa;
- Pela consciência da ilicitude;
Um terceiro elemento, contestado por alguns autor, filia-se na,
- Exigibilidade de adoptar um comportamento diferenciado.
Para fundamentar também um juízo de censura de culpa, é necessário que o agente, não
obstante ter capacidade de culpa e consciência da ilicitude do facto que comete, não tenha
actuado em circunstâncias tão extraordinárias, tão exorbitantes, de tal forma que a sua
liberdade de decisão, a sua liberdade de captação ou de avaliação não esteja diminuída.
Há quem entenda que a culpa é composta por:
- Dois elementos positivos:
· Capacidade de culpa;
· Consciência da ilicitude.
- Um elemento negativo:
· Ausência de causas desculpa.
Pode-se então dizer que verdadeiras causas de exclusão da culpa são aquelas que se
filiam na ausência de capacidade de culpa ou de consciência da ilicitude.
As causas de desculpa não excluem a culpa mas fazem com que aquele facto seja
tolerado pela ordem jurídica, em termos de não haver lugar à punibilidade, à punição.
123. Evolução do conceito de culpa enquanto categoria analítica
Para os clássicos a culpa era meramente psicológica, ou seja, cifrava-se na relação do
agente para com o facto praticado. E enquanto faziam parte da ilicitude típica todos os
elementos objectivos, era em sede de categoria analítica da culpa que os clássicos
arrumavam todos os elementos subjectivos.
Assim o dolo e a negligência seriam integrados, ou incluídos na culpa, como elementos
subjectivos (como formas de culpa).
Este conceito de culpa evoluiu, desde logo com os neo-clássicos, que passam a encarar a
culpa como um juízo de censurabilidade. Já não era só a relação psíquica do agente para
com o facto praticado que interessava, mas era também necessário valorar elementos
exteriores a essa relação psíquica, para fundamentar um juízo de censura de culpa.
A culpa aparece aqui já impregnada de alguns elementos normativos, já não é puramente
subjectiva.
Efectivamente, Frank ao traçar a distinção entre direito de necessidade e estado de
necessidade subjectivo ou desculpante chega a esta conclusão.
Na verdade uma pessoa, ao praticar um facto, pode estabelecer para com esse facto uma
relação de dolo ou uma relação de negligência. A pessoa pode ter querido praticar esse
facto, ou a pessoa pode ter dado origem àquele facto, porque precisamente não se
preveniu no sentido de evitar violar determinados deveres; e consequentemente, a
violação desses deveres deu origem à prática daquele facto.
Frank começa a filiar o fundamento das causas de desculpa com base na ideia de
exigibilidade: exigibilidade ou não de um comportamento diferenciado daquele que foi
tido pelo agente no caso concreto. A ilicitude:
- É um juízo generalizado que a ordem fórmula, dirigido ao agente, mas que incide sobre
o facto por ele praticado;
- É um juízo material e como tal, um juízo gradual: um facto pode ser mais ou menos
grave, ou mais ou menos ilícito.
No juízo da culpa, já não se trata de ver se o agente com o seu comportamento violou um
dever e se actuou em contrariedade com a ordem jurídica na sua globalidade[43]. Tem
antes a ver com a ideia de poder, consequentemente, é um juízo individualizado que recai
sobre cada agente em concreto. Então censura-se ao agente a atitude que ele revelou ao
ter-se decidido pela prática de um facto que viola as exigências de um dever, pela prática
de um facto ilícito, quando podia ter adoptado um comportamento diferenciado. E podia
porque:
- Tinha capacidade de culpa;
- Tinha consciência da ilicitude do facto; era-lhe exigível que adoptasse, no caso
concreto, um comportamento diferenciado, podia decidir-se de harmonia com as
exigências do dever, em conformidade com os ditames da ordem jurídica.
Os finalistas adoptaram um conceito normativo de culpa, porque para eles e de harmonia
com o próprio conceito de acção que eles tinham (quer era uma acção final), na culpa não
interessava nada a relação psicológica que o agente tinha com o facto praticado, porque
essa relação psicológica é transposta, no finalismo, para uma outra categoria analítica que
é o tipo.
Os finalistas incluíram precisamente no tipo o dolo como elemento subjectivo geral.
Assim, os tipos ou são dolosos ou são negligentes.
- São dolosos: o dolo é o elemento subjectivo geral do tipo;
- São negligentes: o elemento subjectivo é a própria negligência.
A relação psicológica que se estabelece entre o agente e o facto por ele praticado é
reconduzida e analisada em sede de tipicidade. A culpa ficava expurgada na sua
subjectividade.
Mas os finalistas levaram isto ao extremo e fundamentaram o juízo de censura de culpa e
a culpa em ideias puramente valorativas, portanto, um conceito de culpa normativo e
valorativo, composto por vários elementos:
- Capacidade de culpa;
- Consciência da ilicitude.
Para alguns autores:
- Exigibilidade de um comportamento diferenciado
E ainda, para outros autores:
- Inexistência de processos anormais de motivação.
Sendo assim, numa análise pós-finalista da categoria dogmática da culpa, pode-se
concluir que o fundamento do juízo de censura de culpa é o poder, a possibilidade que o
agente tinha de observar os comandos da ordem jurídica.
E o agente só tem possibilidade de observar esses comandos impostos pela ordem
jurídica, essas exigências do dever, se:
- Tiver capacidade de culpa;
- Tiver actuado com consciência da ilicitude;
- Não tiver actuado em circunstâncias tão extraordinárias que à ordem jurídica não lhe
reste outra alternativa senão tolerar ou desculpar o facto praticado.
124. Capacidade de culpa
Uma pessoa tem capacidade de culpa quando tem a possibilidade de conhecer as
exigências do direito e pautar o seu comportamento de harmonia com essas exigências.
Portanto, há capacidade de culpa quando o agente reconhece ou tem consciência ou pelo
menos, tem a possibilidade de ter tido consciência da ilicitude do facto e actua (ou pode
actuar) de harmonia com essa valoração.
O Código Penal não define capacidade de culpa pela positiva, diz, pela negativa, quem é
que não é capaz de culpa, ou seja, quem é inimputável[44]; assim, inimputáveis ou
incapazes de culpa, são:
- Os menores de dezasseis anos (art. 19º CP);
- Os portadores de anomalia psíquica ou de um estado patológico equiparado (art. 20º
CP).
Quem não tem capacidade de culpa não age com culpa. A falta de capacidade de culpa,
tal como a falta de consciência da ilicitude não censurável, leva à exclusão da culpa.
Inimputabilidade em razão da idade
O legislador penal entende que só têm capacidade de culpa, no sentido de poder
reconhecer as exigências da ordem jurídica e pautar o seu comportamento de harmonia
com essas exigências, os maiores de dezasseis anos, esse são penalmente imputáveis e
sobre eles pode recair um juízo de censura de culpa: têm culpa penalmente.
Um outro factor que pode excluir a capacidade de culpa, já não de razão etária, é a
verificação de um estado de anomalia psíquica que diminuía efectivamente a capacidade
de avaliação do agente, em termos de não lhe poder permitir reconhecer o carácter ilícito
dos seus factos e de se determinar de harmonia com essa avaliação. No art. 10º/1 CP
referem-se que é inimputável em razão de anomalia psíquica. No art. 20º/2 CP
equiparam-se situações de anomalia psíquica grave em que, não obstante o agente no
momento da prática do facto poder reconhecer a ilicitude do facto ou determinar-se de
harmonia com essa valoração, pode o juiz declarar inimputável essa pessoa.
No art. 20º/4 CP tem-se a chamada situação de inimputabilidade provocada: são aquelas
situações em que o agente propositadamente dá origem a uma situação de incapacidade
ou de inimputabilidade, tendo efectivamente previsto nesse estado praticar um
determinado crime, são as chamadas acções livres na causa em que, nestas situações de
inimputabilidade provocada, a capacidade de culpa não está excluída. E são acções livres
na causa porque embora no momento em que o agente pratica o facto penalmente
relevante ele não tenha capacidade de culpa, ele foi livre no momento anterior para
reconhecer o carácter ilícito do seu facto e pautar o seu comportamento de harmonia com
o direito. Consequentemente, o facto não é livre no momento da sua prática, mas é livre
na causa.
Nesse sentido designam-se acções livres na causa e nestas situações a capacidade de
culpa não está excluída.
125. Consciência da ilicitude
Uma pessoa actua com consciência de ilicitude quando sabe que aquilo que está a fazer é
proibido pela ordem jurídica na sua globalidade; ou quando a pessoa sabe que actuar era
uma obrigação e se abstém precisamente dessa actuação, omitindo portanto uma acção
que lhe era exigível.
Qual é a consciência da ilicitude que se exige ao agente?
Em primeiro lugar, aquilo que se exige ao agente não é uma consciência de ilicitude
formal, mas tão só uma consciência da ilicitude material.
Não se exige formalmente um conhecimento da proibição e da sanção imposta para a
violação daquele pressuposto legal, porque senão só tinha consciência da ilicitude quem
fosse de alguma forma jurista ou penalista. Portanto, o que se exige é uma consciência da
ilicitude material, no sentido de que aquele comportamento é valorado do ponto de vista
axiológico em termos de ser censurado ético-socialmente. Basta o conhecimento da
censura ético-social do comportamento para que se forme a consciência da ilicitude do
facto.
Por outro lado, esta consciência da ilicitude pode ser firmada e pode-se dizer que o agente
actua ainda com consciência da ilicitude, ainda que se trate de uma consciência da
ilicitude eventual.
O que filia o juízo de consciência da ilicitude não é o carácter moral ou imoral da conduta
empreendida pelo agente, porque a valoração moral ou imoral de um comportamento não
coincide sempre com a valoração jurídico-penal do comportamento ilícito.
Portanto, neste conceito de ilicitude, tão só basta a consciência da ilicitude material.
Pode acontecer contudo que uma pessoa actue e pratique um facto ilícito e venha depois a
juízo defender-se, dizendo que actuou sem saber que aquilo que fez é proibido, ou que
não actuou precisamente porque desconhecia que actuar era uma imposição.
Nestes casos, está-se perante situações de erro sobre a ilicitude em que o agente
desconhece o carácter ilícito daquilo que fez, ou desconhece o carácter ilícito daquilo que
efectivamente não fez (e ilícito porque deveria ter feito).
Estas situações de erro sobre a ilicitude estão plasmadas no art. 17º CP, o Prof. Figueiredo
dias chama de erro moral ou de valoração.
126. Erro sobre a ilicitude
A propósito do art. 17º CP costuma-se chamar-se-lhe de erro sobre a ilicitude ou erro
sobre a proibição, ainda que seja mais correcto chamar-lhe erro sobre a ilicitude, porque
factos ilícitos não são só acções que violam proibições, mas também omissões de acções
e/ou exigências, consoante os factos sejam por acção ou por omissão, consoante as
normas sejam proibitivas ou perceptivas. Neste sentido é mais abrangente a designação
de erro sobre a ilicitude, porque abrange quer as acções quer as omissões.
No âmbito deste erro sobre a ilicitude, também designado menos correctamente erro
sobre a proibição, distingue-se o erro sobre a proibição cujo conhecimento seja
razoavelmente indispensável e exigível ao agente para ele tomar consciência da ilicitude,
que é o erro que se encontra consagrado no art. 16º/1 3ª parte CP, esse sim um erro de
natureza intelectual.
A distinção do erro sobre as proibições do art. 16º/1, 3ª parte CP do erro do art. 17º CP
(erro moral ou de valoração) que é também um erro sobre as proibições é a seguinte:
- As proibições de que se fala na 3ª parte do art. 16º/1 CP são, dentro das proibições
novas, tão só aquelas que são axiologicamente neutras. Valorativamente neutras, ou que
não contenham em si uma censurabilidade ético-social.
O erro sobre a ilicitude ou sobre as proibições do art. 17º CP pode ser de duas naturezas:
ou de um erro directo sobre a ilicitude; ou um erro indirecto sobre a ilicitude.
Sendo que no âmbito do erro indirecto sobre a ilicitude, tem-se o erro sobre a existência
de uma causa de justificação e o erro sobre os limites de uma causa de justificação.
Portanto, um erro sobre normas permissivas.
No erro sobre a ilicitude tem-se aquelas situações em que no fim de contas o agente erra é
sobre a permissão do comportamento. Repare-se: na justificação de erro sobre a
existência de uma causa de justificação, o agente quando actua sabe que aquilo que está a
fazer é um facto ilícito, mas julga que esse facto ilícito vai ser aprovado pela ordem
jurídica pela intervenção de uma causa de justificação, causa de justificação essa que o
ordenamento jurídico português não conhece e que nem é possível inferir a partir dos
princípios que norteiam o regime jurídico da justificação.
Conforme diz o art. 17º CP tem-se de verificar se se tratam de erros censuráveis ou erros
não censuráveis, isto é, se se tratam de erros evitáveis ou não evitáveis.
Nos termos do art. 17º/1 CP se o erro sobre a ilicitude for um erro não censurável, for um
erro inevitável, então o agente age sem culpa, por isso, o erro sobre a consciência da
ilicitude não censurável exclui da culpa.
Pelo contrário, se o erro for censurável porque era um erro evitável, diz o art. 17º/2 CP
que o agente será punido com a pena correspondente ao crime doloso praticado, contudo,
pode beneficiar de uma atenuação especial facultativa da pena.
Pode-se dizer que o Código Penal traduz uma teoria da culpa em deterimento daqueles
que propunham uma teoria do dolo.
127. Teorias do dolo
Para os partidários desta teoria, o dolo fazia parte da culpa. E o dolo, dentro do seu
elemento, era integrado também pela consciência da ilicitude. O dolo, ao lado do
conhecer e querer um determinado facto era também integrado pela consciência da
ilicitude: o agente tinha de conhecer e querer um determinado facto sabendo que esse
facto era ilícito.
Para a teoria rigorosa do dolo este era integrado na culpa, porque a culpa era
predominantemente subjectiva. Sendo assim, faltando a consciência da ilicitude, faltaria
um elemento do dolo, faltando um elemento do dolo, ele tinha de estar excluído.
A esta teoria seguiu-se uma outra, a teoria limitada do dolo que diz: sendo embora o dolo
integrado na culpa e composto também pela consciência da ilicitude, se faltar a
consciência da ilicitude falta um elemento do dolo, logo não se pode punir o agente a
título doloso, com uma excepção: aqueles casos em que faltou a consciência da ilicitude
por cegueira jurídica ou inimizade ao direito.
As teorias do dolo levavam a esta situação: quando se actua sem consciência da ilicitude,
como esta é um elemento do dolo, falta um elemento do dolo, logo está afastado.
128. Teorias da culpa
Os partidários desta teoria vêm dizer, que o dolo é um elemento do tipo e é um elemento
subjectivo geral (foi uma conquista dos finalistas),
A consciência da ilicitude não é ponto de referência do dolo: a consciência da ilicitude
não integra o dolo, mas é antes um elemento autónomo da culpa, e consequentemente a
faltar a consciência da ilicitude o que pode estar excluído é a culpa. E é isso que se tem
no art. 17º CP:
- Se o agente actua sem consciência da ilicitude e se essa falta de consciência da ilicitude
não lhe é censurável, a culpa está excluída;
- Se pelo contrario o agente actua sem consciência da ilicitude, mas esse erro é um erro
censurável, então o agente é punido por dolo, podendo a pena ser atenuada na culpa
manifestada pelo agente.
O Código Penal secunda a teoria da culpa, ou seja, pode-se dizer que o entendimento das
teorias da culpa estão de harmonia com o preceituado no art. 17º CP.
129. Critérios de censurabilidade do erro no art. 17º CP
Existem vários critérios.
Um critério que tende de alguma forma a objectivar um pouco do critério da
censurabilidade ou não do erro, faz esta análise da evitabilidade ou inevitabilidade do
erro da seguinte teoria, coloca um agente médio na posição do agente real e pergunta se
para esse agente médio era nítido que o facto praticado era um facto ilícito ou não, e
assim:
- Se para um agente médio colocada nas mesmas circunstâncias também não fosse
evidente que o facto era um facto ilícito, ter-se-ia um erro não censurável, logo a ser
filtrado nos termos do art. 17º/1 CP;
- Se para esse agente médio colocado nas mesmas circunstâncias do agente o facto
praticado se manifestasse ilícito, então nesse sentido, ter-se-ia um erro censurável, com
relevância nos termos do art. 17º/2 CP.
Um critério um pouco mais complicado, é a teoria de Roxin faz a pergunta ao agente que
comete o facto de que vem alegar desconhecimento da sua ilicitude, ou desconhecimento
da sua proibição, faz perguntar se seria de alguma forma legítimo impor ao agente que ele
pelo menos suspeitasse do carácter ilícito do facto por si praticado.
Então, se se puder dizer que realmente naquelas circunstâncias era de alguma forma,
exigível que ele pelo menos desconfiasse do carácter ilícito do seu facto, e então se
desconfiou tinha a obrigação de se ir informar, saber se aquilo que ele suspeitou ser ilícito
era na verdade lícito ou ilícito.
Esta violação do dever de informação com base numa suposição funda e efectivamente a
censurabilidade do erro e, portanto, a possibilidade de punir o agente por facto doloso nos
termos do art. 17º/2 CP.
Se pelo contrário naquelas circunstâncias não fosse minimamente exigível que o agente
suspeitasse do carácter ilícito do facto, então ele também não teria nenhuma obrigação de
se informar. E daí a inevitabilidade do erro, em que todas as pessoas incorreriam. E o erro
não censurável aí teria relevância nos termos do art. 17º/1 CP, excluindo a culpa.
130. Exigibilidade de um comportamento conforme ao direito
Há autores que consideram um terceiro elemento da culpa, que é a exigibilidade de um
comportamento conforme ao direito, ou de harmonia com o dever ser.
Esta exigibilidade para determinados autores é, ao lado da capacidade de culpa e da
consciência da ilicitude, um verdadeiro elemento da culpa. E não existindo este elemento,
ou seja, não sendo no caso concreto exigível ao agente que ele adopte um comportamento
diferente, um comportamento de harmonia com o direito, então falta um elemento da
culpa e a culpa tem de estar excluída. É nomeadamente a posição de Frank.
Por outro lado, autores há que consideram que esta exigibilidade não é um verdadeiro
elemento da culpa.
A exigibilidade do comportamento conforme o dever ser, ou conforme ao direito, não
sendo elemento da culpa, não a exclui, pode é fundamentar uma desculpa, é o caso de
Roxin.
E há quem entenda que a exigibilidade é apenas um princípio de direito regulativo sem
conteúdo material, e consequentemente nem é elemento da culpa, nem fundamenta toda a
desculpa.
Donde, aquilo que se vai entender é que compõem a culpa dois elementos positivos:
- Capacidade de culpa;
- Consciência de ilicitude.
E um elemento de natureza negativa:
- A ausência de causas de desculpa.
Causas de desculpa, estas que, a verificarem-se, não excluem a culpa do agente, porque o
agente tem capacidade de culpa e consciência da ilicitude. Mas causas de desculpa
porque o agente, não obstante ter esses dois elementos da culpa actuam em circunstância
tão extraordinárias e de alguma forma tão anormais que toldam a normal capacidade de
avaliação e de determinação. Sendo certo que a ordem a ordem jurídica não pode deixar
de tolerar os factos praticados por essas pessoas nessas circunstâncias, consequentemente
procede a uma desculpa.
Pode-se dizer que, faltando um dos elementos da culpa:
- Capacidade de culpa;
- Consciência da ilicitude (não censurável).
A culpa está excluída, são as causas de exclusão da culpa.
131. Causas de exclusão da culpa
São três, as causas de exclusão de desculpa previstas no Código Penal:
- O excesso de legítima defesa (art. 33º CP);
- O estado de necessidade subjectivo ou desculpante (art. 35º CP);
- Obediência indevida desculpante (art. 37 CP).
A verificar-se uma destas situações, a culpa está excluída, mas o facto permanece
necessariamente ilícito, uma vez que o juízo de ilicitude procede necessariamente o juízo
de culpa.
a) Excesso de legítima defesa (art. 33º CP)
Neste artigo 33º CP tem dois números:
O n.º 1 onde prevê-se a legítima defesa excessiva, ou um excesso intensivo, que tem a ver
só com o excesso do meio empregue para repelir a agressão. Nesse sentido, esse excesso
intensivo pode ser um excesso consciente ou um excesso inconsciente.
Roxin diz que nestes casos de excesso intensivo previsto no art. 33º/1 CP:
- Quando ele é consciente, o agente pode ser punido por dolo;
- Quando ele é inconsciente, o agente pode ser punido por negligência.
Sendo certo que se tem de verificar sempre e em todo o caso a consequência do art. 33º/1
CP que leva a uma atenuação especial da pena[45].
No n.º 2 prevê-se a situação retinta de desculpa quando o excesso nos meios empregues
tiver resultado de medo, susto ou perturbação não censurável.
É um estado afecto asténico em que o defendente se encontra, e consequentemente esse
estado afecto a uma certa astenia leva à desculpa.
b) Estado de necessidade subjectivo ou desculpante (art. 35º CP)
Esta causa de desculpa exige uma ideia de uma certa proporcionalidade, porque se filia já
numa certa exigibilidade.
Também esta causa de desculpa tem um elemento subjectivo, que é a consciência que as
pessoas têm do perigo e a vontade que têm de actuar para remover esse perigo. No
entanto, esta causa de desculpa só existe verdadeiramente nos termos do art. 34º/1 CP
quando estiverem em perigo única e exclusivamente os bens jurídicos aí descriminados.
Quando estiverem em perigo outros bens que não estes, a solução é dada pelo n.º 2 do art.
34º e não pela n.º 1.
Por outro lado, esta causa de desculpa pode encontrar um determinado fundamento na
exigência de um comportamento contrário, de um comportamento conforme ao dever ser.
A exigibilidade inculca aqui, no âmbito do estado de necessidade, já uma ideia de
proporcionalidade.
Em primeiro lugar, tem de se afastar um perigo grave, não é qualquer perigo.
Depois, o facto ilícito praticado para remover esse perigo tem de ser o único facto
adequado e necessário à remoção do perigo. Não pode haver outro, porque se houver já
não há desculpa.
Significa que tem de haver sempre uma determinada proporcionalidade, sob pena de se
dizer que era sempre exigível a adopção de um comportamento diferenciado para a
remoção do perigo. Portanto, aqui a ideia de exigibilidade inculca uma ideia de
proporcionalidade entre o bem em perigo e o bem que se lesa para remover esse perigo.
A exigibilidade de adopção de um comportamento conforme o direito é de alguma forma
um princípio meramente regulativo. E isto porque a ser um verdadeiro elemento da culpa,
ou é para toda a gente ou não é para ninguém. Então a exigibilidade não sendo elemento
da culpa, pode fundamentar uma situação de desculpa, ou seja: poderá em determinados
casos dizer-se que há culpa, porque o agente tem a capacidade de culpa e consciência da
ilicitude e ainda lhe era possível actuar na harmonia com o direito.
c) Obediência indevida desculpante (art. 37º CP)
Ainda pode ser desculpado quem cumpre uma ordem de um superior hierárquico sem ser
pelo agente evidente, no quadro das circunstâncias em que o conhecimento daquela
ordem desembocasse na prática de um crime. Tem-se aqui uma situação de erro sobre a
ilicitude.
Cessa o dever de obediência hierárquica quando tal se traduzir na prática de um crime.
No entanto, quando o agente actua em obediência a uma ordem não sendo para si
evidente, no quadro das circunstâncias que ele representou, que essa ordem conduz à
prática de um crime, esse facto pelo agente praticado é um facto típico e ilícito, mas o
agente beneficia de uma desculpa.
132. Erro sobre os elementos de uma causa de desculpa
Este erro, em que o agente julga existir mas que na realidade não existe leva também, nos
termos do art. 16º/2 CP à exclusão do dolo, ressalvando-se nos termos do art. 16º/3 CP a
punibilidade por negligência nos termos gerais.
Este erro exclui o dolo ressalvando-se a punibilidade por negligência nos termos gerais.
Este erro exclui o dolo, ressalvando-se a punibilidade por negligência nos termos do art.
16º/3 CP.
Tipos de culpa
São elementos que caracterizam a atitude do agente expressa no facto. São elementos
caracterizadores da atitude do agente, são pois elementos objectivos daquilo que constitui
o juízo de censura de culpa.
133. Conclusão
A culpa é uma categoria analítica da sistemática do facto punível.
É uma categoria material e como tal, um conceito graduável, ou seja, o mesmo facto pode
ser passível de um maior ou menor juízo de censura de culpa, de harmonia com a atitude
expressa pelo agente na prática do facto, em termos de poder ter adoptado sempre um
comportamento diferenciado daquele que adoptou, o agente podia sempre ter actuado
licitamente e optou por actuar ilicitamente. E o agente podia ter actuado de harmonia com
o direito precisamente porque:
- Tinha capacidade de culpa, ou seja, tinha capacidade para avaliar o carácter ilícito do
facto e determinar-se, por essa avaliação;
- Teve conhecimento do carácter ilícito do seu facto; e
- Não actuou em circunstâncias tão extraordinárias que o desculpem.
Nesse sentido, a culpa é um conceito material e graduável:
- Quanto maior for a censura da culpa, maior a pena do agente;
- Quanto menor for a censura, menor a pena do agente conforme resulta dos arts. 72º
segs. CP.
Inclusivamente, que a culpa é um conceito graduável atestam entre outras:
- As normas do art. 17º/2 CP em caso de erro censurável sobre a ilicitude pode haver
lugar a uma atenuação especial da pena, que é fundada no grau de culpa manifestado pelo
agente;
- Prova-o o preceituado no art. 33º/1 CP em caso de excesso intensivo nos meios
empregues na legítima defesa, pode haver também lugar a uma atenuação;
- Prova-o o art. 35º/2 CP.
[42] Não há em direito penal responsabilidade objectiva.
[43] Isto é um conceito de ilicitude.
[44] Imputável significa, em direito penal capacidade de culpa; inimputável significa
incapacidade de culpa.
[45] Mas atenção, porque há autores que vêem nesta atenuação especial da pena, no caso
de excesso intensivo do art. 33º/1 CP uma atenuação que se funda não já na culpa, mas na
punibilidade em sentido estrito.
Outros autores entendem que esta atenuação, nos casos de excesso intensivo do art. 33º/1
CP tem ainda a ver com a culpa do agente, e portanto esta atenuação da pena terá a ver
com uma certa desculpa
COMPARTICIPAÇÃO CRIMINOSA
134. Introdução
A matéria da comparticipação encontra-se prevista nos arts. 26º, 27º, 28º e 29 CP.
A comparticipação criminosa postula em que várias pessoas concorrem para a prática de
um facto penalmente relevante.
Pode-se genericamente definir a comparticipação criminosa para o direito português
como uma situação de pluralidade de intervenientes num facto.
O problema que as regras de comparticipação criminosa visam responder é saber, dentro
da prática de um facto, quem é que é responsável, porquê e em que termos.
As regras da comparticipação criminosa são regras necessárias para no fundo se poder
aplicar as regras da parte especial a outras pessoas que não apenas àquelas que praticam o
facto por si mesmas.
Sendo certo que as normas da parte especial carecem em alguns casos das normas da
parte geral para integrar outros comportamentos, as normas dos arts. 26º e 27º CP são
normas que por si só não têm valor, são normas que se têm que relacionar com as normas
da parte especial.
E nestas relações entre as normas dos arts. 26º, 27 e até o art. 28º CP com as normas da
parte especial, tem-se no fundo um conjunto de outras regras.
As regras dos arts. 26º, 27º, e 28º CP são regras de extensão da tipicidade, ou seja, são
regras que visem no fundo tornar típicos comportamentos que não eram típicos.
As regras da comparticipação criminosa visam valorar contributos que não são
imediatamente subsumíveis aos tipos de ilicitude da parte especial.
Em segundo lugar, trata-se de regras que, em conjunto com a(s) regra(s) da parte especial,
criam uma nova regra de valoração jurídica, nesse sentido estendem a tipicidade da parte
especial.
A comparticipação criminosa assenta na distinção fundamental entre autoria e
participação.
As diversas figuras da autoria e da participação por referência à lei são as seguintes:
a) Autoria (art. 26º CP)
- Autoria singular;
- Autoria mediata; co-autoria
Figuras que estão previstas no art. 26º CP.
a) Participação criminosa são formas de envolvimento menos grave, pressupõem sempre
um autor e são:
- A instigação corresponde, aquele que dá uma indicação, dá uma ordem a outrem para
que esse outrem cometa um facto ilícito;
- A cumplicidade é o acto de auxílio, de apoio a um facto praticado por outrem.
135. Autoria
A ideia básica que está subjacente a um conceito extensivo de autoria é a da equiparação
causal dos diversos contributos: quem é causa de um facto, ou quem se torna causal por
um facto, é o autor do mesmo.
Este conceito extensivo pode ainda ser visto puramente como um conceito extensivo ou,
de uma forma mais radical, como um conceito unitário, isto é: há quem entenda que se
teria de partir de uma ideia de causalidade; e sempre que ela fosse essencial para o facto
ter-se-ia um autor.
Se porventura alguém fosse causal para o facto, mas o seu contributo não fosse essencial,
já não se teria autor[46].
Esta posição distingue-se de uma outra, também de base causalista, que é mais radical,
que é esta: a partir do memento em que se identifica que alguém é causa, não há
distinções a fazer, todos são autores (trata-se por exemplo do sistema seguindo no direito
austríaco).
O conceito extensivo parte de uma ideia de causalidade, mas há formas radicais de ler
este conceito extensivo:
- Um conceito causal de autor pode ser unitário, e no conceito unitário quem der causa ao
homicídio é autor sempre, independente da distinção que se possa fazer quanto à
essencialidade da causa.
- Num conceito meramente extensivo parte-se duma ideia de causalidade, mas pode-se
fazer distinções consoante o contributo seja essencial ou não seja essencial.
O Código Penal separou claramente os cúmplices dos autores, rejeitando um conceito
unitário de autor.
Se ler-se os arts. 26º e 27º CP vê-se que no art. 27º CP o cúmplice é sempre punido de
uma forma menos grave que o autor, o que é um elemento interpretativo bastante claro no
sentido de se poder dizer que o Código Penal não aceitou uma equiparação total entre os
diversos intervenientes, ou seja rejeitou o conceito unitário de autor.
Por outro lado, pode-se dizer também que rejeita um conceito extensivo de autor, e isto
por duas razões:
1) Porque prescindiu de qualquer referência à causalidade;
2) Porque na perspectiva do Prof. Eduardo Correia, quando os cúmplices prestassem um
contributo essencial seriam autores.
O Código Penal rejeitou um conceito extensivo de autor, porque o conceito extensivo de
autor admitia no fundo uma cisão da cumplicidade. O Código Penal não admite essa
cisão:
- Por referência ao conceito extensivo do autor quem forneça uma arma imprescindível
para a prática do facto ilícito é considerado autor desse facto ilícito;
- Para o Código Penal, quem forneça uma arma é sempre considerado cúmplice, por mais
essencial que seja o contributo.
Ao não admitir esta distinção a cumplicidade essencial e a cumplicidade não essencial o
Código Penal também rejeitou um conceito extensivo de autoria.
136. Conceito causal de autor no sistema comparticipativo
Uma primeira distinção fundamental consiste em distinguir os autores de participantes:
- Os autores dos factos são pessoas que perante o facto têm uma posição mais importante,
mais decisiva;
- Participantes são aqueles que têm um envolvimento mais distante com o facto, isto é,
um envolvimento menos importante.
Esta distinção entre autor e participante, que é uma distinção doutrinária, pode ser
concretizada por referência a diversos critérios, e há fundamentalmente três critérios que
pretendem operar esta distinção entre autor e participante:
1) O critério formal objectivo;
2) As teorias subjectivistas;
3) Os critérios materiais objectivos.
137. Teoria (ou critério) formal objectivista
Diz que o autor é o sujeito que executa a conduta típica. Se a conduta típica é matar, a
questão traduz-se em saber quem é que mata a vítima.
A conduta típica é matar alguém, a teoria formal objectiva diz que quem executa a
conduta típica é que é o autor. Então, tem-se o problema ainda por resolver, porque é
exactamente o problema de saber a quem é que pode ser imputado o facto total quando há
contributos parciais que se tem em mãos na comparticipação criminosa, ou seja, a teoria
formal objectiva supõe que está definido que pretende definir: é a execução da conduta
típica.
A teoria formal não permite dar uma resposta, ou seja, não resolve o problema
fundamental da comparticipação criminosa que é saber, quando existe divisão de tarefas,
como é que essas diversas tarefas são valoradas.
Em rigor, a teoria formal objectiva mais não seria do que a aplicação dos próprios tipos
da parte especial. E por essa razão parece que ela não resolve coisa alguma do ponto de
vista de esclarecer a comparticipação criminosa. O problema fundamental está em saber
como é que se podem valorar certos contributos perante a execução de um facto típico
quando há divisão de tarefas.
Quando há divisão de tarefas, por regra há pessoas que não praticam o facto típico tal
como ele está integralmente descrito, isto é, praticam apenas parcelas daquilo que poderia
ser o facto típico.
Portanto, a teoria formal objectiva é nesta perspectiva uma teoria consideravelmente
inútil. Seria aparentemente respeitadora do princípio da tipicidade, mas mesmo assim não
permitira resolver os casos mais complicados, que seriam sempre os de divisão de tarefas
ou da intervenção de uma pluralidade de pessoas.
138. Teoria subjectivista
A teoria subjectivista distingue-se os autores dos participantes com base na seguinte ideia
fundamental:
- Autor é aquele que tiver “animus auctoris”, ou seja, quem tiver intenção de se envolver
no facto como autor;
- Participante será aquele que tiver “animus socii”, ou seja, de mero envolvimento,
desligado no fundo do próprio facto; tem um envolvimento, mas não tem intenção de se
comportar verdadeiramente como autor.
Esta teoria padece de vários vícios.
O primeiro é um vício de técnica jurídica ou dogmática jurídica que é este: o problema da
comparticipação criminosa é um problema de tipicidade objectiva e traduz-se em saber
como é que certos contributos, que são objectivos, podem ser vistos na valoração de um
facto concreto.
Um outro problema é o da imprecisão das teorias subjectivas. O que é o “animus
auctoris” e que é o animus socii”? A doutrina maioritária nesta sede, que se defendem
estas teorias, reportava-se no fundo ao interesse na prática do facto, mas quando aplicado,
este critério gerou situações perfeitamente bizarras.
Isto subverte completamente o problema objectivo, isto é, o problema da comparticipação
criminosa é um problema de tipicidade objectiva e em função do interesse na prática do
facto subverte-se completamente a postura dos agentes perante a lesão do bem jurídico.
Por outro lado e em terceiro lugar, as teorias subjectivas não têm qualquer apoio legal,
reportam-se a elementos da intencionalidade que não fazem parte dos tipos, sintetizando:
- Em primeiro lugar, são critérios tecnicamente contraditórios porque tentam resolver
problemas de tipicidade objectiva, ou seja, de contributos, com base em critérios
subjectivos;
- Em segundo lugar, são critérios muito imprecisos, mas se identifica bem qual é no
fundo o “animus” relevante;
- Em terceiro lugar, conduz a soluções discrepantes, ou seja, quem tem interesse mas não
pratica o facto é autor; quem pratica o facto mas não tem interesse em rigor não é autor.
139. Critérios materiais objectivos
O critério do Prof. Eduardo Correia é um critério material objectivo, isto é, o conceito
causalista de autor tem uma base material de natureza objectiva: quem presta um
contributo que é essencial ao cometimento do facto é considerado autor.
Na perspectiva do Dr. Costa Pinto o conceito causalista de autor não deve ser aceite, por
duas razões fundamentais.
Em primeiro lugar, o preenchimento do tipo a título de autor depende de factores
completamente aleatórios, porque repare-se: quando se valora um contributo como
essencial ou não essencial, esta essencialidade pode depender de factos que são alheios ao
contributo e que são aleatórios.
Por outro lado, depende de factores completamente aleatórios.
Mas há ainda uma segunda crítica que é mais importante do que esta: é a teoria causalista
do Prof. Eduardo Correia, trata da mesma forma contributos que, de acordo com a
experiência comum, são diferentes.
A tese causalista trata da mesma forma realidades que de acordo com a experiência
comum são diferentes, contudo a teoria causalista uniformiza-os a todos, trata todos da
mesma forma. E nesta medida em que uniformiza realidades que de acordo com a
experiência comum são diferentes, viola o núcleo elementar do princípio da justiça, viola
o princípio da proporcionalidade, as valorações jurídicas não podem ser as mesmas
porque o contributo lesivo de cada um destes actos é diferente.
140. Teoria do domínio do facto
Esta é ainda uma teoria material objectiva.
Ela é formulada pela primeira vez de uma forma mais rigorosa por Welzel. Este autor
considerou, perante nomeadamente a sua concepção finalista, que o autor era a pessoa
que exercia o domínio final do facto, quem não tivesse esse domínio final do facto então
devia ser punido apenas como participante.
Este conceito que foi formulado por Welzel e que foi trabalhado posteriormente por
Roxin tem imensas virtualidades.
O que é o domínio do facto?
A ideia do domínio do facto parte desta ideia fundamental: o autor de um facto ilícito é
aquele que tem o poder de fazer avançar o facto ilícito, isto é, que tem o poder de
provocar a agressão no bem jurídico.
Domínio do facto é portanto um certo poder de fazer evoluir um perigo para um bem
jurídico, mas este poder de fazer evoluir algo significa duas modalidades fundamentais
no domínio, este domínio pode ser positivo ou negativo:
- O domínio do facto é positivo, na perspectiva de Roxin, quando o domínio de fazer
evoluir o facto para a consumação;
- O domínio do facto é negativo, é apenas o domínio de frustrar o avanço para a
consumação.
Roxin retira daqui um ideia extremamente importante: se qualquer pessoa pode ter no
fundo o domínio negativo, isso não caracteriza a autoria, o que caracteriza a autoria é o
domínio positivo do facto.
O que é o domínio positivo do facto?
Para Roxin é dominar a consumação do tipo, isto é, dominar a consumação do facto
ilícito descrito na parte especial.
De acordo com outro autor Bachmann, a única realidade dominável não são os resultados
é o perigo. O perigo sim, é que é uma realidade susceptível de ser dominada, e isto parece
correcto: o objecto do domínio é o perigo.
Por isso pode-se definir o conceito de domínio do facto, ou o conceito e autor, por
referência ao domínio do facto, como o exercício de um domínio positivo sobre o perigo,
ou seja:
- Quem tem o poder de fazer avançar o perigo para o bem jurídico é autor desse facto;
- Quem não detém esse poder, não é autor do facto, poderá ser participante.
Este conceito do domínio do facto aplica-se de forma diferente às diversas modalidades
de autoria, ou seja, em termos gerais é autor quem detém o domínio positivo do facto,
isto é, quem pode fazer evoluir o perigo para o bem jurídico. Mas depois, o domínio
particularizou-se em relação a cada uma das figuras previstas na lei.
141. Modalidades de autoria
a) Autoria material
O autor do facto é aquele que tem o domínio da acção.
Há um aspecto a referir: as figuras da comparticipação criminosa são regras de imputação
do facto a um certo sujeito. Enquanto a teoria da imputação objectiva relaciona uma
acção e um certo resultado, a teoria da comparticipação criminosa (teoria do domínio do
facto) relaciona um certo agente com uma acção.
Nos casos de autoria material o autor do facto ilícito é aquele que tiver materialmente o
domínio da acção típica. Mas estes casos não levantam particulares problemas, porque
quem tem o domínio do acção típica preenche desde logo o tipo da parte especial, em
rigor seria desnecessária previsão de uma situação de autoria material.
Corresponde à primeira proposição do art. 26º CP quando se diz que “é punível como
autor quem executa o facto por si mesmo”, deve entender-se esta expressão como aquele
que no fundo detém o domínio positivo da acção que integra o tipo de ilícito.
b) Autoria mediata
O domínio do facto já se materializa de uma forma diferente vem prevista na segunda
proposição do art. 26º CP e traduz-se naquela situação em que alguém pratica o facto
“por intermédio de outrem”.
Na perspectiva de Roxin significa que a pessoa não tem materialmente o domínio da
acção; mas tem ainda perante o facto uma situação de poder que lhe permite conduzir a
lesão para o bem jurídico.
Qual é a realidade sobre a qual incide esse poder?
Na perspectiva de Roxin é o domínio sobre a vontade do autor material, isto é, nas
situações de autoria mediata há um domínio da vontade que permite no fundo dizer que o
poder que o sujeito detém de fazer evoluir a agressão para um certo bem jurídico é o
domínio que esse sujeito tem sobre a vontade daquele que executa materialmente o facto.
A situação de autoria mediata, portanto, tem esta particularidade: a acção materialmente é
praticada por uma pessoa, mas existe uma outra que está por detrás dela que não
praticando materialmente a acção, tem um poder de conduzir o facto porque domina a
vontade da pessoa que tem poder materialmente sobre a acção.
Esta ideia de utilização, de instrumentalização, é fundamental para as situações de autoria
mediata, porque quem pratica materialmente a acção é instrumentalizado por outrem. E é
nesta instrumentalização que reside o momento do domínio: aquele que instrumentaliza
outra pessoa, levando-a a praticar um facto, detém sobre esse facto um poder que essa
outra pessoa não tem.
Como é que se podem concretizar estas formas de domínio da vontade?
1) Em primeiro lugar, existe domínio da vontade sempre que se verifica uma situação de
indução em erro relevante.
Genericamente pode dizer-se que a indução em erro relevante (aquele no fundo que
inculca o dolo) corresponde a uma situação de exercício do domínio do facto, por
referência ao domínio da vontade.
Quem induz outra pessoa em erro relevante exerce um domínio sobre a vontade dessa
pessoa e portanto o facto que essa pessoa pratica é imputável ao sujeito que a
instrumentaliza.
2) Um segundo conjunto de situações identificado por Roxin traduz-se num domínio
sobre vontades débeis e instrumentalizáveis, como por exemplo as crianças e os
inimputáveis em razão de uma anomalia psíquica.
Nestas situações entende Roxin que quem utiliza uma criança ou um inimputável
(incapaz de culpa genericamente) tem, em função da sua posição de ascendente sobre
essa pessoa, um domínio na possibilidade de conduzir o perigo para o bem jurídico.
Portanto, uma outra forma de praticar o facto através de outrem, ou instrumentalizando
outrem, é utilizar alguém que tenha uma vontade débil e que pode ser conduzida perante
o ascendente de outra pessoa: inimputáveis em razão da idade, pessoas que actuem sem
consciência da ilicitude ou inclusivamente alguém que seja inimputável por anomalia
psíquica.
3) Um terceiro grupo traduz-se nas situações de coacção psicológica irresistível
Roxin identificou um terceiro leque de situações que correspondem ao exercício do
domínio da vontade quando alguém exerce sobre outrem uma coação psicológica
irresistível.
Estes três conjuntos de situações:
- Situações de indução em erro relevante;
- Situações de utilização de inimputáveis, ou de vontades débeis ou instrumentalizáveis;
- Situações de coacção psicológica irreversível.
Conduzem a que o facto materialmente praticado pelo executor material seja atribuído,
imputado ao autor mediato, àquele que no fundo detém o domínio da vontade do executor
material. Roxin cria além disso, um quarto grupo de situações de autoria mediata: são
situações em que alguém exerce um domínio da vontade dentro de um aparelho
organizado de poder.
A ideia fundamental de Roxin traduzir-se-ia em identificar situações em que a cadeia
hierárquica entre várias pessoas era de tal forma forte que quem praticava materialmente
a acção em rigor praticava-a, mas essa acção era de outrem.
Importa frisar que nestas situações de autoria mediata, a figura é sempre uma figura
dolosa, e é dolosa por várias razões:
- Sendo uma extensão do tipo da parte especial, se o tipo é doloso a extensão também
será dolosa;
- Por outro lado a ideia de domínio do facto é incompatível com uma atitude negligente.
A ideia de domínio pressupõe consciência e vontade para que se possa no fundo dirigir o
perigo.
A Profa. Teresa Beleza diz que a teoria do domínio do facto é incompatível com os
crimes negligentes, e que, por outro lado, nos crimes negligentes é completamente
desnecessária a teoria do domínio do facto.
c) Co-autoria
Nestas situações tem-se uma repartição de funções em que existe, por parte de cada um
dos co-autores, um domínio funcional do facto, isto é, de acordo com o contributo que
presta, o sujeito, pelo papel que tem, pela função que desempenha dentro do plano, detém
um domínio funcional do facto.
A co-autoria está prevista na terceira proposição do art. 26º CP quando se diz “toma parte
directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros”.
Um dos elementos da co-autoria é um elemento de carácter misto, que é o acordo, ou
seja, para existir co-autoria é necessário que exista uma acordo, este é uma concertação
de vontades para a prática do facto; pode ser uma decisão conjunta prévia, ou pode ser
uma decisão no momento da prática do facto.
Esta concertação de vontades existe na co-autoria e não existe na autoria mediata:
- Na autoria mediata existe uma vontade de dirigir o facto por parte do autor mediato,
mas não há concertação de vontades;
- Na co-autoria há esta concertação de vontades.
Portanto, é necessário um acordo, este pode ser:
- Prévio ao facto;
- Ou pode ocorrer no momento da prática do facto.
Pode ser por outro lado:
- Expresso;
- Tácito.
O que é necessário é que exista um acordo que se traduz nesta concertação de vontades
para a prática do facto.
142. Tomar parte directa na execução
É um elemento de natureza objectiva muito importante, ou seja, é necessário que exista
um acordo mas não basta esse acordo.
O que é tomar parte directa na execução?
Supõe em primeiro lugar, um certo envolvimento presencial no facto que está em causa.
Como é esse acto? Como é que ele se deve delimitar?
A Profa. Conceição Valdágua entende que tomar parte directa na execução, ou seja, o
contributo típico do co-autor tem que ser um contributo também identificado em termos
de tipicidade. Portanto, isto supõe duas referências fundamentais:
- Primeiro, que exista uma execução em curso;
- Segundo, que tome parte directa nela.
São duas referências fundamentais para definir o contributo do co-autor, repare-se
porquê:
- É possível alguém ter alguém envolvimento numa execução sem tomar parte dela;
- Por outro lado, pode alguém tomar parte num facto ou num plano sem estar a participar
na execução.
A co-autoria no fundo tem uma baliza objectiva que é a execução do facto pelos autores,
e o acto típico do co-autor é o acto de tomar parte directa numa execução em curso.
E em que consiste tomar parte directa?
A Profa. Conceição Valdágua entende que para se respeitar o princípio da tipicidade em
matéria de responsabilidade dos diversos agentes, tomar parte directa tem que ser um
contributo minimamente típico, tem que ser um contributo que esteja pelo menos previsto
no art. 22º/2-c CP. Isto é, tem que ser um acto que faça supor que a seguir será praticado
o acto de execução, mas repete-se, tem que estar em curso uma execução.
Ora, tem que existir, para haver co-autoria, esta coincidência entre o momento do acto do
co-autor de tomar parte directa e a execução em curso:
- Se for antes da execução tem-se cumplicidade;
- Se for depois da execução, porventura o comportamento também apenas se poderá
reconduzir à cumplicidade.
A co-autoria não é sempre a mesma, ou seja, há modalidades diferentes de co-autoria.
O co-autor não detém o domínio total do facto, mas detém uma parcela importante do
domínio por referência a um poder sobre o seu contributo, isto é, o co-autor detém
realmente o domínio positivo do facto seu contributo: depende dele praticar ou não
praticar aquele acto de envolvimento; mas não detém o domínio global do facto, a sua
função é extremamente importante.
Há situações de co-autoria em que o envolvimento é mais forte, distinguindo
nomeadamente a chamada co-autoria complementar das situações de co-autoria
dependente.
a) Co-autoria complementar: os agentes que actuam não detêm totalmente o domínio do
facto, detêm-no de uma forma repartida;
b) Co-autoria dependente: alguém pratica um acto de domínio, mas esse domínio é
limitado, não está repartido com outras pessoas.
Portanto:
- Enquanto nos casos de co-autoria complementar os domínios dependem um do outro;
- Nos casos de co-autoria dependente o co-autor não tem verdadeiramente o domínio do
facto, apenas tem o domínio do contributo que presta.
Esta distinção é relevante, porque conduz a regimes de desistência diferentes:
- Os co-autores complementares desistem nos termos do art. 24º CP;
- Os co-autores dependentes desistem nos termos do art. 25º CP.
143. Formas de participação
As formas de participação são formas de envolvimento no facto em relação às quais não
se identifica no participante um momento de domínio, isto é, o participante é um sujeito
que contribui para um facto, mas não detém o domínio do facto, este domínio depende do
autor.
A participação caracteriza-se por o participante não ter o domínio do facto ilícito, apenas
tem o domínio do seu contributo.
As figuras da participação criminosa são a instigação e a cumplicidade.
- O instigador é aquele sujeito que de acordo com o art. 26º in fine CP determina outrem
à prática de um facto;
- O cúmplice é o agente que presta auxílio material ou moral à prática do facto.
Se o fundamento da responsabilidade dos participantes não é o domínio do facto, terá que
ser algo novo; qual é esse fundamento?
De acordo com o Código Penal é o princípio da acessoriedade limitada, ou seja, os
participantes são responsáveis não porque praticam um facto, mas porque prestam um
contributo para o facto.
Esta acessoriedade é limitada neste sentido: para existir responsabilidade do participante
é preciso que o autor material pratique um facto com algumas características. Que
características são essas?
Em parte estão referidas no art. 26º CP: é necessário que haja execução do facto ou
começo de execução. Para além disso, a doutrina divide-se em saber que características
devem ter esse facto: se tem que ser um facto típico, se tem que ser típico e ilícito, se tem
que ser típico, ilícito e culposo ou se, de uma forma externa, terá que ser típico, ilícito,
culposo e punível.
O Código Penal aponta para o princípio da acessoriedade limitada, isto é, o facto
praticado pelo autor material tem que ser típico e ilícito, e isto é suficiente para
responsabilizar o participante.
Da conjugação de três elementos retira-se que o facto tem que ser típico e ilícito:
1) Do conceito de execução: a responsabilidade dos participantes depende sempre de
execução por parte do autor;
2) Da existência do art. 28º CP: demonstra que o grau de ilicitude se comunica entre
participantes;
3) Do art. 29º CP: o que está para além da ilicitude, ou seja, a culpa e a punibilidade é
ponderado em termos pessoais.
Em matéria de comparticipação criminosa, quando existe uma causa de exclusão da
ilicitude, ela aproveita a todos.
Quer da instigação, quer da cumplicidade, dependem sempre desta execução de um facto
típico e ilícito por parte de terceiro, por parte do autor. O que significa que no sistema
português, não existe punição da cumplicidade tentada e também não existe punição da
instigação tentada.
144. Teoria da acessoriedade limitada (art. 28º CP)
O Código Penal em matéria da comparticipação criminosa distingue as figuras de autoria
e de participação. Claramente, há uma distinção entre cumplicidade e autoria, embora,
atendendo ao critério do domínio do facto, entenda que a instigação é também uma forma
de participação e não de autoria, neste sentido pode-se dizer que:
- Autores são o autor material, mediato e os co-autores que dependentes, quer
complementares;
- Participantes, tem-se os instigadores e os cúmplices, morais ou materiais.
A punibilidade da participação e dos participantes é sempre acessória da prática, pelo
autor, de um facto típico e ilícito. Nisto consiste a teoria da acessoriedade limitada, ou
seja, se o autor material pratica um facto que é típico, mas que está justificado, é evidente
que não há razão para punir o participante, seja ele instigador ou cúmplice.
Para se poder punir o participante é preciso que o(s) autor(s) tenha praticado um facto
típico e ilícito, já não se exige que o autor tenha praticado também um facto culposo. E
isto porque a culpa, conforme resulta do art. 29º CP é um juízo individualizado de
censura, efectivamente, o autor material pode praticar um facto típico e ilícito, mas
beneficiar de uma causa de exclusão da culpa, ou de uma causa de desculpa e acabar por
não ter responsabilidade jurídico-penal, enquanto que o participante, se não beneficiar
dessa causa de exclusão ou de desculpa será punido.
Assim, por hipótese se o autor material de um facto ilícito estiver a actuar ao abrigo de
um estado de necessidade, ou direito de necessidade subjectivo ou desculpante, ele
pratica um facto típico e ilícito, simplesmente, beneficia desta causa de desculpa e não
tem responsabilidade jurídico-penal, porque é desculpado. O participante, seja ele
cúmplice ou instigador, se não beneficiar dessa causa de desculpa, como o autor praticou
um facto típico e ilícito isso é suficiente para o responsabilizar criminalmente como
participante daquele facto.
Quando para o preenchimento de um tipo se exige uma qualidade específica do agente,
ou se exige que o autor tenha uma determinada relação com outra pessoa, esse é um
crime específico, mas sê-lo-á em sentido próprio se essa incriminação só existir para
aquele tipo de autor tipificado pela lei, aquele autor que tem essa qualidade ou essa
relação exigida pela própria tipicidade; sê-lo-á em sentido impróprio quando a norma
incriminadora em sede de tipicidade exija uma qualidade ou uma relação específica para
um agente, mas contenha uma incriminação paralela para todas as outras pessoas.
Nos crimes específicos (em sentido próprio ou impróprio) muitas vezes o grau de
ilicitude depende de determinadas qualidades ou de determinadas relações específicas do
agente.
Diz a lei, nos casos de se tratar de um crime específico em sentido próprio ou de um
crime específico em sentido impróprio, que basta que um dos comparticipantes tenha essa
qualidade ou que esteja nessa relação exigida pelo tipo, para o grau de ilicitude se
comunicar aos restantes comparticipantes, eles sim que não têm a qualidade ou que não
se encontram numa relação específica pelo tipo. Sendo assim, interessa delimitar o campo
do art. 28º/1 CP.
Em primeiro lugar, essa relação específica ou essas qualidades podem resultar de vários
factores:
1) Podem resultar de um elemento que tem em conta uma relação familiar, uma relação
de parentesco próximo;
2) Pode resultar de um elemento atido a relações de aspecto profissional;
3) Pode resultar ainda da prática esporádica de actos isolados.
Em situações de comparticipação, quando o grau de ilicitude depender de uma qualidade
ou duma relação específica, basta que ela se verifique num só comparticipante, para o
tipo pode ser aplicado a todos.
Nos termos do art. 28º CP basta que um dos participantes tenha a qualidade exigida pelo
tipo, para o poder tornar extensível aos demais.
Há aqui a chamada inversão da acessoriedade, que é feita dos participantes para os
autores materiais.
De que forma se podem comunicar essas circunstâncias?
Pode haver comunicação de circunstâncias:
- Entre co-autores;
- Do participante (seja ele cúmplice ou instigador) para o autor;
- Entre participantes.
Todas as figuras da comparticipação são figuras dolosas e são, também, extensões da
tipicidade. Como há uma extensão da tipicidade sendo a responsabilidade jurídico-penal
dolosa, o dolo tem que se estender a todo o tipo, por conseguinte, o comparticipante tem
de conhecer também dolosamente todos os elementos do tipo que fundamentam uma
agravação da ilicitude.
O grau de ilicitude e a comunicação de circunstâncias verifica-se também do participante
para o autor, também entre participantes pode haver esta comunicação de circunstâncias.
Nos tipos qualificadores e quando o grau de ilicitude varia no sentido de uma agravação,
a doutrina está toda de acordo em que haja uma comunicação das circunstâncias. Quando
o grau de ilicitude varia, no âmbito dos crimes específicos em sentido próprio ou
impróprio, no sentido de atenuar a responsabilidade penal (no sentido de privilegiar), já a
doutrina não concorda que se possam comunicar essas circunstâncias, nestes termos, é de
notar também segundo o entendimento da Prof. Teresa Beleza, que também nos tipos
privilegiados o grau de ilicitude e a comunicação das circunstâncias funcionar.
Neste sentido pode dizer-se que a acessoriedade limitada não funciona nos mesmos
termos no âmbito dos priviligiamentos e das qualificações.
145. Situações de erro sobre o estatuto do participante
Uma pessoa pode estar absolutamente convencida que está a instrumentalizar a vontade
de outra pessoa e portanto, pode estar convencida que está a ser autora mediata de um
crime, quando na realidade não está a instrumentalizar vontade nenhuma porque essa
pessoa pura e simplesmente não se deixa instrumentalizar. No fundo então o que se fez
foi determinar a outra pessoa à prática do crime (portanto é instigador).
Assim, quando o agente julga que está numa situação de autoria mediata, mas na
realidade está numa situação de instigador[47], como é que vai ser responsabilizado?
Vai-se responsabilizar esta pessoa por aquilo que ela conseguiu fazer: pela instigação.
Por outro lado, também é concebível distinguir estas situações:
- Enquanto que a tentativa de participação não é punível;
- Já a participação na tentativa é punível, isto é, basta que o autor pratique um acto de
execução com a intenção dolosa de cometimento de um crime, para que exista, para ele,
punibilidade por facto tentado.
Assim sendo, também para os participantes haverá essa punibilidade, a tentativa é um
facto típico e ilícito (é possível ser punido por tentativa) e o participante vê a sua
responsabilidade moldada no facto típico e ilícito praticado pelo autor.
Portanto: enquanto as tentativas de participação não são punidas, já a participação tentada
é punida.
Simplesmente, em termos de participação, os cúmplices, nos termos do disposto no art.
27º/2 CP são punidos com pena aplicável ao facto praticado pelo autor especialmente
atenuada (atenuação obrigatória).
Então, se o facto do autor for um facto tentado, o cúmplice beneficia de uma dupla
atenuação obrigatória:
- Atenuação da pena por ser cúmplice (art. 27º/2 CP);
- Atenuação da pena também obrigatória por facto tentado (art. 23º CP).
Diz a doutrina que estas situações de erro do autor material funcionam em relação ao
participante (instigador) como se de uma verdadeira “aberratio ictus” se tratasse.
Quando o instigador instrumentaliza ou quando o autor mediato dirige a sua acção para
um determinado facto, em relação a uma determinada pessoa, e o executor material ou o
autor material estão numa situação de erro sobre a identidade da vítima, tudo se passa
para o autor material ou para o instigador como se de uma verdadeira “aberratio ictus” se
tratasse.
[46] Posição do Prof. Eduardo Correia.
[47] Porque o que ele consegue é determinar o autor material à prática do facto.
PUNIBILIDADE
146. Introdução
Esta última categoria analítica do facto punível pode ser vista em duas perspectivas.
Punibilidade em sentido amplo que são todas as condições que concorrem para
fundamentar uma responsabilidade jurídico-penal do agente. Por isso é que se diz que
acção, tipicidade, ilicitude e culpa são categorias analíticas da punibilidade.
E depois, punibilidade em sentido estrito ou condições de punibilidade. Dentro das
condições de punibilidade, vê-se que elas só têm um elemento comum, embora surjam
com várias designações e com várias fundamentações, elas estão ligadas por um elemento
comum, que é uma ideia negativa: são condições que se verificam mas que se situam
fora, para além destas categorias de tipicidade, de ilicitude e de culpa. É algo exterior a
essas categorias. Mas são condições de punibilidade que concorrem para fundamentar
concretamente uma responsabilidade jurídico-penal do agente.
147. Condições objectivas de punibilidade
Estas condições dividem-se em dois grupos:
1) Condições positivas de punibilidade: são aquelas que se têm de verificar, que têm de
existir para que o agente seja punido;
2) Condições negativas de punibilidade: são aquelas que não se podem verificar para que
o agente seja punido.
148. Condições positivas de punibilidade
Uma condição objectiva de punibilidade é a propósito da punibilidade do facto tentado,
ou sejam, a tentativa regra geral, só é punível se ao facto consumado corresponder uma
pena superior a três anos de prisão.
Portanto, pode haver tipicidade do facto tentado e essa tentativa ser ilícita e culposa; mas
faltar a condição objectiva de punibilidade que é o crime consumado ter uma moldura
penal superior a três anos.
É condição objectiva de punibilidade por facto tentado que o crime, a ter sido
consumado, tivesse uma pena superior a três anos, a não ser que a lei diga expressamente
o contrário (art. 23º CP).
Ainda se tem dentro das condições positivas de punibilidade por exemplo o art. 25º CP
que se refere à aplicação da lei portuguesa a factos praticados no estrangeiro, em sede de
algumas alíneas, é condição de aplicabilidade da lei penal portuguesa o facto de o agente
ser encontrado em Portugal.
Outra condição é o crime de participação em rixa, em que o tipo do ponto de vista
objectivo e subjectivo está preenchido a partir do momento em que uma pessoa toma
parte numa rixa de duas ou mais pessoas, contudo, esse facto típico poderá não ser
punível, para o ser, é necessário que dessa rixa resulte a tal ofensa corporal grave ou a
morte, isso é uma condição objectiva de punibilidade.
149. Condições negativas de punibilidade
São aquelas condições ou circunstâncias que não podem verificar-se sem que o agente
seja punido[48] não obstante o agente ter praticado uma acção típica, ilícita e culposa.
1) Causas de isenção da pena
Têm diferentes fundamentos e podem ser causas de isenção pessoais ou materiais:
- São causas de isenção pessoais, aquelas que se ligam à própria pessoa do agente;
- E materiais as que se ligam ao facto praticado.
Para alguns autores a desistência é uma causa pessoal de isenção de pena. Para outros, a
desistência não é vista na pessoalidade e portanto não será uma causa pessoal, mas tem a
ver com o próprio facto, portanto uma causa material de isenção.
Qual é o fundamento da desistência?
Alguns autores, nomeadamente Roxin não Vêem a desistência uma causa de isenção de
pena, portanto fazendo parte da punibilidade em sentido estrito, mas vêem-na como uma
causa de exclusão de culpa.
Mas há autores que dizem que o que fundamenta este regime da desistência da tentativa e
de ficar impune dessa tentativa de que o agente voluntariamente desistiu é algo diferente.
Existem várias teorias, desde logo a teoria primial que diz que por uma razão de política
penal (ou criminal) o facto de o agente saber que desistindo voluntariamente da tentativa
do crime que decidiu cometer não será punido, isso funciona em relação a ele como um
prémio e leva-o a auto-suspender a execução do crime, logo, fará diminuir a
criminalidade, ou fará diminuir o número de crimes.
De qualquer forma, e por uma razão da teoria dos fins das penas, justifica-se a não
punição da desistência voluntária da tentativa, porque quer da óptica da prevenção geral,
quer da óptica da prevenção especial, não existem razões para responsabilizar
criminalmente alguém que acabou por voluntariamente desistir da prática de um crime.
Portanto, do ponto de vista da prevenção geral e mesmo da prevenção especial, se a
pessoa por si própria, voluntariamente, desistiu de prosseguir na execução criminosa, não
há fundamento para se responsabilizar criminalmente o agente.
Quanto à desistência e dentro dos autores que consideram que a desistência se filia em
sede de punibilidade em sentido estrito como causa de isenção da pena:
Uns autores, vêem a desistência com um enfoque objectivo no facto praticado, ou seja, o
agente já está a praticar actos de execução de um crime que decidiu cometer, mas auto-
suspende a execução, ou evita a consumação, e neste sentido a valoração é o aspecto
positivo da actuação fáctica, ou seja, o não desenvolvimento, a não prossecução de actos
lesivos do bem jurídico tutelado pela norma penal, e nesse sentido fazem entroncar a
desistência como uma causa de isenção material.
Outros autores, mediante o carácter voluntário da desistência, dizem que é relativamente
à pessoa, o mérito da pessoa que de alguma forma resolve auto-suspender a execução; ou
tendo já desenvolvido toda a execução evita a consumação típica. Consequentemente
atiram a desistência para uma causa de isenção pessoal da pena.
2) Causas de extinção da responsabilidade jurídico-penal
Uma causa de extinção da responsabilidade jurídico-penal é a morte do autor do facto.
Neste sentido, como a responsabilidade penal é pessoal e intransmissível, não há
possibilidade de fazer um incidente de habilitação de herdeiros, e, consequentemente,
morto o autor do facto, cessa a responsabilidade jurídico-penal, ela não é transmissível
por morte.
Para além da morte do autor (do agente da infracção) existem outras causas de extinção
da responsabilidade jurídico-penal:
- Prescrição do prazo do procedimento criminal;
- Caducidade do exercício do direito de queixa, no âmbito dos crimes semi-públicos e
particulares;
- Prescrição da pena.
3) Condições de procedibilidade (ou procedência) criminal
No âmbito das condições de procedibilidade também relevam alguma irresponsabilidade
do agente em sede de punibilidade em sentido estrito, ou seja, tudo aquilo que está para
além da prática, pelo agente, de uma acção típica, ilícita e culposa.
Em processo penal, ao distinguir a natureza dos crimes, entre crimes semi-públicos e
particulares, que nestes dois últimos é necessário para o desenvolvimento e prossecução
do processo criminal:
- Nos casos dos crimes particulares, queixa e acusação;
- Nos casos dos crimes semi-públicos, a queixa.
São estas as condições de procedibilidade do processo criminal, que culmina com a
prática de uma efectiva punição. Assim, se quem é titular do direito de queixa não quer
exercer esse direito, então não é pelo facto de o agente ter praticado um facto típico,
ilícito e culposo que ele vai ser punido, porque efectivamente falta uma condição de
procedibilidade.
[48] Se se verificarem, o agente não é punido.
TENTATIVA E DESISTÊNCIA
150. Introdução
O art. 22º CP define a tipicidade do facto tentado.
As regras da tentativa, à semelhança das regras de comparticipação criminosa, são regras
de extensão da tipicidade.
É facto penalmente relevante tanto o facto consumado como o facto tentado.
As regras da tentativa são regras acessórias, não há tentativa de nada, existem sempre
tentativas de factos tipificados na lei: tentativas, de furto, de homicídio, etc.
A tentativa é sempre dolosa não existem no direito penal a situação do facto tentado
negligente.
151. Tentativa como forma de extensão da tipicidade do facto
Interessa em primeiro lugar, caracterizar aquilo que se chama “inter criminis”ou o
caminho do crime.
Não é mais do que a progressão que na generalidade dos casos acontece e que vai desde a
decisão criminosa até à prática de actos preparatórios, passando pela execução do próprio
crime até culminar na consumação.
É perfeitamente concebível:
- A pessoa adoptar ou afirmar uma decisão criminosa: a pessoa pensa em cometer o
crime;
- Depois pratica actos preparatórios: que são actos que se destinam de alguma forma a
facilitar a execução do crime decidido pelo agente;
- Até que progride para a própria execução.
E consoante o agente leve a execução até ao fim ou não, consoante se tenha uma situação
de execução acabada ou de execução inacabada, poder-se-á verificar se o resultado típico
desejado pelo agente se verifica ou não, isto é, se desemboca essa execução numa
consumação, pelo menos formal.[49]
Com que critérios e quando é que a tentativa é punível?
A regra geral é a da impunidade “nuda cogitatio” ou da decisão criminosa não
exteriorizada materialmente em actuações.
Significa isto que o que é objecto de responsabilização jurídico-penal não são os
pensamentos, não são os sentimentos das pessoas não exteriorizados materialmente, na
prática.
Em primeiro lugar, porque o nosso direito penal é tendencialmente um direito penal do
facto e não um direito penal do agente, o direito penal responsabiliza sim os agentes, mas
precisamente porque eles praticaram factos ilícitos tipificados na lei.
Por outro lado, por uma razão de política criminal, não faria sentido punir-se a mera
decisão criminosa não exteriorizada na prática material de actos, porque então se a pessoa
que tivesse tão só manifestado a sua intenção de cometimento do crime fosse
responsabilizada, então ela nunca se auto-suspendia, levava mesmo o crime para a frente.
Ao passo que, se de alguma forma ela sabendo que mesmo que tenha exteriorizado essa
intenção tão só por palavras não é punida, pode ainda auto-suspender-se, precisamente
porque essa “nuda cogitatio” não é punida.
152. Actos preparatórios
O art. 21º CP diz que, regra geral os actos preparatórios não são puníveis.
Esses actos preparatórios visam a facilitação da execução do crime não são em princípio
punidos. Mas já os actos de execução que em sede do art. 22º CP integram a tipicidade da
tentativa, dão lugar a responsabilização jurídico-penal.
Há uma importância prática na distinção entre o que são os actos preparatórios e o que
são já actos de execução:
- Enquanto os actos de execução preenchem o tipo da tentativa e podem levar à
responsabilização;
- A regra geral é que de actos preparatórios não se responsabiliza o seu autor.
Portanto, a diferença se é o acto preparatório ou de execução é extraordinariamente
importante.
O art. 21º CP diz que “os actos preparatórios não são puníveis, salvo disposição em
contrário”.
A regra geral é a impunidade dos actos preparatórios. As excepções podem revestir duas
formas:
1) Ou a lei penal incrimina autonomamente como um tipo de ilícito novo, actos que
normalmente são actos preparatórios mas têm uma incriminação autónoma;
2) Ou então por uma remissão pura e simplesmente genérica: “quem tentar matar o chefe
de Estado…” já e responsabilizado criminalmente, e aí a preparação é punida.
A distinção entre actos preparatórios e actos de execução é sempre feita em concreto, são
actos preparatórios ou de execução por referência a um crime concreto.
Os principais critérios de distinção entre actos preparatórios e actos de execução:
- Critério formal objectivo;
- Critério material objectivo;
- Critérios subjectivistas
O actos que não estiverem incluídos no art. 22º/2 CP são actos preparatórios.
a) Critério formal objectivo
São actos de execução os que correspondem à definição legal de um tipo de crime.
O critério formal objectivo dizendo que são actos de execução, aqueles que
correspondem à definição legal de um tipo de crime, faz com que acto de execução seja
desde logo o exercício da subtracção: a pessoa tirar a coisa e levá-la consigo.
As dificuldades surgem no âmbito da insuficiência do critério formal objectivo, é quando
os tipos legais de crime não pormenoriza, ou só muito genericamente fazem referência à
conduta típica.
b) Critério material objectivo
São actos de execução adequados a causar o resultado típico ou os que procedem (ou
antecedem) segundo a experiência comum, actos adequados a produzir o resultado típico,
assim são actos de execução:
- Os actos idóneos a causarem o resultado típico;
- Ou aqueles que, segundo a experiência comum, são de molde a fazer esperar que se lhes
sigam actos idóneos a produzir o resultado típico.
c) Critérios subjectivos
Estes critérios vêm dizer que actos de execução são todos os actos praticados em função
de uma decisão definitiva e incondicionada por parte do agente, ou seja, a partir do
momento em que o agente tem uma decisão definitiva e incondicionada de praticar o
crime, tudo o que, ele faz a seguir a essa decisão inabalável são actos de execução.
Este critério subjectivo é susceptível de várias críticas porque faz muitas vezes depender
a qualificação de actos de execução de circunstâncias que dependem do próprio agente,
mas de alguma forma qualificada diferem actos idênticos.
O Código Penal tenta resolver estes problemas de separar a preparação, não punível regra
geral, da execução, integrando-a já na tentativa e consequentemente implicando
responsabilidade jurídico-penal, dizendo que nos termos das várias alíneas do art. 22º/2
CP se consideram actos de execução:
a) Os que preenchem um elemento constituído de um tipo de crime é no fim de contas o
critério formal objectivo que aqui se encontra;
b) Os que são idóneos a produzir o resultado típico é o critério material objectivo;
c) Os que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, são de
natureza a fazer esperar que se lhes sigam actos das espécies indicadas nas alíneas
anteriores.
Nesta última alínea consagra-se também a experiência comum em sede de um critério
material objectivo para a determinação de actos de execução e que faz apelo à chamada
doutrina ou teoria da impressão, ou seja, para a generalidade das pessoas é previsível, no
sentido de que é evidente que, salvo situações anormais e processos imprevisíveis, após
aquela actuação seja de esperar a prática de actos formal ou materialmente espelhados
nas alíneas a) e b).
153. Tipo da tentativa
A tipicidade do facto tentado é composta por três elementos:
1) Elemento positivo e objectivo: actos de execução (alíneas do art. 22º CP);
2) Elemento de natureza objectiva, mas de conteúdo negativo – não obstante a prática de
actos de execução, não se pode verificar o resultado típico[50].
3) Tem também de existir um elemento subjectivo e positivo – o agente tem de praticar
esses actos de execução de um crime que decidiu cometer (tem de haver a decisão
criminosa de consentimento do facto), tem de existir dolo em qualquer das suas formas.
154. Desistência voluntária
Fala-se em desistência se o autor, numa tentativa, desistir voluntariamente dela, e isto
acontece quando o agente no âmbito de uma tentativa inacabada ou incompleta auto-
suspende o acto subsequente de execução, o agente desiste e não tem responsabilidade
jurídico-penal.
Ou aquelas situações, em que a tentativa já é acabada, porque já foram praticados todos
os actos de execução, e então, para desistir relevantemente deve impedir a consumação
típica.
Mas nos termos do art. 24º CP ainda é possível uma situação de desistência depois da
consumação, porque se diz que há desistência quando “…não obstante a consumação,
impedir a verificação do resultado não compreendido no tipo de crime”.
Isto aplica-se fundamentalmente aos crimes formais, mais concretamente os crimes de
resultado parcial ou crimes de intenção.
A tentativa deixa de ser punível quando o agente voluntariamente desiste.
Klaus Roxin vem dizer que a desistência voluntária da tentativa se deve entender
fundamentalmente no plano lógico da execução do crime.
A desistência, para ser voluntária, tem de aferir-se dentro do plano lógico da execução
criminosa do agente, pela contrariedade a esse plano, tem de contrariar precisamente esse
plano lógico de actuação criminosa, ou seja, o agente auto-suspende a execução do crime
voluntariamente, portanto não é coagido por terceiro, por motivação propriamente
internas ou externas, de natureza pessoal ou outra.
Para que se possa falar em desistência voluntária tem que se verificar um abandono da
execução criminosa dentro do quadro lógico traçado inicialmente pelo agente.
155. Fundamento da isenção da pena
Há quem veja no agente que desiste voluntariamente da tentativa razão em não o punir,
por uma razão de política penal, no sentido de uma teoria premial.
Se o agente sabe que se tentar, mas desistir voluntariamente da tentativa não será punido,
quando estiver a praticar o facto ainda pode auto-suspender-se, e isso, poderá conduzir a
uma diminuição da criminalidade, ou então por razões que têm a ver com os fins das
penas: se o agente por si, voluntariamente, voltou ao bom caminho, não existem dentro
dos fins das penas (prevenção geral ou especial), razões para aplicação de uma pena.
O art. 24º CP para efeitos de desistência, distingue três situações:
1) A situação de tentativa incompleta: o agente pode desistir voluntariamente através de
uma omissão, basta que se abstenha de praticar o subsequente acto de execução.
2) As situações da tentativa acabada ou completa: o agente praticou todos os actos de
execução, mas ainda pode desistir voluntariamente se impedir a consumação, aqui já não
basta uma atitude passiva, uma omissão dum acto de execução posterior, mas é
necessário que o agente de alguma forma promova um comportamento no sentido de
evitar o resultado.
3) “Não obstante a consumação, impedir a verificação do resultado não compreendido no
tipo de crime (art. 24º/1 CP): pensado basicamente para os crimes formais, em que a
consumação material e a consumação formal não são coincidentes.
156. Punibilidade da tentativa
A regra geral (art. 23º CP) é a de que a tentativa é punida tão só quando ao crime, a ser
consumado, corresponda uma moldura penal superior a três anos de prisão a regra é de
que nem todas as tentativas são puníveis.
Exceptuam-se os casos em que a lei disser o contrário.
Por outro lado, a tentativa é punida de forma diferente relativamente ao facto consumado.
A pena aplicável ao facto tentado é aquela que corresponda ao facto consumado, mas
obrigatoriamente especialmente atenuada, há uma atenuação que não é facultativa, mas
sim obrigatória, da pena, em matéria de facto tentado.
157. Tentativa impossível
Esta é o reverso da medalha do erro sobre o facto típico: um é um erro por defeito e o
outro é um erro por excesso.
As situações de tentativa impossível são aquelas situações em que o agente quer um
determinado resultado, mas esse resultado objectivamente não é possível verificar-se
porque existe uma inaptidão do meio empregue, ou porque inexiste o objecto, ou porque
o agente não tem a qualidade típica exigida para o preenchimento do tipo.
Se para a generalidade das pessoas e dentro de uma filiação duma teoria da impressão, for
visível for evidente, for retinto que aquele meio (usado para praticar o facto) é um meio
inepto, então há uma tentativa impossível, que não é punível.
Em conclusão: em princípio a tentativa impossível só não é punível quando existir uma
manifesta ineptidão do meio empregue ou quando for evidente, em termos de ser
manifestamente evidente a inexistência do objecto, ou quando for manifestamente claro
que a pessoa não tem a qualidade exigida pelo tipo. Daí que se possa falar em tentativa
impossível em relação ao:
- Meio;
- Objecto;
- Agente.
[49] A consumação formal e material podem não coincidir, e normalmente não coincidem
nos chamados crimes de intenção ou de resultado parcial.
[50] Porque se se verificar esse resultado típico, não se estará em sede de tentativa, mas
em sede de consumação.
HOMICÍDIO SIMPLES
1. Introdução
O crime de homicídio descrito no art. 131º CP constitui o tipo legal fundamental dos
crimes contra a vida.
É a partir deste tipo legal fundamental que a lei edifica os restantes tipos de crimes contra
a vida, ora qualificando-o, ora privilegiando-o, ora especializando as formas de ataque ao
bem jurídico ou tipo subjectivo de ilícito e o tipo de culpa congruente.
O bem jurídico protegido pelo homicídio, não é simplesmente a vida humana, mas, mais
rigorosamente, a vida de pessoa já nascida.
É a Constituição a impor a defesa da vida humana. O direito à vida funda-se na norma
constitucional que consagra a sua inviolabilidade e proíbe a pena de morte (art. 24º/2
CRP). Decorre da consagração deste direito o comando ao legislador ordinário para que
incrimine o homicídio e os comportamentos perigosos para a vida alheia mais relevantes.
2. O tipo objectivo de ilícito
O tipo objectivo de ilícito do homicídio consiste em matar outra pessoa. Atrás desta
aparente simplicidade esconde-se uma série de problemas dos mais complexos e de difícil
e contestável solução com que depara a doutrina do direito penal; e não só do direito
penal ou mesmo do direito, senão que de todo o pensamento filosófico e científico que
tem a ver com o homem.
3. O início da vida ou início da vida extra-uterino
Duas teses se apresentam como possíveis e têm, na verdade, sido defendidas na literatura
jurídico-penal. Segundo uma dessas teses a vida começaria, tal como para o direito civil é
prescrito pelo art. 66º/1 CC, com a completação do processo de nascimento (o
“nascimento completo e com vida”). Segundo uma outra tese a protecção dispensada
pelo crime de homicídio iniciar-se-ia não com a conclusão, mas pelo contrário com o
início do acto de nascimento.
A vida relevante para efeitos de homicídio ou de crimes de perigo para a vida do capítulo
I é a vida extra-uterina.
O momento de início da vida verifica-se quando se iniciar contracções ritmadas,
intensas e frequentes que previsivelmente conduzirão à expulsão do feto.
A capacidade de vida autónoma do feto não é pressuposto da qualidade de pessoa para
efeito de integração do tipo objectivo de ilícito. Suficiente é que a criança, no referido
momento inicial do nascimento, esteja viva. Por isso o crime de homicídio é possível
relativamente a crianças que, pelos mais diversos motivos não tenham nenhuma
possibilidade de continuar a viver fora do ventre materno.
4. O termo da vida
O momento a partir do qual cessa a tutela jurídico-penal dispensada por aquele tipo. A
qualidade da pessoa para efeito do tipo de ilícito objectivo do homicídio termina com a
morte. O critério adoptado é o da morte cerebral. Morte é assim, para este efeito, a
destruição anatómica estrutural do cérebro na sua totalidade; nunca, portanto, uma mera
lesão cerebral ou mesmo a chamada “morte neocortical”.
O tipo objectivo de ilícito do homicídio deve pois, dizer-se que ele se realiza com a morte
de uma pessoa, isto é, com o causar a morte de pessoa diferente do agente.
O “causar morte” significa que tem de se estabelecer o indispensável nexo de imputação
objectiva do resultado à conduta.
5. O tipo subjectivo de ilícito
O tipo subjectivo de ilícito do homicídio previsto no art. 131º CP, exige o dolo, em
qualquer das suas formas contempladas no art. 14º CP, directo, necessário ou eventual.
Trata-se por isso de um tipo relativamente ao qual se verifica aquilo que a doutrina chama
de total congruência entre a sua parte objectiva e a parte subjectiva. Importa todavia
sublinhar que, para se verificar dolo eventual relativamente a condutas objectivamente e
mesmo extremamente perigosas, não basta que o agente preveja o perigo de resultado e
se conforme com ele, tornando-se antes sempre necessário que aquele preveja e se
conforme com o próprio resultado; e o mesmo se dirá para as acções cometidas em estado
de afecto, por mais que as regras da experiência mostrem que as acções como a levada a
cabo se segue normalmente o resultado morte
6. As causas de justificação
Consentimento: seja ele presumido ou consentido (arts. 38 e 39 CP) não exclui, em caso
algum, a ilicitude do homicídio doloso, mas pode conduzir a que a punição venha ocorrer,
antes que pelo art. 131º CP, pelo art. 134º CP.
7. As formas especiais do crime
a) Tentativa
A tentativa do cometimento do homicídio é sempre punível por força do disposto no art.
23º/1 CP. Dada a particular gravidade do crime em questão, há por vezes tendência
jurisprudencial para antecipar o mais possível o início da tentativa, reputando actos de
execução o que verdadeiramente não passa de actos preparatórios, em princípio não
puníveis[1].
b) Comparticipação
Em matéria de autoria e de cumplicidade valem completamente as regras gerais.
Particulares dificuldades suscita todavia a questão de saber se, relativamente a um mesmo
crime de homicídio, pode um comparticipante ser punido por homicídio simples e outro
por homicídio qualificado ou privilegiado.
c) Concurso
O crime de homicídio do art. 131º cede sempre relativamente à sua qualificação como
homicídio privilegiado (art. 133º CP) ou qualificado (art. 132º CP).
Uma tentativa de homicídio (nomeadamente sobre a forma de tentativa impossível, nos
termos do art. 23º/3 à contrario CP) pode porem já concorrer, em concurso efectivo, com
um homicídio por negligência nos termos do art. 137º CP. Já porem relativamente ao
homicídio doloso consumado, o crime do art. 137º CP só aparentemente pode concorrer
com o do art. 131º CP.
8. Tipos de culpa “exclusivas”
A estrutura dos homicídios é refractária a que sejam “puros” tipo de ilícito, ou seja,
erguidos em função do maior ou menor desvalor material dos comportamentos homicidas
que registam, e só nessa base consideráveis.
A lei usa terminologia de onde se conclui que é a culpa que desencadeia a aplicação
destas normas. Tem de haver maior censurabilidade ou perversidade do agente para que o
homicídio qualificado (art. 132º CP) produza efeitos; tem de haver menor culpa, para que
o privilégio do art. 133º CP actue; o mesmo acontece nos arts. 134º e 136º CP.
Os homicídios dolosos são tipos de ilicitude e culpa, ou seja: eles não contêm só, nem
determinadamente, aspectos da figura-de-delito que respeitem à danosidade do
comportamento contêm aspectos que retratam a atitude do autor, mais ou menos
censurável.
[1] Esta tendência é injustificável e deve ser decididamente combatida.
HOMICÍDIO QUALIFICADO
9. Introdução
O critério generalizador, dos exemplos-padrão consubstancia-se num tipo de
culpa, cuja função é a de caracterizar de forma autónoma uma atitude do agente
actualizada no facto como especialmente censurável ou perversa.
A delimitação da noção do tipo de culpa é fundamental na apreensão do
critério generalizador utilizado pelo legislador. A sua existência e a sua missão
no âmbito de um conceito material de culpa, capaz de converter-se numa
medida susceptível de elevação ou diminuição para além dos limites fixados
pela graduação da ilicitude.
O homicídio qualificado não é mais que uma forma agravada do homicídio
“simples” previsto no art. 131º CP.
A qualificação deriva da verificação de um tipo de culpa agravado assente
numa cláusula geral extensiva e descrito com recurso a conceitos
indeterminados: a “especial censurabilidade ou perversidade” do agente referida
no art. 132º/1 CP, verificação indiciada por circunstâncias ou elementos uns
relativos ao facto, outros ao autor, exemplarmente elencados no art. 132º/2 CP.
Elementos estes assim, por um lado, cuja verificação não implica sem mais a
realização do tipo de culpa e a consequente qualificação; e cuja não verificação,
por outro lado, não impede que se verifiquem outros elementos
substancialmente análogos aos descritos e que integrem o tipo de culpa
qualificador. Deste modo devendo afirmar-se que o tipo de culpa supõe a
realização dos elementos constitutivos do tipo orientador que resulta de uma
imagem global do facto agravada correspondente ao especial conteúdo de
culpa tido em conta no art. 132º/2 CP.
Estes elementos são típicos de certas classes de crimes, designadamente
das que constituem grupos valorativos que exprimem um maior ou menor
desvalor da atitude relativamente ao tipo fundamental. Ou seja, são típicos os
crimes a que se pode chamar variantes que constituem especificações
dependentes através da adição ao tipo fundamental de elementos que exprimem
uma agravação ou uma atenuação quer do conteúdo da ilicitude quer do
conteúdo da culpa dando origem a tipos qualificados ou privilegiados.
Face ao art. 132º CP não parece porém que se possa defender outra doutrina
que não seja a de ver ali, elementos constitutivos do tipo de culpa. É exacto,
que muitos dos elementos constantes das diversas alíneas do art. 132º/2 CP, em
si mesmos tomados, não contendem directamente com uma atitude mais
desvaliosa do agente, mas sim com um mais acentuado desvalor da acção e da
conduta, com a forma de cometimento do crime. Ainda nestes casos, porém, não
é esse maior desvalor da conduta o determinante da agravação, antes ele é
mediado sempre por um mais acentuado desvalor da atitude: a especial
censurabilidade ou perversidade do agente é dizer, o especial tipo de culpa do
homicídio agravado. Só assim se podendo compreender e aceitar que haja
hipóteses em que aqueles elementos estão presentes e, todavia, a qualificação
vem em definitivo a ser negada. Tido isto tudo na conta devida não há objecções
de princípio a que se defenda que a agravação da culpa é em todos os casos
suportada por (ou se reflecte necessariamente em) uma correspondente
agravação (gradual-quantitativa) do conteúdo de ilícito.
HOMICÍDIO PRIVILEGIADO
16. Fundamento e consequências
O art. 133º CP é construído com base em três conceitos-tipo de natureza emocional,
embora de forma mais acentuada nuns casos que noutros – a emoção violenta; a
compaixão e o desespero; e com base num conceito-tipo de natureza ético-social – um
motivo de relevante valor social ou moral. Qualquer destes conceitos-tipo deve sempre
ser entendido objectivamente, isto é, é matéria de facto que, ou não exige o recurso a
valorações, ou então exige o recurso a valorações em boa medida extra-jurídicas.
O art. 133º CP assenta ainda em duas cláusulas de valoração. Uma delas é particular e
refere-se apenas à emoção violenta, a compreensibilidade, e a outra é geral, a diminuição
sensível da culpa do agente.
O art. 133º CP consagra hipóteses de homicídio privilegiado em função, em último termo,
de uma cláusula de exigibilidade diminuída legalmente concretizada. A emoção violenta
compreensível, a compaixão, o desespero ou um motivo de relevante valor social ou
moral privilegiam o homicídio quando e apenas quando “diminuam sensivelmente” a
culpa do agente. Esta diminuição não pode ficar a dever-se nem a uma imputabilidade
diminuída, nem a uma diminuída consciência do ilícito, mas unicamente a uma
exigibilidade diminuída de comportamento diferente.
Sempre que o juiz considere verificados os pressupostos de que depende o
privilegiamento, deve necessariamente renunciar a uma atenuação especial da pena. O
princípio da proibição da dupla valoração de que o disposto no proémio do art. 71º/2 CP
constitui apenas uma manifestação, proíbe que o mesmo substrato considerado para
integração do art. 133º CP seja de novo valorado para efeito de atenuação especial da
pena. Mas é evidente que, para além dos elementos descritos no art. 133º CP, podem no
caso convergir outros e diferentes elementos relevantes para efeito dos arts. 71º e 72º CP.
Nada impede nestes casos que, determinada a medida da pena face ao art. 133º CP aquela
seja depois especialmente atenuada face às regras especiais de determinação da pena
contidas nos arts. 72º e 73º CP.
17. Os elementos privilegiadores
a) Compreensível emoção violenta que domina o agente
Ao colocar como circunstância privilegiante do crime o estado emocional do autor, o art.
133º CP acentua: no grau de emoção e a necessidade de ela se verificar no momento da
prática do facto, como causa do crime (“foi levado a matar”). Trata-se pois, de um estado
psicológico que não corresponde ao normal do agente, encontrando-se afectadas a sua
21
vontade, a sua inteligência e diminuídas as suas resistências éticas, a sua capacidade para
se conformar com a norma.
A compreensível emoção violenta é um forte estado de afecto emocional provocado por
uma situação pela qual o agente não pode ser considerado e à qual também o homem
normalmente “fiel ao direito” não deixaria de ser sensível.
O requisito da “compreensibilidade” da emoção representa por isso ainda uma exigência
adicional relativamente ao puro critério de menor exigibilidade subjacente a todo o
preceito.
b) Compaixão
Há casos de homicídio por compaixão em que o autor age em autêntica situação de
desespero ou dele próxima: a decisão homicida só surge ao fim de uma longa e
desgastante luta interior que acaba por se tornar insuportável.
Nas basta a valia objectiva da compaixão, como se o homicídio fosse menos ilícito pela
realização de um valor, embora de menor valia que a vida, a ordem jurídica quer proteger.
É necessário que o motivo exerça uma forte pressão sobre o agente de forma a alterar a
sua capacidade de determinação, afectar a sua vontade diminuir as suas capacidades.
c) Desespero
Embora muito próximo da emoção violenta, distingue-se dela porque coincide, em geral,
com situações que se arrastam no tempo, fruto de pequenos ou grandes conflitos que
acabam por levar o agente a considerar-se numa situação sem saída, deixando de
acreditar, de ter esperança.
A lei, mais uma vez, não exige apenas que o agente esteja desesperado, mas que tal
desespero diminua sensivelmente a sua culpa.
Os casos de desespero não podem identificar-se com os casos de emoção violenta
compreensível quanto ao fundamento da atenuação. Nos casos de desespero o art. 133º
CP além dessa emoção, exige que ela diminua consideravelmente a culpa, o que só
poderá entender-se se levar em conta os motivos do autor. Motivos que ter a ver com o
amor maternal ou a salvaguarda da própria dignidade, em casos em que não é exigível
que alguém suporte um tal grau de humilhação que ponha em causa aquela dignidade.
d) Motivo de relevante valor social ou moral
Esta é uma cláusula cujo conteúdo é manifesto e tem a ver com sociedades concretas e
com morais concretas. Não poderão estar em causa apenas os valores sociais dominantes
ou a moral dominante. Em qualquer caso a cláusula há-de ter conteúdo objectivo. Esse
conteúdo deve ser positivamente valorado, sob pena de se abrir porta a todo o tipo de
fanatismos ou de fundamentalismos. Está aqui em causa uma menor ilicitude, dado o
valor que a ordem jurídica atribui àqueles motivos. Porém, esse menor grau de ilicitude
não basta para fundamentar o privilégio, funcionando como mero indício da diminuição
sensível da culpa. Também se exige que o agente esteja dominado pelos motivos em
causa, para que eles revistam um carácter de essencialidade e, por isso, afectem o seu
normal discernimento e a sua capacidade de se determinar de acordo com essa vontade.
18. As formas especiais do crime
a) Tentativa
Nos termos combinados dos arts. 23º/1 e 133º CP a tentativa é punível.
b) Comparticipação
Se o homicídio se torna privilegiado por força de circunstâncias que actuam ao nível da
culpa, então é perfeitamente possível que um comparticipante deva ser punido por
homicídio privilegiado, outro por homicídio simples ou qualificado.
c) Concurso
Só pode dar-se entre os elementos objectivos, nunca entre tipos de culpa respectivos,
jamais pode coincidir uma especial censurabilidade ou perversidade do agente com uma
diminuição sensível da sua culpa.
19. Tipo subjectivo
O crime do art. 133º CP é doloso, como resulta da sua conjugação com o art. 13º CP.
Qualquer das modalidades do dolo, previstas no art. 14º CP (directo, necessário ou
eventual) permite preencher o tipo subjectivo.
O dolo deve abranger todos os elementos que integram o tipo objectivo – deve referir-se à
acção e ao objecto da acção.
Assim qualquer problema de erro sobre as circunstâncias do facto deve resolver-se nos
termos do art. 16º/1 e 3 CP.
20. Culpa
As várias situações previstas no art. 133º CP são elementos subjectivos do tipo de culpa,
isto é, é exigida uma circunstância externa, mesmo que só representada pelo autor, que
haja efectivamente incidir na formação da vontade. Mas, verificados os elementos
subjectivos do tipo de culpa, nem por isso se presume uma diminuição sensível da culpa
do agente. Ela deve ser comprovada em cada caso concreto.
EXPOSIÇÃO OU ABANDONO
ABORTO
49. Introdução
Tal como decorre da própria lei, o legislador português adoptou a solução correspondente
ao modelo das indicações. Partindo do princípio da dignidade penal do bem jurídico da
vida intra-uterina, o legislador consagrou situações medicamente indicadas em que este
valor pode ser sacrificado face a outros valores constitucionalmente relevantes. Isto
significa essencialmente que a solução adoptada pelo legislador português se baseia na
impunidade da interrupção da gravidez fundada numa ideia de conflito de valores. A
concretização da solução desse conflito de valores dá-se exactamente pela
regulamentação das indicações[14].
Deste modelo resulta um princípio de punibilidade do crime de aborto, em
correspondência com a ideia de dignidade de protecção, constitucionalmente fundada, da
vida intra-uterina.
50. O bem jurídico
O bem jurídico protegido no crime de aborto é a vida humana intra-uterina. Trata-se de
um bem jurídico autónomo e também eminentemente pessoal. A autonomia do bem
jurídico resulta da consideração de que, no crime de aborto, não está protegida a vida
humana que é protegida nos crimes de homicídio, isto é, a distinção entre o crime de
homicídio e de aborto não é uma mera distinção de objectos da conduta criminosa.
Ao poder-se afirmar que o bem jurídico principal é a vida intra-uterina, resultam daí
imediatamente algumas consequências em termos de definição do objecto de protecção:
tem que estar em causa a vida humana implantada no útero da mãe.
Pode dizer-se, em suma, que o bem jurídico fundamental dos crimes de aborto é a vida
intra-uterina. Mas por forma diversa, intervêm ainda outros bens jurídicos na concreta
conformação típica do crime de aborto, em especial os valores da liberdade e da
integridade da mulher grávida.
51. O tipo objectivo de ilícito
Embora o tipo objectivo de ilícito não o refira expressamente, objecto de crime de aborto
é o feto ou o embrião. O crime de aborto não distingue, para efeitos de punibilidade,
entre feto e embrião, como cientificamente acontece.
O crime de aborto só se pode verificar até ao momento em que não se possa falar mais de
vida intra-uterina e se verifique o início da vida humana para efeitos de tutela penal;
pelo que a morte de uma criança após o início do acto de nascimento deverá ser
equacionada no âmbito dos crimes contra a vida.
A acção tem que consistir em fazer abortar. A expressão utilizada pelo legislador
português não é de todo inequívoca, pois abortar tanto significa expulsar o feto do ventre
materno, como a eliminação do feto. Dada a configuração do tipo legal e o bem jurídico
em causa, parece que o aspecto essencial é o resultado: morte do feto. O crime de aborto
é pois um crime de resultado.
A forma por que se provoca a morte do feto é irrelevante. Tanto pode ser por intervenção
directa sobre o feto como por intervenção indirecta, por actuação sobre a mulher grávida.
Decisivo é que aquela actuação torne o feto incapaz de vida.
O tipo de crime de aborto, como crime de resultado que é, pode também ser cometido por
omissão segundo as regras gerais (art. 10º CP). Saliente-se que o dever de garante recai
sobre a mulher grávida, mas recai também sobre o médico e, eventualmente, sobre o pai.
O crime de aborto assume distintas ilicitudes consoante o agente em causa e consoante a
mulher grávida preste o consentimento ao aborto ou não.
No caso mais grave, o crime pode ser praticado por qualquer pessoa (crime comum),
tanto por um leigo, como por um médico[15], mas sem o consentimento da mulher
grávida. Neste caso, aplicam-se as regras gerais da autoria e comparticipação.
A segunda hipótese é a de se verificar um crime comum, mas em que o aborto é realizado
com o consentimento da mulher grávida. Agente e mulher grávida constitui um factor de
redução do ilícito.
A terceira hipótese é a de ser a própria mulher grávida a realizar o aborto. O art. 140º/3
CP distingue a realização por facto próprio ou por facto alheio. Isto significa que a
realização pela mulher grávida do aborto pode assumir a forma de autoria mediata, co-
autoria ou autoria individual. Por outro lado, a mulher grávida pode, da mesma forma, ser
responsabilizada pelo assentimento dado ao aborto. Naturalmente que, neste caso, para se
verificar o assentimento é irrelevante saber de quem a iniciativa partiu.
52. O tipo subjectivo de ilícito
O crime de aborto tem de ser realizado dolosamente, sendo suficiente o dolo eventual. O
dolo tem evidentemente que se referir também ao resultado: a morte do feto. Este aspecto
pode contribuir para a resolução de problemas atinentes à punibilidade, ou não, do aborto
nas hipóteses de tentativa de suicídio da mulher grávida.
No art. 140º CP vêem consideradas três modalidades de aborto:
1) Aborto consentido: é praticado com o consentimento da mãe (art. 140º/2 CP), neste
tipo legal de crime o consentimento é um elemento positivo do tipo, para estar
preenchido o tipo tem que haver consentimento.
2) Aborto passivo: vem tipificado no art. 140º/1 CP, a diferença é a ausência do
consentimento, é um elemento negativo do tipo. O tipo para estar preenchido é necessário
a ausência do consentimento.
3) Aborto activo: o art. 140º/3 CP refere-se à conduta da mãe, ou ao dar consentimento
que se faça o aborto (o que é por si crime) ou à conduta de ela própria se fazer abortar.
Dar consentimento para praticar o aborto é uma conduta que é crime.
53. As formas especiais do crime
a) Tentativa
Não haverá punibilidade da tentativa seja para terceiro, seja para a mulher grávida – nos
casos em que a mulher grávida tente abortar ou der assentimento a um aborto tentado.
Mantém-se porém, punível a tentativa do crime de aborto mais grave, portanto, sem
consentimento da mulher grávida. Em regra, a tentativa iniciar-se-á com a intervenção
corporal sobre a mulher, em ordem a produzir o aborto. São pensáveis as tentativas
impossíveis e são também aplicáveis as regras gerais da desistência.
b) Comparticipação
A mulher grávida é quase exclusivamente punível como autora. É possível a afirmação
da cumplicidade por um terceiro.
c) Concurso
Uma vez que o bem jurídico protegido pelo crime de aborto é um bem jurídico pessoal, a
pluralidade de abortos implicará por regra a pluralidade de crimes.
As hipóteses de concurso de crimes podem manifestar-se de forma algo complexa nos
casos de aborto sem consentimento. De facto, o preenchimento do art. 140º/1 CP
envolverá necessariamente o preenchimento de crimes contra a integridade física e contra
a liberdade. Aplicar-se-ão aqui as regras gerais para esta forma de concurso de crimes.
No caso do aborto consensual já não serão pensáveis – além dos casos previstos no art.
141º CP – hipóteses de concurso. Eventualmente pode estar associado a crimes como o
de usurpação de funções (art. 358º-b CP) etc.
[14] A indicação médica – em sentido estrito – e em sentido lato; a indicação feteopática
e a indicação criminológica.
[15] Se não se verificar uma das indicações previstas no art. 142º CP.
ABORTO AGRAVADO
54. O crime de aborto agravado pelo resultado (art. 141º/1 CP)
O fim protectivo da norma é facilmente perceptível: agravar a punição por abortos
realizados em situação de particular risco para a vida e integridade física da mulher
grávida. É indiscutivelmente um caso praeterintencional, resultante da combinação entre
um crime fundamental doloso (o crime de aborto, art. 140º/1 e 2 CP) e um evento
agravante (a morte ou a ofensa à integridade física da mulher) que, nos termos gerais do
art. 18º CP deve ser imputado a título de negligência.
55. O tipo de ilícito
Pressupostos de realização do tipo legal de aborto agravado é, em primeiro lugar, a
realização de um crime de aborto pelo agente, podendo este ser realizado com ou sem
consentimento da mulher grávida.
Deve fazer-se notar que, a despeito de alguma equivocidade na descrição típica, o crime
de aborto tem de ser consumado, ou seja, tem de verificar-se a morte do feto. De facto,
embora o tipo legal refira o aborto ou os meios empregues, a verdade é que a pena
(agravada) é aplicável “àquele que a fizer abortar”. Assim a circunstância (o evento)
agravante pode estar associada aos meios utilizados, mas tem de verificar-se sempre um
aborto.
É necessário que do aborto ou dos meios nele empregues resulte um evento agravante: a
morte ou a ofensa à integridade física grave da mulher grávida. Para ambos os casos o
evento tem de ser imputado a título de negligência. O agente tem de cometer pela forma
descrita um homicídio negligente (art. 137º CP) ou uma ofensa à integridade física grave
por negligência (art. 148º/3 CP).
56. As formas especiais do crime
a) Tentativa
É possível a tentativa do crime de aborto agravado quando se tiver verificado um dos
eventos agravantes em razão dos meios empregues, não se verificando, porém, o aborto;
mas só é possível a tentativa, no caso do art. 141º/1 CP, havendo tentativa do crime
fundamental doloso com verificação do evento agravante.
b) Comparticipação
É admissível nos termos gerais em que esta é admissível nos crimes praeterintencionais.
As duas únicas excepções residem em que não é punível a comparticipação da mulher
grávida (sob qualquer forma), nem é concebível a cumplicidade, para este tipo de crime,
quando o aborto tenha sido realizado pela própria mulher grávida.
c) Concurso
Uma vez que o crime praeterintencional constitui uma derrogação às regras do concurso
de crimes, não se colocam quaisquer problemas, em geral, de concurso. A situação mais
corrente de concurso será eventualmente com as outras circunstâncias agravantes do
aborto, previstas no art. 141º/2 CP.
57. Agravação por habitualidade ou intenção lucrativa na prática de aborto punível (art.
141º/2 CP)
A primeira circunstância agravante é constituída pelo facto de o agente se dedicar
habitualmente à prática do aborto punível.
Para que se verifique a habitualidade é necessário que o agente tenha praticado, pelo
menos, dois factos que estejam por qualquer forma entre si conexionados. No direito
português o conceito de habitualidade estava sobretudo ligado aos crimes contra o
património.
A segunda circunstância agravante é o facto de o agente actuar com intenção lucrativa. O
ânimo do lucro coincide, neste contexto, com o enriquecimento e significa o propósito de
melhoramento, por qualquer forma, da situação patrimonial tal como decorre do elemento
intenção, é necessário que o agente actue com dolo previsto no art. 141º/1 CP, não sendo
necessário que o lucro seja o motivo principal, nem, evidentemente, que o agente obtenha
a melhoria da situação patrimonial.
66. Generalidades
O crime de ofensa à integridade física simples surge como o tipo legal fundamental em
matéria de crimes contra a integridade física. É a partir da “ofensa ao corpo ou à saúde
de outrem” que se deixa constituir uma série de variações qualificadas, como ofensa à
integridade física grave (art. 144º CP), agravada pelo resultado (art. 145º CP), qualificada
(art. 146º CP), privilegiada (art. 147º CP) e por negligência (art. 148º CP). De realçar a
similitude entre a forma como passam a ser estruturados no Código Penal os crimes
contra a integridade física e contra a vida.
67. O bem jurídico
O bem jurídico protegido é a integridade física da pessoa humana.
Relativamente ainda ao conceito de integridade física e ao seu conteúdo cabe não perder
de vista que se, por um lado, não lhe deverá reconhecer uma amplitude excessiva, que
possa contender inclusivamente com a protecção dispensada a outros bens jurídicos pelo
Código Penal, por outra banda, é inegável que certas lesões do corpo ou da saúde, certos
“maus-tratos físicos”, acarretam necessariamente consigo consequências psíquicas, e que
é de considerar como lesão da saúde o abalo psicológico de certa gravidade.
Trata-se de um crime material e de dano. O tipo legal em análise abrange com efeito um
determinado resultado que é a lesão do corpo ou da saúde de outrem, fazendo-se a
imputação objectiva deste resultado à conduta ou omissão do agente de acordo com as
regras gerais. Está-se também perante um tipo legal de realização instantânea, bastando
para o seu preenchimento a verificação do resultado descrito.
68. O tipo objectivo de ilícito
A lei distingue duas modalidades de realização do tipo:
a) Ofensas no corpo;
b) Ofensas na saúde.
Muitas das vezes haverá coincidência entre estas duas formas de realização do tipo.
O tipo legal do art. 143º CP fica preenchido mediante a verificação de qualquer ofensa
no corpo ou na saúde, independentemente da dor ou sofrimento causados, ou de uma
eventual incapacidade para o trabalho.
Por ofensa no corpo poder-se-á entender “todo o mau trato através do qual o agente é
prejudicado no seu bem-estar físico de uma forma não insignificante”.
Objecto da acção é o corpo humano. Contemplam-se aqui unicamente “ofensas contra o
físico ou contra a parte corporal do homem”. O elemento típico “corpo” é ainda
susceptível de abranger próteses quando estas se encontrem ligadas à pessoa com carácter
de permanência.
A ofensa ao corpo não poderá ser insignificante. Sob o ponto de vista do bem jurídico
protegido não será de ter como relevante a agressão e ilícito o comportamento do agente,
se a lesão é diminuta. A apreciação da gravidade da lesão não se deve deixar fundar em
motivos e pontos de vista pessoais do ofendidos, necessariamente subjectivos e
arbitrários, antes deverá partir de critérios objectivos, se bem que não perdendo
totalmente de vista factores individuais.
Como lesão da saúde deve considerar-se “toda a intervenção que ponha em causa o
normal funcionamento das funções corporais da vítima, prejudicando-a”. É de
considerar como lesão da saúde, em primeiro lugar, a criação de um estado de doença,
seja através de uma infecção, do contágio de uma doença sexualmente transmissível, ou
por qualquer outra via.
Objecto da agressão é apenas empregando a expressão utilizada pelo legislador no art.
143º CP, “outra pessoa”. As chamadas auto-lesões não são puníveis como ofensa à
integridade física.
O preenchimento do tipo legal, tanto pode ter lugar por acção como por omissão quando
sobre o omitente recaía um dever jurídico que pessoal o obrigue a evitar o resultado
(dever jurídico de garante – art. 10º CP).
69. O tipo subjectivo de ilícito
O tipo legal do art. 143º CP exige o dolo em qualquer das suas modalidades (art. 14º CP).
O dolo de ofensa à integridade física refere-se às ofensas no corpo ou na saúde do
ofendido. A motivação do agente é irrelevante sob este ponto de vista, embora possa ser
tida em conta para efeitos de determinação da medida da pena.
Em matéria de erro sobre o tipo são aqui pensáveis várias situações, todas elas no entanto
recondutíveis às soluções vertidas pelo legislador no art. 16º CP.
70. Causas de justificação
O consentimento funciona aqui como uma verdadeira e própria causa de exclusão da
ilicitude, uma vez que, não obstante reconhecido o valor da autonomia do titular do bem
jurídico e penalmente tolerada a conduta, está em causa uma manifestação de danosidade
social que a ordem jurídica não pode ser indiferente.
O consentimento em causa tanto pode ser expresso (art. 38º CP) como presumido (art. 39º
CP).
71. As formas especiais do crime
a) Tentativa
O crime de ofensa à integridade física simples não é punível no estádio da tentativa. De
facto, o limite mínimo previsto para a punibilidade da tentativa (art. 23º CP) não é
atingido pela moldura penal do art. 143º CP que tem como limite máximo os três anos.
b) Comparticipação
É um crime individual, pelo que se aplicam as regras gerais sobre a comparticipação
criminosa.
c) Concurso
Encontram-se em concurso legal ou aparente com o tipo legal de ofensa à integridade
física simples os tipos legais de crime correspondentes aos arts. 144º, 145º, 146º, 147º e
148º CP. Da mesma forma mostra-se passível de excluir a aplicação do art. 143º CP, desta
feita em virtude de interceder entre os respectivos tipos legais uma relação de
consunção, a participação em rixa (art. 151º CP), os maus-tratos ou sobrecarga em
menores, de incapazes ou do cônjuge (art. 152º CP), a coacção (art. 154º CP), o roubo
(art. 210º CP). Pode haver concurso efectivo com o crime de difamação (art. 180º CP),
violação de domicílio (art. 190º CP), violação (art. 164º CP), ameaça (art. 153º CP) entre
outros.
Bastante discutida tem sido a questão do concurso entre os crimes de homicídio (art. 131º
CP) e de ofensa à integridade física. O problema não terá grande relevância sempre que o
homicídio venha a consumar-se, pois que aqui funcionam as regras gerais do concurso
aparente sob a forma da relação de subsidiariedade. Diferente será a situação se se
consuma o crime de ofensa à integridade física, tendo lugar ao mesmo tempo uma
desistência da tentativa relevante em relação ao crime de homicídio. Neste caso deve
punir-se o agente pelo crime doloso, na medida em que o dolo de homicídio parece conter
em si o dolo de ofensa à integridade física (aquele que pretende matar outrem tem que
ferir, envenenar, ou por outra forma lesar a integridade física de outrem). Envereda-se
assim pela aceitação de uma relação de subsidiariedade entre o tipo legal de ofensa à
integridade física e o de homicídio, independentemente de em relação a este último se ter
agido com dolo eventual ou outro qualquer tipo de dolo.
CONSENTIMENTO
92. Generalidades
Em rigor, este preceito não seria indispensável, tendo em conta o regime geral do
consentimento previsto nos arts. 38º e 39º CP. Este é, de resto, um dos aspectos que
singulariza o Direito Penal em matéria de consentimento: a previsão de um regime geral
da figura, no contexto da disciplina das derimentes gerais. A tendência do direito
comparado é para inscrever o consentimento como uma causa de justificação
exclusivamente associada às ofensas corporais e, por vias disso, arrumada no capítulo
correspondente da parte especial do Código Penal.
93. Tipicidade e ilicitude
Trata-se seguramente de uma causa de justificação.
A existência de um consentimento justificante, no contexto de um paradigma dualista da
concordância do portador concreto, pressupõe naturalmente o preenchimento da
factualidade típica das ofensas corporais. E tanto do tipo objectivo como do tipo
subjectivo. O art. 149º CP não se aplica, por isso, a factos ou eventos que, contendo
embora com a integridade física ou a saúde, não configurem, todavia, ofensas corporais
típicas.
94. Objecto do consentimento
À semelhança do que, em geral, acontece em relação às ofensas corporais se põe, com
particular relevo doutrinal e pragmático, o problema do objecto do consentimento. E
também aqui tem de se subscrever a resposta sustentada pela opinião dominante. No
sentido de que o consentimento tem de abranger cumulativamente:
a) O resultado lesivo, já pelo seu relevo como dimensão do ilícito penal e como referente
de segurança e estabilização do intersubjectiva; já, sobretudo, porquanto o poder de
controlo sobre o resultado, como expressão concreta da lesão e da renúncia à tutela penal,
é um elemento irredutível no regime do consentimento enquanto estatuto jurídico-penal
da autonomia do portador concreto do bem jurídico.
b) A acção entendida como a identificação do agente e a determinação das pertinentes
circunstâncias de tempo, lugar, etc.
95. Vícios da vontade
Para ser eficaz o consentimento tem de ser “livre e esclarecido” (art. 38º/2 CP). Por vias
disso, o consentimento nas lesões corporais pressupõe normalmente um dever de
esclarecimento ainda mais exigente do que o consagrado (art. 157º CP) para as
intervenções médico-cirúrgicas. Além do mais, porquanto aqui não intervém nem faz
sentido a invocação de qualquer limite correspondente ao chamado privilégio
terapêutico, previsto para as intervenções médico-cirúrgicas (art. 157º CP).
Deve considera-se ineficaz o consentimento em dois grupos de casos:
1º Erro sobre a finalidade altruística;
2º Situação análoga à do direito de necessidade.
Apesar de tudo, é o erro espontâneo não dolosamente provocado, que suscita as maiores
divergências. Descontada a orientação tradicional, propensa a dar relevância a todo o
erro, perfilam-se duas correntes divergentes.
A primeira privilegiando a posição do agente (e destinatário da declaração do
consentimento) e, por vias disso, considerando irrelevante o erro, salvo duas excepções:
a) Quando o erro é conhecido do agente, que dele se aproveita;
b) Quando sobre o agente impende o dever jurídico de esclarecer o ofendido.
A segunda entende, pelo contrário, que “o problema da origem do erro, saber se ele foi
fraudulentamente provocado ou ficou a dever-se a outra razão, não tem significado para
a eficácia do consentimento”. Por vias disso, estende a tese da invalidade do
consentimento a todo o erro referido ao bem jurídico, mesmo espontâneo. O que significa
tornar relevante o chamado erro na declaração e o erro sobre o conteúdo.
96. Bons costumes
A lei portuguesa exige os “bons costumes” em limite e eficácia do consentimento. O
intérprete e aplicador do direito acabarão, assim, por se confrontar com as dificuldades
conhecidas da experiência jurídico-penal comparatística.
Um dado, à partida, avulta como líquido: à vista da sua indeterminação e dos pertinentes
comandos constitucionais (legalidade/determinabilidade), a cláusula dos bons costumes
terá de ser interpretada restritivamente. De resto, não se trata de fazer depender a
validade do consentimento da conformidade com os bons costumes. O que tem de se
provar é, antes, que o facto contraria os bons costumes, devendo superar-se a favor do
arguido – isto é: da validade do consentimento – os casos de dúvida.
Para além disso, parece igualmente pacífico que o referente dos bons costumes é o facto –
a lesão da integridade física – e não o consentimento em si.
Antes de uma definição positiva de bons costumes, uma aproximação pela negativa, que
se projecta em duas conclusões decisivas:
a) Ao contrário do entendimento dominante durante um logo período, a cláusula dos bons
costumes não pode abrir porta à punição de lesões corporais (consentidas) em nome da
sua imoralidade;
b) Em segundo lugar, os bons costumes não podem sustentar a punibilidade de lesões
corporais consentidas só porque preordenadas à prática de condutas ilícitas, mesmo
criminalmente ilícitas.
Pela positiva, a fronteira dos bons costumes passa pela distinção entre ofensas ligeiras e
graves. Precisamente a divisória subjacente à separação entre os arts. 143º e 144º CP e,
por vias disso, entre os crimes semi-públicos e públicos. “Feitas todas as contas, parece
ser o carácter grave e irreversível da lesão que deve servir para integrar,
essencialmente, embora não só, a cláusula dos bons costumes”. No sentido de que as
lesões ligeiras escaparão, em princípio, à censura dos bons costumes. Só não será assim
nos casos excepcionais em que a lesão consentida viola uma expressa proibição legal
directamente referida ao bem jurídico típico das ofensas corporais, isto é, ditada pelo
propósito de proteger a integridade física.
O quadro é radicalmente outro do lado das ofensas graves e irreversíveis, que, por via de
regra, serão contrárias aos bons costumes. Só não será assim nos casos em que a lesão
esteja ao serviço de interesses de superior e inquestionável dignidade, reconhecida pela
ordem jurídica.
PARTICIPAÇÃO EM RIXA
100. Generalidades
A interpretação desenvolvida do tipo de crime de participação em rixa, bem como a
mediação sobre as razões de política criminal que nortearam o legislador, a par da análise
da técnica legislativa utilizada para prosseguir a protecção dos bens jurídicos são os
principais instrumentos para alcançar a dilucidação relativa à qualificação e classificação
deste tipo de crime.
101. Os bens jurídicos
A rixa pressupõe uma desordem, uma contenda física entre duas ou mais pessoas com
golpes de reciprocidade. A conduta prevista no tipo de crime consiste em “intervir” ou
“tomar parte”, assentando num envolvimento pessoal de cada um dos intervenientes, que
contribuem desse modo para a desordem. É possível identificar, a partir desta ideia de
rixa três elementos:
1) A existência de uma contenda, ou seja, uma briga envolvendo agressões físicas;
2) A participação de duas ou mais pessoas;
3) A vontade de intervir, ou tomar parte na rixa, pois está-se na presença de um tipo
doloso.
O tipo legal de crime do art. 151º CP, pode interpretar-se como sendo pluriofensivo,
integrando um leque de bens jurídicos que de forma mediata ou imediata conhecem nesta
incriminação uma tutela penal.
Os bens jurídicos protegidos pelo art. 151º CP, são a vida (art. 131º CP) e a integridade
física (art. 144º CP).
102. O tipo objectivo de ilícito
O tipo objectivo de ilícito consiste em intervir ou tomar parte em rixa de duas ou mais
pessoas. É que a ocorrência da morte ou de uma ofensa à integridade física grave, embora
seja um elemento do tipo legal condicionante da punibilidade, não integra, todavia, o
conteúdo do ilícito da participação em rixa.
Considera-se que este tipo de crime deve ser classificado como crime de perigo, a
conduta de intervir ou tomar parte na rixa revela-se por si perigosa para a vida e para a
integridade física, para além de ameaçar toda uma série de bens jurídicos que de forma
mediata surgem acautelados. No entanto, só pode responsabilizar-se a conduta dos que
intervêm na rixa nos casos em que essa perigosidade assume maiores proporções,
concretizadas na verificação de uma morte ou de um ofensa grave à integridade física. As
condições objectivas de punibilidade, neste caso, constituem uma indicação de quais os
bens jurídicos tutelados pela norma.
A morte ou às ofensa à integridade física graves constituem condições objectivas de
punibilidade do tipo legal de crime. O preenchimento do tipo esgota-se com a intervenção
ou com o facto de tomar parte numa rixa de duas ou mais pessoas, não constituem por
isso resultado típicos do crime. A exigência da verificação dos respectivos bens jurídicos,
bem pelo contrário, só seria incompatível a consideração da morte ou da ofensa grave
como resultado do tipo.
103. O tipo subjectivo de ilícito
Exige o dolo em qualquer das suas formas contempladas no art. 14º CP: directo,
necessário ou eventual. Mas este dolo refere-se exclusivamente à perigosidade da rixa e
não ao resultado morte ou lesão corporal. Assim, é indiferente a representação ou não da
eventualidade do resultado, indiscutível e suficiente é a representação e conformação com
a perigosidade da rixa: dolo de perigo concreto. Sendo a morte ou a lesão corporal grave
uma condição objectiva de punibilidade, evidente se torna a irrelevância da não
representação ou da não conformação com um tal resultado.
Considerada a acção descrita no art. 151º/1 CP como um tipo legal de crime de perigo
concreto, então não basta, para afirmação do respectivo dolo, a representação e
conformação com a perigosidade abstracta da participação na rixa, mas exige-se o
conhecimento do perigo que concretamente a rixa, em que se participa, constitui para a
vida ou integridade física substancial.
104. As causas de justificação
Dadas as particularidades do crime de participação em rixa (contribuição causal e
voluntária de cada um dos participantes na criação da situação de perigo para os bens
vida e integridade física substancial), resulta complexa a questão da justificação, tanto
mais quanto é certo que a prática de uma tal conduta de verdadeira participação em rixa
nunca está ao serviço da realização de qualquer interesse juridicamente protegido.
Não tem sentido a invocação do consentimento, uma vez que, sendo este pressuposto
pelo próprio conceito de rixa, mesmo assim a lei considera a rixa como crime. Além desta
decisiva razão, acresce ainda o facto de estarem em causa bens jurídicos indisponíveis: a
vida e a integridade física (art. 144º CP).
A única causa de justificação que é pensável em relação à participação em rixa é a
legítima defesa, própria ou alheia. Todavia, em relação à legítima defesa própria, uma
vez que cada um dos participantes é, simultaneamente, agressor e agredido, nunca poderá
um participante na rixa exercer qualquer direito de legítima defesa, enquanto não
abandonar, manifestamente, a rixa.
Diferente já é o caso da justificação de uma acção mortal praticada por um dos
participantes sobre um outro que, no decurso da rixa constituída por ofensas corporais
mesmo que graves, se decide e prepara para matar aquele. Aqui, poderá considerar-se
justificado o homicídio com base no direito de necessidade defensiva, mas não a acção
de participação em rixa.
Diferente é o tratamento da intervenção de um terceiro com o objectivo de separar os
contendores ou de defender um deles. O art. 151º/2 CP contém uma disposição específica
para estas situações: “a participação em rixa não é punível quando for determinada por
motivo não censurável nomeadamente quando visar reagir contra um ataque, defender
outrem ou separar os contendores”. Esta norma consagra expressamente um direito de
intervenção de um terceiro alheio à criação ou desenvolvimento da situação de rixa.
Apesar de na simples rixa (tipo legal de perigo abstracto que, como não está previsto no
art. 151º/1 CP) serem afectados apenas bens jurídicos disponíveis (a integridade física
simples: arts. 143º e 149º/1 CP), deve entender-se que mesmo em relação a esta rixa
mantém-se o direito de intervenção de terceiro, direito que, nesta hipótese, se traduz em
separar os contendores.
Considerar-se-á agora, o direito de intervenção de terceiro, quando a rixa constitui um
perigo concreto de lesão de vida ou da integridade física grave dos contendores:
a) A primeira hipótese prevista no art. 151º/2 CP – “quando visar reagir contra um
ataque”. Quando alguém se vê obrigado a envolver-se fisicamente com outrem que o vai
agredir, não está a participar ou a tomar parte numa rixa (nem sequer a pôr-lhe termo),
mas pura e simplesmente a reagir contra uma agressão, face à qual tem o direito de
legítima defesa ou, pelo menos, o direito de necessidade defensiva.
b) Segunda hipótese prevista no art. 151º/2 CP – “quando visar […] defender outrem” –
contempla as situações em que, no decurso da rixa um ou alguns dos corrixantes se vêem
na impossibilidade física de reagir contra as agressões do outro ou outros. A partir de um
tal momento, a intervenção de um terceiro pode configurar-se como um direito de
necessidade defensiva (“legítima defesa limitada”) alheia.
c) A terceira hipótese – “quando visar […] separar os contendores” – configura um
direito de necessidade defensiva alheia. Cada um dos contendores, dada a
indisponibilidade dos bens jurídicos lesados pela rixa, ou em risco de o serem, é
simultaneamente agredido e agressor. Assim, o terceiro tem em relação a todos eles,
enquanto agressores, o direito de impedir essas agressões. E, na medida em que todos são
agressores, tem esse direito em relação a todos eles (contendores). A forma de impedir
essas mútuas agressões é separá-los, pondo, assim, termo à rixa.
Esta intervenção positiva (no sentido de impedir danos ainda mais graves num dos
rixantes ou de pôr termo à rixa) pode converter-se de um direito num dever, quando sobre
o terceiro recaia um dever de garante, nos termos do art. 10º/2 CP, face aos rixantes ou
algum deles. É claro que este dever de intervenção está condicionado à inexistência de
riscos graves para a vida ou integridade física do terceiro.
105. As causas de exclusão de culpa
Nesta matéria, pouco há que registar de específico. Quanto aos verdadeiros participantes
na rixa (art. 151º/1 CP), apenas haverá que ter em conta a eventual inimputabilidade (art.
20º/1 CP) dos ou de algum dos participantes. Quanto à intervenção de terceiro (art. 151º/2
CP), poderá haver situações de excesso no exercício do direito de intervenção, devido a
eventuais perturbações não censuráveis (excesso do direito de necessidade defensiva),
aplicando-se, analogicamente, o art. 32º/2 CP.
106. Morte ou ofensa corporal grave como condições objectivas de punibilidade
Por condições objectivas de punibilidade stricto sensu, entende-se as condições que se
têm de verificar para que aqueles que praticam um facto típico ilícito e culposo possam
ser punidos.
Integram a categoria analítica da punibilidade e constituem situações positivas de cuja
verificação depende a possibilidade de responsabilização dos agentes. Para além de se
registar a existência de algumas destas condições com carácter geral, alguns tipos legais,
exigem especificamente que, para além da conduta do agente ter de preencher os
elementos objectivos e subjectivos do tipo, tenha ainda de provocar a verificação de
determinada situação objectiva.
No tipo legal de crime de participação em rixa a morte e a ofensa à integridade física
constituem condições objectivas de punibilidade. Neste crime a conduta do agente
consiste em intervir ou tomar parte na rixa, para o preenchimento do tipo de ilícito basta
que alguém dolosamente intervenha ou tome parte na rixa de duas ou mais pessoas.
Para a punibilidade dos participantes, quer o dano se verifique num dos participantes,
quer se verifique em terceiro que nada tenha a ver com a rixa; a única ligação necessária
é de carácter puramente objectivo, e traduz-se na existência de uma imputação objectiva
com a rixa. Podendo ocorrer a qualquer título de imputação subjectiva e em qualquer
vítima.
107. As formas especiais do crime
a) Comparticipação
É um tipo legal de crime de comparticipação necessária.
b) Concurso
Excluída fica à partida, qualquer possibilidade de concurso com o crime de ofensas
corporais simples (art. 143º CP). É que, pressupondo a participação em rixa a aceitação
livre de recíprocas ofensas corporais, estas, quando simples, não podem ser consideradas
ilícitas (art. 149º/1 CP).
Em rigor não se pode falar de verdadeiro concurso de crimes, mas tão só em concurso de
normas (concurso legal) o que se traduz num problema de determinação da norma
aplicável.
A relação de concurso aparente consagra-se por conexões de subordinação e hierarquia,
podendo identificar-se essencialmente três tipos de relações: especialidade (sempre que
um dos tipos incorpore os elementos essenciais do outro acrescentando-lhe elementos
especializadores que pretendem conceder maior precisão àquela situação. Uma norma
prevalece sobre a outra por particularizar dentro daquele tipo de crime a forma de
cometimento do mesmo. Centra-se numa conexão de relatividade, uma norma é especial
em relação a outra que é geral, ou então é ainda mais especializada do que outra já de si
especial. Uma das normas contém todos os elementos da outra, aditando-lhe elementos
suplementares que constituem a especialização); subsidiariedade (nos casos em que uma
norma vê a sua aplicabilidade condicionada pela não aplicabilidade de outra norma, só
se aplicando a norma subsidiária quando a outra não se aplique. A norma prevalente
condiciona de certo modo o funcionamento daquela que lhe é subsidiária. Está-se
perante um concurso por força da subsidiariedade nos casos em que as normas se
condicionam expressamente, ou seja, por imposição da própria lei – subsidiariedade
expressa; ou nos casos em que há uma relação lógica detectada através de um raciocínio
interpretativo que permite extrair essa conclusão – subsidiariedade implícita.);
consunção (sempre que um tipo de crime faça parte, por definição, de um outro. A
descrição típica de uma norma é de tal forma ampla que acaba por abranger elementos
da descrição típica da outra. O âmbito de protecção visado por uma das normas acaba
por ser consumida pela norma mais abrangente, tornando dispensável a sua aplicação,
uma vez que os interesses que pretende salvaguardar estão assegurados pela aplicação
da outra. A relação de consumação acaba por colocar em conexão os valores protegidos
pelas normas criminais. Não deve confundir-se com a relação de especialidade, pois ao
contrário do que se verifica naquela relação de concurso de normas, a norma prevalente
não tem necessariamente de conter na sua previsão todos os elementos típicos da norma
derrogada).
Quanto ao concurso existente entre o tipo legal de crime de participação em rixa e o de
homicídio. Sempre que esteja em causa determinar a responsabilidade daquele que
durante uma rixa mata alguém, deve proceder-se no apuramento da sua responsabilidade
criminal, a um concurso aparente, fruto da relação de consunção em que os tipos legais
de crime de participação em rixa e de homicídio se encontram.
A relação concursal aqui existente estabelece-se entre um crime de dano e um crime de
lesão para o mesmo bem jurídico[19].
O tipo legal de crime previsto no art. 151º CP procura tutelar a vida e a integridade física,
e o âmbito desta tutela fica salvaguardado se for possível imputar ao agente a prática de
um crime de homicídio, cuja abrangência envolve a tutela que a participação em rixa
pretende proteger.
No que diz respeito ao crime de ofensa à integridade física grave, previsto no art. 144º
CP, e à sua relação com a participação em rixa, entende-se haver igualmente um
concurso aparente por força da consunção. As razões invocadas para o homicídio
aplicam-se, mutatis mutandis, para este crime. O agente deve ser punido pelo crime mais
grave por ele praticado, ou seja, o de ofensas corporais graves. Uma vez que esta
situação configura um exemplo de dispensa de aplicação do crime de participação em
rixa. Pois também aqui se pune a consumação da lesão e se deve afastar a incriminação
do simples perigo por esta estar abrangida pela primeira.
Tratando-se de crimes que tutelam o mesmo bem jurídico, o crime de homicídio e o de
participação em rixa, têm um campo de aplicação que se entrecruza. A participação na
rixa protege a vida e a integridade física, nomeadamente em situações que envolvem
perigo para esses bens jurídicos, mas só faz sentido responsabilizar o agente que com a
sua conduta preenche os pressupostos desta incriminação se a sua conduta não lesou
efectivamente a vida ou a integridade física de outros intervenientes ou de terceiro. Pois,
neste caso, ele deverá ser incriminado pela norma mais abrangente e mais grave.
[19] Se o bem jurídico colocado em perigo e o que for efectivamente lesado não
corresponderem, ou seja, se não se estiver perante o mesmo, o concurso será
necessariamente efectivo, pois o desvalor do facto não pode ser abarcado por um só dos
tipos de crime mas apenas por ambos em conjunto.
BIBLIOGRAFIA
Ø Comentário Conimbricense do Código Penal Tomo I.
· Dirigido por Jorge de Figueiredo Dias.
Ø Os homicídios.
· Pereira, Maria Margarida Silva.
Ø Homicídio qualificado, tipo de culpa e medida da pena.
· Serra, Teresa.
Ø Sobre o crime de incitamento ou ajuda ao suicídio.
· Valadão e Silveira, Maria Manuela F. Barata.
Ø Homicídio Privilegiado.
· Ferreira, Amadeu.
Ø O crime de aborto e a reforma penal.
· Pereira, Rui Carlos.
Ø Direito Penal parte especial, crimes contra as pessoas.
· Palma, Maria Fernanda Palma.
Ø Contributo para o estudo de alguns problemas do crime de participação em rixa (o
concurso de crimes).
· Silva, Fernando.