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Resenha Lieux de Memoire Dez Anos PDF
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história cultural da sociedade, sendo o do livro, ao dizer que "a Filosofia, como
social, em si mesmo, também uma re a História, é a batalha contra o enfeiti
presentação dos homens. Talvez aqui çamento da nossa inteligência pela lin
se altere também a missão do historia guagem".
dor: não mais aquela espécie de genea
logista do passado, mas o desmistifica
dor de todas as representações fantas
máticBs dos homens... Talvez como s<r Elias Thomé Saliba é professor de His
nhava Wittgenstein, citado na epígrafe tória da USP.
Armelle Enders
lançamento dos três volumes in duração do trabalho (dez anos), pela
titulados I.es France põe um pon qualidade e pela diversidade dos histo
to final n a ambiciosa obra I.es lieux de riadores envolvidos, pelo conteúdo ino
mémoil'e, cuja publicação foi iniciada há vador (não somente no que diz respeito
quase uma dêcada pela Gallirnard sob ao projeto global mas também a um bom
l
a direção de Pierre Nora. Participaram nllmero de artigos isoladamente), en
na construção desse '5ogo de armar gi fim, pela reflexão que suscita sobre a
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gante' cerca de 130 historiadores Nação francesa. Por tudo isso, com
oriundos dos mais diferentes planetas preende-se o quão dificil e redutora é a
da ga láxia institucional que alimenta a tarefa de dar oonta, em poucas páginas,
pesquisa histórica na França: College de tal edifício.
-
qual a vontade dos homens ou o traba ção linear e unitária dos professores do
lho do tempo fez um elemento simbóli tempo da Terceira República. Além do
co do patrimônio da memória de uma mais, os historiadores dos anos 1980
comunidade qualquer".6 Tratava-se, deram prova de sua iconoclastia com
então, desde 08 primeiros volumes, de relação aos velhos mestres colocando
proced er ao inventário simbólico da em pé de igualdade o anedótico, o mar
França. Esta abo.rdagem sob o ângulo ginal e os temas "nobres", que seus
da memória parece convir, segundo predecess ores julgavam ser os ÚlÚCOS
Pierre Nora, à lenta e profunda muta dignos de ficar na memória. "Le 'lbur
ção do sentimento nacional no período de France"lO (Georges Vigarello), "La
que vai da Primeira Guerra Mundial à galanterie" (Noémi Hepp), ''La conver
Guerra da Argélia.7 Para Nora, o na .ation" (Marc Fumaroli) se postam ao
cionalismo francês clássico, fosse ele de lado daqueles temas que dizem respei
tradição jacobina ou reacionária, se ca to à simbologia do Estado. Os autores
racterizava por seu messianismo, seu de Les lieux de mémoire destruíram
universalismo e sua crença na potên enfim um dos pilares do credo da his
cia do Estado. Mas desse período em tória republicana, a qual tinha por
diante ele pareceria revelar sua atra I1lÍ5são decriptar o destino nacional e
ção pelos particularismos e até por mostrar o caminho a ser seguido pela
uma fOI"ma de hedonismo: "Antes afir nação francesa em direção a um regi·
mativo, o sentimento nacional tornou me ideal: a República. As noções de
se interrogativo. Antes agressivo e mi "Nação", de "França" e de "República"
litar, tornou-se competitivo, inteira se confundiam em uma espécie de
mente investido no culto dos desempe Trindade laica. Pierre Nora fez ques
nhos industriais e dos recordes espor táo de separá-las e de tratá-las em
tivos. Antes sacrificial, fúnebre e de volumes cuidadosamente distintos.
fensivo, fez-se prazeroso, curioso e, po E sem dúvida neste ponto que a obra
,
nio). O último volume de Les France da retomar a trilha traçada por Henry
vem completá-lo, desenvolvendo te Rousso, autor de um livro exemplar
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mas em torno das atividades de regis 50bre a memorlB
" e lC y. F'lea com-
dV'h
tro ("La généalogie" de André Burguià provado, portanto, que o '1ugar de me
re, "Les archives" de Krzysztof Po mória" não é urna '1l0va categoria de
mian). inteligibilidade", e que um número
Por fim, há os estudos sobre o papel bastante grande de historiadores pra
da memória na identidade e sobre a ticava e continua praticando o "lugar
perenidade dos grupos. Os artigos so de memória", da mesma maneira como
bre as minorias e as vítimas se inte Monsieur Jourdain fazia prosa, ou se
gram nesta categoria: os judeus ("Gré ja, sem saber. Um outro trabalho de
goire, Dreyfus, Drancy et Copernic" de Philippe Burrin sobre o simbolismo
Pierre Birnbaum), os jansenistas dos gestos políticos nos anos 1930, pu
l6
("Port-Royal" de Catherine Maire), os blicado na revista Vingtieme siecle,
protestantes ("l.e musée du Désert" de estaria mais em sintonia com o espíri
PhilippeJoutard), os uendéens de 1793 to de Les France .
('�Vendée, région-mémoire" deJean Nada disso exclui o fato de que Les
Clément Martin), o movimento operá lieux ele mémoi.re manifesta a vitalida
rio ("Le Mur des Fédérés" de Madelei de da disciplina histórica na França e
ne Rébérioux). testemunha o prestígio de que ela des
Certos trabalhos combinam eviden fruta. Hoje pode-se contar às dezenas
temente estes trés aspectos. os artigos dos primeiros volumes que
Se Les France oferece um florilégio se tornaram referências clássicas. Não
daquilo que os historiadores franceses seria arriscado apostar que a reflexão
podem produzir de melhor, náo chega de Alain Corbin sobre a oposição "Pa
no entanto a suscitar a mesma boa ris-province", ou a de MauriceAgulhon
surpresa dos volumes anteriores. De sobre "Le centre et la périphérie", e
pois de 1986, um grande número de ainda muitas outras, conhecerão em
publicações veio enriquecer nossos "lu breve o mesmo renome.
gares de memória". O primeiro volu O sucesso internacional de Les lieux
me de Les France, intitulado Conflils de mémoire prova uma vez mais que o
et partages (Conflitos e partilhas), náo mais singular e o mais especificamente
inova nada além do que foi escrito em cultural é o que mais carrega valores
•
a publicação de dois volumes, mas acaba aos melhores especialistas de sua época :
ram saindo três: Vidal de La Blache, Coville, Mariéjols,
vol.1-Héritages, historiographie, paysages. Seignobos, Pariset, entre outl'oe. Vale tam
vo1.2 - Le lerritoire, l'Etot, k patrimoú",. bém notar que Pierre Nora é o autor de dois
vol.3 -Lagloire, les n"ota. artigos sobre "Lavisse, instituteur natio
O projeto devia terminar aí, mas deci nal" e "L'I1istoire de Frwu:e de Lavisse",
diu-se dar continuidade à seqüência ini em La Nation, L
cialmente (e vagamente) prevista. 10. Esta corrida ciclista, realizada pela
III - Les France - 1993. primeira vez em 1903, permanece um dos
vol.1 - Conflits et p01tages eventos esportivos mais populares da
vo1.2 - 'J}·adition.s França.
vol.3 - De l'oJ'chiue à l'emblême. 11. Pierre Nora,LaNation., I, p.x. Grifo
2. "Mereano géant": esta é a definição nosso.
dada por Pierre Nora nas primeiras li 12. Pierre Nora, Les Frcmce, I, p.22.
nhas de sua apresentação de Les Fl'aJJCe, Grifo nosso.
1, Paris, Gallimard, 1993, p.ll.
13. AFrança metropolitana foi dividida
3. Pierre Nora foi oonvidado a compare durante a Revolução Francesa em "dépar
cer a todos os programas culturais da tele tements", que sáo hoje 95 e que permane
visão e do rádio. Os grandes jornais abri cem unidades administrativas essenciais.
ram suas colunas e colegas cobriram a
As Editions du Seuil publicam, sob
os
,
14.
obra de elogios: Jean-Piene Rioux afirmou
a direção de André Burguiere e Jacques
na revista de vulgarização L'Histoire, ng
Revel, uma J-1istoil'e de la F'rcutce em qua
165, abril 1993, que estávamos entrando
tro volumes temátioos (e cronológicos). O
na "era dos lugares de memória".
quarto está no prelo.
4. Era porém sabido que Hotel dlL NOl'd,
15. Henry Rousso, Le sy"drome de
filme cult dos anos 50 realizado pelo dire
Vu:hy de 1944 à "osjOU1'S, Paris, Le SemI,
tor de Les en{{mts du parodis, não tinha
1987. o livro trabalha exatamente com
sido rodado no lugar verdadeiro, mas in
esse problema da memória.
teiramente em estúdio!
16. Plúlippe Burrin, ''Poings levés et
5. Pierre Nora, Les France, 1, p.16.
bras tendus: la contagion des symboles au
6. Ibidem, p.20.
temps du Front populaire", Vingtiem.e sie
7. Muitos historiadores, e não dos me ele, Paris, F.N.S.P., n" 11, juillet-septem
nores, expressaram o mesmo ponto de vis bre 1986, p.5-20.
ta. Maurice Agulhon escreveu que "a
17. O pai desta expressão é o lústoria
França de antes de 1914 era quase que
dor americano Stanley Horrmann.
t<>talmente patriótica ( ...) Este patriotis·
mo permitiu ganhar a guerra em 1918,
mas tudo se passa oomo se ele tivesse sido
ferido mortalmente por esta mesma vitó
Arm elle Enders é doutora em história
ria e pelo horror provocado pelo sofrimen pela Universidade de Paris IV, Sorbonne,
to necessário para obtê-la", citando como e maUre de conféren.ces na mesma univer
apoio o grande especialista do nacionalis- sidade.