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sexta-feira, 19 de junho de 2015

História da Renamo (resumo)

Egidio Vaz
June 18 at 11:09am · Edited ·
As seis questões por mim colocadas ontem não
tinham por objectivo levantar quaisquer que fossem
animosidades. Elas tinham por objectivo contribuir
para o início de um debate em torno da
institucionalização de um gráfico de tempo mais ou
menos partilhado entre os moçambicanos. Ou seja,
ao mesmo tempo que discutimos sobre a verdadeira
idade do Partido Frelimo; a diferença entre partido
Frelimo e o movimento de libertação nacional
FRELIMO; a data e local da sua fundação, tentei
com as perguntas provocadoras espevitar os
moçambicanos sobre a história da Renamo.
Urge saber isso; as novas gerações precisam, para
que não caia na mentira ou sucumbam à
propaganda branqueadora.
A RENAMO: A MORAL, A DIPLOMACIA E A
HISTORIOGRAFIA
Falar da fundação da Renamo hoje é sem dúvidas
um sério desafio ético, moral e epistemológico. Tal
como Aquino de Bragança e Jacques Depelchin
(1986) escreveram em "Da idealização da Frelimo à
compreensão da História de Moçambique" sobre a
problemática teleológica da história da Frelimo, a
da Renamo enfrenta o mesmo problema. Os seus
historiadores ou arautos, tentam à todo custo
emprestar ao público uma visão teleológica da
Renamo, ou seja, uma perspectiva autojustificava
sobre os fins últimos da sua criação. Ao fazê-lo,
seleccionam, obliteram e castram
propositadamente todas as passagens da história
que aos olhos de hoje, têm o potencial de lhe
prejudicar politicamente.
Porém, como cidadãos, temos a OBRIGAÇÃO de
saber e discutir este passado, independentemente
de ser BOM ou MAU. Aos historiadores e cientistas
sociais, a sua obrigação é reforçada pelo imperativo
da integridade académica que devem observar.
RENAMO: DO PASSADO MERAMENTE BANDITESCO AO
PAPEL DA DIPLOMACIA
Existe uma extensa bibliografia que demonstra de
forma inequívoca que a Renamo que hoje
conhecemos passou por várias metamorfoses tanto
ao nível dos seus objectivos políticos como da sua
estratégia de guerra.
João Cabrita em "Mozambique: The Tortuous Road
to Democracy", descreve de forma minuciosa e
comprovada, com referência a fontes vivas e
documentos históricos válidos, os motivos
meramente banditescos que estiveram na origem da
Renamo. Existem depoimentos gravados em forma
de vídeo e audio disponíveis para consulta na TVM,
onde Ken Flower fala dos motivos, da estratégia e
do papel desestabilizador do MNR (Mozambique
National Resistance depois RNM Resistência
Nacional Moçambicana e por fim Renamo). O
trabalho de Alex Vines (1991) não poderia ser mais
sugestivo: "Renamo, from terrorism to democracy in
Mozambique". Nele, Vines documenta de forma
pormenorizada todos os passos pelos quais a
Renamo trilhou, desde o banditismo
desestabilizador à transformação para um
movimento político.
RENAMO: O DESAFIO DA PERIODIZAÇÃO
Tal como tem vindo a ser o meu principal
argumento, existem três periodos distintos pelos
quais a Renamo passou e se transformou.
O primeiro período vai desde a sua criação em 1977
até 1984 mais ou menos, altura da assinatura do
Acordo de Nkomati. Nestes primeiros sete anos a
Renamo foi essencialmente um agente e
instrumento desestabilizador de Moçambique. É
ESTE PERÍODO QUE FICOU CONHECIDO POR GUERRA
DE DESESTABILIZAÇÃO.
Criado para matar, roubar e destruir, a Renamo
teve nos antigos agentes da polícia política
portuguesa, regime racista da Rodésia e África do
Sul e colonialistas frustrados, seus principais
mentores, fundadores e patrocinadores. Só de
pensar nos seus primeiros secretários-gerais tais
como Orlando Cristina (primeiro secretário-geral da
Renamo assassinado em 1983) e Evo Fernandes
(outro dirigente da Renamo assassinado em 1988 em
Lisboa)-este foi quem deu um "toque político da
Renamo, de acordo com a sua viúva Ivete Fernandes
- é mais que suficiente para deitar por terra
qualquer projecto político nobre.
Uma coisa é reconhecer os malefícios do regime
machelista, ausência da democracia multipartidária
e a crueldade da Frelimo durante o período inicial
da independência, outra, BEM DIFERENTE é
defender a fundação da Renamo como resposta à
estes malefícios. NÃO. Isto é branquear a história.
Não existe rigorosamente nenhuma relação causal
entre o socialismo machelista e a criação da
Renamo.
O segundo período vai mais ou menos de 1984 a
1989. Genericamente é designado por GUERRA CIVIL
(primeira parte). Ficou essencialmente marcado por
dois aspectos. Primeiro, a transformação do
movimento desestabilizador patrocinado por
estrangeiros à um movimento armado
autossustentável. Segundo, ao nível
ideológico/político, funda-se uma Renamo com
algum programa político que, no quadro da Guerra-
fria reclama democracia multipartidária como leit-
motiv da sua luta. Também é neste período que se
intensificou a guerra, depois de as forças armadas
da África do Sul terem feito os últimos
abastecimentos em material bélico para a Renamo.
A guerra alastra-se em todo território nacional e a
Renamo chega a controlar dois terços do país. A
morte de Samora Machel faz renascer a esperança
do diálogo, o papel das igrejas na busca da Paz
consolida-se e os primeiros contactos para a Paz são
encetados, primeiro com a Africa do Sul e segundo
por intermédio dos religiosos, governo Keniano,
Tswana e Malawiano.
O terceiro e último período vai de 1989 a 1992
(guerra civil, segunda parte). É caracterizado pela
intensificação de demarches na busca da Paz. É o
tempo da diplomacia, que teve que "transformar o
conflicto" para que fosse debatível. Aqui, as
principais causas da guerra "tiveram que ser
reinventadas: democracia multipartidária,
liberdade de expressão, de opinião, blá, blá, blá.
Portanto, é neste período que finalmente a Renamo
é reconhecida como "interlocutor válido para a Paz
em Moçambique" e no país começam as mudanças
profundas, em preparação para o advento da
democracia multipartidária.
CONCLUSÃO
1. Quem é o fundador da Renamo? - Inimigos da
independência de Moçambique: regime rodesiano,
antiga PIDE, regime de apartheid, com Ken Flower à
cabeça. Tenho que reconhecer que incorro aqui a
excessiva generalização.
2. Quem é o fundador do Partido Renamo? - O
fundador do Partido Renamo é Afonso Macacho
Marceta Dhlakama
3. Quem foi o primeiro presidente da Renamo? - O
Primeiro Presidente da Renamo é Afonso Macacho
Marceta Dhlakama. André Matadi Matsangaissa foi o
primeiro dirigente militar do movimento
desestabilizador, com os rodesianos à cabeça.
4. Quem foi o segundo presidente da Renamo? - Não
existe segundo Presidente da Renamo. Sempre foi o
mesmo: Afonso Macacho Marceta Dhlakama
5. Quem foi o primeiro presidente do Partido
Renamo? Afonso Macacho Marceta Dhlakama
6. Quem foi o segundo presidente do Partido
Renamo? Não existe segundo Presidente do Partido
Renamo. Sempre foi o mesmo: Afonso Macacho
Marceta Dhlakama. (se calhar, está por nascer,
risos).
Onde nasceu a Renamo: A Renamo nasceu na
Rodésia do Sul, actual Zimbabwe.
Ora, tudo o que eu disse aqui é discutível,
susceptível de correcção, acréscimos e refutação.
Mas tentei expor o meu melhor entendimento sobre
o percurso desta instituição que se chama Renamo.
Tendo dito isto, não quero julgar o partido Renamo
pelo seu passado. Não, não é este meu objectivo.
Quero tão-somente contribuir para a compreensão
“holística” de uma história que se quer simplificar à
custa de interesses políticos fugáveis, contingentes
e quiçá, tacanhos.
Se tiver atingido este objectivo, eu posso
considerar-me feliz.

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