Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Figuras da infâmia
Segundo caso: a família não quer ou não pode assumir essa função de
vigilância porque a presença do louco lhe coloca problemas demasiado
difíceis em função de seus meios de controle (caso dos "furiosos", por
exemplo), ou então porque as iniciativas irresponsáveis do insano
ameaçam a salvaguarda do patrimônio familiar. Ela tem, então, a
escolha entre duas possibilidades que são de fato dois modos de
delegação de seu poder, mas, através de procedimentos dentro dos
quais ela conserva a iniciativa. Pode dirigir-se a autoridade judiciaria para
obter uma ordem de internação, e mesmo solicitar a interdição. Esse
procedimento leva a uma situação clara de tutelarização do louco pela
qual a gestão de seus bens cabe a família. Essa solução era escolhida,
de preferência, pelas famílias mais ricas e era até necessária quando o
objetivo consistia em obter uma tutelarização civil do louco sem
sequestração, pois a interdição não impunha a internação fora da
família. Segunda possibilidade: a "ordem do rei" permitia obter a
sequestração através de um processo mais sumario. Em sua solicitação,
a família propunha em geral o lugar da internação, em função sobretudo
do total da pensão que ela consentia em pagar. Através desse
procedimento a família se poupava da "desonra" (e dos custos) de um
processo de interdição. Mas a lettre de cachet representava o contrário
de um ato arbitrário já que era requisitado pelos parentes, juízes naturais
dos interesses familiares. p. 26
Terceiro caso: o louco escapava completamente ao controle familiar, ou
porque não possuísse família, ou porque fosse surpreendido a "vagar" fora
do seu âmbito de vigilância. Neste caso a iniciativa da repressão
incumbia as autoridades responsáveis pela manutenção da ordem
pública. Estas (em Paris e nas grandes cidades, os serviços de polícia; em
outros lugares, os dos intendentes) podiam solicitar uma "ordem do rei". O
mais frequente e que interviessem primeiro e, em seguida, solicitassem a
ordem que legalizava sua intervenção. Isto, em princípio. De fato, a
legalização dessas internações compulsórias precoces, através do
recurso direto a autoridade real não parece ter sido a norma. Por
exemplo, Piersin, "guarda dos loucos" em Bimestre, em uma carta a
Comissão das Administrações Civis e dos Tribunais que inquiria (10
primário, ano III) sobre as modalidades de internações dos insanos
detidos desde o Antigo Regime, constata somente vinte e três, em
duzentos e sete, admitidos por "ordem do tirano" (e somente cinco por
"decreto do ex-parlamento"). A maior parte dos outros insanos era
internada por iniciativa dos administradores da polícia ou dos
estabelecimentos hospitalares. Mas não existe aí nada de escandaloso:
sob o Antigo Regime, frequentemente, os agentes do executivo
assumiam, através de delegação implícita, as prerrogativas do poder
real. O importante e a legitimidade que essas intervenções extraem da
antiga síntese entre o administrativo e o judiciário. Isso está claro em Des
Essarts: "Deve-se distinguir, no chefe de polícia, o magistrado e o
administrador. O primeiro e homem da lei, o segundo e homem do
governo". Antes que a revolução denuncie, nesta justaposição, o
escândalo do despotismo, ela funda em direito as práticas de reclusão
dos loucos no Antigo Regime. p. 27-8