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MOVIMENTO GERA MOVIMENTO

Karine do Rocio Vieira dos Santos1


Aline Tschoke2

Resumo

O presente trabalho traz o resultado de pesquisas realizadas pelo Grupo de


Estudos e Pesquisas em Lazer, Espaço e Cidade (GEPLEC) durante o
desenvolvimento do Programa de Esporte e Lazer da Cidade (PELC) – UFPR,
realizado na região da Vila Audi no bairro Uberaba em Curitiba. Transpondo o
principio da inércia para o plano social, se propõe a refletir a influência das relações
humanas na apropriação dos espaços públicos de lazer, observando que o
movimento gera movimento, isto é, a presença de pessoas atrai mais pessoas.
Pretende- se apontar as primeiras impressões deste fato que se mostra presente em
todos os espaços onde o PELC tem ações. Este assunto se torna relevante, pois é
possível refletir sobre a dinâmica da apropriação dos espaços e perceber que ela é
flutuante, visto que forças sociais atuam a todo momento.

Palavras chave: espaço, apropriação, lazer.

INTRODUÇÃO

Uma das funções das cidades é promover “... os contatos interessantes,


proveitosos e significativos entre os habitantes...” (JACOBS, 2000, p. 59), nesse
sentido as ruas, calçadas, praças e parques tem um papel fundamental, o do
encontro. E os tempos e espaços de lazer são parte desse processo de apropriação
da cidade.
Nesse sentido a partir das pesquisas realizadas pelo Grupo de Estudos e
3
Pesquisas em Lazer, Espaço e Cidade (GEPLEC) durante o desenvolvimento do
1
Graduanda em Educação Física pela Universidade Federal do Paraná, e-mail: krv_s@hotmail.com
2
Mestranda em Educação Física pela Universidade Federal do Paraná, e-mail:
aline_tschoke@yahoo.com.br
3
O GEPLEC é coordenado pela Prof. Dr. Simone Rechia, e está subordinado ao CEPELS (Centro de
estudos e pesquisas em esporte lazer e sociedade), localizado no Departamento de Educação física
Programa de esporte e lazer da Cidade4 (PELC)- UFPR, realizado na região da Vila
Audi no bairro Uberaba em Curitiba, foi possível perceber inúmeros acontecimentos
que poderiam ser descritos e analisados, porém um deles ganhou destaque por se
mostrar presente em todos os locais onde o PELC- AUDI tem ações, sendo este o
fato de que a presença de pessoas se apropriando de um espaço acaba por atrair
mais pessoas a fazer o mesmo.
Sendo assim este artigo se propõe a refletir sobre algumas das possíveis
influências da apropriação e desapropriação de determinados espaços públicos de
lazer, especificamente a influência das relações sociais. Este assunto se torna
relevante em razão do objetivo do PELC que é segundo o site do Ministério do
Esporte “suprir a carência de políticas públicas e sociais que atendam às crescentes
necessidades e demandas da população por esporte recreativo e lazer”
(MINISTÉRIO DO ESPORTE, 2009) e tendo em vista que isto só é possivel, se de
fato à comunidade se apropriar dos espaços que estão disponíveis, além de se
necessário exigir a implantação de novos espaços.
Este programa do Governo Federal visa garantir o lazer, tendo em vista que

São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia,o lazer, a


segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a
assistência aos desamparados, na forma desta Constituição (BRASIL, 2007,
grifo nosso)

Desse modo percebe-se a importância do lazer ao lado de necessidades


básicas como a educação e a saúde, para tanto utiliza-se a definição de lazer
segundo Mascarenhas, que leva em conta entre outras coisas as relações de poder
que se estabelecem nesse tempo - espaço.
Sendo assim o lazer é

fenômeno tipicamente moderno, resultante das tensões entre capital e


trabalho, que se materializa como um tempo e espaço de vivências lúdicas,
lugar de organização da cultura, perpassado por relações de hegemonia”
(MASCARENHAS,2003, p. 97)

da Universidade Federal do Paraná.


4
Programa Implantado e gerenciado pela Secretaria Nacional de Desenvolvimento do Esporte e do
Lazer, SNDEL, do Ministério do Esporte, neste caso em parceria com a Universidade Federal do
Paraná, sendo o núcleo em questão localizado na cidade de Curitiba, em uma região do bairro
Uberaba.
Desse modo a materialização do lazer, e da vida num sentido mais amplo,
acontece necessariamente em determinados espaços, nos quais aponta-se a
importância na organização das relações humanas.
No caso dos espaços públicos de lazer essas relações são ainda mais
intensas, pois
(...) oportunizam entre outras coisas a sociabilidade, a prática esportiva, a
atividade física, a brincadeira, o desenvolvimento cultural, assim como os
confrontos, embates e tensões sociais que podem surgir na produção
dessas experiências. (RECHIA E FRANÇA, 2006, p. 62)

Nesse sentido Santos (apud Luchiari, 1996, p.217) afirma que o espaço é um
“condicionante condicionado”, pois pela sua organização, sugere ou muitas vezes
impõe certos comportamentos. Porém também é condicionado, visto que pode ser
apropriado de diferentes formas além daquela para que foi planejado. Ainda de
acordo com o autor “o espaço não é um pano de fundo impassível e neutro. Assim
este não é apenas um reflexo da sociedade nem um fato social apenas”.(idem)
Dando continuidade a reflexão sobre a categoria espaço Pellegrin (2005, p.
74) corrobora com Santos (apud Luchiari, 1996) e complementa sobre as diferentes
correlações entre as forças econômicas e políticas, e que o espaço em que vivemos
“... é social, é político, é econômico, uma vez que as relações de poder e de controle
que se estabelecem sobre ele acabam determinando não apenas o desempenho,
mas também o uso que se faz dele.”
Com essas afirmações, pode-se refletir sobre a apropriação dos espaços
públicos, sabendo que esta apropriação “só se mantém e, portanto, depende do
significado que a comunidade lhes atribui.” (RECHIA E FRANÇA, 2006, p. 67),
sendo assim é resultado de uma teia de relações que envolve comunidade-espaço e
comunidade-comunidade, isto é são estabelecidas ligações entre as pessoas e o
espaços vividos.
Sendo assim, será abordado neste artigo esta relação da comunidade com
ela própria, mostrando a importância das relações sociais na apropriação dos
espaços públicos.
Para tanto utilizou-se dos instrumentos metodológicos propostos por Geertz
para a análise cultural. Sendo estes, observações sistemáticas com descrição
densa em diário de campo, análise de registros fotográficos e vídeos, e entrevistas
abertas com os participantes.
O PRINCÍPIO DA INÉRCIA

“Na ausência de forças todo corpo fica como está, parado se estiver parado e
em movimento se estiver em movimento” (GASPAR, 2007, p. 80), o princípio da
inércia formulado por Isaac Newton é utilizado para descrever uma característica de
corpos físicos, porém pode-se interpretá-lo para um fato que ocorre na sociedade.
Na ausência de forças sociais todo espaço que está desapropriado fica
desapropriado e todo espaço que está apropriado permanece apropriado.
Nesse sentido, num espaço vazio se nenhuma pessoa se dispuser a estar lá,
ele continuará vazio, porém a presença de algumas pessoas pode atrair outras e a
apropriação se torna mais fácil. Sendo assim as forças sociais estão sempre
presentes, e o espaço que outrora estava vazio pode ser alterado se uma força
social mais forte atrair as pessoas, nesse caso elas irão , num movimento continuo
de espaços vazios e cheios.

CONCEITOS DA INÉRCIA EM AÇÃO

O espaço da cidade pode ser visto, como um “... laboratório de tentativa e


erro, fracasso e sucesso, em termos de construção e desenho urbano.” (JACOBS,
2000, p. 5), e nessa mesma perspectiva podem-se observar os espaços e ações de
lazer, e isso só é possível como aponta Santos (2008), quando se inicia um
processo de revisita a cada lugar buscando seus novos significados através da
observação do cotidiano.
Em uma Associação de moradores5 foi nítido o princípio da inércia se
materializando. Quando não havia nenhuma criança brincando no espaço, era raro
alguma outra criança chegar para brincar, mesmo com as portas abertas. Do
contrário quando já havia um grupo brincando, mais crianças apareciam, primeiro
para olhar o que se passava no local e na seqüência entravam na brincadeira.
Durante todos os eventos e atividades realizadas em espaços públicos de
lazer tais como praças e bosques, observou-se que quando não havia ninguém no
local ou na atividade, era difícil a apropriação porém no momento em que alguém ou
um grupo iniciava sua participação, isso de certa forma “contagiava” outras
5
Espaço no qual era desenvolvida a oficina “Jogos e brincadeiras”, uma vez por semana o espaço
era aberto a comunidade com o intuito de movimentar e “dar vida” ao local que atualmente se
encontra com falta de manutenção e desapropriado por parte da comunidade.
pessoas do entorno que então também se apropriavam, dando continuidade ao
processo. Isto pode ser elucidado tendo em vista que “a presença de pessoas atrai
outras pessoas, (...). O prazer das pessoas de ver o movimento de outras pessoas é
evidente em todas as cidades” (JACOBS, 2000, p.40) esta mesma autora ainda
ressalta a origem dos espaços públicos que é a “... necessidade de contato,
comunicação, organização e troca...” sendo assim, quanto mais pessoas mais
trocas, mesmo que estas sejam apenas o encontro com o outro e com o diferente.
Com o princípio da inércia sendo aplicado ao espaço e sua apropriação,
podemos entender as forças físicas como possíveis motivos que levam a população
se apropriar destes locais ou refutá-los, sendo estes divididos nesse momento em
três categorias de análise: questão estética, segurança e sentimento de
pertencimento.
Uma destas forças que iniciam o movimento nos espaços é a qualidade do
lugar, isto é, a questão estética. Por exemplo, um parquinho novo, bonito, colorido
tem mais chances de ser utilizado pelas crianças, do mesmo modo num evento no
qual o espaço em que as atividades estejam bem organizadas há chances de
receber um público maior. Outro exemplo está nas mulheres que participam de aulas
de Ginástica6 em uma praça, ao serem convidadas para um evento realizado na
Associação de moradores comentaram que não iriam porque “(...) lá é muito feio,(...)
aquele teto pode cair”. Este evento recebeu um público muito reduzido,
provavelmente em razão do estado de conservação da Associação e da sua
localização geográfica, que por estar numa rua basicamente residencial, tem pouca
circulação de pessoas e assim menos chances delas perceberem o que se passava
ali, além do pouco público passar uma imagem de monotonia, afastando o público
ao invés de acolhê-lo.
A segurança do local, atualmente essa questão é uma das que mais são
levadas em conta pela população na hora de escolher locais para freqüentar. O
bosque7 presente na comunidade, por exemplo é utilizado por grupos de
consumidores de drogas, por ser um lugar ermo, escuro e fechado propício para tal
uso, e por este motivo afasta em alguns momentos, por medo, outros usuários.
Muitas crianças relatam inclusive que não brincam ao entardecer nesse espaço por
impedimento de seus pais preocupados com a segurança delas.
6
Atividade ofertada pelo PELC.
7
Espaço constantemente utilizado para oficinas e eventos do bosque, localiza-se ao lado de uma
escola e possui manutenção regular.
O sentimento de pertencimento é outra força determinante para a
apropriação de qualquer espaço ou atividade, pois segundo Rechia (2003, p.132) “...
o que começa como espaço indiferenciado transforma-se em lugar à medida que o
conhecemos melhor e o dotamos de valor”. Nesse caso supera-se muitas vezes os
outros motivos mencionados, apelo estético ou segurança, pela identificação com o
espaço em questão. Nos registros de campo deparou-se repetitivamente com
crianças brincando em parquinhos com manutenção precária, ou soltando raias nos
trilhos dos trens enquanto os fios se prendiam a fiação elétrica. Esses locais não
teriam a qualidade que se espera, mas mesmo assim são apropriados em razão de
ser um “lugar” com significado para as crianças.
Pode-se inferir então que um espaço com boa apresentação estética,
segurança e iluminação, pode potencializar o movimento de pessoas, no entanto o
sentimento de pertencimento muitas vezes ultrapassa essas questões.
A partir das questões apresentadas, podemos nos perguntar: se o movimento
gera movimento, então de onde surge a força inicial que impulsiona essa roda?
Nota-se dois inícios distintos, como já foi dito o significado que algumas pessoas
atribuem ao espaço a fazem se apropriar deste e com isso “contagiam” os sujeitos
ao seu redor ou no momento em que uma liderança instiga essa apropriação. Em
outras palavras, ou essa força vem do sentimento da pessoa pelo local e pela
atividade ou pela ação de uma liderança que tem a capacidade de persuadir a
participação.
Essa liderança apresentada não é necessariamente institucionalizada, mas
percebida pelos sujeitos no seu cotidiano, isto é a liderança intrínseca que
determinados indivíduos possuem. Essa posição de influência sobre o grupo
pressupõe certo nível de autoconfiança por parte do líder e tem relação com a
hegemonia sugerida na definição de lazer comentada anteriormente, pois se trata de
um modo de poder.
Em relação aos eventos analisados nessa pesquisa, na maioria das vezes
são realizadas varias atividades ao mesmo tempo e há a oportunidade de escolha
por parte dos usuários. Com isso, é nítido que sempre há uma atividade mais
procurada, justamente porque as pessoas que chegam se vêem atraídas por aquela
movimentação, que se mostra muito mais interessante do que uma atividade que
ninguém está fazendo. Exemplo disso foi o evento realizado no Bosque já
mencionado. Um balanço feito com um pneu e cordas, foi sem dúvida a atividade
mais procurada do início ao fim do evento, até porque algumas das crianças que ali
estavam participaram quando ele estava sendo montado, gerando um sentimento de
pertencimento das crianças pelo brinquedo, outras atividades como o “circuito do
lixo” foi deixada de lado, porque como nenhuma criança estava brincando, a
atividade permanecia monótona. Possivelmente se um grupo de crianças
começasse a brincar outras também iriam se interessar pela brincadeira.
Outro exemplo é o da Associação de moradores, ao chamar as crianças que
estavam na rua para ir brincar lá, estas raramente atendiam ao chamado.
Diferentemente quando a presidente da Associação convidava ou quando as
próprias crianças chamavam umas as outras, desses modos elas imediatamente
aceitavam o convite e junto com elas mais crianças apareciam dando vida ao
ambiente e com isso gerando mais movimento.
O modelo de atuação do PELC na comunidade da Vila Audi do modo como
está configurado8, contempla o desenvolvimento da apropriação desses espaços de
lazer através da busca pelo despertar do sentimento de pertencimento ou pela
potencialização das lideranças. Com isso pretende-se além de educar por meio das
atividades, criar significados para esses espaços e assim transformá-los em lugares
dotados de valor. As atividades visam também desenvolver a liderança que cada um
pode exercer no ambiente onde vive, buscando a emancipação do pensamento.
Espera-se com isso que elas possam se apropriar dos espaços públicos
independentes da presença do PELC, além de contagiar mais pessoas a também se
apropriarem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Seja num evento do PELC, numa loja cheia de consumidores ou numa rua
movimentada o fato é que o movimento gera movimento. Isso acontece desde uma
realidade local até perspectivas globais. Para desvelar mais alguns dos motivos
porque isso acontece seria necessário uma pesquisa mais complexa, indo além do
olhar exploratório deste artigo. Nesse momento é possível inferir que o fluxo de
pessoas num determinado local ou atividade é em geral atrativo para mais pessoas
se apropriarem.
8
Levando seus alunos até os espaços públicos nos eventos e nas oficinas a fim de realizar atividades
educativas, tais como Jogos coletivos e individuais com temas como cidadania, respeito,
solidariedade, convivência entre outros,
Corrobora-se com Jacobs ao dizer que “A própria diversidade humana
permite e estimula mais diversidade.” (2000, p.159). Sendo assim é interessante
para o desenvolvimento de políticas de esporte e lazer que haja diversidade de
pessoas e de atividades em suas ações. Além da necessidade do apoio das
lideranças locais. Estes fatores podem vir a contribuir no âmbito da apropriação dos
espaços públicos de lazer presentes na comunidade.
Para Jacobs (2000, p.499) “as cidades monótonas, inertes, contém, na
verdade as sementes de sua própria destruição e um pouco mais. Mas as cidades
vivas, diversificadas e intensas contêm as sementes de sua própria regeneração”,
desse modo a região pesquisada possui espaços vivos e outros inertes, que para
serem (re)apropriados necessitam de forças contínuas que os impulsionem, essa
força não pode vir de outro lugar a não ser da própria comunidade, que conta com
ações como as do PELC na busca dessa emancipação.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Titulo II, Capítulo II, Artigo 6º. Dos direitos sociais. Constituição da
República Federativa do Brasil. Brasília. 2007

FRANÇA, R.; RECHIA, S. O estado do Paraná e seus espaços de lazer:


Apropriação, desapropriação ou reapropriação? In: CAVICHIOLLI, Fernando Renato;
MEZZADRI, Fernando Marinho; SOUZA, Doralice Lange. Esporte e Lazer:
Subsidios para o desenvolvimento e a gestão de políticas Públicas. 1 ed. São
Paulo: Fontoura. 1998. 61-74.

GASPAR, A. Física: série brasil. 1 ed. São Paulo: Ática, 2007.

JACOBS, J. Morte e vida de grandes cidades. 1ª ed. São Paulo: Martins Fontes,
2000.

LUCHIARI, Maria Tereza D. P. A categoria espaço na teoria social. Temáticos.


Campinas v.4, n.7, p. 191-238, jan./jun. 1996.
MASCARENHAS, F. Lazer como prática de liberdade: uma proposta educativa
para a juventude.Goiânia, Ed. UFG, 2003.

PELLEGRIN, A. Espaço de lazer. In: GOMES, Christianne Luce (Org.). Dicionário


crítico do Lazer.1ª ed. São Paulo: Autêntica , 2004. p.73-75.

PROGRAMA ESPORTE E LAZER DA CIDADE. Ministério do Esporte. Brasilia.


Acesso em 1 de julho de 2009. Disponível em
http://portal.esporte.gov.br/sndel/esporte_lazer

RECHIA, S. Parques públicos de Curitiba: a relação cidade-natureza nas


experiências de lazer. 2003. 199 f. Tese (Doutorado em Educação Física) -
Faculdade de Educação Física,Universidade Estadual de Campinas, Campinas,
Unicamp.

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