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JADSON RAMOS DE QUEIROZ

CRISTÃOS-NOVOS EM SÃO GONÇALO:


INQUISIÇÃO E CRIPTOJUDAÍSMO NO INÍCIO DO
SÉCULO XVIII

São Gonçalo
2018
JADSON RAMOS DE QUEIROZ

CRISTÃOS-NOVOS EM SÃO GONÇALO:


INQUISIÇÃO E CRIPTOJUDAÍSMO NO INÍCIO DO
SÉCULO XVIII

Monografia apresentada como


exigência parcial para obtenção
do título de graduação em
Licenciatura Plena em História
pela Faculdade de Formação de
Professores da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro sob a
orientação da professora Daniela
Buono Calainho.

São Gonçalo
2018
A minha amada e companheira de todos os
momentos… Perla Klícia.
AGRADECIMENTOS

A professora Daniela Calainho pela imprescindível ajuda para a realização deste trabalho,
pois sem o seu apoio não conseguiria.
A professora Célia Tavares pela fundamental contribuição na finalização deste trabalho,
pelas aulas de História Moderna e especialmente a colaboração no “Seminário Sobre os
500 anos da Reforma Protestante” realizado neste campus em outubro de 2017.
Ao professor Carlos Mauro pela confiança em mim depositada ao longo da graduação.
Ao historiador gonçalense Luciano Tardock.
Ao jornalista e entusiasta pela história local, Jorge Nunes.
Aos amigos Ádamo, Ismael, Marcos Fontoura, Henderson, Pedro Rebelo e Daniela Akthar.
Aos demais amigos e colegas que de alguma forma colaboraram em minha jornada.
A minha companheira de todas as horas, aquela que está comigo em todos os momentos,
na alegria e na tristeza, na saúde e na doença… A minha amada esposa Perla Klícia.
Aquele que me amou primeiro, o Autor e Consumador da minha fé, que por sua graça e
misericórdia me sustenta em seus braços e em seus passos guio meu caminho: Jesus de
Nazaré.
“Um governo é tido por violento se pretende
dominar as almas e uma majestade soberana
parece agir injustamente contra os súditos e
usurpar seus direitos quando quer prescrever
a cada um o que admite como verdadeiro ou
rejeita como falso, e também que opiniões
devem mover sua alma para com Deus. Pois
tais coisas pertencem ao direito próprio de
cada um, um direito de que ninguém, ainda
que quisesse, pode se desapegar.”
(Baruch de Spinoza, 1670)
SUMÁRIO

Resumo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 07

Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 08

Capítulo 1 - Inquisição moderna na União Ibérica e criptojudaísmo

1.1 Espanha . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .10


1.2 Portugal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .14
1.3 Da Espanha ao Brasil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16

Capítulo 2 - O Rio de Janeiro ente final do século XVII e início do XVIII

2.1 Aspectos políticos, econômicos e sociais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .20


2.2 Freguesia de São Gonçalo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28

Capítulo 3 - Criptojudaísmo

3.1 A província do Rio de Janeiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .34


3.2 Terras da “banda d’além” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40
3.3 O cristão-novo Diogo Bernal da Fonseca . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .44

Considerações finais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51

Fontes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .54

Bibliografia. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .55

Anexos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .60
RESUMO

QUEIROZ, Jadson Ramos de. Cristãos-novos em São Gonçalo: Inquisição e


criptojudaísmo no início do século XVIII. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Daniela Buono
Calainho. São Gonçalo: UERJ/FFP, 2018. 63p. Monografia (Graduação em Licenciatura
Plena em História)

O presente trabalho tem por objetivo apresentar o criptojudaísmo no município de


São Gonçalo(RJ) entre o final do século XVII e início do século XVIII. A análise se inicia
com a conversão forçado dos judeus na Espanha e Portugal que dá origem ao termo
cristão-novo o que passa a ser usado para distingui-los dos demais cristãos, e a vinda destes
para o Brasil. Há uma descrição da Capitania do Rio de Janeiro no citado período e da
freguesia de São Gonçalo. Buscou-se finalmente uma análise dos cristãos-novos e de suas
possíveis práticas secretas no Rio de Janeiro e, principalmente, em São Gonçalo. A parte
final do trabalho teve por objetivo a análise do processo de um cristão-novo lavrador de
cana em São Gonçalo, preso pelo Santo Ofício em 1710: Diogo Bernal da Fonseca.
INTRODUÇÃO

Baruch de Spinoza(1632-1677) foi um filósofo holandês nascido em Amsterdam. É


considerado um dos pensadores mais originais de sua época 1 bem como um dos fundadores
da filosofia moderna2. Descendente de judeus oriundos da perseguição portuguesa foi
educado no Colégio Judeu de Amsterdam, porém, no ano de 1656 foi excomungado da
sinagoga por ter sua crença sido considerada cética.3
A vida de Spinoza tem muito a nos dizer sobre os cristãos-novos. É possível
remontar a trajetória dos seus antepassados desde a Espanha quando os judeus são forçados
a se converterem. Os mesmos seriam oriundos de uma cidade chamada Spinoza de
Monteros na região de cantábrica na Espanha. Alguns fogem para Portugal, entretanto com
a conversão forçada que ocorre também lá a família Spinoza se dispersa por vários países.
O pai de Spinoza, Miguel, teria nascido em Portugal e a família foi para a França e
posteriormente para Holanda, em 1622, local de nascimento de Baruch de Spinoza.4
Interessante notar sua excomunhão da sinagoga, não as motivações que o levaram a
isso pois essa questão não é objeto desta pesquisa, mas porque isso só foi possível pois
existia uma sinagoga em Amsterdam que foi constituída por circunstâncias históricas dos
países baixos que propiciaram a convivência entre Protestantes, Católicos e Judeus. Como
é o caso da cidade de Rotterdam citada pelo historiador Fernand Braudel: “reformadores
holandeses, escoceses, valões, presbiterianos, episcopalistas, luteranos, inconformistas,
menonitas, católicos e judeus” 5 faziam parte da população daquela cidade.
Essa característica levou a uma grande migração de judeus para lá e por algumas
vezes alguns cristãos-novos retornavam ao judaísmo. Essa circunstância de tolerância e
convívio mútuo não era possível de ocorrer no Brasil.
Exceção foi o período em que o nordeste brasileiro estive sob o domínio dos
holandeses(1630-1654), principalmente quando foi governado por Maurício de Nassau.

___________________
1 – MARCONDES, Danilo. Iniciação à História da Filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. Jorge
Zahar Ed. 13 Edição: Rio de Janeiro, 2010. Pág. 195
2 – SCRUTON, Roger. Espinosa. Editora UNESP: São Paulo, 2000. Pág 5
3 __________ Introdução à Filosofia Moderna: De Descartes a Wittestein. Zahar Editores: Rio de Janeiro,
1982. Pág. 55
4 – Os dados apresentados foram extraídos da Cronologia Política e Principais Fatos Biográficos In:
GUINSBURG, J.; CUNHA, Newton; ROMANO, Roberto(orgs). SPINOZA. Obra completa III: Tratado
Teológico-Político. Editora Perspectiva: São Paulo, 2014. Pág. 15 a 19.
5 – BRAUDEL, Braudel. Civilização Material, economia e capitalismo: séculos XV-XVIII. O tempo e o
mundo. Volume 3. Editora Martins Fontes: São Paulo, 2009. Pág. 168
Ainda que tenha sido um ambiente de tensões e que em certos momentos as
questões religiosas causaram conflitos, principalmente no período de guerra pelo domínio
da região, foi sob a administração holandesa que os judeus obtiveram liberdade religiosa
em terras brasileiras no período colonial e lá construíram mais de uma sinagoga.6
O que discorro neste trabalho não é sobre Spizona, nem sobre a Holanda, nem sobre
o período em que o nordeste brasileiro esteve sob o domínio holandês. O objeto dessas
descrições é traçar um paralelo entre alguns temas que aproximam Espanha, Portugal,
Brasil e Holanda entre o século XVII e XVIII, mas que ao mesmo tempo também os
distanciam largamente, e assim possamos compreender de forma mais ampla o contexto
histórico que faço a abordagem no trabalho.
A questão judaica é um tema que distancia essas regiões no quesito religioso,
nenhum judeu foi expulso da sinagoga pelos portugueses no Brasil colonial pelo simples
motivo das mesmas não existirem, nem judeu poderia haver. O Reino deveria ser composto
apenas por cristãos, ainda que pela imposição disto.
Desta forma, busquei traçar uma jornada começando pela conversão forçada dos
judeus na Espanha e em Portugal com o surgimento de uma nova categoria de cristão, os
cristãos-novos, motivo este que os levou as práticas secretas, ou criptojudaísmo. Passando
pela instituição da Inquisição na península ibérica no período Moderno, apesar de estar
fundamentada na Idade Média, e a prática do criptojudaísmo no Brasil no capítulo 1.
Para contextualizar o período estudado o capítulo 2 é dedicado a uma apresentação
das características do Rio de Janeiro e São Gonçalo entre o século XVII e XVIII.
No capítulo 3 encontra-se o perfil dos cristãos-novos na capitania do Rio de Janeiro
e na freguesia de São Gonçalo dentro do período em questão, e as suas possíveis práticas
criptojudaicas. Por fim, uma análise do processo de Diogo Bernal da Fonseca, um lavrador
de cana da fazendo Colubandê, local este que pertencia a uma família de cristãos-novos
que foram presos e sentenciados pelo Santo Ofício, na busca dos indícios de que poderia
ser ele um praticante do judaísmo, e características que essas práticas poderiam revelar
uma circularidade cultural.7

___________________
6 – Sobre o período do domínio holandês no nordeste ver: MELLO, Evaldo Cabral de. O Brasil
Holandês(1630-1654). Penguin & Companhia das Letras: São Paulo, 2010. Para a questão dos judeus nesse
período ver: VAINFAS, Ronaldo. Jerusalém Colonial: Judeus portugueses no Brasil Holandês. Civilização
Brasileira: Rio de Janeiro, 2010.
7 - GINBURG, Carlo. O Queijo e os Vermes: o cotidiano e as ideias de um moleiro perseguido pela
Inquisição. Companhia da Letras: São Paulo, 2006.
____ O inquisidor como antropólogo. São Paulo: Revista Brasileira de História, V.1 nº 21, 1990.
Cap. 1 Inquisição moderna na União Ibérica

1.1 Inquisição na Espanha

Por insistência da monarquia espanhola, Fernando de Aragão e Isabel de Castela,


no ano de 1478 o papa Sisto IV autorizou o estabelecimento do Tribunal do Santo Ofício
em Castela. Em 1483 outras localidades do reino também passariam a ter autorização para
estabelecer um Tribunal8. Porém, a relação de tensão e intolerância entre os cristãos e os
judeus mostrava-se tênue e conflitante em épocas anteriores a instauração do Tribunal, “em
Castela, Navarra e Aragão, esporadicamente, explodiam manifestações antijudaicas, e em
1391 dá-se um massacre no qual 4000 judeus foram mortos nas ruas de Sevilha”9.
Nesse episódio, Simon Schama aponta que “mulheres e crianças eram arrastados
pelos cabelos, aos gritos, para o batismo; as que continuavam a resistir eram degoladas.
Multidões frenéticas de inocentes aceitaram a conversão”10. A perseguição espalhou-se por
outros territórios, Córdoba, Lucena, Toledo, Valência, Catalunha e Barcelona 11, avançando
para além do continente chegou a ilha Maiorca onde os judeus obtiveram a proteção do
governado local, mas não foi suficiente para conter a multidão enfurecida que acabou
arrebentando as portas do local onde os judeus se refugiavam, em dois dias “havia pelo
menos trezentos corpos estendidos nas ruas, diante das portas e no interior das casas dos
judeus, muitos deles mulheres e crianças. Seguiram-se os vilipêndios habituais: a
destruição de sinagogas ou sua transformação em igrejas”12.
A consequência dessa perseguição foi a segregação dos judeus em três grupos: os
que permaneciam na fé judaica, os que se convertiam e aqueles que se diziam convertidos
mas praticavam as cerimônias e os ritos judaicos em segredo. Segundo a historiadora Anita
Novinsky esse terceiro grupo exteriormente aparentava:

“a religião cristã, mas que na vida familiar e em particular


continuavam a praticar o judaísmo: os criptojudeus. Consideravam-

__________
8 - NOVINSKY, Anita Waingort. A Inquisição. 6 Ed. Editora Brasiliense: São Paulo. p.31
9 - Ibidem. p.25
10 - SCHAMA, Simon. A História do Judeus: À procura das palavras 1000 a.c – 1492 d.c. Companhia das
Letras: São Paulo, 2013. p.295
11 - Ibidem. p.296
12 - Ibidem. p. 297
se ‘anussim’ (conversos forçados) que, cercados de hostilidades,
receberam a denominação pejorativa de ‘marranos’ (porcos). De
acordo com a lei judaica, as conversões forçadas não eram válidas.
Para os judeus, os conversos continuavam judeus, com as portas
sempre abertas para o retorno.”13.

Formou-se uma nova comunidade, a dos conversos ou cristãos-novos, sobre estes


sempre pairava a suspeita de práticas judaicas. Na cidade de Toledo, em 1449, após um
massacre dos conversos foi instituído a diferenciação entre cristão-velho e cristão-novo,
bem como os Estatutos de Pureza de Sangue, restringindo a participação dos conversos em
determinados cargos e ofícios, como também nas universidades. Essa medida visava
favorecer os cristãos-velhos com a redução da concorrência em certas corporações14.
Ainda assim era possível aos conversos realizarem em seus lares os ritos judaicos,
mas passou a recair sobre os judeus as suspeitas de que estes poderiam convencer os
cristãos-novos a retornarem a sua antiga fé. Foi com essa justificativa que o ultimato foi
dado aos judeus espanhóis em 31 de março de 1492, eles tinham o prazo de seis meses para
se converterem ou seriam expulsos, os que permaneceram exigiu-se pesados impostos15.

“Fernando estava tão decidido pela expulsão quanto a rainha e o


inquisidor-geral. No fim de abril[de 1492], tal como ordenado,
pregoeiros e arautos reais reuniram o povo ao som de trombetas nas
grandes cidades da Espanha para que ouvissem o decreto. Nenhum
historiador, e decerto não o autor deste livro, constrangido por
delicadezas literárias, pode dar uma ideia do horror, do assombro, do
medo e da agonia patética dos judeus ao tomarem conhecimento da
implacável sentença de morte imposta de momento para o outro
acomunidade que lhes pareciam, na verdade, suas ‘Jerusaléns na
Espanha’, onde sua língua, transformada no ladino florescera”16.

__________
13 - NOVINSKY, Anita Waingort(et al). Os Judeus que Construíram o Brasil: Fontes inéditas
para uma nova visão da história. São Paulo: Planeta do Brasil, 2015. p. 39
14 - Ibidem. p.40
15 - Ibidem. p.409.
16 - SCHAMA, Simon. A História do Judeus: À procura das palavras 1000 a.c – 1492 d.c. Companhia das
Letras: São Paulo, 2013. p.314-315
Não há um consenso quanto ao número de judeus que emigraram da Espanha, as
cifras variam desde 90 mil até 180 mil a depender da fonte 17. Dentre os lugares que os
judeus se dirigiram destaca-se que a maioria foi para Portugal pensando ser a melhor
opção, ou talvez por falta desta. O caráter político e econômico que se apresentou a
instauração da Inquisição moderna na Espanha, que tem como pano de fundo os momentos
finais da expulsão dos mouros da península ibérica que levam a derrocada dos cofres
espanhóis, tem permitido a alguns autores entender o papel da Igreja Católica como uma
entidade apenas legitimadora das ações da monarquia espanhola, e não coautora, e até
certo ponto refém desta para manter a unidade da Igreja.
Como é apontado por João Bernardino Gonzaga:

“Quando em 1478, os ‘reis católicos’ pediram ao papa Sixto IV o


reavivamento da Inquisição, não havia por que deixar de atendê-los. O
clima espanhol era de apaixonado entusiasmo, seu povo estava com o
orgulho profundamente ferido e desejava ardentemente promover a
glória da fé cristã, combatendo seus inimigos[…] A religião se
afigurava essencial para a buscada unidade espanhola. Se, nesse
momento, Roma negasse o apoio requerido, ou lhe pusesse limitações,
a Espanha certamente dela se separaria – como ameaçou várias vezes -
provocando um cisma de consequências imprevisíveis. Nas
circunstâncias tão difíceis por que estava passando, a Igreja não podia
correr o risco de tamanha seriedade.”18

Deslocar-se para Portugal tornou mais viável quando o rei Português, D. João II,
lhes ofereceu a possibilidade de permanência naquele reino com o pagamento de uma taxa
por pessoa. As circunstâncias difíceis que os judeus se encontraram na Espanha levou
muitos a conversão forçada. Os que optavam pela saída não poderiam levar os bens
valiosos, tiveram que vendê-los e se arriscarem pelos mares ou pelo perigo das estradas.

__________
17. op. cit. NOVINSKY… p.41
18. GONZAGA, João Bernardino. A Inquisição em seu mundo. 4 Ed.Editora Saraiva: São Paulo, 1993. p.179
Essa posição já era apontada por Joaquim Mendes dos Remédios: “deve-se atender-se a que o Papa queria
salvar a unidade da fé ameaçada pelo rei, e aspirava a ter o apoio de todos os príncipes cristãos contra os
sarracenos.” In: Os Judeus em Portugal: Vicissitudes da sua história desde a época em que foram expulsos
até à extinção da Inquisição. Coimbra Editorial: Coimbra, 1928.
A alegria de alcançar um refúgio se tornou em pesadelo, pois em Portugal “os
judeus foram enganados pelo rei, que não os ajudou com as embarcações e vendeu os
pobres como escravos”19. Além de ter enviado as crianças para povoarem a ilha de São
Tomé20.
Segundo Martin Page, D. João II teria concedido a residência permanente apenas
para 600 judeus, os demais receberam vistos de trânsito. Sua afirmativa tem por base as
palavras do rabino David Fintz Altabé, para este a restrição do monarca para os judeus
vindos da Espanha foi decorrente de exigências da própria comunidade judaica Entretanto,
estabelecida em Portugal, “os líderes da comunidade judaica, em Lisboa, receavam que no
caso de a todos ser permitida a estada permanente, um grande fluxo de judeus espanhóis
perturbasse o equilíbrio social”21.

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19 - NOVINSKY, Anita Waingort. Os Judeus que Construíram o Brasil: Fontes inéditas para uma nova
visão da história. São Paulo: Planeta do Brasil, 2015 p.41
20 - SCHAMA, Simon. A História do Judeus: À procura das palavras 1000 a.c – 1492 d.c. Companhia das
Letras: São Paulo, 2013. p.317
21 - PAGE, Martin. Portugal e a Revolução Global: Como um dos menores países do mundo mudou a nossa
história. Nova Fronteira: Rio de Janeiro, 2011. p. 211
1.2 Inquisição em Portugal

Apesar de toda adversidade enfrentada pelos judeus para chegarem ou


permanecerem em Portugal, e toda a crueldade imposta por D. João II, a situação iria
tonar-se mais complicada com a morte deste.
Seu sucessor, D. Manuel, desejava casar-se com D. Isabel, herdeira do trono
espanhol. Entretanto, o rei espanhol Felipe exigiu a expulsão dos judeus de Portugal para
conceder o casamento. D. Manuel “aceitou as condições do Rei Católico e assinou o
decreto de expulsão dos judeus em 5 de dezembro de 1496”22. Nas palavras de Joaquim
Mendes dos Remédios, o monarca português teria trocado “o sossego de milhares de
famílias pelo sorriso duma mulher”23. Um ano depois proibiu a saída dos judeus de
Portugal e os impôs a religião cristã, esse fato dá início ao que a historiadora Anita
Novinsky chamou de “a era dos cristãos-novos”24. A proibição das investigações no
interior das famílias possibilitaria os cristãos-novos continuarem a prática da sua antiga fé
em segredo. Para Alexandre Herculano “pode-se dizer que o período decorrido desde 1507
até 1521, época da morte de D. Manuel, foi, comparativamente, para os cristãos-novos uma
época de paz”25.
Não que durante o seu reinado os cristãos-novos estivessem imunes ou totalmente
protegidos de ataques. No ano de 1506, em meio a uma crise humanitária vivida em
Portugal, um período de seca, fome e um surto de peste negra. Enquanto as pessoas
estavam reunidas na igreja fazendo suas preces na esperança de obterem respostas divinas
para o fim do sofrimento que viviam, a entrada de um feixe de luz que clareou um
crucifixo foi interpretado como um milagre. Entretanto, “um cristão-novo ao tentar
esclarecer que se tratava de um fenômeno natural, foi imediatamente atacado e morto pela
multidão”26. Alexandre Herculano também faz uma narrativa deste episódio, o cristão-novo
“foi arrastado para o adro, assassinado, e queimado o seu cadáver”27.

__________
22 - NOVINSKY, Anita Waingort. Os Judeus que Construíram o Brasil: Fontes inéditas para uma nova
visão da história. São Paulo: Planeta do Brasil, 2015 p.41
23 - REMEDIOS, Joaquim Mendes dos. Os Judeus em Portugal. Editor França Amador: Coimbra, 1985.
p.332
24 - NOVINSKY, Anita Waingort. A Inquisição. 6 Ed. Editora Brasiliense: São Paulo. p.34
25 - HERCULANO, Alexandre. História da Origem e Estabelecimento da Inquisição em Portugal. Fonte
digital: Biblioteca Digital, 2009. p.109
26 - NOVINSKY… Op. Cit. p.43
27 - HERCULANO… Op. Cit. p.103
Vê-se que o perigo para os cristãos-novos eram mais advindos por parte da
população do que por parte de D. Manuel, este tomou algumas ações que trouxeram
proteção aos conversos, principalmente quando proibiu os inquisidores de interrogar os
cristãos-novos sobre as “suas verdadeiras crenças durante um período de vinte anos”28.
Alexandre Herculano aponta que o prazo de vinte anos encerrava em 1518, mas foi
postergado por mais dezesseis anos, findando em 1534.29 Com a morte de D. Manuel em
1521 ascende ao trono D. João III, este passa a acusar aqueles que foram batizados a força
em 1497 de não serem verdadeiros cristãos. Desta forma inicia uma negociação com o
papa para a instalação de um Tribunal aos moldes do espanhol. 30 “Armou-se assim aberto
confronto entre Lisboa e Roma, com pressões políticas, manobras diplomáticas, atritos,
intrigas, acusações de corrupção, ameaças de cisma”.31
D. João III vence essa disputa, assim o monarca passa a controlar o Tribunal e
demonstra que o caráter de sua instauração era político e econômico. Desta forma:

“O Tribunal do Santo Ofício da Inquisição foi definitivamente


estabelecido em 23 de maio de 1536 pelo papa Paulo III, e todos os
privilégios anteriores e éditos pontifícios favoráveis aos conversos
foram anulados. Instaurado a era dos cristãos-novos com D. Manuel,
consolidou-se a era do Tribunal da Inquisição com seu filho. D. João
III.”32
Com isso muitos cristãos-novos se dirigiram as colônias na tentativa de se
distanciarem das garras dos inquisidores. Foi desta forma que muitos vieram para o Brasil,
pois nessa terra distante poderiam se estabelecer sem serem perseguidos e
consequentemente tornaram-se pioneiros na economia colonial brasileira. No novo mundo
os cristãos-novos “foram pioneiros na agricultura, nas letras, na medicina, nas ciências e
nas lutas pela liberdade e justiça”33.

__________
28 - PAGE, Martin. Portugal e a Revolução Global: Como um dos menores países do mundo mudou a
nossa história. Nova Fronteira: Rio de Janeiro, 2011. p 214
29 - HERCULANO… Op. Cit. p. 110
30 - NOVINSKY, Anita Waingort. A Inquisição. 6 Ed. Editora Brasiliense: São Paulo. p. 35
31 - GONZAGA, João Bernardino. A Inquisição em seu mundo. 4 Ed.Editora Saraiva: São Paulo, 1993.
p.228
32 - NOVINSKY, Anita Waingort. Os Judeus que Construíram o Brasil: Fontes inéditas para uma nova
visão da história. São Paulo: Planeta do Brasil, 2015 p. 43
33 - Ibidem. p.15
Criptojudaísmo

1.3 Da Espanha ao Brasil

“A Inquisição Ibérica apresentou um diferencial: os cristãos-novos


foram seu principal alvo. O Tribunal alegava que a condição de
cristão-novo determinava a prática judaica. Como hereges em
potencial, os cristãos-novos foram perseguidos pelo simples fato de
terem ancestrais judeus.”34

Conforme foi observado anteriormente, durante o reinado de Felipe de Aragão e


Isabel de Castela os judeus foram forçados a conversão. Como consequência muitos
emigraram para outros países, principalmente Portugal.
Os que permaneceram na Espanha passaram a constituir uma nova comunidade, os
“conversos” ou “cristãos-novos” que também eram chamados de marranos. Segundo Anita
Novinsky o termo “marrano” era uma forma pejorativa para designá-los, pois remetia a
aversão que os antigos judeus, agora cristãos, tinham pela carne de porco35. Alguns
historiadores têm utilizado a palavra como sinônimo de criptojudeu, que é “o converso que
simula ser cristão, mas não abandona a antiga fé” 36. Alexandre Herculano remete o termo a
Idade Média, período em que a palavra marrano significava maldito, também cita outro
termo que era atribuído aos cristãos-novos: confesso37. O termo sefaradi também é
utilizado para se referir aos judeus e cristãos-novos oriundos da península ibérica. Desta
forma, podemos inferir ao menos quatro termos que designavam os cristãos-novos:
converso, confesso, marrano ou sefaradi.
A suspeita que pairava sobre eles era constante. Os cristãos-velhos, assim
denominados os que não tinham descendência judia, passaram a assumir “uma postura
vigilante, em busca de sinais de que, por trás de suas ardentes profissões de fé, os
conversos eram ainda, em segredo, judeus impenitentes”38, ou seja, criptojudeus.
Ao ser autorizado a instalação do Tribunal do Santo Ofício em Sevilha, Espanha,
em 1478 “houve uma fuga em massa de conversos para cidades e aldeias mais distantes,

__________
34 - NOVINSKY, Anita Waingort. Os Judeus que Construíram o Brasil: Fontes inéditas para uma nova
visão da história. São Paulo: Planeta do Brasil, 2015 p. 53
35 - Ibidem. p. 95
36 - Ibidem. p. 95
37 - HERCULANO… Op. Cit. p.52
38 - SCHAMA… Op. Cit. p.304
fora do alcance dos inquisidores”39. A finalidade do Tribunal era verificar a autenticidade
da cristandade dos cristãos-novos, para isso os inquisidores não pouparam esforços.
Prisões e torturas durante o interrogatório faziam parte dos métodos que buscavam
arrancar a confissão de terem cometido o crime de judaísmo. Em Portugal esperava-se um
tratamento mais tolerante. Não obstante, lá também os judeus foram forçados a conversão
em 1497, porém ao tornarem-se católicos isso “não os tornou iguais aos cristãos nem lhes
conferiu os mesmos direitos”40. Além das designações anteriormente citadas sobre os
cristãos-novos na Espanha, em Portugal lhes atribuíam os termos “gente da nação” e
“homens de negócio”.
Da mesma forma que a Inquisição na Espanha visava os cristãos-novos, em
Portugal eles também eram o alvo principal. Acredita-se que aproximadamente “três
quartas partes das medidas repressivas recaíram sobre suas cabeças”41. O crime que mais os
cristãos-novos foram acusados foi o de judaísmo, esse era um crime contra a fé e de
natureza mais grave, as características que apareciam com mais frequência era a “guarda
dos sábados, não comer carne de porco, fazer jejum no chamado dia grande do perdão,
colocar roupa limpa nas camas e mesas nas sextas-feiras à noite, vestir as melhores roupas
nos dias santificados”42.
Proibidos de professar sua fé publicamente e obrigados a aceitar o catolicismo,
muitos judeus passaram a viver uma dualidade, pois poderiam expressar uma aparência
cristã mas em segredo manifestar e transmitir a sua verdadeira fé, principalmente no
âmbito familiar. Segundo João Lúcio D’Azevedo “os cristãos-novos compareciam as
cerimônias do culto das igrejas, e continuavam a exercer em casa os seus ritos
mosaicos[…] eram ao mesmo tempo judeus e católicos”43, desta forma “as cerimônias
judaicas eram observadas no mais íntimo de seus lares”44. Para Ângelo Adriano Faria de
Assis “muitos judeus continuaram, dentro das possibilidades – muitas vezes, ínfimas –, a

__________
39 - SCHAMA, Simon. A História do Judeus: À procura das palavras 1000 a.c – 1492 d.c. Companhia das
Letras: São Paulo, 2013.. p.310
40 - NOVINSKY, Anita Waingort. Os Judeus que Construíram o Brasil: Fontes inéditas para uma nova
visão da história. São Paulo: Planeta do Brasil, 2015 p. 95
41 - GONZAGA… Op. Cit. p.230
42 - NOVINSKY, Anita Waingort. A Inquisição. 6 Ed. Editora Brasiliense: São Paulo. p.77
43 - D’AZEVEDO, João Lúcio. História dos Cristãos-novos portugueses. Livraria Clássica Editora: Lisboa,
1922. p.57
44 - NOVINSKY, Anita Waingort. Os Judeus que Construíram o Brasil: Fontes inéditas para uma nova
visão da história. São Paulo: Planeta do Brasil, 2015 p.45
manter fidelidade à fé de Moisés, judaizando em segredo, em boa parte, em família, na
privacidade do lar”45. O autor também destaca a dubiedade vivida pelos cristãos novos:

“Embora os cristãos-novos procurassem escapar às desconfianças e


perseguições populares, esforçando-se por demonstrar publicamente a
sua devoção à religião católica, no intuito de integrarem-se à
sociedade portuguesa, alguns dentre eles, longe dos olhares da
população, esforçavam-se por manter, malgrado os impedimentos, as
crenças e rituais de seus antepassados, sendo, por isso, designados
judaizantes ocultos, ou seja, criptojudeus.”46

Robert Rowland atribui o perfil desses cristãos-novos, em relação ao seu


enfrentamento inquisitorial, como possuidor de uma dupla identidade 47. Ela poderia ser real
ou imaginada: real na medida em que a confissão apresentada é verdadeira, e imaginada a
medida que a confissão é decorrente da criação da mente do réu como consequência do
processo inquisitorial.
Para fugir da Inquisição muitos cristãos-novos se espalharam pelo mundo, alguns se
dirigiram as colônias, como é o caso dos que vieram para o Brasil. Aqui poderiam
expressar sua fé longe dos inquisidores. “O Brasil foi o lugar de refúgio mais frequente dos
convertidos[…] A vida judaica no Brasil, como em Portugal, tinha de ser clandestina.
Foram construídas verdadeiras sociedades secretas”48.
A medida que a distância viabilizava a manutenção da sobrevivência da fé, ela
trazia outras dificuldades, as cerimônias e rituais judaicos não poderiam ser realizadas nas
sinagogas e não havia livros sagrados, a transmissão tornou-se possível somente pela
oralidade, combinado isso a forte presença do catolicismo, é gerada uma simbiose com os
elementos cristãos e judaicos, especialmente entre os cristãos-novos menos letrados, conse-
quentemente “foram acrescentadas superstições, mitos e crendices, sobretudo sincréticas.

__________
45 - ASSIS, Ângelo Adriano Faria de. Israel no trópico? Mulheres criptojudias e identidades religiosa s no
Brasil Colonial. São Paulo: Revista Cadernos de língua e literatura hebraica, nº10, 2012. p. 199
46 - ASSIS, Ângelo Adriano Faria de. Uma Família Criptojudaizante nas Garras da Inquisição. Rio de
Janeiro: Revista Acervo, v. 16, no 2, jul/dez 2003. p. 110
47 - ROWLAND, Robert. Cristãos-novos, marranos e judeus no espelho da Inquisição. Rio de Janeiro:
Revista Topoi, v. 11, n. 20, jan.-jun. 2010, p.174
48 - NOVINSKY, Anita Waingort. Os Judeus que Construíram o Brasil: Fontes inéditas para uma nova
visão da história. São Paulo: Planeta do Brasil, 2015 p.98
Muitas vezes Moisés era confundido com Jesus, e a rainha Ester com Nossa Senhora” 49, ou
seja, ocorria uma “diluição e contaminação da tradição original” 50, configurando um
caráter heterodoxo a sua crença.
Espalhados por topo o território da colônia portuguesa na América, os cristãos-
novos fizeram parte do povoamento brasileiro, formando comunidades de praticantes dos
ritos e cerimônias judaicas de forma secreta, “na Paraíba, por exemplo, havia uma
importante comunidade criptojudia, constituída principalmente por lavradores de cana”51.
Antes da inquisição portuguesa alcançar as terras brasileiras os cristãos-novos eram
portadores de uma certa liberdade, como é o caso da família Antunes na Bahia que “na
região de Matoim formou uma significativa comunidade de criptojudeus[…] a família
mantinha em seu engenho do Matoim uma ‘esnoga’, onde reuniam amigos para realizar as
cerimônias judaicas”52. Essa situação passa a ser alterada a partir de 1591 com o envio do
Licenciado Heitor Furtado de Mendonça para realizar a primeira visitação do Santo Ofício
no Brasil. Ainda assim os que eram identificados como judeus continuariam compondo
uma parcela considerável da população. Um viajante francês, François Froger, no ano de
1695 em passagem pelo Brasil relata que a colônia portuguesa “conta com mais de três
quartos de judeus entre a sua população”53.
Desta forma, a dualidade vivida pelos cristãos-novos em Portugal passa a
configurar a realidade dos cristãos-novos residentes no Brasil. A manutenção e
continuidade religiosa da fé judaica se dava de forma secreta, no interior dos lares, muitas
vezes tendo na figura da mulher o papel de ensinadora. Mas também encontra-se homens
que tinham o papel de instruir, como era o caso de João Soares Pereira, morador de São
Gonçalo, conhecido por “ensinar os segredos da Lei Velha” 54. Outro fator que resguardava
essa continuidade eram os casamentos entre familiares, criando desta forma uma rede de
relacionamentos que contribuía para a transmissão da tradição judaica.

__________
49 - NOVINSKY… Op. Cit. p.97
50 - ROWLAND… Op. Cit. p.182
51 - NOVINSKY, Anita Waingort. A Inquisição. 6 Ed. Editora Brasiliense: São Paulo. p.80
52 - NOVINSKY, Anita Waingort. Os Judeus que Construíram o Brasil: Fontes inéditas para uma nova
visão da história. São Paulo: Planeta do Brasil, 2015 p.125
53 - FRANÇA, Jean Marcel Carvalho. Visões do Rio de Janeiro Colonial: antologia de textos(1531-1800). 3
ed. José Olympio: Rio de Janeiro, 2008. p.63
54 - DINES, Alberto. Vínculos do Fogo: Antônio José, o Judeu, e outras histórias da inquisição em Portugal
e Brasil. Companhia das Letras: São Paulo, 1992. p.389
Cap. 2 O Rio de Janeiro ente final do século XVII e início do XVIII

2.1 Aspectos políticos, econômicos e sociais

Os principais fatores que movimentavam a colônia portuguesa na América era o


açúcar e a mão de obra escrava, porém não restrito a estes.55 Uma das matrizes produtivas
se encontrava no recôncavo da Guanabara que possuía uma economia diversificada pois
“era através do Rio de Janeiro que provinha açúcar, cachaça, tabaco, móveis de jacarandá e
parte dos escravos vendidos no mercado hispano-americano”56. As pesquisas do historiador
Antônio Carlos Jucá de Sampaio vêm corroborando no entendimento de uma economia
fluminense variada, não dependente apenas do açúcar e dos escravos, segundo o mesmo:

“Essa produção diversificada era garantida, por sua vez, não só pelas
propriedades rurais do recôncavo da Guanabara, mas também pelas
chácaras que existiam no entorno imediato da cidade e que se
voltavam para o abastecimento dessa. As chácaras produziam
mandioca, frutas e legumes e se beneficiavam da proximidade do
mercado urbano.”57

Entretanto, as circunstâncias são alteradas com o fim da União Ibérica, em 1640, e


a Restauração portuguesa que demandou um autocusto, levando Portugal ao
endividamento financeiro junto às nações que o auxiliaram a garantir a independência.
Consequentemente isso trouxe uma alteração na situação política e econômica da colônia
que não foi favorável conforme apontou o historiador Francisco Carlos Cosentino em seu
estudo sobre a União Ibérica e as relações entre Brasil, Portugal e Espanha nesse período:
“Para o Rio de Janeiro e São Paulo a separação era desfavorável aos circuitos mercantis
desenvolvidos com a área espanhola da América. Em parte essa situação explica os
dilemas vividos por Salvador Corrêa de Sá e Benevides quando à restauração
bragantina.”58

___________
55- SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá de Sampaio. Fluxos e Refluxos Mercantis: Centros, periferias e
diversidade regional. In: FRAGOSO, João Luis Ribeiro e GOUVÊA, Maria de Fátima(Org). O Brasil
Colonial(1580-1720).Vol. 2. Civilização Brasileira: Rio de Janeiro, 2014. pp.383
56- Ibidem. ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de e OLIVEIRA, Mônica Ribeiro de. pp. 281
57- Ibidem. SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá de... Pág. 393
58- Ibidem. COSENTINO, Francisco Carlos. Mundo Português e Mundo Ibérico. pp.147
Após a Restauração interna a Coroa tem como desafio a restauração do nordeste
brasileiro que estava sob domínio holandês(1630-1654). Com a saída dos holandeses do
nordeste o império português enfrentará outras dificuldades conforme aponta o historiador
Arno Wehling:

“Depois da expulsão dos holandeses, em 1654, as condições materiais


da Colônia e da Metrópole eram precárias. A crise geral europeia, a
queda nos preços do açúcar com a concorrência da produção
holandesa nas Antilhas e a retração do Império Português foram os
grandes condicionamentos da segunda metade do século XVII.”59

Uma das medidas adotadas pela Coroa para enfrentar esse problema foi o incentivo
à busca pelo ouro. Os bandeirantes receberam cartas do rei em apoio as suas expedições até
que em 1695 são encontrados os primeiros vestígios do precioso metal60, o que afeta de
maneira exponencial não apenas a dinâmica colonial como um todo, mas também a
capitania do Rio de Janeiro. Em decorrência dessa descoberta o historiador Charles Boxer
denomina o novo momento que a Coroa viverá de renascimento econômico:

“O renascimento espetacular da economia luso-brasileira, que


começou na década de 1690, foi devido fundamentalmente à
descoberta tardia de ouro aluvial numa escala até então sem
precedentes, numa região remota e sinistra umas 200 milhas para o
interior do Rio de Janeiro, que foi a partir de então conhecida pelo
nome de Minas Gerais.”61

As historiadoras Carla Maria Carvalho de Almeida e Mônica Ribeiro de


Oliveira fazem uma comparação entre o século XVII e a nova dinâmica do XVIII:
“Ultrapassando uma longa conjuntura econômica desfavorável que se estendera por grande
parte do século XVII, Portugal colheria nos setecentos os benefícios da extração de ouro e
diamantes na América portuguesa.”62

__________________
59- WEHLING, Arno. Formação do Brasil Colonial. Rio de janeiro: Nova Fronteira, 1994. pp.109
60- Ibidem. Pág. 117
61- BOXER, Charles R. O Império Colonial Português(1415-1825)...Pág.159
62- Op. Cit. ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de e OLIVEIRA, Mônica Ribeiro de. pp.267
Inserido nessa nova dinâmica encontra-se a capitania do Rio de Janeiro tendo em
seu porto um importante escoadouro do metal, bem como de grande fluxo de pessoas que
desejavam chegar a área das Minas quando vinham pelo mar, principalmente após a
abertura de um novo caminho até a região aurífica, ainda em finais do século XVII63.
A partir de então a política e a economia fluminense passariam por uma transição
em que a elite local caracterizada pelas “melhores famílias da terra”, pelos “principais da
terra” ou ainda pela “nobreza da terra”64 com uma economia calcada na agroexportação
agora se caracteriza por uma elite mercantil, baseada no comércio. Conforme é apontado
pelo historiador João Fragoso, partindo de um estudo de caso demonstra que ocorreu uma
“transição entre o domínio econômico da nobreza da terra para os grandes negociantes”.65
Porém, a descoberta do ouro não trouxe apenas benesses ao território fluminense,
juntamente vieram algumas dificuldades. A euforia pela corrida em achar mais ouro
relegou uma escassez da mão de obra, bem como a cobiça dos estrangeiros e as tentativas
de colocar as mãos nas riquezas portuguesas no território americano se intensificaram.
Sobre o primeiro ponto, segundo as análises do historiador João Fragoso não
apenas aqueles que a terra a abandonaram e se dirigiram a região das minas, mas também
os proprietários de terras se lançaram em busca da riqueza que o ouro poderia lhe
proporcionar.

“No início do século XVIII, na correspondência dos governadores lia-


se sobre a frequente fuga de gentes e cabedais do Rio para Minas,
fenômeno que resultava no despovoamento, na redução de alimentos e
na falência de engenhos de açúcar.”66

__________
63- ALMEIDA e OLIVEIRA apontam que houve uma disputa entre Bahia e Rio de Janeiro para administrar
a região das Minas e a construção dessa estrada, iniciada em 1698, consolidou a posição do capitão-geral do
Rio de Janeiro como administrador da região. Porém em 1702, a área passou a ser gerida diretamente pela
Coroa. Op. Cit. pp. 302-303
64- “Era com esse título, ‘as melhores famílias da terra’ ou ‘principais da terra’, que os descendentes dos
conquistadores e dos primeiros povoadores gostavam de ser reconhecido pela sociedade colonial.[…] no Rio
de Janeiro, a expressão nobreza da terra estaria ligada à antiguidade da família no exercício do poder político-
administrativo da cidade e à descendência dos conquistadores.” FRAGOSO, João. A formação da economia
colonial no Rio de Janeiro e de sua primeira elite senhorial(Séculos XVI e XVII). In: FRAGOSO, João;
BICALHO, Maria Fernanda e GOUVÊA, Maria de Fátima(Org). O Antigo Regime nos Trópicos: A dinâmica
imperial portuguesa(Séculos XVI-XVIII). Civilização Brasileira: Rio de Janeiro, 2001. Pág. 51
65- Ibidem. Pág. 68
66- FRAGOSO, João. A formação da economia colonial no Rio de Janeiro e de sua primeira elite
senhorial(Séculos XVI e XVII). In: FRAGOSO, João; BICALHO, Maria Fernanda e GOUVÊA, Maria de
Fátima(Org). O Antigo Regime nos Trópicos: A dinâmica imperial portuguesa(Séculos XVI-XVIII).
Civilização Brasileira: Rio de Janeiro, 2001. Pág. 69
Essa situação fez com que as autoridades efetivassem algumas providências, porque
não apenas acontecia a ida voluntária para as minas, a compra de escravos pelos paulistas
em terras fluminenses também contribuía para agravar o quadro. A fim de evitar o colapso
da economia as autoridades realizaram algumas ações:

“Necessitando de braços para intensificar a exploração das minas de


ouro, os paulistanos vinham comprar escravos no Rio de Janeiro,
pagando-os por alto preço. Em consequência, começou a lavoura a
ressentir-se da falta de trabalhadores, encontrando os engenhos
dificuldade em manter a produção. Atendendo a esta situação, o
governador baixou um bando, em 26 de março[de 1700], proibindo
que fossem transportados para as minas os escravos e lavradores de
cana e mandioca.”67

No que se refere as invasões, elas ocorriam com certa frequência desde os


primórdios da colonização. Nas terras cariocas as incursões mais emblemáticas foram
causadas pelos franceses. Ainda no século XVI, em 1555, fundam uma comunidade na
Baía de Guanabara denominada França Antártica.
Mas é especialmente a partir do final do século XVII que o Rio de janeiro sofre
com mais intensidade as incursões de diversas nações, o que as vezes acontecia de maneira
sorrateira. As alegações para entrarem na Guanabara eram as mais diversas, “ou por
necessidade, ou maliciosamente, por meio de pretextos afetados, demandavam a entrada
nos seus portos, alegando falta de víveres, saúde ou condições de prosseguir viagem”.68
Mesmo com as tentativas de criar obstáculos para essas ações, pois a Coroa
portuguesa passa a tratar com mais rigor os estrangeiros residentes no Brasil. Sobre estes
pairava a suspeita de serem informantes das caraterísticas do país, desde questões políticas
e administrativas até geográficas e populacionais.
E alguns realmente eram, como é o caso de Ambrozio Jauffret, um francês que
viveu durante trinta anos em São Paulo e em 1704 enviou ao ministro da Marinha francesa
um relatório sobre as capitanias do sul do Brasil desde o Rio de janeiro até o Rio da Prata,
supostamente é um dos relatos utilizados por Duguay-Trouin para a invasão de 1711.
__________________
67- COARACY, Vivaldo. O Rio de Janeiro no Século Dezessete. Editora José Olympio: Rio de Janeiro,
1965. Pág. 246
68- BICALHO, Maria Fernanda. A Cidade e o Império: O Rio de Janeiro no século XVIII. Civilização
Brasileira: Rio de janeiro, 2003. Pág.34
Por isso a Coroa muda de postura sobre os estrangeiros.

“Apesar da relativa tolerância nos primórdios da colonização à


passagem ou a permanência de estrangeiros no Brasil, o século XVIII
foi inaugurado com explícitas ordens da metrópole exigindo sua
expulsão sumária e definitiva das conquistas ultramarinas de Portugal.
A única exceção referia-se àqueles que fossem casados com
portuguesas, tivessem filhos e não exercessem atividade mercantil.”69

E é no início do século XVIII que acontece uma das invasões mais emblemáticas
para os cariocas. Em 1711, sobre o comando de Duguay-Trouin, os franceses saqueiam o
Rio de Janeiro causando um enorme prejuízo. Para o comandante francês a cidade do Rio
de Janeiro era uma das mais ricas e importantes do Brasil. 70 A invasão dos corsários
franceses foi financiada com capital privado e estatal, sendo constituída da seguinte forma:

“Montada e financiada por armadores agrupados em sociedades em


ações que, a partir de um contrato estipulado, recebiam do monarca os
navios e suas tripulações, constituídas por oficiais, marinheiros e
soldados. Esta foi a forma assumida pela expedição contra o Rio de
Janeiro em 1711.”71

Relatos da época, inclusive de estrangeiros que estavam de passagem pelo Rio de


Janeiro, descrevem como se deu a ação. Um navio inglês encontrava-se ancorado na Baía
de Guanabara e nele estava o tipógrafo e missionário alemão Jonas Finck que faz um relato
do que presenciou:

“A frota francesa, composta por 15 velas, levou uma hora para entrar
na embocadura do rio e, duas horas depois, lançou âncora no lugar
mais seguro do porto. No dia seguinte, o almirante Duguay-Trouin
desembarcou 3.500 soldados, dividindo-os entre a pequena ilha, de um
lado da cidade, e a terra firme, do lado oposto. Assim distribuídos, os

__________
69- BICALHO, Maria Fernanda. A Cidade e o Império: O Rio de Janeiro no século XVIII. Civilização
Brasileira: Rio de janeiro, 2003. Pág. 40
70- Ibidem Pág. 43
71- Ibidem. Pág. 44
franceses atacaram os oito fortes portugueses. Quanto a nós não
tivemos tempo nem de levantar âncora[...] os portugueses renderam-se
após oito dias de bombardeamento e deixaram a cidade, repleta de
ouro e prata a mercês do inimigo[…] No dia 11 de setembro, os
franceses tomaram a cidade e no dia seguinte a saquearam. Eles
ameaçaram transformá-la num amontoado de entulhos, mas os
portugueses conseguiram evitar essa tragédia pagando a soma de 15
mil libras.”72

Interessante notar que o relato dos estrangeiros de passagem pelo Brasil nos
permitem compreender melhor como funcionava a sociedade colonial. No caso de Jonas
Fink não apenas apresenta o ataque dos franceses ao Rio de Janeiro, mas também descreve
algumas características da vida carioca do início do século XVIII. Como por exemplo a sua
observação sobre a escravidão em que é descrito que “há cerca de 8 mil escravos negros na
cidade, todos vivendo em condições miseráveis”.73
Porém, a informação de maior valia para esta pesquisa é o seu relato sobre a
inquisição e o embarque de prisioneiros para lisboa que o mesmo presencia:

“Aqui, como em qualquer território português, a Inquisição é flagrante


e o povo tão subjugado pela autoridade de Roma, que todo cuidado é
pouco. Quando da nossa chegada, cerca de cem indivíduos estavam
sendo enviados para Portugal, onde seriam julgados pelo Tribunal do
Santo Ofício. A maioria deles era suspeita de judaísmo.”74

A invasão francesa e os prisioneiros inquisitoriais são duas temáticas que serão


retomados mais adiante devido o envolvimento dos cristãos-novos nessas situações e que
nos ajudam compreender a conjuntura vivida por eles. A partir da descrição desses
viajantes podemos observar diversas características da sociedade fluminense que nos são
apresentadas. Como é o caso do engenheiro francês François Froger que chega ao Rio de
Janeiro em 1695.

__________
72- FRANÇA, Jean Marcel Carvalho. Visões do Rio de Janeiro Colonial: Antologia de textos(1531-1800).
José Olympio: Rio de Janeiro, 2008. Pág. 89,90 e 91.
73- Ibidem. Pág. 88
74- Ibidem Pág.87
“Seus habitantes são limpos e de uma circunspecção comum aos de
sua nação; são ricos e apreciam muito o comércio. Em geral, são
possuidores de numerosos escravos e de famílias inteiras de índios,
mantidas a contragosto nos engenhos. Os escravos ocupam-se da
quase totalidade dos trabalhos da casa, o que torna os habitantes moles
e efeminados, ao ponto de serem incapazes de se abaixar para apanhar
alfinete.”75

Sobre as plantações:

“A terra desse rio é fértil em pastagens, tabaco e cana[…] A terra é


também muito fértil em arroz, milho e mandioca[…] Os legumes e as
frutas são abundantes na região[…] Há, na cidade, uma grande quan-
tidade de bois, porcos, ovelhas, aves domésticas e animais de caça.”76

O relato de um francês, datado de 1703, e publicado no Journal d’un voyage e de


autoria desconhecida também nos apresenta algumas características do Rio de Janeiro
setecentista, seu perfil geográfico e demais aspectos.

“O Rio de Janeiro, tal como se encontra, é uma das mais importantes


colônias portuguesas e, talvez, a mais bem localizada. Contudo, a
cidade seria muito diferente caso as minas não tivessem sido
descobertas. Depois de tal acontecimento, que teve lugar em 1696,
mais de 10 mil homens abandonaram a cidade. Tal deserção trouxe a
fome para região, pois boa parte dos que partiram se dedicava ao
cultivo da terra. Quando abandonaram a região, esses homens
deixaram as suas plantações e as suas terras incultas.”77

As profundas mudanças que ocorrem a partir do final do século XVII tornam o Rio
de Janeiro um lugar estratégico superior a então capital Salvador.78
____________________
76- FRANÇA, Jean Marcel Carvalho. Visões do Rio de Janeiro Colonial: Antologia de textos(1531-1800).
José Olympio: Rio de Janeiro, 2008. Pág. 64
76- Ibidem. Pág.66,67 e 68
77- Ibidem. Pág. 81
78- SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá de Sampaio. Os Homens de Negócio do Rio de Janeiro e sua Atuação
nos Quadros do Império Português(1701-1750). In: FRAGOSO, João; BICALHO, Maria Fernanda e
GOUVÊA, Maria de Fátima(Org). O Antigo Regime nos Trópicos: A dinâmica imperial portuguesa(Séculos
XVI-XVIII). Civilização Brasileira: Rio de Janeiro, 2001. Pág. 75
Como consequência da importância que a capitania fluminense passa a ter ao longo
do século XVIII ocorre a transferência da capital para o Rio de Janeiro em 1763, ainda que
geograficamente mais distante, em um período no qual Portugal estava sob administração
do Marquês de Pombal, primeiro-ministro de José I(1750-1777), quando é realizado um
conjunto de reformas administrativas. Desta forma:

“Em reconhecimento à importância econômica e estratégica crescente


do sul brasileiro e para reforçar o controle português dos seus
territórios fronteiriços na região, a capital foi deslocada de Salvador,
na Bahia, para o Rio de Janeiro.”79

Mas algo que não sofre alteração são as relações de domínio em uma sociedade
alicerçada em uma hierarquia social aguda, como é o caso da manutenção do poder por
uma elite local que mantêm sua dominação baseada na sociedade característica do Antigo
Regime.

“Nas sociedades do Antigo Regime imperavam as diferenças:


concebidas a partir desse princípio, a arquitetura social previa para
cada um o seu lugar, numa rede ordenada e hierarquizada de
posições.”80

A manutenção desse status quo se dava, principalmente, por meio da legislação.


Nela busca-se regular hábitos e costumes, tais como penalidades distintas observando a
classe a qual o indivíduo cometeu o crime pertence ou até mesmo na manutenção da
distinção entre tecidos, roupas ou adornos atribuído a cada classe social.81
Fazendo uso novamente da literatura dos viajantes temos uma descrição detalhada
dos hábitos dos cariocas em meados do século XVIII feita por um astrônomo francês e
membro da Real Academia de Ciências, Nicolas Louis da La Caile, quando o navio onde
estava fez uma parada no Rio de Janeiro em 1751 antes de se encaminhar para o Cabo da
Boa Esperança em sua viagem de observação.

__________
79- KIRSTEN, Schultz. Versalhes Tropical: Império, monarquia e a Corte real portuguesa na Rio de
janeiro(1808-1821). Civilização Brasileira: Rio de Janeiro, 2008. Pág. 49
80- LARA, Sílvia Hunold. Fragmentos setecentistas: escravidão, cultura e poder na América portuguesa.
Companhia das Letras: São Paulo, 2007. Pág. 84
81- Ibidem. Pág. 100
“Os brancos vestem-se com tecidos pesados. A gente comum usa um
casaco e um amplo manto com o qual cobrem todo o corpo e até
mesmo o rosto[…] os oficiais de Justiça se distinguem por um bastão
ou por uma bengala[…] os oficiais subalternos carregam o mesmo
adereço preso no bolso esquerdo da vestimenta[…] os doutores em
teologia, direito e medicina usam, geralmente, óculos sobre o nariz
para se fazerem respeitar pelos passantes. Os escravos são, na sua
maioria, muito sujos. Os homens andam quase nus, vestidos somente
com um calção[…] as mulheres vestem saia e um tipo de camisa
parecida com as nossas camisas de homem, cuja parte da frente é
aberta e ligada por um colete. Elas não ousam aparecer na rua durante
o dia[…] um marido jamais caminha ao lado de sua esposa na rua. Ele
segue alguns passos à frente, sempre com a sua espada à mostra sob o
manto.”82

A frase “para se fazerem respeitar pelos passeantes” nos esclarece muito bem o
efeito causado pelos signos atribuídos a cada classe e que reforçam a posição de cada
indivíduo nesta sociedade. Cada objeto, cada adereço e o lugar deles são marcadores de
uma “ostentação pública do lugar ocupado por cada um e de suas prerrogativas”.83
Essa percepção sobre o quanto se distinguiam as classes também é apontada pelo
historiador A.J.R. Russell-Wood:

“Era componente fundamental do ethos colonial a percepção da


distinção entre senhor e escravo e dos privilégios, prerrogativas,
obrigações mútuas e restrições impostas aos membros de cada grupo
pela lei e, de forma mais importante, pelos costumes sociais
prevalecentes.”84

Em suma, o Rio de Janeiro do final do século XVII até meados do XVIII passa
substanciais rupturas em sua economia administração política, entretanto, o seu caráter
social é uma continuidade no que se refere a disparidades entre as classes sociais.
____________________
82- FRANÇA, Jean Marcel Carvalho. Visões do Rio de Janeiro Colonial: Antologia de textos(1531-1800).
José Olympio: Rio de Janeiro, 2008. Pág. 131-132
83. LARA, Sílvia Hunold. Fragmentos setecentistas: escravidão, cultura e poder na América portuguesa.
Companhia das Letras: São Paulo, 2007. Pág. 86
84- RUSSELL-WOOD, A.J.R. Escravos e libertos no Brasil Colonial. Civilização Brasileira: Rio de Janeiro,
2005. Pág.22
2.2 Freguesia de São Gonçalo

As primeiras sesmarias distribuídas na região que atualmente compreendem o


território gonçalense teve início ainda no século XVI, principalmente após a expulsão dos
franceses da Guanabara. “Com a vitória de janeiro de 1567, os portugueses deram início ao
processo de ocupação efetiva do território conquistado”85.

“Se antes da ocupação francesa, em toda a América Portuguesa, foram


distribuídas 15 grandes lotes de terra entre Maranhão e Santa Catarina,
concedendo aos seus proprietários, os capitães donatário, plenos
poderes sob suas terras. Dez anos após a expulsão dos franceses do
território fluminense, ou seja 1565 e 1575, a coroa portuguesa
outorgou mais de 111 sesmarias distribuídas em toda a orla da baía de
Guanabara.”86

A participação indígena foi importante para a dominação do território pelos


portugueses, principalmente por meio de alianças: “Os Tamoio, os Temininó e ainda os
Tupiniquim vindos de São Vicente e do Espírito Santo, todos do tronco Tupi, foram, de
acordo com as fontes, os principais personagens na guerra de conquista do Rio de
Janeiro.”87

Os que recebiam as terras nem sempre tomavam posse da mesma, ou as vezes não
tinham os recursos suficientes, tendo em vista o alto investimento que era até que a mesma
se tornasse próspera. Poderia ocorrer a venda ou arrendamento da terra, ou até mesmo a
doação para outro sesmeiro por parte da coroa portuguesa.
Dentre os que concretizaram a posse da terra estava Gonçalo Gonçalves, que
recebeu as seguintes terras no ano de 1579: “1000 braças de largo e 1500 de comprido em
Suasunhan no Porto de Birapitinga em 6 de Abril”.88

____________________
85 – ABREU, Maurício de Almeida. Geografia Histórica do Rio de Janeiro: 1502-1700. Rio de Janeiro:
Andrea Jakobsson Editorial e Prefeitura do Rio de Janeiro, 2010. Pág. 216
86 – CAETANO, Antonio Filipe Pereira. Entre a Sombra e o Sol – A revolta da cachaça, a Freguesia de
São Gonçalo de Amarante e a crise política fluminense(Rio de Janeiro, 1640-1667). Niterói: Universidade
Federal Fluminense, 2003. Dissertação de Mestrado Pág. 32
87 – ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Os ìndios Aldeados no Rio de Janeiro Colonial – Novos súditos
cristãos do Império Português. Universidade Estadual de Campinas: Campinas, 2000. Tese Doutorado
Pág.29
88 – PIZARRO e ARAUJO, José de Souza. Relação das Sesmarias da Capitania do Rio de Janeiro. Revista
Trimestral do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Tomo LXIII, Parte I:Rio de Janeiro, 1901. Pág. 105
Segundo os historiadores Salvador Mata e Silva e Evadyr Molina:

“Suasunham era a denominação tupi do canal ainda hoje existente,


embora pouco conhecido, que separa o continente da Ilha de Itaoca,
atualmente de forma quase imperceptível. O porto de Birapitinga, ou
Ibirapitinga, ficava próximo a Ilha na Embocadura do rio Imboaçu.”89

Uma capela construída no território deste sesmeiro que foi dedica a São Gonçalo de
Amarante, que seria o santo devotado pelo mesmo, designará o topônimo desta região.90

“Na Capella fundada por Gonçalo Gonçalves(segundo a tradição) em


sua fazenda sita no territorio de Guaxandiba, e dedicada à S. Gonçalo,
criou o mesmo Prelado a 4ª Parochia, correndo o dia 22 de Janeiro de
1645, que o Alvará de 10 de Fevereiro de 1647 confirmou sob título
de Igreja de Guaxandiba, como foi conhecida n’aquelles tempos
primeiros, pela visinhança do Rio Guaxandiba.”91

Quando foi fundada a freguesia92 de São Gonçalo contava com 18 engenhos,


caracterizando a sua principal fonte de recursos e a influência política dos seus senhores,
ao todo a capitania do Rio de Janeiro possuía a época 110 engenhos.93
Os rios que banhavam essa região foram de vital importância para que os sesmeiros
se estabelecessem, especialmente o rio guaxindiba, eram esses canais que facilitavam aos
colonizadores a penetração às regiões desconhecidas.
A mão de obra utilizada para a exploração seguiu a lógica apresentada pela
colônia como um todo: primeiro a indígena e depois a africana. A proibição da escravidão
indígena desencadeou alguns conflitos, no caso do Rio de Janeiro houve ameaça de motim
contra a lei que libertava os índios.

____________________
89 – SILVA, Salvador Mata e, MOLINA, Evadyr. São Gonçalo no Século XVI. Rio de Janeiro: Companhia
Brasileira de Artes Gráficas, 1995. Pág. 61
90 – Ibidem. Pág. 61
91 – PIZARRO e ARAUJO, José de Souza. Memórias Históricas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro:
Impressao Régia, Tomo III, 1820. Pág. 19
92 – “A freguesia, designação portuguesa de paróquia, é um território submetido à jurisdição espiritual de um
cura que também exerce a administração civil.” In: FRIDMAN, Fania. Freguesias fluminenses ao final do
setecentos. São Paulo: Revista do Instituto de Estudo Brasileiros, n.48, 2009. Pág. 95
93 – CAETANO, Antonio Filipe Pereira. Entre a Sombra e o Sol – A revolta da cachaça, a Freguesia de
São Gonçalo de Amarante e a crise política fluminense(Rio de Janeiro, 1640-1667). Niterói: Universidade
Federal Fluminense, 2003. Dissertação de Mestrado Pág. 101
Na tentativa de solucionar o problema a Coroa autorizou a escravidão indígena por
meio da “guerra justa”.94
O que acarretará na predominância da escravidão africana:

“Na sua imensa maioria, os escravos e escravas do Brasil viveram,


trabalharam e morreram nas áreas rurais. Quando se fala em
escravidão rural, de imediato se pensa na agroindústria exportadora,
em especial os engenhos de açúcar[…] Diz-se corretamente que
submetidos a senhores ou administradores em zonas às vezes
distantes, onde o poder colonial estava mal representado, os escravos
das plantations eram vítimas da exploração mais brutal, tendo poucas
chances de ascensão social através da alforria.”95

O poder econômico e a influência política dos senhores de engenho gonçalenses


tornou-se evidente quando os mesmos protagonizaram um movimento de contestação96
contra a administração de Salvador Correia de Sá e Benevides.
Conhecido como Revolta da Cachaça esse movimento

“irá solapar a administração do governador Salvador Correia de Sá e


Benavides, implementar um governo autônomo por cinco meses e,
mais do que isso, realizar uma profunda mudança política e econômica
na região fluminense[…] os líderes reuniram-se na Ponta do Brabo,
também conhecida como Ponta dos Brabos, que hoje se convencionou
chamar de Gradim, no município de São Gonçalo.”97

Em síntese, a Revolta da Cachaça tinha por objetivo a manutenção dos interesses e

____________________
94 – COARACY, Vivaldo. O Rio de Janeiro do Século XVI. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora,
1965. Pág. 33-34, 95-98
95 – CARDOSO, Ciro Flamarion Santana. O Trabalho na Colônia. In: LINHARES, Maria Yedda(org).
História Geral do Brasil. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1990. Pág.80
96 – Esse movimento foi amplamente discutido pelo historiador Antonio Filipe Pereira Caetano em duas
teses: Entre a Sombra e o Sol – A revolta da cachaça, a Freguesia de São Gonçalo de Amarante e a crise
política fluminense(Rio de Janeiro, 1640-1667) e Entre Drogas e Cachaças: A Política Colonial e as
Tensões na América Portuguesa (capitania do Rio de Janeiro e Estado do Maranhão e Grão-Pará, 1640-
1710).
97 – CAETANO, Antonio Filipe Pereira. Entre a Sombra e o Sol – A revolta da cachaça, a Freguesia de
São Gonçalo de Amarante e a crise política fluminense(Rio de Janeiro, 1640-1667). Niterói: Universidade
Federal Fluminense, 2003. Dissertação de Mestrado Pág. 119
privilégios de uma elite local98, tendo em vista o rompimento do pacto entre essa elite e a
administração que foi quebrado pelo seu representante, que na situação em questão era o
governador Salvador Correia de Sá e Benavides. Por isso uma das exigências era a
substituição do mesmo por um indivíduo que representasse essa elite.99
Desta forma nota-se a importância do engenho. Se não produzisse o item que era
tão valorizado na Europa, o açúcar, era produtor de um elemento secundário a economia
canavieira, a cachaça, ou aguardente.

“Desta rápida olhadela ao redor da Guanabara nota-se pois quão


importante fôra o século XVII para os seus destinos sociais. Foi no
seiscentos que se deu o assalto decisivo contra a terra, a tomada do
solo pelo homem para o advento da cultura Entre os fatores
econômicos ativadores dessa ofensiva para o domínio da gleba,
ressalta como a mais eficiente a cana-de-açúcar. Entre os sociais, a
religiosidade do colono.”100

A economia gonçalense não se restringia a esses dois itens. A freguesia possuía


uma agricultura diversificada, mandioca, frutas e outros produtos se intensificaram a partir
do século XVII, bem como uma produção pecuária.101
A dinâmica apresentada anteriormente sobre a capitania do Rio de Janeiro
também é representativa da situação econômica da freguesia de São Gonçalo entre meados
do século XVII e início do século XVIII. A Restauração portuguesa(1640), a expulsão dos
holandeses no nordeste(1654), que afetará diretamente a produção açucareira. “No século
XVII a cana-de-açúcar atingiu o apogeu da produção em São Gonçalo e outros pontos do
território brasileiro.”102

_____________________
98 – “local” aqui não se restringe a freguesia de São Gonçalo, mas remete a relação entre colônia e
metrópole, ou seja, a relação entre elite fluminense e a Coroa portuguesa.
99 – CAETANO, Antonio Filipe Pereira. Entre a Sombra e o Sol – A revolta da cachaça, a Freguesia de
São Gonçalo de Amarante e a crise política fluminense(Rio de Janeiro, 1640-1667). Niterói: Universidade
Federal Fluminense, 2003. Dissertação de Mestrado Pág. 142-144
100 – LAMEGO, Alberto Ribeiro O Homem e a Guanabara. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística:
Rio de Janeiro, 1964. Pág. 198
101 – SILVA, Salvador Mata e, MOLINA, Evadyr. São Gonçalo no Século XVI. Rio de Janeiro: Companhia
Brasileira de Artes Gráficas, 1995. Pág 120
102 – SILVA, Salvador Mata e, MOLINA, Evadyr. São Gonçalo no Século XVIII. Rio de Janeiro:
Companhia Brasileira de Artes Gráficas, 1998. Pág. 137
Porém no final daquele século, a produção diminuiu consideravelmente. Bem como
a descoberta do ouro na última década do século XVII, acarretam em mudanças
significativas para os gonçalenses. Ainda que a produção açucareira tenha reduzido ela
permanece como fator importante para São Gonçalo no século XVIII. 103 O nome de alguns
engenhos que remontam esses séculos perpassaram o tempo e ainda sobreviveram, mesmo
com o encerramento de suas atividades. Muitos engenhos hoje denominam bairros do
município de São Gonçalo.

“Por todo o século XVIII ainda permanecem, todavia, na cintura da


Guanabara grande número de engenhos[...] Entre outros, o município
de São Gonçalo guarda nomes locais relembradores dessa intensa
cultura da cana, por aquele tempo generalizada Engenho Pequeno,
Engenho Novo do Roçado, Engenho do Mato e Engenho Novo do
Retiro, são designações que, similares as de bairros da fronteira
capital, indelevelmente recordam a maneira como se processou o
desbravamento municipal desde os tempos da Colônia até uma época
bem próxima, quando aos poucos a expansão urbana valorizando cada
vez mais a terra, foi destruindo as fazendas por um retalhamento
simultâneo a elevação do índice demográfico.”104

Nessa conjuntura encontravam-se os cristãos-novos, permeando a sociedade


colonial brasileira, carioca e gonçalense. Formando suas redes sociais 105, casando-se entre
si e com cristãos-velhos106, exercendo atividades liberais, trabalhando a terra ou
participando dos cargos públicos. Em suma, buscando a inserção, ascensão e
reconhecimento social. Ainda que somente exteriormente, pois internamente deviam
manter segredo em relação a sua fé e transmiti-los somente aos seus pares.107

____________________
103 – SILVA, Salvador Mata e, MOLINA, Evadyr. São Gonçalo no Século XVIII. Rio de Janeiro:
Companhia Brasileira de Artes Gráficas, 1998. Pág.
104 – LAMEGO, Alberto Ribeiro O Homem e a Guanabara. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística:
Rio de Janeiro, 1964. Pág. 203
105 – Para uma discussão sobre o conceito de “redes sociais” ver: CUNHA, Mafalda Soares da. Redes
sociais e decisão política no recrutamento dos governantes das conquistas, 1580-1640. In: FRAGOSO, João
e GOUVÊA, Maria de Fátima(org.). Na trama das Redes: Política e negócios no império português, séculos
XVI-XVIII. Civilização Brasileira: Rio de Janeiro, 2010. Pág. 115-154
106 – SILVA, Lina Gorenstein Ferreira da. Heréticos e Impuros: A Inquisição e os cristãos-novos no Rio de
Janeiro(século XVIII). Secretaria Municipal de Cultura, Divisão de Editoração: Rio de Janeiro, 1995.
107 – NOVINSKY, Anita W.( et al). Os Judeus que Construíram o Brasil:Fontes inéditas para uma nova
visão da história. Planeta do Brasil: São Paulo, 2015.
Cap. 3 Criptojudaísmo

3.1 A província do Rio de Janeiro

“Como o senhor bem sabe, aqui, como em


qualquer território português, a Inquisição é
flagrante e o povo tão subjugado pela
autoridade de Roma, que todo cuidado é
pouco. Quando de nossa chegada, cerca de
cem indivíduos estavam sendo enviados para
Portugal, onde seriam julgados pelo Tribunal
do Santo Ofício. A maioria deles era suspeita
de judaísmo.”
(Jonas Finck, 1711)108

Jonas Fink era tipógrafo e missionário protestante alemão que estava de passagem
pelo Rio de Janeiro em 1711. O navio em que se encontrava o missionário saiu da
Inglaterra, passou pela costa da África, atravessou o oceano Atlântico e chegou em 17 de
agosto no Rio de Janeiro, mas seu destino seria a Índia. 109 Além de ter presenciado os
prisioneiros do Santo Ofício o navio que estava foi tomado pelos franceses quando da
invasão em 11 de setembro de 1711. Porém esta invasão trouxe vantagens para alguns dos
cristãos-novos citados por Fink:

“Na incursão dos franceses se soltaram todos os sobreditos presos [do


Santo Ofício] e andavam juntos e fizeram por várias vezes
conciliábulos em que foi público e notório se ajustaram em dar nas
pessoas a que eram mal-afectas[…] os cristãos-novos que se soltaram
depois da invasão dos franceses se encontravam na fazenda de
Jacarepaguá de Luís Paredes e outros na Covanca no engenho de
Baltasar Rodrigues Coutinho.”110

Muitos dos libertos se dirigiram a residência de familiares conforme a descrição


acima, outros tentaram retornar as suas terras confiscadas.111

__________
108 – FRANÇA, Jean Marcel Carvalho. Visão do Rio de Janeiro Colonial: Antologia de textos(1531-1800).
Editora José Olympio: Rio de Janeiro, 2008. Pág. 87
109 – Ibidem. Pág. 84-85
110 – Trecho do processo de Francisco Mendes Simões In: DINES, Alberto. Vínculos do Fogo: Antônio
José, o Judeu, e outras histórias da inquisição em Portugal e Brasil. Companhia das Letras: São Paulo, 1992.
p.709
111 – Ibidem. Pág. 715
Alberto Dines faz algumas indagações sobre o que poderia ocorrer com os cristãos-
novos que foram libertos pelos franceses:

“Presos pelo Santo Ofício, soltos pelos franceses, humilhados ou


triunfadores, coisa nenhuma ou as duas coisas ao mesmo tempo, muito
ao gosto dos marranos. Enquanto mandam uns, deixa existir a
Inquisição, mas quando se forem os libertadores como ficarão os
libertados? Como voltar para casa se as casas não são suas, se seus
pertences pertencem a outros? O que fazer, fugir, para onde?”112

O missionário alemão relatou uma situação num período em que a maioria dos
cristãos-novos presos no Brasil eram oriundos do Rio de Janeiro. Segundo Lina Gorenstein
“Cerca de 325 cristãos-novos foram presos no Rio de Janeiro nas primeiras quatro décadas
do século XVIII e enviados para Lisboa, onde foram julgados como hereges.” 113 De 1703 a
1740 foi o período em que houve mais prisões no Rio de Janeiro.114
Até final do século XVII poucos tinham sido os presos nas terras fluminenses, esse
quadro se altera de maneira exponencial no século seguinte conforme apontado pelo
historiador Ronaldo Vainfas:

“No conjunto do século XVII, portanto, a ação inquisitorial no Rio de


Janeiro foi modesta, quase nula, em relação ao que o Santo Ofício
faria em terra fluminense na primeira metade do século XVIII[…] O
índice de cristãos-novos acusados por judaísmo no Rio de Janeiro
alcançou, na primeira metade do século XVIII, mais de 90% de todos
os processados pelo Santo Ofício residentes na capitania.”115

A situação econômica da capitania do Rio de Janeiro descrita no capítulo anterior


justifica o aumento das ações inquisitoriais nessa região pois:

__________________
112 - DINES, Alberto. Vínculos do Fogo: Antônio José, o Judeu, e outras histórias da inquisição em
Portugal e Brasil. Companhia das Letras: São Paulo, 1992. Pág. 705 e 707.
113 – SILVA, Lina Gorenstein Ferreira da. Cristãos-novos, identidade e Inquisição (Rio de Janeiro, século
XVIII). WebMosaica: revista do instituto cultural judaico Marc Chagall v.4 n.1: Porto Alegre, 2012. Pág. 40
114 – NOVINSKY, Anita W.( et al). Os Judeus que Construíram o Brasil:Fontes inéditas para uma nova
visão da história. Planeta do Brasil: São Paulo, 2015. Pág.148
115 – VAINFAS, Ronaldo. Santo Ofício em Terra Fluminense: Cristãos-novos e Inquisição no Rio de
Janeiro Colonial. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, ano 177: Rio de Janeiro, abr/jun
2016. Pág.15-16.
“alguns foram os que souberam aproveitar o momento oportuno para o comércio com as
Minas, chegando mesmo a se estabelecer lá enquanto mantinham partidos no Rio de
Janeiro.”116Apesar da maioria dos cristãos-novos exercerem atividades agrícolas,117
senhores de engenho e lavradores, eles participavam de um vasto conjunto de atividades
profissionais que constituíam a sociedade colonial carioca. Quando os observamos:

“Deparamo-nos com médicos, sacerdotes e advogados, guiados por


sensibilidades, saberes e práticas do Antigo Regime. Pleiteavam
‘mercês’ reais para o exercício de cargos, para adquirirem
empréstimos e para a realização de negócios de grosso trato.
Prestavam serviços às ‘melhores famílias da terra’, às instituições
laicas e aos setores eclesiásticos.”118

As atividades profissionais dos cristãos-novos eram dinâmicas, tendo em vista que


“além de comerciantes, havia, entre os homens, advogados, médicos, funcionários da
Câmara, militares, oficiais mecânicos, estudantes e até padres.”119 Nesse quesito eles não
diferenciavam dos cristãos-velhos,120 o que os distinguem não são as profissões, não é o
que eles faziam em público, mas no privado.

“Algo bastante recorrente nos processos é ler que as práticas e


cerimônias ocorriam portas adentro, longe do olhar dos possíveis
delatores. Uma atitude presumível quando lembramos que o segredo e
o afastamento forneciam condições ideais para manifestação de
heterodoxias[…] os cristãos-novos que fossem criptojudeus precisa-

____________________
116 – OLIVEIRA, Monique Silva de. Inquisição e Cristãos-novos no Rio de Janeiro: O caso da família
Azeredo(1701-1720). Dissertação de mestrado, Universidade Federal Fluminense: Rio de Janeiro, 2016.
Pág.110
117 - “Mais da metade dos cristãos-novos estava ligada a agricultura” In: NOVINSKY, Anita W. Os Judeus
que Construíram o Brasil: Fontes inéditas para uma nova visão da história. Planeta do Brasil: São Paulo,
2015. Pág.146
118 - CALAÇA, Carlos Eduardo. A Confissão Como um Dilema: Cristãos-novos letrados do Rio de Janeiro
– Século XVIII. Revista Antíteses, V.1 N.2.: Londrina, 2008. Pág.306
119 – VAINFAS, Ronaldo. Santo Ofício em Terra Fluminense: Cristãos-novos e Inquisição no Rio de
Janeiro Colonial. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, ano 177: Rio de Janeiro, abr/jun
2016. Pág.30.
120 - “Havia homens de negócios, médicos e advogados, além de artesãos, mestres-escola, militares,
caixeiros, alfaiates, músicos, carpinteiros e padres.” In: NOVINSKY, Anita W. Os Judeus que Construíram
o Brasil: Fontes inéditas para uma nova visão da história. Planeta do Brasil: São Paulo, 2015. Pág.146
vam cumprir tais preceitos, evitando as suspeitas e desconfianças dos
católicos sinceros.”121

Apesar de externarem todos os esteriótipos necessários para serem inseridos na


dinâmica colonial estando sociabilizados com os cristãos-velhos e com estes fazendo
negócios, exercendo as mesmas profissões, indo as missas, realizando matrimônios e
mantendo uma rede de relacionamentos, entretanto havia algo que os distinguiam, ainda
que “exteriormente, todos os cristãos-novos tinham um comportamento exemplar, idêntico
ao dos cristãos-velhos”.122 Carregavam dentro de si um elemento de distinção que não
poderiam livrar-se: “No Rio de Janeiro do século XVIII, sabia-se quem era cristão-novo e
por que via o sangue judeu chegara até aquela pessoa: pela família materna ou pela família
paterna”123. Ainda que negassem suas origens judaicas, o rigor das investigações dos
inquisidores chegaria aos seus antepassados de sangue judeu.
A dificuldade para a transmissão da tradição judaica, ausência das sinagogas em
decorrência da perseguição, trará aos cristãos-novos uma característica peculiar:

“Considerei que os cristãos-novos fluminenses apresentavam uma


identidade cristã-nova e não somente um ethos. Não mais a identidade
judaica, mas uma identidade própria – uma vez que além do ethos – a
parte externa de seu comportamento – também estava internalizada a
consciência de que eram cristãos-novos, não judeus e nem cristãos.”124

Essa “identidade cristão-novo” se constituiu principalmente pela transmissão oral,


cerimônias realizadas nos lares, passada de geração em geração. Segundo Alberto Dines
existiam os “ensinadores da doutrina, homens letrados, viajadores ou que mantém
contratos com mercadores que vão e voltam à Europa onde o judaísmo é franqueado.”125
Um destes é João Soares Pereira que Alberto Dines aponta como “conhecido
mestre” que teria ensinado a Miguel de Castro e Lara, estudante de filosofia em Coimbra,

____________________
121 - OLIVEIRA, Monique Silva de. Inquisição e Cristãos-novos no Rio de Janeiro: O caso da família
Azeredo(1701-1720). Dissertação de mestrado, Universidade Federal Fluminense: Rio de Janeiro, 2016.
Pág.125
122 - SILVA, Lina Gorenstein Ferreira da. Cristãos-novos, identidade e Inquisição (Rio de Janeiro, século
XVIII). WebMosaica: revista do instituto cultural judaico Marc Chagall v.4 n.1: Porto Alegre, 2012. Pág. 47
123 - Ibidem. Pág. 41
124 - Ibidem. Pág. 44
125 - DINES, Alberto. Vínculos do Fogo: Antônio José, o Judeu, e outras histórias da inquisição em
Portugal e Brasil. Companhia das Letras: São Paulo, 1992. Pág. 421
a tradição judaica, este “cumpre fielmente os mandamentos: jejuns do Dia Grande, da
rainha Ester e o da Páscoa dos Cordeiros em memória da liberdade que teve o povo de
Israel.”126 Outro judaizante nas terras fluminenses é o médico João Nunes Vizeu: “chamado
à casa de Jerônima Gomes, muito doente e desacordada, teve práticas judaicas com a irmã
desta, Lourença Coutinha., mãe de Antônio José” no ano de 1704.127 Porém, o papel da
mulher era fundamental na manutenção e transmissão da cultura judaica. Segunda Lina
Gorenstein:

“A elas cabia a preservação da memória judaica, imprescindível.


Fosse para a prática do criptojudaísmo, fosse para que os filhos
tivessem esse conhecimento, necessário caso fossem presos pela
Inquisição[…] Os Inquisidores consideravam as mulheres como um
dos maiores perigos para sociedade católica, uma vez que acreditavam
que o judaísmo era transmitido às novas gerações pelo sangue, pela
memória feminina e até mesmo pelo leite materno. Para eles, as
cristãs-novas constituíam uma ameaça, e eram vistas sempre com
desconfiança.”128
As mães ensinavam aos filhos e filhas e também as avós ensinavam aos netos,
como é o caso de Izabel Gomes da Costa que instrui sua neta, que tinha o mesmo nome,
nas orações das sextas-feiras e dos sábados.129 O rito que mais se prolongou entre as
gerações de cristãos-novos foi a guarda do sábado( Shabbat ).

“No Rio de Janeiro, cristãs-novas declararam nas confissões ‘que


guardavam os sábados de trabalhos como se fossem dias santos […]
algumas disseram que nesse dia vestiam camisa limpa ou os melhores
vestidos; outras admitiram preparar o Shabbat, acendendo para isso
velas ou candieiros.”130
Outro aspecto judaico apresentado pelos cristãos-novos fluminenses são as
restrições alimentares, sendo a mais conhecida a carne de porco. Os métodos de preparo e
o uso de determinados utensílios na preparação dos alimentos conforme os preceitos da Lei
de Moisés também podem ser notados.131
____________________
126 - Ibidem. Pág. 441
127 - Ibidem. Pág. 555
128 – SILVA, Lina Gorenstein Ferreira da. O Criptojudaísmo Feminino no Rio de Janeiro( Séculos XVII e
XVIII). Revista Projeto História, n.37: São Paulo, 2008. Pág. 118
129 – Ibidem. Pág. 124
130 – Ibidem. Pág. 126
131 – Ibidem. Pág. 130
Lina Gorenstein conseguiu localizar vinte mulheres e quatorze homens que tinham
o papel de ensinar a Lei Moisaica na capitania do Rio de Janeiro, entre essas pessoas
algumas detinham tamanha importância que chegaram a formar “verdadeiras redes
familiares para o ensino na Lei de Moisés.”132
É de se considerar também que nem todos os cristãos-novos foram presos, o que
torna esse número a representação de uma parte dos possíveis criptojudeus, não
caracterizando-os por completo.
Sendo assim, podemos perceber que não havia preponderância por parte de quem
realizaria o ensino do judaísmo, ou do que dele ainda podeira ser, mas tornou-se
tendencioso essa função ser exercida pela mulher em decorrência das circunstâncias tendo
em vista que o lar se tornou a sinagoga. Assim como o ambiente das cerimônias e ritos de
preservação e transmissão da fé. O Tribunal presumia a culpa do réu, desta forma
“nenhum cristão-novo do Rio de Janeiro foi considerado inocente do crime de judaísmo –
tinham a culpa do sangue”.133
No início do século XVIII a prisão de um cristão-novo fluminense era algo
iminente. O resultado disto é que nesse período “o Rio de Janeiro se transformou no maior
viveiro de réus para a Inquisição portuguesa no Brasil Colonial.” 134 Muitos dos
antepassados desses cristãos-novos chegaram ao Rio de Janeiro em um período em que
esta capitania era pouco observada pelos inquisidores. Desta forma foram se
estabelecendo, formando famílias, criando raízes, aumentando seu patrimônio e tornando-
se pessoas influentes na sociedade fluminense. 135 A mudança na dinâmica colonial
brasileira entre meados do século XVII e início do século XVIII desperta as atenções do
Santo Ofício para as capitanias de baixo e resulta em uma série de prisões no do Rio de
Janeiro.136
Após a condenação alguns sobreviventes conseguiram autorização para retornarem
a fim de tentar um recomeço, outros permaneceram em Portugal.137

____________________
132 – Ibidem. Pág. 133
133 – SILVA, Lina Gorenstein Ferreira da. Cristãos-novos, identidade e Inquisição (Rio de Janeiro, século
XVIII). WebMosaica: revista do instituto cultural judaico Marc Chagall v.4 n.1: Porto Alegre, 2012. Pág. 43
134 – VAINFAS, Ronaldo. Santo Ofício em Terra Fluminense: Cristãos-novos e Inquisição no Rio de
Janeiro Colonial. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, ano 177: Rio de Janeiro, abr/jun
2016. Pág.34
135 – NOVINSKY, Anita W.( et al). Os Judeus que Construíram o Brasil:Fontes inéditas para uma nova
visão da história. Planeta do Brasil: São Paulo, 2015. Pág. 16-17
136 – SILVA, Lina Gorenstein Ferreira da. Cristãos-novos, identidade e Inquisição (Rio de Janeiro, século
XVIII). WebMosaica: revista do instituto cultural judaico Marc Chagall v.4 n.1: Porto Alegre, 2012. Pág. 40
137 – SILVA, Lina Gorenstein Ferreira da. Heréticos e Impuros: A Inquisição e os cristãos-novos no Rio de
Janeiro(século XVIII). Secretaria Municipal de Cultura, Divisão de Editoração: Rio de Janeiro, 1995.
Pág.110
3.2 Terras da “banda d’além”

“Nos dias de hoje, Guanabara é o nome


extensivo a toda baia, enquanto por Niterói, se
entende apenas a parte da costa oriental.
Aliás, essa mesma consta oriental, pelo século
XVI, era, as vezes, chamada de ‘banda dalém
desta fortaleza’(em referência ao Forte do
Cara de Cão), ou também ‘banda de Cabo
Frio’, com que diferenciavam a outra costa, a
ocidental, que era a ‘banda da Carioca’.”
(Gastão Cruls, 1965)138

Os cristãos-novos se fixaram ao longo de todo o recôncavo da Guanabara, em


lugares propícios para as atividades agrícolas. Segundo Lina Gorenstein em “Irajá,
Jacarepaguá, São Gonçalo, São João de Meriti e Jacutinga foram as freguesias onde se
concentraram, em terras banhadas por vários rios, boas para o cultivo.”139
Em se tratando da Freguesia de São Gonçalo “Os seguintes cristãos-novos tinham
ali seus engenhos: João Rodrigues Calassa, João Dique de Souza e a família Vale, com os
irmãos Manuel do Vale da Silveira, Simão Rodrigues de Andrade e José Ramires do
Vale.”140Mas sem dúvida, a família Vale é a que mais se destaca entre os cristãos-novos
fixados nessa região. Proprietários de um dos maiores engenhos nas terras fluminenses, no
lugar que atualmente encontra-se a fazenda Colubandê no bairro de mesmo nome, não
passariam despercebidos pelos inquisidores. Segundo Anita Novinsky, apesar de terem
alguns sentenciados no século XVII, a maior parte das prisões dessa família ocorreu no
século XVIII, e que “no total, foram presos mais de quarenta membros da família, entre
eles dezessete mulheres condenadas como judaizantes.”141
A primeira proprietária do engenho Colubandê, de Invocação de Nossa Senhora do

__________________
138 – CRULS, Gastão. Aparência do Rio de Janeiro. V. 1. Editora José Olympio: Rio de Janeiro, 1965.
Pág.15
139 – SILVA, Lina Gorenstein Ferreira da. Heréticos e Impuros: A Inquisição e os cristãos-novos no Rio de
Janeiro(século XVIII). Secretaria Municipal de Cultura, Divisão de Editoração: Rio de Janeiro, 1995. Pág. 59
140 – Ibidem. Pág. 62
141 – NOVINSKY, Anita W(et al). Os Judeus que Construíram o Brasil: Fontes inéditas para uma nova
visão da História. Planeta do Brasil: São Paulo, 2015. Pág. 148-149
Montesserrate, teria sido Catarina de Siqueira, mas parece que não teria ficado por muito
tempo com a posse do mesmo, pois logo o engenho teria sido vendido.
O último proprietário cristão-novo foi Duarte Rodrigues de Andrade 142. Quando do
falecimento deste, ficou a cargo da viúva, Ana do Vale, e seus filhos administrá-lo
conforme foi apontado por um deles, Manoel do Vale da Silveira, preso em 1710. Em seu
processo consta o seguinte:

“Disse que de bens de raiz tinha no engenho Golambande de


Invocação de Nossa Senhora do Monserrate o melhor quinhão na
metade dele de que era administrador com seu irmão Simão Roiz de
Andrade e Joseph Ramires de Andrade e a outra metade pertencia a
sua mãe Ana do Vale viuva de seu pai Duarte Roiz de Andrade.”143

É nessa fazenda que, provavelmente, ocorriam cerimônias e ritos judaicos para


manutenção e transmissão da religiosidade judaica e as vezes culminavam em conversões,
como é a que foi indicada pelo cristão-novo Diogo Rodrigues Calaça, preso em 1712: “A
fazenda do cristão-novo Manuel do Vale da Silveira, membro da família Vale,[...] fora o
local em que Diogo [Rodrigues Calaça] confirma a passagem à ‘lei de Moisés’.”144
A rede de famílias que se formou por meio da família Vale é extensa. Seus
principais membros estavam na fazenda Colubendê, mas poderiam ser localizados em
diversas áreas do Rio de Janeiro compondo uma variada parentela:

“Compõem-se das famílias Vale de Mesquita, Paz, Mendes da Paz,


Vale da Silveira, Rodrigues de Andrade, Bernal da Fonseca, Ramires,
Guterrez, e Soares Pereira. Descendem do patriarca Duarte Ramires de
Leão, aliás Benyamin Benveniste como o chamam em Amsterdam,
cujos filhos foram amigos de Miguel Cardoso. Donos do engenho
Colubendê, um potentado de grande.”145

___________________
142 – DINES, Alberto. Vínculos do Fogo: Antônio José, o Judeu, e outras histórias da inquisição em
Portugal e Brasil. Companhia das Letras: São Paulo, 1992. Pág. 386.
143 – Processo n° 4.166 In: NOVINSKY, Anita W. Inventários de Bens Confiscados a Cristãos-novos:
Fontes para a História de Portugal e Brasil. Imprensa Nacional: São Paulo, 1976. Pág. 212
144 – VIEIRA, Fernando Gil Portela. Os Calaças: Quatro gerações de uma família de cristãos-novos na
Inquisição(Séculos XVII-XVIII). São Paulo: Universidade de São Paulo, 2015. Tese Doutorado. Pág. 291
145 – DINES… Op. Cit. Pág. 387
Alberto Dines também aponta que os mesmos eram descendentes de Aboab da
Fonseca que teria fugida da perseguição espanhola e ido para Portugal mas teriam sidos
forçados a se batizar durante o reinado de D. Manuel.
O pai do citado Diogo Rodrigues Calaça, o já também citado senhor de engenho
João Rodrigues Calaça, preso em 1712, afirmou possuir um engenho em Itaúna que teria
sido saqueado pelos franceses na invasão de 1711.146 O mesmo Diogo também declara em
outra confissão que teria realizado jejuns judaicos:

“Chamado à Mesa a dezenove de janeiro de 1713. Diogo [Rodrigues]


Calaça confessou que, havia seis anos, no Rio de Janeiro, declarara
crer na lei de Moisés e que, junto dos cristãos-novos Ana do Vale e
João da Fonseca, ‘jejuavão judaycamente nas quintas feyras de cada
semana’.”147

Outro senhor de engenho de São Gonçalo que alega ter sido saqueado pelos
franceses em 1711 é João Dique de souza, preso em 1712. 148 Dono do engenho
denominado Vera Cruz é um dos casos mais emblemáticos no território gonçalense.
Vizinho da família Vale, viúvo e pai de três filhos: Diogo Duarte, Fernão e João Dique; e
seis filhas que foram para um convento em Portugal. 149 Foi o que teve a condenação mais
severa: Pena capital, ou seja, fogueira. Saiu no Auto de Fé de 14 de outubro de 1714.

“Condenado à pena capital, de verdade, sem encenação, João Dique de


Souza, 67 anos, parte de cristão-novo, senhor de engenho. Não
funciona o poder do potentado[engenho], de nada valem os exames de
sangue, o desprezo pelos judaizantes e as amizades. De nada vale
subir na vida.”150

____________________
146 – Processo n° 955 In: NOVINSKY, Anita W. Inventários de Bens Confiscados a Cristãos-novos:
Fontes para a História de Portugal e Brasil. Imprensa Nacional: São Paulo, 1976. Pág. 145
147 – VIEIRA, Fernando Gil Portela. Os Calaças: Quatro gerações de uma família de cristãos-novos na
Inquisição(Séculos XVII-XVIII). São Paulo: Universidade de São Paulo, 2015. Tese Doutorado. Pág. 312
148 – Processo 10.139 In: NOVINSKY, Anita W. Inventários de Bens Confiscados a Cristãos-novos:
Fontes para a História de Portugal e Brasil. Imprensa Nacional: São Paulo, 1976. Pág. 132.
149 – Ibidem. Pág. 133.
150 – DINES, Alberto. Vínculos do Fogo: Antônio José, o Judeu, e outras histórias da inquisição em
Portugal e Brasil. Companhia das Letras: São Paulo, 1992. Pág. 759
Os bens dos cristãos-novos novos presos pelo Santo Ofício eram confiscados
e leiloados. No caso de João Dique de Souza, o engenho Vera Cruz fora arrematado
por Félix Madeira Gusmão151. Os seus filhos tiveram penas menos rígidas: Cárcere e
hábito perpétuo.152
Alguns lavradores de cana cristãos-novos que tinham Partidos em São
Gonçalo também foram presos pelo Santo Ofício por culpas de judaísmo. O médico
Francisco de Siqueira Machado, homem letrado que estudou na Universidade de
Coimbra153, antes de embarcar em direção ao Reino teria sido instruído por sua avó,
Brites da Paz, a “obrar na Lei de Moisés, rezar o padre-nosso sem ‘Gloria Patri’,
fazer o jejum do Dia grande, o jejum da rainha Ester e do Pão Ázimo” 154, preso em
1708 disse “ter um partido de canas com quinze até dezoito escravos que nele
trabalham no engenho de Ana do Vale moradora no mesmo engenho” 155, neste
mesmo engenho ainda possuíam partidos o genro da dona, João Soares Mesquita, e
Diogo Bernal da Fonseca casado com Maria de Andrade, o irmão deste, João da
Fonseca Bernal também era lavrador em São Gonçalo.
Um dos filhos de Ana do Vale, Domingos Rodrigues Ramires, era
proprietário de um partido. No engenho do sentenciado João Dique possuíam partido
Luís Dique, seu filho, e João Henriques de Castro. 156 Outro lavrador de São Gonçalo,
Francisco Correia de Souza, apesar de denunciado não chegou a ser preso. 157 Nas
terras gonçalenses também encontrava-se um conhecido ensinador do judaísmo
chamado João Soares Pereira, envolvido com a família Vale por matrimônio com
Leonor Gomes da Costa.158

____________________
151 – DINES, Alberto. Vínculos do Fogo: Antônio José, o Judeu, e outras histórias da inquisição em
Portugal e Brasil. Companhia das Letras: São Paulo, 1992. Pág. 770
152 – Ibidem. Pág. 935, 939, 953. “Cárcere e hábito penitencial perpétuo significava que o réu, depois
de ficar encarcerado por determinado tempo nos cárceres da penitência da Inquisição, era obrigado a
usar o hábito penitencial, ou sambenito (espécie de capa com a cruz amarela de Santo André)
perpetuamente, e todos os seus bens eram confiscados.” In: SILVA, Lina Gorenstein Ferreira da.
Cristãos-novos, identidade e Inquisição (Rio de Janeiro, século XVIII). WebMosaica: revista do
instituto cultural judaico Marc Chagall v.4 n.1: Porto Alegre, 2012. Pág 48
153 – CALAÇA, Carlos Eduardo. A Confissão de um Dilema: Cristãos-novos letrados do Rio de
janeiro – século XVII. Revista Antíteses, v.1, n.2: Londrina, 2008. Pág. 305
154 – DINES… Op. cit. Pág 417
155 – NOVINSKY, Anita W. Inventários de Bens Confiscados a Cristãos-novos: Fontes para a
História de Portugal e Brasil. Imprensa Nacional: São Paulo, 1976. Pág. 120
156 – NOVINSKY… Ibdem. Pág. 84, 97, 120, 136, 137, 151 e 176; SILVA, Lina Gorenstein Ferreira
da. Heréticos e Impuros: A Inquisição e os cristãos-novos no Rio de Janeiro(século XVIII). Secretario
Municipal de Cultura, Divisão de Editoração: Rio de Janeiro, 1995. Pág. 195
157 – SILVA… Ibdem. Pág. 194
158 – DINES… Op. cit. Pág. 389
3.3 O cristão-novo Diogo Bernal da Fonseca

“Toda a história dos cristãos-novos é uma


aventura. Mas não podemos excluir dos
colonizadores conversos o trabalhador
infatigável, com a ambição de sobreviver,
construir seu espaço e uma sociedade livre.”
(Anita Novinsky, 2015)159

Os lavradores arrendavam terras para plantar a cana ou as plantava em suas


próprias terras, havia também os lavradores de mandioca. Inicialmente o lavrador deviria
moer a cana no engenho ao qual a terra está arrendada, posteriormente ficaram livres para
escolher onde moê-la.160

“O grupo de lavradores de partido era numeroso, constituindo-se, ao


lado dos senhores de engenho, em um dos mais representativos na
economia açucareira; eram também fator de relativa mobilidade social
no interior da estrutura econômico-social, com possibilidade de
ascensão dos lavradores de cana.”161

Por sua importância na dinâmica da produção açucareira o padre Antonil aconselha


aos senhores de engenho que “olhe para os seus lavradores, como para verdadeiros
amigos”.162 Quanto aos lavradores ele adverte que devem ter o maior respeito pelos
senhores de engenho pois é a partir da terra destes que o lavrador poderá ascender
socialmente.163
Lina Gorenstein localizou 36 partidistas no Rio de Janeiro no início do século
XVIII, destes conseguiu identificar 21, sendo no engenho em Colubandê “umas das mais
extensas redes de parentescos envolvendo partidistas”.164

__________
159 – NOVINSKY, Anita W. Os Judeus que Construíram o Brasil: Fontes inéditas para uma nova visão da
história. Planeta do Brasil: São Paulo, 2015. Pág. 16
160 – SILVA, Lina Gorenstein Ferreira da. Heréticos e Impuros: A Inquisição e os cristãos-novos no Rio de
Janeiro(século XVIII). Secretario Municipal de Cultura, Divisão de Editoração: Rio de Janeiro, 1995. Pág. 64
161 – Ibidem. Pág. 64
162 – ANTONIL, André João. Cultura e Opulência do Brasil por suas drogas e minas. Typ. Imp. e Const. de
J. Villenueve: Rio de Janeiro, 1837. Pág. 14 [Biblioteca Digital do Senado Federal]
163 – Ibidem. Pág. 16
164 – SILVA… Idem. Pág. 63
Nesse engenho possuía um partido o lavrador de cana Diogo Bernal da Fonseca
conforme descrito em seu inventário quando preso pelo Santo Ofício:

“disse que tinha um partido de cana no sítio que se chama o


Alambandé freguesia de São Gonçalo, e estava na fazenda de Anna do
Valle da Silveira moradora no Rio, e ele declarante por fabricar o dito
partido tinha a metade dos lucros dele, e a outra metade tinha a dita
Anna por ser senhora da fazenda.”165

No processo de sua esposa, Maria de Andrade, na sessão genealogia 166 a mesma


declarou que era “moradora na cidade do Rio no Engenho de Alambade de Anna do
Valle”167. Diogo Bernal da Fonseca era natural da Vila de Celorico 168, Portugal, sendo
batizado e crismado na mesma vila. 169 Segundo Alberto Dines a família Bernal da Fonseca
“seria descendente de Abraham Nuñez Bernal e Isaac de Almeida Bernal, tio e sobrinho,
suplicados pelo Santo Ofício espanhol”170.
Esteve na Corte espanhola quando tinha 13 anos de idade e afirmou ter sido o
primeiro lugar em que teve contato com o judaísmo. Segundo o mesmo, na Corte de
Madrid foi instruído por Gonçalo de Ledeyma a crer na lei de Moisés para salvação de sua
alma, entretanto, “por ser então muito moço não fez caso algum daquele ensino” 171 depois
teria embarcado para o Rio de Janeiro. Não esclarece as motivações de estar na Espanha
nem qual tempo de permanência, mas possivelmente estivera acompanhando seu pai pois o
mesmo era mercador172, além de ter alguns familiares na Espanha como declarou ter dois
tios que moravam em Ciudad Rodrigo e um irmão em Castela, territórios espanhóis.173
Mas foi no Rio de Janeiro que alegou ter passado a crer na lei de Moisés, no ano de

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165 – NOVINSKY, Anita W. Inventários de Bens Confiscados a Cristãos-novos: Fontes para a
História de Portugal e Brasil. Imprensa Nacional: São Paulo, 1976. Pág. 84
166 – “Na sessão genealogia, o réu relacionava os membros de sua família e fornecia informações
sobre batismo e crisma” In: NOVINSKY, Anita W(et al). Os Judeus que Construíram o Brasil:
Fontes inéditas para uma nova visão da história. Planeta do Brasil: São Paulo, 2015. Pág. 50
167 – Processo de Maria de Andrade, N° 9.149, Fl 95. Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Código
de Referência PT/TT/TSO-IL/028/09149
168 – Processo N° 6.525, fl 01. Arquivo Nacional da Torre do Tombo.
169 – Processo N° 6.525, fl 76. Arquivo Nacional da Torre do Tombo.
170 – DINES, Alberto. Vínculos do Fogo: Antônio José, o Judeu, e outras histórias da inquisição em
Portugal e Brasil. Companhia das Letras: São Paulo, 1992. Pág. 386
171 – Processo N° 6.525, fl 87 e 88. Arquivo Nacional da Torre do Tombo.
172 – Processo N° 6.525, fl 73. Arquivo Nacional da Torre do Tombo.
173 – Processo N° 6.525, fl 75,76 e 77. Arquivo Nacional da Torre do Tombo.
1681, na casa do cristão-novo Diogo de Almeida numa ocasião em que além deste também
encontrava-se Antonio Mendes de Almeida174, outro cristão-novo, então perguntado em
qual lei vivia respondeu que era na lei de Cristo, disseram-lhes então:

“q nella não hia bem encaminhado e q se queria salvar sua alma havia
de ter crença na Ley de Moyzes por observancia della havia de
guardar os sabbados de trabalho como se focem dias santos e havia de
fazer jejuns judaicos[…] lembrado também de q lhe havia ensinado o
dito Gonçalo de Ledeyma entendendo q o encaminhava no q mais lhe
convinha pa salvação de sua alma se apartou logo aly da Ley de
Christo Sr nosso”175

Porém, não foi esse encontro o motivo de sua prisão. Quando foi emitida sua ordem
de prisão pelo Santo Ofício, em 20 de julho de 1709, apenas em duas confissões fora
citado. Os cristãos-novos Alexandre Soares Pereira em confissão de 17 de abril de 1709 e
Francisco Siqueira Machado, em 11 de maio do mesmo ano, teriam afirmado estar com
Diogo Bernal da Fonseca em ocasiões que o mesmo afirmou crer e viver na lei de
Moisés.176 Ao ser entregue aos carceres da inquisição pelo familiar Diogo de Mendanha,
em 09 de outubro de 1710, havia apenas três dias que o cristão-novo Miguel de Castro e
Lara declarava estar em uma ocasião com Diogo Bernal e outras pessoas quando
afirmaram que “por observancia da mesma[lei de Moisés] disserão fazião as ditas
cerimonias, a saber o jejum do Dia Grande, e Raynha Esther, e guardavão os sabbados de
trabalho”. No dia 7 do mesmo mês foram duas confissões que o envolveu, os cristãos-
novos Antonio do Valle de Mesquita e João Thomas Brum confessaram ter se encontrado
com Diogo Bernal da Fonseca por diversas ocasiões em que o mesmo declarou crer e viver
na lei de Moisés, um dia após sua prisão outro cristão-novo, Joseph Ramires do Valle,
também o denunciava.177
No mesmo dia que chegou ao cárcere foi levado à audiência para ser interrogado
para fazer o levantamento do seu inventário178. Provavelmente omitiu alguns bens, pois
com a ordem de prisão os mesmos deveriam ser confiscados.

___________________
174 - Processo N° 6.525, fl 88. Arquivo Nacional da Torre do Tombo.
175 – Processo N° 6.525, fl 88 e 89. Arquivo Nacional da Torre do Tombo.
176 – Processo N° 6.525, fl 05, 09, 13. Arquivo Nacional da Torre do Tombo.
177 – Processo N° 6.525, fl 7, 16 a 24. Arquivo Nacional da Torre do Tombo.
178 – Processo N° 6.525, fl 62. Arquivo Nacional da Torre do Tombo.
Os presos também deveriam pagar as despesas do seu cárcere. Para os inquisidores
não havia inocente, todos os cristãos-novos eram levados a confessar seus erros heréticos,
consequentemente, no mínimo perderiam seus bens. Sabendo disso Diogo Bernal envia
uma correspondência para Diogo Duarte, filho de João Dique, nela: “Suplica ao amigo,
parente e vizinho que mandasse umas caixas de açúcar para Lisboa de modo que lá tivesse
recursos para viver. E que não mencionasse ao Fisco.”179
Inicialmente, em sua confissão Diogo Bernal da Fonseca negou tudo: disse que
jamais tinha se apartado da Igreja, ou rezado orações judaicas, ou guardado o sábado, ou
feito algum jejum, negou ter feito qualquer cerimônia judaica ou conhecer alguém
judaizante na sessão realizada na tarde de 17 de dezembro de 1710, insistiu “q não tinha
culpas a confessar”180. Não convence os inquisidores, é admoestado de que:

“ha informações q elle Reo vivia apartado de nossa Sa fe Catholica e


tinha crença na Ley de Moyzes fazendo em observancia dela seus ritos
e cerimonias comunicando a com pessoas de sua nação tambem
apartadas da fe.”181

Por insistir em negar suas culpas “foi outra vez admoestado em forma e
mandado ao seu cárcere”182. Nesse momento já eram 16 pessoas que teriam confessado
estar com o mesmo, seja apenas declarando crer na lei de Moisés ou realizando alguma
cerimônia.
Curiosamente, na mesma tarde solicita audiência por dizer que “queria
desencarregar sua consciência e confessar suas culpas”183. Em sua primeira confissão se
refere a 26 cristãos-novos, é quando fala sobre o primeiro contato com a lei de Moisés
na Corte de Madrid e conversão quando instruído pelos cristãos-novos Diogo de
Almeida e Antônio Mendes no Rio de Janeiro. Entre os denunciados muitos membros
da família Vale, inclusive sua esposa Maria de Andrade, o irmão do mesmo, João da
Fonseca, e a esposa deste, Gracia Duarte, também são citados, mas diz que não fala com

___________________
179 – DINES, Alberto. Vínculos do Fogo: Antônio José, o Judeu, e outras histórias da inquisição em
Portugal e Brasil. Companhia das Letras: São Paulo, 1992. Pág. 617
180 – Processo N° 6.525, fl 80. Arquivo Nacional da Torre do Tombo.
181 – Processo N° 6.525, fl 84. Arquivo Nacional da Torre do Tombo.
182 – Processo N° 6.525, fl 85. Arquivo Nacional da Torre do Tombo.
183 – Processo N° 6.525, fl 86. Arquivo Nacional da Torre do Tombo.
o irmão a um ano pois este “não querer seguir aquillo q elle lhe diria”.184 Porém os
inquisidores não são convencidos, foi aconselhado a dizer a verdade por inteiro para “o
descargo de sua consciência salvação de sua alma e bom desp o da sua cauza”, mas por
afirmar que não lembrava de mais nada “foy outra vez admoestado em forma e mandado a
seu carcere”.185
Em 22 de dezembro de 1710 é levado para nova sessão e o inquisidor lhe pergunta
“se cuidou em suas culpas como nesta Meza lhe foi mandado e as quer acabar de
confessar”, responde que sim, porém diz que não é lembrado de outras culpas. Perguntado
em que Deus cria disse que “cria no Deos todo poderoso, e lhe não rezava oração alguma”,
sobre a Santíssima Trindade afirmou que não acreditava. Sobre os sacramentos disse “não
ter por bem, e necessarios pa a salvação da alma, mas q lha não fizera desacato algum”. Ia a
missa “por cumprimento do mundo”.186 Perguntado até quando havia crido na lei de
Moisés para salvação de sua alma e qual o momento a abandonou disse que:

“a crença da d.a Ley lhe durava ate fazer suas confissões nesta Meza, e
então a largou movido das admoestaçoens q nella se lhe fizerão [e
agora] cre firmem.te na Ley de Christo S.r nosso, e nella esperava
salvarce”187

Ainda não convence os inquisidores, por isso:

“Foi lhe d.to q suas confissoens tem faltas e diminuiçoens quais se não
declarou nesta Meza todas as pessoas com q.m nela há informação
seCommunicou na crença da Ley de Moyzes, e se dá as cerimonias q
fez por observancia da mesma Ley”188

É novamente admoestado e mandado ao cárcere para ser lembrado das suas culpas
e assim possa da “bom desp,o de sua cauza”189.
Ainda em dezembro, no dia 29, pede audiência para continuar sua confissão e
informar sobre mais pessoas que esteve e se declararam crer e viver na lei de Moisés.

____________________
184 – Processo N° 6.525, fl 86 a 103. Arquivo Nacional da Torre do Tombo.
185 – Processo N° 6.525, fl 104. Arquivo Nacional da Torre do Tombo.
186 – Processo N° 6.525, fl 106 a 108. Arquivo Nacional da Torre do Tombo.
187 – Processo N° 6.525, fl 109 e 110. Arquivo Nacional da Torre do Tombo.
188 – Processo N° 6.525, fl 110. Arquivo Nacional da Torre do Tombo.
189 – Processo N° 6.525, fl 111. Arquivo Nacional da Torre do Tombo.
Nessa confissão são descritos 14 cristãos-novos, alguns nomes se repetem, mas são
ocasiões distintas.190 Entre as novidades está o encontro na casa do senhor de engenho
Duarte Roiz Andrade, em 1682,o denunciado era:

“cazado com Anna do Valle e filho de Simão Roiz e era cunhado dele
confitente se achou com o mesmo e com seu irmão Bento Henrq. s […]
estando ambos tres a saber elle confitente e os ditos Duarte Roiz e
Bento Henriq.s entre praticas q tiverão se declararão e derão conta
como crião e vivião na Ley de Moizes p.a salvação de suas almas”191

Os inquisidores ainda não estão totalmente convencidos, mas o confitente “lhes


parecião falar a verdade e merecia credito”192, desta vez não é admoestado.
Volta à Mesa da Inquisição na manhã de 9 de fevereiro de 1711 para novo
interrogatório. É perguntado sobre diversas ocasiões em que teria estado com outros
cristãos-novos realizando cerimônias judaicas, jejuns, guarda do sábado ou declarando que
cria e vivia na lei de Moisés. Mas em todas elas afirmou que não lembrava. 193 Todavia,
desta vez os inquisidores não se convencem: “Foi lhe dito q nesta Meza ha informação q
elle Reo cometeo as culpas e fez cerimonias”, por isso “lhe fazem a saber q esta he a
ultima admoestação q em razão da mesma lhe ha de ser feita antes do Libello”. 194 É
admoestado e mandado de volta para o cárcere.
Solicita audiência para continuar suas confissões e dois dias após a última está
novamente perante os inquisidores e discorre uma lista de 23 cristãos-novos moradores do
Rio de Janeiro, com alguns repetidos.195
Agora fala em jejuns judaicos. Como o que relata em sua casa com seu irmão Pedro
Bernal da Fonseca, que teria vindo da Bahia, passado pelo Rio de Janeiro e retornado para
Portugal: “estando ambos sos por occazião de falarem na Ley de Moyzes se declararão e
derão conta como crião e vivião na dita Ley p.a salvação de suas almas lhe paresse q
disserão que por observancia da mesma jejuavão judaicamte” 196

____________________
190 – Processo N° 6.525, fl 114 a 124. Arquivo Nacional da Torre do Tombo.
191 – Processo N° 6.525, fl 121. Arquivo Nacional da Torre do Tombo.
192 – Processo N° 6.525, fl 124. Arquivo Nacional da Torre do Tombo.
193 – Processo N° 6.525, fl 126 a 133. Arquivo Nacional da Torre do Tombo.
194 – Processo N° 6.525, fl 132. Arquivo Nacional da Torre do Tombo.
195 – Processo N° 6.525, fl 134 a 144. Arquivo Nacional da Torre do Tombo.
196 – Processo N° 6.525, fl 143. Arquivo Nacional da Torre do Tombo.
Inquisidores satisfeitos, encerram-se os interrogatórios, o réu é culpado de
judaísmo, confessou seus erros, denunciou parentes e amigos de sua nação. Autos vistos na
Mesa da Inquisição em 26 de abril de 1711 convencem os inquisidores de que as
confissões do réu lhes

“pareceo a todos os votos q visto dizer de sy bastantemem. te de sua


mulher e irmãos e de outras m. tas pessoas suas conjuntas e não
conjuntas com alguais das quais não estava indiciado isto fazendo a
quazi toda a prova da Just.a por q foi prezo assentando na crença de
seus erros e judaismo”197

Sentença proferida: Cárcere e habito penitencial a arbítrio. 198 Processo concluso em


2 de maio e saído no Auto de Fé de 26 de julho de 1711199. No mesmo Auto estava seu
irmão João da Fonseca Bernal e sua esposa Maria de Andrade.200
O partido que pertencia a Diogo Bernal da Fonseca foi comprado ao Fisco por
Octavio Ribeiro, junto com o partido de Domingos Rodrigues Ramirez. O que pertencia ao
seu irmão, João Bernal da Fonseca, foi adquirido por Alvares de Alvarenga.201
Provavelmente não voltou ao Brasil, ficou em Portugal. Pouco provável ter ido a
Espanha onde tinha irmãos e sobrinho. Estava com quarenta e oito anos de idade, sua
esposa com sessenta, sem filhos e agora sem bens.

___________
197 – Processo N° 6.525, fl 148. Arquivo Nacional da Torre do Tombo.
198 – “o cárcere, e hábito, e o arbítrio, o que poderá ser favorável, ordinário, ou dilatado, segundo o tempo e
estado, em que fizerem as ditas confissões[...] o favorável durará por tempo de três meses; o ordinário de
seis, o dilatado de nove.” In: SIQUEIRA, Sonia Aparecida de. Os Regimentos da Inquisição. Revista do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, ano 157, n° 392: Rio de Janeiro, 1996. Pág. 836
“O hábito penitencial[…] manto, um saco sobre as roupas com o desenho da cruz amarela de Santo André,
que o réu deveria usar em locais públicos.” In: NOVINSKY, Anita W(et al). Os Judeus que Construíram o
Brasil: Fontes inéditas para uma nova visão da história. Planeta do Brasil: São Paulo, 2015. Pág.51
199 – “Auto de Fé – cerimônia pública festiva realizada pelo Santo Ofício na praça principal da cidade.” In:
NOVINSKI… Ibidem. Pág. 275
200 – VANHAGEM, F.A. de. De varias listas de condennados pelo Inquisição de Lisboa, desde o anno de
1711 ao de 1767, comptreendendo só os Brazileiros, ou Colonos estabelecidos no Brazil. Revista do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro, Tomo Setimo, N° 25: Rio de Janeiro, 1845. Pág. 54, 57 e 58.
DINES… Op. Cit. Pág. 923,925 e 929.
201 – LISBOA, Balthazar da Silva. Annaes do Rio de Janeiro, Tomo 5. Typ. Imp. e Const. de Seinot-
Plancher e Ca: Rio de Janeiro, 1835 Pág. 373
Considerações Finais

A historiadora Anita Novinsky em recente obra nos alerta de que “uma das mais
difíceis questões enfrentadas por historiadores que trabalham sobre a Inquisição é a da
inocência dos réus”202. A partir dessa perspectiva e do que foi exposto até o memento é de
se perguntar se seria Diogo Bernal da Fonseca culpado ou inocente.
Do ponto de vista dos Regimentos Inquisitoriais certamente sim, pois o processo
era conduzido para levar o réu a confessar suas culpas, tendo cometido elas ou não.
Seria Diogo Bernal da Fonseca um criptojudeu? Quando ele teria dito a verdade e
quando teria mentido durante o processo? No início ao negar tudo ou depois quando
começou a confessar? O que houve na tarde de 17 de dezembro de 1710 para que ele
negasse e na mesma tarde pedisse audiência para confessar suas culpas?
Aos treze anos de idade teve o primeiro ensinamento na lei de Moisés, aos dezoito
se converteu, quando foi preso tinha quarenta e sete anos. Após algumas sessões demonstra
arrependimento e crê firmemente em Cristo em decorrência das admoestações que lhe
fizeram os inquisidores e diz ter abandonado seus erros. Sinceridade ou apenas fez o jogo
dos inquisidores para ter sua vida poupada? Suas respostas “seriam apenas um eco das
perguntas dos inquisidores?”203
“Era ele judaizante? Não faço a menor ideia” 204 assim concluiu o seu artigo o
historiador Ronaldo Vainfas sobre os cristãos-novos fluminenses no Rio de Janeiro
colonial, a frase se reporta a Antônio José, o cristão-novo carioca que é sentenciado à
fogueira em 1737205. Parafraseando-o diria o mesmo sobre Diogo Bernal da Fonseca.
Além das situações já abordadas destaco duas ocasiões apontadas por Fernando Gil
Portela Vieira que no seu trabalha sobre a família Calaça descreve que Diogo Rodrigues
Calaça confessa sobre Diogo Bernal, uma delas é na casa do denunciado.206

___________________
202 – NOVINSKY, Anita W.(et al). Os Judeus que Construíram o Brasil: Fontes inéditas para uma nova
visão da história. Planeta do Brasil: São Paulo, 2015. Pág. 13
203 – GUINZBURG, Carlo. O Inquisidor Como Antropólogo. São Paulo: Revista Brasileira, v.1, n°21, 1990.
Pág. 14
204 – VAINFAS, Ronaldo. Santo Ofício em Terra Fluminense: Cristãos-novos e Inquisição no Rio de
Janeiro Colonial. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, ano 177: Rio de Janeiro, abr/jun
2016. Pág.42
205 – DINES, Alberto. Vínculos do Fogo: Antônio José, o Judeu, e outras histórias da inquisição em
Portugal e Brasil. Companhia das Letras: São Paulo, 1992.
206 – VIEIRA, Fernando Gil Portela. Os Calaças: Quatro gerações de uma família de cristãos-novos na
Inquisição(Séculos XVII-XVIII). São Paulo: Universidade de São Paulo, 2015. Tese Doutorado. Pág.291, 312
e 341.
Outra situação não descrita em seu processo é sobre uma das escravas dele que teria
sido instruída pelo mesmo na lei de Moisés conforme aponta Alberto Dines: “Mariana,
nascida e batizada em Angola, escrava de Maria de Andrade e Diogo Bernal da Fonseca,
os quais lhe deram a liberdade e a iniciaram na Lei de Moisés” 207. Em decorrência de todas
essas questões seria “judaizante consciente ou mito fabricado pela Inquisição?”208
Envolvido por matrimônio em um dos clãs mais importantes de cristãos-novos no Rio de
Janeiro que teve grande parte de seus membros presos por culpas de judaísmo não o
distanciaria de tais práticas.
Não apenas isto, mas também podemos perceber um indivíduo inserido em uma
complexa rede característica do Antigo Regime tendo em vista as qualificações
profissionais e a diversidade de ofícios dos denunciados por Diogo Bernal, lavradores,
senhores de engenho, advogados, médicos e principalmente mercadores. Essa rede social
pode ser ampliada se considerarmos que nem todos os seus conhecidos cristãos-novos
foram denunciados, além dos cristãos-velhos com que se relacionava.

“Para caracterizar uma rede importa, assim, perceber que certos tipos
de relações existem independentemente da vontade dos atores sociais,
como são, em certa medida, as relações de parentesco.[…] Existem,
porém, outros tipos de relações que nascem diretamente da iniciativa e
da vontade expressa dos atores sociais. Serão os casos das associações
de natureza econômica, da amizade e de alguns laços de dependência
em que se pode incluir o clientelismo ou a fidelidade.”209

Mas ao final foi tudo dissolvido pelo Santo Ofício. Neste caso cabe aqui as
observações de Monique Silva de oliveira em sua pesquisa sobre os cristãos novos,
membros da família Azeredo e o seu drama após a condenação, por isso solicita ao Santo
Ofício autorização para retornar ao Rio de Janeiro com sua irmão.

_____________________
207 – DINES, Alberto. Vínculos do Fogo: Antônio José, o Judeu, e outras histórias da inquisição em
Portugal e Brasil. Companhia das Letras: São Paulo, 1992. Pág. 372
208 – SILVA, Lina Gorenstein Ferreira da. Heréticos e Impuros: A Inquisição e os cristãos-novos no Rio de
Janeiro(século XVIII). Secretaria Municipal de Cultura, Divisão de Editoração: Rio de Janeiro, 1995.
Pág.121
209 – CUNHA, Mafalda Soares da. Redes sociais e decisão política no recrutamento dos governantes das
conquistas, 1580-1640. In: FRAGOSO, João e GOUVÊA, Maria de Fátima(org.). Na trama das Redes:
Política e negócios no império português, séculos XVI-XVIII. Civilização Brasileira: Rio de Janeiro, 2010.
Pág. 120
“A descrição feita por Maria Josefa de sua situação, que chegava ao
ponto de passar necessidade, faz pensar nos dramas que os azeredo
viveriam mesmo depois da prisão. O confisco não era pena menos
grave, chegando a arruinar muitas fortunas. A Inquisição mandava
mais uma de tantas famílias de cristãos-novos fluminenses aos Estaus,
esfacelava suas redes de solidariedade e punia com o rigor
característico, principalmente em se tratando da principal heresia
combatida pelo Tribunal. A perseguição que se abateu sobre o Rio de
Janeiro setecentista confirmava o compromisso dos inquisidores em
reprimir aquele que durante séculos de existência foi seu alvo
principal: o judaísmo.”210

A crença que se apresenta em seu processo descreve aquilo que se observa no


processo dos outros cristãos-novos, ao longo dos dois séculos as características do
judaísmo se diluindo em meio a pressão e perseguição do catolicismo, sendo possível de
que no início do século a descrição feita por Diogo Bernal da Fonseca seja o arquétipo do
cristão-novo que se tornou judeu, conforme observou Anita Novinsky: “Forçados a viver
em um mundo sem fazer parte dele, os cristãos-novos tornaram-se aquilo que os
inquisidores queriam que fossem: judeus”.211
A sua fé, ao final, pelo que demonstra seria característica daquilo que o hisotiador
Carlo Ginzbug classifica de cultura popular212, que define sua circularidade cultural
descrita na análise de Menocchio que se relaciona a uma cultura camponesa 213, no caso de
Diogo Bernal da Fonseca seria uma inter-relação entre o que ainda se entendia como
Judaísmo e a fé imposta pela Igreja Católica, a esta caberia “a tarefa de converter
massivamente populações urbanas e rurais no ultramar, aliando a Fé e o Império no
grandioso projeto colonizador”214.

__________________
210 – OLIVEIRA, Monique Silva de. Inquisição e Cristãos-novos no Rio de Janeiro: O caso da família
Azeredo(1701-1720). Dissertação de mestrado, Universidade Federal Fluminense: Rio de Janeiro, 2016.
Pág.128
211 – NOVINSKY, Anita W.(et al). Os Judeus que Construíram o Brasil: Fontes inéditas para uma nova
visão da história. Planeta do Brasil: São Paulo, 2015. Pág. 109
212 – “A cultura popular se define também, de outro lado pelas relações que mantém com a cultura
dominante, filtrada pelas classes subalternas de acordo com seus próprios valores e condições de vida”
VAINFAS, Ronaldo. História das Mentalidades e História Cultural. In: CARDOSO, Ciro Flamarion e
VAINFAS, Ronaldo(orgs). Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia .Ed. Campus: Rio de
Janeiro, 1997.
213 – GINZBURG, Carlo. O Queijo e os Vermes: o cotidiano e as ideias de um moleiro perseguido pela
Inquisição. Companhia da Letras: São Paulo, 2006.
214 – HERMAM, Jaqueline. História das Religiões e Religiosidades. In: CARDOSO, Ciro Flamarion e
VAINFAS, Ronaldo… Op. Cit.
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Anexos

Quadro 1 – Genealogia de Diogo Bernal da Fonseca*

*Fonte: Processo de Diogo Bernal da Fonseca, N° 6.525. Arquivo Nacional da Torre do


Tombo. Código de Referência: PT/TT/TSO-IL/028/06525
Processo de Maria de Andrade, N° 9.148. Arquivo Nacional da Torre do Tombo.
Código de Referência: PT/TT/TSO-IL/028/09149
? - Disse não lembrar o nome dos avós maternos. Folha 73 do seu Processo.
Quadro 2 – Genealogia de Maria de Andrade*

*Fonte: Processo de Maria de Andrade, N° 9.148. Arquivo Nacional da Torre do Tombo.


Código de Referência: PT/TT/TSO-IL/028/09149
Processo de Diogo Bernal da Fonseca, N° 6.525. Arquivo Nacional da Torre do Tombo.
Código de Referência: PT/TT/TSO-IL/028/06525
** Seu irmão Duarte Roiz[Rodrigues] de Andrade era casado com Ana do Vale, últimos
cristãos-novos donos do engenho em Colubandê. Processo de Maria de Andrade, Folhas 92
e 93.
Tabela 1 – Cristãos-novos que citaram Diogo Bernal em seu Processo*

Nome Situação Matrimonial Profissão ou Data da


ou Filiação Ofício Declaração
Alexandre Soares Casado com Senhor de 17 de abril de
Pereira Leonor Mendes Engenho 1709
Francisco Siqueira Casado com Médico 11 de maio de
Machado Catherina de Miranda 1709
Antonio do Valle Casado com Mercador 07 de outubro de
de Mesquita Helena do Valle 1710
Joseph Ramires do Casado com Isabel Senhor de 10 de outubro de
Valle Gomes da Costa Engenho 1710
Domingos Roiz Casado com Lavrador 13 de outubro de
Ramires Angela de Mesquita 1710
João Alvares Figueiró Solteiro, filho de Advogado 14 de outubro de
Ayres de Miranda 1710
Manuel Nunes Vizeu Casado com Lavrador de Cana 16 de outubro de
Catharina Rodrigues 1710
Manoel do Valle Filho de Duarte Roiz Senhor de 16 de outubro de
da Silveira e Anna do Valle Engenho 1710
Miguel de Castro e Não informado Advogado 06 de outubro de
Lara 1710
João Thomás Brum Casado com Jeronima Lavrador 07 de outubro de
Coutinha 1710
João Soares de Casado com Izabel Lavrador 13 de novembro de
Mesquita Gomes da Costa 1710
Simão Roiz de Filho de Duarte Roiz Senhor de 18 de outubro de
Andrade de Andrade Engenho 1710
Izabel Gomes da Casada com João Não informado 17 de novembro de
Costa Soares de Mesquita 1710
Diogo Lopes Flores Não informado Teve Partido 28 de novembro de
1710
Amaro de Miranda Não informado Homem de Negócio 02 de dezembro de
Coutinho 1710
* Fonte: Processo de Diogo Bernal da Fonseca, N° 6.525, Fl 09 a 60. Arquivo Nacional da
Torre do Tombo. Código de Referência: PT/TT/TSO-IL/028/06525
Tabela 2 – Pessoas declaradas por Diogo Bernal como judaizantes*

1 João Soares Pereira e sua esposa Leonor Mendes


2 Joseph Roiz Ferreira
3 Francisco Antonio e sua esposa Catherina Mendes
4 Joseph Fernandes e sua esposa Izabel da Paz
5 Jeronimo da Paz filho de Joseph Fernandes
6 Alexandre Pereira e sua esposa Leonor Mendes
7 Brites Soares( irmã de Alexandre Soares e casada com Agostinho Lopes)
8 Maria de Andrade sua esposa
9 Manoel do Valle, Simão Roiz, Domingos Roiz, Joseph Ramires
(Filhos de Duarte Roiz e Anna do Valle)
10 João da Fonseca e sua esposa Gracia Duarte
11 Antonio do Valle Mesquita e sua esposa Helena do Valle (filha de Manoel do Valle e Izabel Gomes)
12 João Thomas ( filho de João Thomas Brum e Dona Branca)
13 João Soares e sua esposa Izabel Gomes (filho de João Soares Pereira e Leonor Mendes)
14 Angela de Mesquita ( filha de Antonio do Valle e Helena do Valle)
15 Izabel Gomes (casada com Joseph Ramires)
16 Nuno Alves, João Alves Figueiro e Amaro de Miranda (filhos de Ayres de Miranda e Anna Gomes)
17 Anna do Valle (viuva de Duarte Roiz[de Andrade])
18 Alexandre Henriques
19 Francisco de Siqueira (casado com Catherina de Miranda)
20 Miguel de Castro (filho de João Thomas e Dona Branca)
21 Damião Roiz
22 João Nunes Vizeu e seu pai Manoel Nunes Vizeu
23 João Henriques de Castro, sua esposa Maria Henriques e o filho deles Manoel Henriques
24 João Roiz de Andrade (reputado por filho de Simão Roiz)
25 Bento Henriques e Duarte Roiz ( cunhados de Diogo Bernal)
26 Antonio Soares de Oliveira e sua esposa Catherina Gomes
27 João Roiz do Valle e sua esposa Leonor Guterrez
( filho de Manoel do Valle e Izabel Gomes, filha de Antonio Soares de Oliveira)
28 Branca Henriques e seu irmão Duarte Ramires (filhos de Manoel do Valle e Izabel Gomes)
29 Manoel do Valle da Silveira
30 Catherina de Miranda
31 Pedro Mendes (viúvo)
32 Guilherme Gomes(casado)
33 Duarte Nunes(solteiro)
34 Anna Gomes e seu filho João Alves (esposa de Ayres de Miranda)
35 Francisco de Campos (casado com Branca Henriques)
36 Pedro da Fonseca Bernal (irmão de Diogo Bernal)
* Fonte: Processo de Diogo Bernal da Fonseca, N° 6.525, Fl 86 a 105, 114 a 124, 134 a 144. Arquivo
Nacional da Torre do Tombo. Código de Referência: PT/TT/TSO-IL/028/06525

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