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A constituição do saber científico, bem como sua validade podem ser entendidos
e verificados a partir de um corpo de regras que ordena e norteia em que direção a
comunidade cientifica deve prosseguir. O estado pré-paradigmático é justamente o
momento em que a comunidade cientifica ainda não se encontra em consenso com relação
a um determinado campo ou fenômeno, e não possui, portanto, uma base de regras
estabelecidas e nem um caminho a se seguir. O que torna extremamente subjetivo o que
se destaca da observação de um fenômeno. Ainda que se possa construir algum saber a
partir de bases puramente empíricas, através da observação e da experiencia, o que se
obtem é algo muito distante do que busca a objetividade cientifica.
A ciência normal, não é destaque pelas novidades que proporciona, pelo contrário,
seu enfoque encontra-se justamente no aprofundamento e na precisão de um fato
ancorado a um paradigma. Esta atua buscando um ajuste adequado entre teoria e natureza,
de forma que aplicam as teorias essenciais até as últimas consequências, desenvolvendo
teses profundas e complexas que acabam por esbarrar em alguma barreira empírica,
podendo ser experimentado apenas de forma teórica. Tal dificuldade ordenou a
comunidade a ponto de desenvolverem maquinários específicos apenas para provar e
assegurar a fidedignidade do paradigma em questão.
“Aperfeiçoar ou encontrar novas áreas nas quais a concordância possa ser demonstrada coloca
um desafio constante à habilidade e à imaginação do observador e experimentador. Telescopios
especiais para demonstrar a paralaxe anual predita por Copérnico; a máquina de Atwood,
inventada pela primeira vez quase um século depois dos principia, para fornecer a primeira
demonstração inequívoca da segunda lei de Newton; o aparelho de Foucault para mostrar que a
velocidade da luz é maior no ar do que na água. Ou o gigantesco medidor de cintilações,
projetado para a existência do neutrino – esses aparelhos especiais e muitos outros semelhantes
ilustram o esforço e a engenhosidade imensos que foram necessários para estabelecer um
acordo cada mais estreito com a natureza e a teoria”
Há, porém, um momento em que mudanças pontuais podem não ser o suficiente
para que se ajuste a teoria ao fenômeno, ponto este que podemos chamar de Crise
Cientifica. Crise esta que tem origem nas incomensurabilidades que podem ocorrer de
forma metodológica, ontológica ou semântica.
“Ao definir as tradições paradigmáticas como incomensuráveis, Kuhn quer deixar claro que há
entre elas uma certa incompatibilidade. Isso ocorre, porque cada tradição paradigmática elege os
problemas que considera mais relevantes, utiliza os instrumentos científicos com objetivos diferentes,
atribui significados específicos para os conceitos das teorias e percebe o mundo de formas distintas.
Esses aspectos envolvidos na incomensurabilidade entre tradições paradigmáticas rivais foram
classificados pelos estudiosos da obra de Kuhn em três tipos: metodológica, ontológica e semântica.
(GATTEI, 2008, p.102), caracterizando, assim, tal incomensurabilidade como total. A
incomensurabilidade metodológica ocorre quando dois paradigmas divergem na definição dos
problemas relevantes, nos modelos de resolução de problemas e nos métodos e técnicas a serem
utilizados nas pesquisas. Um exemplo que nos mostra essas mudanças dos pontos apontados acima nos
padrões da pesquisa científica pode ser ilustrado pelo que ocorreu na química quando houve a
substituição do paradigma do Flogisto pelo de Lavosier. Neste caso, uma determinada substância passou
a ser classificada de outra forma: o ar puro passou a ser concebido como oxigênio. Podemos dizer, de
maneira mais sucinta, que ocorreu uma alteração na classificação dos fenômenos mais importantes a
serem estudados. A incomensurabilidade ontológica é a que Kuhn analisa mais detalhadamente por se
tratar da forma como os cientistas percebem o mundo. Para o filósofo, “[…] por exercerem sua
profissão em mundos diferentes, os dois grupos de cientistas veem coisas diferentes quando olham de um
mesmo ponto para a mesma direção” (KUHN, 2011, p. 192). Dessa forma, quando cientistas, com
paradigmas diferentes, olham o mesmo fenômeno, observam coisas distintas. Podemos dizer que o
paradigma determina o que cientista classificará como mais relevante antes da experiência com o mundo
externo. Sendo assim, ele já tem pressuposto para onde deve direcionar o seu olhar. Para esclarecer o
direcionamento no olhar do cientista dado pelo paradigma, o filósofo nos apresenta como analogia a
imagem da Gestalt do pato-coelho, na qual uma tradição paradigmática ensinaria seus praticantes a
“verem” na imagem o coelho, enquanto a outra o pato. A incomensurabilidade semântica diz respeito à
divergência quanto ao significado dos conceitos, empregados por comunidades científicas, que são
norteadas por paradigmas diferentes. Em outras palavras, “[…] dentro do novo paradigma, termos,
conceitos e experiências antigos estabelecem novas relações entre si”
(Luiz Pedro da Silva Seabra- UFPA A concepção de Thomas Kuhn acerca das Revoluções
Científicas pg. 148-149 apud GATTEI, 2008, pg. 102.)