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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO JOÃO DEL REI

Pedro Ivo Russo Miranda

A relação paradigmática acerca da ciência normal e da ciência


extraordinária.

São João del Rei


Julho de 2019.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO JOÃO DEL REI

A relação paradigmática acerca da ciência normal e da ciência


extraordinária.

Tese apresentada para matéria de filosofia da ciência,


ministrada pelo professor Gustavo Leal Toledo.

São João del Rei


2019.
A relação paradigmática acerca da ciência normal e da ciência
extraordinária.
O método adotado para se fazer ciência, bem como o modo pelo qual
consideramos ou deixamos de considerar algo como científico tem se modificado ao
longo dos tempos, conhecimentos que outrora exibiam status de verdade cientifica têm
hoje seu valor reduzido a mero mito, ou mesmo à algum produto de idiossincrasia. Mas
como determinar de fato o que é conhecimento científico, e o que não é, sabendo que
estes mesmos fatos que hoje possuem sua validade cientifica negada, apoiavam-se no
passado, em aspectos e métodos, pelos mesmos motivos pelos quais apoiamos no presente
momento.

A ciência normal é caracterizada por seguir um modelo mais ‘‘conservador’’, isto


é, uma ciência mais ancorada em paradigmas já estabelecidos, e que investiga o mundo a
partir das bases fornecidas por este, ou seja, é a partir do que estabelece o paradigma é
que se destaca no fenômeno elementos considerados relevantes ou não para o meio
cientifico.
Já a ciência extraordinária, é o método adotado quando os resultados não batem
com o que prega o paradigma, e há a ocorrência de uma anomalia, o que gera uma crise
na ciência decorrentes das incomensurabilidades, que podem ocorrer á nível semântico,
ontológico, ou metodológico. Portanto, é necessário que se haja uma mudança a partir das
bases que norteiam as pesquisas cientificas, isto é, os paradigmas.

A ciência extraordinária busca uma mudança de um paradigma para outro. É


importante ressaltar que o objetivo desta ciência é justamente conferir a um novo
paradigma o status que antes pertencia ao que foi derrubado, ou seja, o de nortear a ciência
normal e guiar os futuros experimentos de acordo com o que propõe suas bases.

Antes de desenvolver os conceitos de ciência normal e ciência extraordinária,


pretendo articular os conceitos de modelos paradigmáticos e pré-paradigmáticos, bem
como a noção por trás do próprio termo paradigma.

A constituição do saber científico, bem como sua validade podem ser entendidos
e verificados a partir de um corpo de regras que ordena e norteia em que direção a
comunidade cientifica deve prosseguir. O estado pré-paradigmático é justamente o
momento em que a comunidade cientifica ainda não se encontra em consenso com relação
a um determinado campo ou fenômeno, e não possui, portanto, uma base de regras
estabelecidas e nem um caminho a se seguir. O que torna extremamente subjetivo o que
se destaca da observação de um fenômeno. Ainda que se possa construir algum saber a
partir de bases puramente empíricas, através da observação e da experiencia, o que se
obtem é algo muito distante do que busca a objetividade cientifica.

“ Na ausência de um paradigma ou de algum candidato a paradigma, todos os fatos que


possivelmente são pertinentes ao desenvolvimento de determinada ciência têm a probabilidade de
parecerem igualmente relevantes. Como consequência disso, as primeiras coletas de fatos se aproximam
muito mais de uma atividade ao acaso do que daqueles que o desenvolvimento subsequente da ciência
torna familiar. Além disso, na ausência de uma razão para procurar alguma forma de informação mais
recôndita, a coleta inicial de fatos é usualmente restrita á riqueza de dados que estão prontamente a
nossa disposição. A soma de fatos resultantes contém aqueles acessíveis à observação e à
experimentações casuais, mais alguns dos dados mais esotéricos procedentes de ofícios estabelecidos,
como a medicina, a metalurgia e a confecção de calendários. A tecnologia desempenhou muitas vezes um
papel vital no surgimento de novas ciências já que os ofícios são uma fonte facilmente acessível de fatos
que não poderiam ser descobertos casualmente. Embora esta espécie de coleta de fatos tenha sido
essencial para a origem de muitas ciências significativas, qualquer pessoa que examinar, por exemplo,
os escritos enciclopédicos de Plínio ou as histórias naturais de Bacon, descobrira que ela produz uma
situação de perplexidade. De certo modo hesita-se em chama de cientifica a literatura resultante”

(Kuhn, Thomas. A estrutura das revoluções cientificas 5ª edição, pg 35-36)

O modelo paradigmático acontece por sua vez, a partir do momento em que


comunidade ciêntifica determina bases sólidas ancoradas em um corpo de regras já
estabelecido, isto é, passa a orientar-se por um paradigma.
“Aquele que, tendo sido instruído para examinar fenômenos elétricos ou químicos,
desconhece essas áreas, mas sabe como proceder cientificamente, pode atingir de modo legitimo
qualquer uma dentre muitas conclusões particulares a que ele chegar serão provavelmente
determinadas por sua experiência prévia em outras áreas, por acidentes de sua investigação e
por sua própria formação individual. Por exemplo, que crenças a respeito das estrelas ele traz
para o estudo da química e da eletricidade? Dentre muitas experiencias relevantes, quais ele
escolhe para executar em primeiro lugar? Quais aspectos do fenômeno complexo que daí resulta
o impressionam como particularmente relevantes para uma elucidação da natureza das
transformações químicas ou das afinidades elétricas.”

(Kuhn, Thomas. A estrutura das revoluções cientificas 5ª edição pg 22)

O paradigma pode ser entendido como um conjunto de regras e determinações que


orientam uma forma específica de se trabalhar um fenômeno. Os membros constituintes
da comunidade cientifica seguem cada um, um modelo paradigmático distinto. Desta
forma é dado que cada ramo específico da ciência destaca características relevantes e
peculiares diferentes, mesmo em contato com um mesmo fenômeno.

Passados os estágios pré-paradigmáticos e paradigmáticos, com a comunidade


cientifica e suas áreas agindo sob um determinado consenso específico, é finalmente
possível que se haja a ciência normal.

A ciência normal é uma metodologia em que o trabalho científico alicerça-se em


pesquisas cientificas passadas e bem sucedidas, operando portanto, de forma
intraparadigmática. O que por sua vez significa assumir um modelo cumulativo do
conhecimento, o que determina também as pesquisas atuais, deverão servir de base para
as pesquisas futuras.
“Ciência normal significa a pesquisa firmemente baseada em uma ou mais realizações
cientificas passadas. Essas realizações são reconhecidas durante algum tempo por alguma comunidade
cientifica específica como proporcionando os fundamentos para sua prática posterior. Embora
raramente na sua forma original, hoje em dia essas realizações são relatadas pelos manuais científicos
elementares e avançados. Tais livros expõem o corpo da teoria aceita, ilustram muitas (ou todas) as suas
aplicações bem sucedidas e comparam essas aplicações com observações e experiencias exemplares.”
(Kuhn, Thomas a estrutura das revoluções cientificas 5ª edição pg 29)
O modelo esotérico da ciência torna necessário o segmento de um paradigma, pois
este determina as unidades mais substanciais de cada área. Como o conceito de força,
tempo, e espaço para a física newtoniana, ou o conceito de terra para o Almagesto de
Ptolomeu. Tais determinações são importantes para o campo científico pois atuam como
uma espécie de filtro que agrupa uma determinada comunidade trabalhando sob a luz de
um conceito específico.
“Daqui por diante deverei referi-me às realizações que partilham essas duas características
como “paradigmas”, um termo estreitamente relacionado com “ciência normal”. Com a escolha do
termo pretendo sugerir que alguns exemplos aceitos na prática cientifica real – exemplos que incluem, ao
mesmo tempo, lei, teoria, aplicação e instrumentação - proporcionam modelos dos quais brotam as
tradições coerentes e especificas da pesquisa científica. São essas tradições que o historiador descreve
com rubricas como: Astronomia ptolomaica (ou Copernicana), Dinâmica Aristotélica (ou Newtoniana),
Optica Corpuscular (ou Ondulatoria) e assim por diante. O estudo dos paradigmas, muitos dos quais
bem mais especializados do que os que os indicados acima, é o que prepara basicamente o estudante
para ser membro da comunidade cientifica determinada na qual atuará mais tarde. Uma vez que ali o
estudante reúne-se a homens que aprenderam as bases de seu campo de estudo a partir dos mesmos
modelos concretos, sua prática subsequente raramente irá provocar desacordo declarado sobre pontos
fundamentais.”
(Kuhn, Thomas. A estrutura das revoluções cientificas 5ª edição pg 30)

A ciência normal, não é destaque pelas novidades que proporciona, pelo contrário,
seu enfoque encontra-se justamente no aprofundamento e na precisão de um fato
ancorado a um paradigma. Esta atua buscando um ajuste adequado entre teoria e natureza,
de forma que aplicam as teorias essenciais até as últimas consequências, desenvolvendo
teses profundas e complexas que acabam por esbarrar em alguma barreira empírica,
podendo ser experimentado apenas de forma teórica. Tal dificuldade ordenou a
comunidade a ponto de desenvolverem maquinários específicos apenas para provar e
assegurar a fidedignidade do paradigma em questão.

“Aperfeiçoar ou encontrar novas áreas nas quais a concordância possa ser demonstrada coloca
um desafio constante à habilidade e à imaginação do observador e experimentador. Telescopios
especiais para demonstrar a paralaxe anual predita por Copérnico; a máquina de Atwood,
inventada pela primeira vez quase um século depois dos principia, para fornecer a primeira
demonstração inequívoca da segunda lei de Newton; o aparelho de Foucault para mostrar que a
velocidade da luz é maior no ar do que na água. Ou o gigantesco medidor de cintilações,
projetado para a existência do neutrino – esses aparelhos especiais e muitos outros semelhantes
ilustram o esforço e a engenhosidade imensos que foram necessários para estabelecer um
acordo cada mais estreito com a natureza e a teoria”

(Kuhn, Thomas. A estrutura das revoluções cientificas 5ª edição pg. 47)

Um grande problema pertencente a ciência normal é o fato de que a observação


do fenômeno é completamente limitada as previsões estabelecidas pelo paradigma o que
ocasiona problemas teóricos relacionados com a articulação do paradigma que por sua
vez ofusca os pontos de contato entre a natureza e o paradigma.

Provenientes destes problemas teóricos há a ocorrência da chamada anomalia,


que é quando as características dos fenômenos da natureza estão em desacordo com as
previsões e classificações, estabelecidas pela área da ciência e pelo paradigma que a
orienta. Em geral as anomalias podem ser resolvidas, com uma modificação Ad Hoc, que
consiste em uma alteração pontual dentro de um paradigma, conferindo-lhe uma maior
precisão teórica em relação aos fatos, sem que haja a necessidade de substitui-lo por um
novo.

Há, porém, um momento em que mudanças pontuais podem não ser o suficiente
para que se ajuste a teoria ao fenômeno, ponto este que podemos chamar de Crise
Cientifica. Crise esta que tem origem nas incomensurabilidades que podem ocorrer de
forma metodológica, ontológica ou semântica.
“Ao definir as tradições paradigmáticas como incomensuráveis, Kuhn quer deixar claro que há
entre elas uma certa incompatibilidade. Isso ocorre, porque cada tradição paradigmática elege os
problemas que considera mais relevantes, utiliza os instrumentos científicos com objetivos diferentes,
atribui significados específicos para os conceitos das teorias e percebe o mundo de formas distintas.
Esses aspectos envolvidos na incomensurabilidade entre tradições paradigmáticas rivais foram
classificados pelos estudiosos da obra de Kuhn em três tipos: metodológica, ontológica e semântica.
(GATTEI, 2008, p.102), caracterizando, assim, tal incomensurabilidade como total. A
incomensurabilidade metodológica ocorre quando dois paradigmas divergem na definição dos
problemas relevantes, nos modelos de resolução de problemas e nos métodos e técnicas a serem
utilizados nas pesquisas. Um exemplo que nos mostra essas mudanças dos pontos apontados acima nos
padrões da pesquisa científica pode ser ilustrado pelo que ocorreu na química quando houve a
substituição do paradigma do Flogisto pelo de Lavosier. Neste caso, uma determinada substância passou
a ser classificada de outra forma: o ar puro passou a ser concebido como oxigênio. Podemos dizer, de
maneira mais sucinta, que ocorreu uma alteração na classificação dos fenômenos mais importantes a
serem estudados. A incomensurabilidade ontológica é a que Kuhn analisa mais detalhadamente por se
tratar da forma como os cientistas percebem o mundo. Para o filósofo, “[…] por exercerem sua
profissão em mundos diferentes, os dois grupos de cientistas veem coisas diferentes quando olham de um
mesmo ponto para a mesma direção” (KUHN, 2011, p. 192). Dessa forma, quando cientistas, com
paradigmas diferentes, olham o mesmo fenômeno, observam coisas distintas. Podemos dizer que o
paradigma determina o que cientista classificará como mais relevante antes da experiência com o mundo
externo. Sendo assim, ele já tem pressuposto para onde deve direcionar o seu olhar. Para esclarecer o
direcionamento no olhar do cientista dado pelo paradigma, o filósofo nos apresenta como analogia a
imagem da Gestalt do pato-coelho, na qual uma tradição paradigmática ensinaria seus praticantes a
“verem” na imagem o coelho, enquanto a outra o pato. A incomensurabilidade semântica diz respeito à
divergência quanto ao significado dos conceitos, empregados por comunidades científicas, que são
norteadas por paradigmas diferentes. Em outras palavras, “[…] dentro do novo paradigma, termos,
conceitos e experiências antigos estabelecem novas relações entre si”

(Luiz Pedro da Silva Seabra- UFPA A concepção de Thomas Kuhn acerca das Revoluções
Científicas pg. 148-149 apud GATTEI, 2008, pg. 102.)

Por fim, a ciência extraordinária é a etapa que se propõe a resolver o problema


das anomalias e das incomensurabilidades, buscando guiar a comunidade cientifica sob a
alçada de um novo paradigma, isto é, uma nova estruturação de suas formulações
fundamentais. Atuando de forma intraparadigmatica, é possível que por um momento
possa-se transcender o recorte imposto pelo paradigma, podendo haver uma ruptura na
relação entre previsibilidade e observação.

A ciência extraordinária é, porém, um estado temporário, pois o fomento de um


novo paradigma ocasiona uma disputa paradigmática (semelhante ao estado pré-
paradigmatico) que dispõe-se a conceber novas bases e previsões acerca da natureza,
buscando assumir o posto de paradigma valido, e suscitar base para às pesquisas futuras.
Isto é, adquirir por sua vez o status de ciência normal.
Bibliografia
KUHN, Thomas. A estrutura das revoluções cientificas 5ª edição, pg. 22-29-30-35-36-
47.
SEABRA, Luiz Pedro da Silva. UFPA A concepção de Thomas Kuhn acerca das
Revoluções Científicas pg. 148-149 apud GATTEI, 2008, pg. 102.

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