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ARTIGO :ESPECIAL
NA BUSCA DE ALGUNS AXIOMAS
DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM:
NA BUSCA DE ALGUNS AXIOMAS
Vitor da Fonseca
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que colocam dois aspectos da definição das DA: demonstrado isto sistematicamente. Muitos défi-
a geral e a subtípica. cits neuropsicológicos detectados num variado
A definição geral sugere subtipos formais conjunto de doenças neuropediátricas (síndrome
relacionados com o aproveitamento escolar e, de Asperger, hidrocefalia precoce, síndrome de
também, subtipos informais relacionados com o Williams, etc.) apontam sinais do fenótipo das
comportamento social, cabendo em cada um DANV, sugerindo para tais casos o mesmo modelo
deles, respectivamente, outros subtipos mais de programas de intervenção e enriquecimento
específicos. psicoeducacional.
As DA não verbais (DANV) são efetivamente Em síntese, as DA deverão abranger, no
caracterizadas por um padrão específico de futuro, um enquadramento teórico e desen-
dificuldades acadêmicas, ou seja, adequada volvimental mais alargado do que o habitual,
leitura e escrita, mas revelando problemas de enquadramento que as têm limitado às questões
aprendizagem matemática e, paralelamente, de sociais mais prementes como são as aprendi-
dificuldades de aprendizagem social consubs- zagens escolares. Independentemente de muitas
tanciada no uso mais eficiente das funções verbais investigações terem contribuído com muitos dados
do que das funções não verbais em situações e com várias explicações teóricas para o esclare-
sociais, configurando dificuldades de compor- cimento das DA, ainda subsistem muitos abismos
tamento adaptativo e psicossocial. para as compreendermos na sua complexidade e
Ao contrário, o padrão da DA verbais (DAV) diversidade, daí a ineficácia, reconhecida ao
sugere dificuldades acadêmicas mais na leitura longo de muitos anos, dos instrumentos de
e na escrita, do que na matemática, e dificuldades diagnóstico e de intervenção.
não verbais ilustrando mais eficiência no uso da
informação não verbal do que da informação PARÂMETROS DE DEFINIÇÃO
verbal em situações sociais. Os axiomas de definição mais discutidos
As crianças ou os jovens com DANV abaixo devem ter em consideração que as DA:
dos 4 anos, geralmente, acusam ligeiros déficits 1. Ocorrem num contexto educacional
no funcionamento psicossocial, porém, mais adequado, com condições e oportunidades de
tarde, por volta do primeiro ano de escolaridade, ensino suficientes, ditas eficientes, conseqüen-
revelam sinais de externalização psicopatológica, temente, não atípicas ou irregulares, isto é,
que podem muito bem evocar hiperatividade e sugerem que a criança ou o jovem está, ou foi,
desatenção. O quadro pode evoluir na adoles- integrado num sistema de ensino adequado para
cência para sinais de internalização, com traços a maioria, quer no ajustamento do currículo, quer
de isolamento, ansiedade, depressão, compor- na competência pedagógica e instrucional dos
tamento atípico e déficits nas competências professores. Caso contrário, as dificuldades de
sociais. aprendizagem podem refletir dificuldades de
Emerge desta recente subdivisão das DA um ensino ou dispedagogia.
axioma crucial para a sua compreensão, ou seja, O processo de ensino-aprendizagem encerra
a relação intrínseca entre a aprendizagem e a um paradigma complexo de interação entre três
integridade do cérebro, ou entre as DA e as componentes: o professor, o currículo (conjunto
disfunções cerebrais, consubstanciado no seu de tarefas) e os alunos, que podem, em síntese,
processo neuromaturacional e neurofuncional ser equacionados em dois modelos: o isóscele e
dinâmico, quer na criança ou no jovem, a expres- o eqüilátero (Figura 1).
são de múltiplas relações e interações intra e O modelo isósceles sugere que o professor
inter-hemisféricas que a sustentam. Vários mantém com o currículo (ou com o método de
estudos de neuroimagem e de eletroencefalo- aprendizagem), dito oficial ou tradicional,
grafia envolvendo respostas evocadas 12 têm estreito respeito com a operacionalização das suas
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práticas pedagógicas, ignorando ou negligen- instituição escolar, não pode continuar a ser o
ciando o estilo de aprendizagem, as competências único componente indicador na definição:
de processamento de informação e o nível dos 2. Ilustram um perfil de discrepância entre
pré-requisitos (nível de prontidão) dos alunos. A o potencial de aprendizagem intelectual normal
tendência deste modelo é gerar, por falta de e o rendimento ou o desempenho escolar
coibição entre os seus componentes, mais DA e abaixo do normal. Estamos de acordo que o
mais insucesso escolar. critério do Quociente Intelectual (QI) seja
Em contrapartida, o modelo eqüilátero utilizado, logo valorizamos o papel do exame
sugere que o professor, além de dominar o currí- psicológico. Para evitar confusões com o limite
culo e o poder estruturar e gerir por vários níveis intelectual superior medido por testes
de aprendizagem: lenta, normal ou rápida, tam- padronizados (WISC), a definição de deficiência
bém leva em consideração as características do mental limítrofe (borderline) equivale a um QI
potencial de aprendizagem, a diversidade e a 68-80, segundo a Associação Americana de
heterogeneidade do perfil cognitivo (áreas fortes Deficiência Mental14-18.
e fracas) dos seus alunos. A tendência deste mode- Em contrapartida, a definição do nível
lo é promover uma interação sistêmica e flexível intelectual das DA proposto pelo National Joint
entre os três componentes, promovendo, assim, Committee on Learning Disabilities - NJCLD19
mutabilidade e sustentabilidade dos processos de só pode ser considerado em termos de QI = ou
ensino-aprendizagem envolvidos, minimizando, > a 80, isto é, quando se situa ligeiramente
conseqüentemente, as DA e o insucesso escolar. abaixo dum desvio-padrão negativo da média
Neste contexto, o elo mais fraco - que são os (QI = 85) ou acima da média da inteligência
alunos (clientes do sistema) - e a razão de ser da (QI > 100 - 145).
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Para ler, a criança ou o jovem terão de envol- O cérebro não acusa lesões, está intacto, mas
ver o seu cérebro em funções psíquicas supe- as DA emanam por vulnerabilidade sistêmica dos
riores, como: a atenção e a concentração; a discri- seus processos de informação.
minação, a análise e síntese de letras e sons; a A lesão cerebral grave, por exemplo, pode
compreensão do sentido do texto; a rememo- implicar diversas incapacidades de aprendi-
rização das suas conexões e relações narrativas; zagem (afasias, agnosias, apraxias, alexias,
a recordação dos atores, das personagens e dos agrafias, acalculias, etc.), em contrapartida, as
locais referidos; a rechamada dos pormenores e lesões cerebrais mínimas, que estiveram na fase
detalhes do texto; o desenvolvimento de de fundação do estudo das DA, podem implicar,
conclusões; etc. não em incapacidades, mas dificuldades de
A criança ou o jovem que têm problemas de aprendizagem (disfasias, disgnosias, dis-
atenção, de percepção analítica, de memorização praxias, dislexias, disgrafias, discalculias, etc.),
e rechamada de dados de informação, entre embora nem sempre sejam detectadas com os
outros, terão dificuldades de compreensão de processos de diagnóstico neurológico mais
significações na leitura. avançados, como por exemplo: a eletro-
Eles não têm acesso à informação porque o encefalografia, a ressonância magnética, a
seu processamento é frágil e fragmentado, porque emissão de pósitrons, etc., técnicas estas que
o seu cérebro não opera de forma harmoniosa, ajudaram imenso a compreender a natureza
eficaz e integrada, pois a interação entre ela e a neurofuncional das DA25.
tarefa não se verifica, conseqüentemente, poderão A aprendizagem compreende, assim, um
emergir dislexias, disgrafias ou discalculias, ou processo funcional dinâmico que integra quatro
sejam, as célebres DA. componentes cognitivos essenciais:
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A diversidade das DA é imensa, prova- social que acabam por interferir, dialeticamente,
velmente, no teatro da educação inclusiva, a sua com aquelas.
população é a que acusa maior amplitude de A fragilidade do seu desenvolvimento
recursos e serviços. neurológico, expressa em atrasos de várias
Ter consciência dos problemas das crianças ou ordens: psicomotores, lingüísticos, cognitivos,
jovens e dos jovens com DA passa por respeitar socioemocionais, etc., é um impedimento sério
alguns dados de investigação que acabamos de para o desenvolvimento de competências de
rever, na medida em que tais dados têm impli- aprendizagem.
cações para a sua identificação precoce e diag- A identificação precoce das DA no ensino pré-
nóstico psicoeducacional. primário, ou mesmo antes, constitui, portanto,
uma das estratégias profiláticas e preventivas
IDENTIFICAÇÃO PRECOCE E AVALIA- mais importantes para a redução e minimização
ÇÃO PSICOPEDAGÓGICA DINÂMICA dos seus efeitos, pois, neste período crítico de
Cada criança ou jovem DA deve ser identi- desenvolvimento, a plasticidade neuronal é maior,
ficado como um indivíduo total, dada as carac- o que quer dizer que os efeitos de uma inter-
terísticas únicas do seu perfil de desenvolvimento venção compensatória e em tempo útil podem ter
e de aprendizagem (diferenças intra-indivi- conseqüências muito positivas nas aprendizagens
duais), daí a importância das formulações emer- posteriores.
gidas das investigações a que fizemos referência, Para se desenvolverem estratégias preventivas
formulações essas que têm muitas implicações temos que considerar para além dos educadores
para a avaliação das DA e, especialmente, para a e dos professores, os próprios pais, pois como
sua identificação precoce. conhecem muito bem os seus filhos, podem notar
A necessidade de treinar profissionais para a neles padrões de desenvolvimento diferentes,
identificação precoce é por isso crucial, assim mesmo no seio da mesma família.
como a coleta de dados de muita gente, incluindo Os pais podem notar que um dos seus filhos
os próprios pais. tem mais dificuldades em dominar o alfabeto que
A educação consubstancia, como sabemos, um outro, ou que tem mais relutância para aprender
processo de transmissão cultural entre gerações: a ler ou é mais distraído e descoordenado.
os pais e os professores (seres experientes), e as As preocupações dos pais respeitantes a estas
crianças ou jovens e os alunos (seres inexpe- questões devem ser seriamente consideradas,
rientes), ou seja, uma interação humana que é pois, na sua observação diária e na sua reflexão
exclusiva da espécie e que consubstancia a não profissional, podem evocar sinais muito
sociogênese33. importantes para organizar uma avaliação
Todo o processo de interação da criança ou do dinâmica do potencial de aprendizagem dos
jovem, desde que nasce até que entra para as seus filhos.
instituições escolares, é a chave determinante Alguns sinais podem comprometer o processo
para identificar sinais de risco que interferem com do desenvolvimento normal nas suas fases
a maturidade e qualidade dos pré-requisitos que precoces, e por via deles implicar diferentes
podem tender, mais tarde, para as DA ao longo problemas nos estadios da aprendizagem a ele
do percurso escolar. inerentes.
As crianças ou os jovens privadas ou muito
desfavorecidas socioculturalmente (não esque- QUAIS OS SINAIS MAIS IMPORTANTES
çamos o paradigma das criança ou jovens QUE DEVEM CAUSAR PREOCUPAÇÃO DU-
lobo), por exemplo, apresentam muitas DA por RANTE OS ANOS DA PRÉ-ESCOLA?
outras razões que não biológicas ou neurológicas, De acordo com alguma literatura especia-
mas essencialmente por razões do tipo psicos- lizada2,19,39, os principais sinais apontados são:
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fracas funções cognitivas de atenção, proces- deve focar-se em processos de observação que
samento e planificação; permitam detectar a natureza dos padrões de
fraco aproveitamento escolar; dificuldades apresentados pelas crianças ou
pode evidenciar habilidades fora dos conteú- jovens e jovens DA, pelo menos no proces-
dos escolares. samento de informação da leitura, da escrita e
da matemática.
QUAIS OS SINAIS MAIS IMPORTANTES A avaliação no âmbito das DA terá de ser de
QUE DEVEM CAUSAR PREOCUPAÇÃO DU- índole multi e transdisciplinar, envolvendo em
RANTE OS ANOS DO 2º E 3º CICLOS DE ES- termos ideais no mínimo, as componentes médica,
COLARIDADE? psicológica e pedagógica, exercida por profis-
Seguindo as mesmas fontes, destacamos os sionais especializados.
seguintes sinais: Não bastaria o recurso a avaliações padro-
continua a evidenciar todas as dificuldades nizadas, estritas ou formais, embora seja
acima referidas; urgente, apostar na sua investigação rigorosa.
dificuldades em concluir os trabalhos de No âmbito da escola, perspectivaríamos um
casa; modelo de avaliação psicopedagógica
hábitos de leitura, de escrita e de estudo muito dinâmica33 , aberto a psicólogos e a professores
vagos; treinados para o efeito.
fraco conhecimento global; Esta avaliação centra-se num processo de
iliteracidade e inumeracidade; interação mediatizada que visa estimar, encorajar
mais tempo para terminar testes ou avaliações e promover a capacidade de aprendizagem dos
escritas; alunos e não avaliar o seu potencial intelectual
provação cultural, etc. retrospectivo, habitualmente inadequado para as
Todos estes sinais são facilmente identificáveis DA, por dar informações limitadas para o processo
por pais e professores, razão pela qual devem traba- de decisão sobre a intervenção que se lhe deve
lhar em conjunto, pois só a sua sinergia estraté- seguir.
gica envolvente e a sua permanente interação e A avaliação psicopedagógica dinâmica, de
comunicação pode encontrar vias alternativas de acordo com o ensino clínico, implica um progra-
suporte e de apoio pedagógico e minimizar os ma educacional individualizado (PEI), dado
efeitos das DA na criança ou no jovem. que aponta para a modificação cognitiva dos
O processo de identificação precoce deve ser alunos e para um processo de avaliação-inter-
seguido de um processo de avaliação mais inten- venção mais complexo, que agrega aspectos de
sivo, mais dinâmico e não meramente formal. análise comportamental e funcional, de compe-
A suspeição de uma dislexia, de uma disgrafia tência lingüística e de seleção de serviços e
ou de uma dismatemática, deve ser operada por equipamentos.
especialistas em DA com formação pós-graduada Com base naquela avaliação psicopedagógica
a nível de mestrado, ou professores com sólida dinâmica e com a avaliação do professor da sala
formação psicológica, ou psicólogos com diver- de aula, devem então adotarem-se as compe-
sificada formação pedagógica, isto é, psicope- tências do ensino clínico (avaliação, planificação,
dagogos ou paidólogos na expressão vygots- implementação, reavaliação)19 e desenvolver um
kiana. A formação especializada em dislexia, conjunto de estratégias de apoio familiar e de
disgrafia e discalculia (dismatemática) nos seus apoio ecológico.
componentes teóricos, diagnósticos e habili- No âmbito do ensino clínico, há que prever
tativos, deveria ser consagrada a nível superior. modificações: no contexto da organização escolar;
Depois da identificação precoce, a no arranjo espaço-temporal da sala de aula; na
necessidade de uma avaliação mais sofisticada instrução e na adaptação do currículo; na promo-
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ção de competências e habilidades cognitivas dos serviços e apoios acima apontados, acrescen-
de organização, de atenção, de escuta e tando valor e capacidade de resposta ao sistema
escrutínio, de processamento e planificação da de ensino na sua totalidade.
informação na aprendizagem; na implementação A satisfação dos clientes do sistema de
de estratégias de análise de tarefas, etc. ensino teria, assim, solução às suas necessidades
A urgência de serviços de identificação únicas, porque adotaria princípios de inclusão,
precoce, de avaliação dinâmica e de intervenção de equidade, de alteridade, de respeito pela
individualizada e clínica, não pode continuar a diferença, de tutoria e de individualização.
ser adiada, a perda do capital intelectual de O maior desafio das DA está do lado da
criança ou jovens e de jovens DA não é admis- qualidade do ensino e da excelência dos
sível numa sociedade moderna. suportes e serviços proporcionados pelo sistema
Os alunos com DA deveriam ser receptores de ensino.
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