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DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

ARTIGO :ESPECIAL
NA BUSCA DE ALGUNS AXIOMAS

DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM:
NA BUSCA DE ALGUNS AXIOMAS

Vitor da Fonseca

INTRODUÇÃO • de índole psicossocial e/ou psicomotora, isto


O conceito de Dificuldades de Aprendizagem é, não simbólico ou não verbal, como
(DA), introduzido por Samuel Kirk há 42 anos, aprender a orientar-se no espaço, a andar de
não é ainda hoje consensual, quer em termos de bicicleta, a desenhar, a pintar, a interagir
elegibilidade quer de identificação. Todavia, a socialmente com os seus pares, etc.
condição de DA é amplamente reconhecida como As DA podem criar obstáculos e impedimentos
um problema que tende a provocar sérias dificul- inexplicáveis para aprender a falar, a ouvir, a ler,
dades de adaptação à escola e, freqüentemente, a escrever, a raciocinar, a resolver problemas
projeta-se ao longo da vida adulta. matemáticos, etc., e podem prolongar-se ao longo
Apesar das grandes e rápidas mudanças ope- da vida.
radas na fundamentação teórica; da explosão inco- Trata-se de um tema de reflexão interdisci-
mensurável da investigação produzida nas últi- plinar complexa, exatamente porque o sujeito
mas décadas; das medidas políticas e educacio- (aluno, estudante, formando, etc.) quando apren-
nais avançadas para responder ao crescimento de uma dada tarefa (ler, escrever, contar, pensar,
preocupante do insucesso e do abandono escolar; etc.) apresenta uma combinação única e original
das fracas performances dos estudantes em exa- de talentos (áreas fortes) e de vulnerabilidades
mes nacionais e internacionais; das várias tenta- (áreas fracas), ou seja, um perfil de aprendi-
tivas para aumentar a qualidade de formação dos zagem muitas vezes não detectável pelos
professores; das pressões exercidas pelos pais; etc., instrumentos de diagnóstico habitualmente mais
as DA continuam a gerar inúmeras controvérsias. utilizados. Os próprios testes formais de
Os indivíduos com DA, portadores de um inteligência (que apuram o Quociente Intelectual
potencial intelectual dito médio, sem perturbações – QI) não são suficientes para identificar DA,
visuais ou auditivas, motivados em aprender e pois há criança e jovens superdotados, com QIs
inseridos num processo de ensino eficaz para a superiores à média, que revelam dislexias,
maioria, revelam dificuldades inesperadas em disgrafias e discalculias, ou sejam, dificuldades
vários tipos de aprendizagem, sejam: específicas na aprendizagem.
• de índole escolar e/ou acadêmica, isto é, Pesquisas internacionais têm convergido em
simbólica ou verbal, como aprender a ler, a alguns consensos sobre o fenômeno das DA,
escrever e a contar; como, por exemplo:

Vitor da Fonseca - Professor Catedrático, Universidade Correspondência


Técnica de Lisboa, FMH – Departamento de Educação Rua Ernesto Veiga de Oliveira, 21, 2º A/B
Especial e Reabilitação. Oieiras – Portugal – 2780-052
E-mail: vitordafonseca@netcabo.pt

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• a sua diversificação, embora cerca de 80% se tradicional não proporciona estratégias de


enfoquem na dislexia e na disgrafia; intervenção reeducativas eficazes? As DA serão
• a sua ocorrência em todos os níveis de QI e recuperáveis com intervenções uniterapêuticas ou
em todos os níveis socioeconômicos; unireabilitativas milagrosas (psicofarmacológicas,
• o seu envolvimento genético e a sua visuais, posturais, fonológicas, metodológicas,
constatação em várias gerações na mesma etc.), ou deverão perspectivar-se numa inter-
família; venção multidisciplinar e co-terapêutica mais?
• a sua co-morbilidade, especialmente com a Não estranha, portanto, que, em Portugal, as
epidemia silenciosa dos déficits de atenção, DA ainda não mereçam, ou desfrutem, duma
com ou sem hiperatividade; definição consensual entre os vários profissionais
• os seus sinais de discrepância entre o que atuam nesta área, desde médicos a psicó-
potencial de aprendizagem normal e o seu logos, professores, formadores, terapeutas, inves-
aproveitamento escolar abaixo do normal; tigadores, sociólogos, etc. Há muitas opiniões,
• as suas estruturas cerebrais atípicas (assime- pouca informação e restrito e controverso conhe-
trias hemisféricas, ectopias, displasias, etc); cimento sobre o assunto.
• os seus pré-requisitos lingüísticos Definimos as DA como um conjunto hete-
(fonológicos, morfológicos, semântico- rogêneo de desordens, perturbações, transtornos,
sintáxicos, léxicos, etc.); incapacidades, ou outras expressões de signi-
• os seus pré-requisitos cognitivos (conhe- ficado similar ou próximo, manifestando dificul-
cimento básico e processamento de infor- dades significativas, e ou específicas, no processo
mação: input - integração/planificação – output de aprendizagem verbal, isto é, na aquisição,
- “feedback”) com fraca automatização deco- integração e expressão de uma ou mais das
dificativa e codificativa (hipótese de disfunção seguintes habilidades simbólicas: compreensão
cerebral e vestibular); etc., etc. auditiva, fala, leitura, escrita e cálculo1,2.
Apesar da constatação de vários consensos, Diversos autores 3-12 , entre os quais nos
as controvérsias subsistem e as discussões não colocamos13, incluem no conceito das DA não só
terminam, porque muitas perguntas ainda geram as DA verbais e simbólicas, mas, também, um
muita incerteza. Será que as DA ilustram um fluxo espectro diversificado de DA não verbais ou não
contínuo de dificuldades, desde a comunicação simbólicas, envolvendo combinações de
não verbal à verbal? Desde os déficits da lingua- problemas de orientação, posição e visualização
gem falada à linguagem escrita e quantitativa? espacial, de atenção e concentração, de psico-
Os problemas na aprendizagem são fenômenos motricidade, de interação, de imitação, de percep-
distintos? As crianças ou os jovens e jovens ção e de competência social, etc., reforçando a
disléxicos são diferentes das crianças ou os jovens explicitação filogenética e neurofuncional dos
e jovens maus leitores? As DA graves são discu- dois hemisférios cerebrais em qualquer tipo de
tíveis na sua natureza? Que nível de análise aprendizagem humana.
queremos dedicar às DA? Basta o nível psicológico As DA envolvem, deste modo, subtipos
com os testes de inteligência? A abordagem relacionados com os dois hemisférios:
médica, seja genética ou neurocientífica, é por si • o esquerdo - mais centrado nos subtipos
só conclusiva, resolve? A questão das DA verbais, fonológicos ou psicolingüísticos
ultrapassa-se puramente com uma visão sociocul- (dificuldades de leitura e de escrita);
tural, sociohistórica ou pedagógica? As DA são • o direito - mais centrado nos subtipos não
intrínsecas ao indivíduo ou ao sistema educa- verbais ou psicossociais.
cional, ou resultam das suas interações comple- Não sendo mutuamente exclusivos, mas
xas? O diagnóstico tem fornecido explicações intimamente conectados, os diferentes subtipos
sobre as causas? Por que é que o diagnóstico decorrem de investigações, com cerca de 40 anos,

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que colocam dois aspectos da definição das DA: demonstrado isto sistematicamente. Muitos défi-
a geral e a subtípica. cits neuropsicológicos detectados num variado
A definição geral sugere subtipos formais conjunto de doenças neuropediátricas (síndrome
relacionados com o aproveitamento escolar e, de Asperger, hidrocefalia precoce, síndrome de
também, subtipos informais relacionados com o Williams, etc.) apontam sinais do fenótipo das
comportamento social, cabendo em cada um DANV, sugerindo para tais casos o mesmo modelo
deles, respectivamente, outros subtipos mais de programas de intervenção e enriquecimento
específicos. psicoeducacional.
As DA não verbais (DANV) são efetivamente Em síntese, as DA deverão abranger, no
caracterizadas por um padrão específico de futuro, um enquadramento teórico e desen-
dificuldades acadêmicas, ou seja, adequada volvimental mais alargado do que o habitual,
leitura e escrita, mas revelando problemas de enquadramento que as têm limitado às questões
aprendizagem matemática e, paralelamente, de sociais mais prementes como são as aprendi-
dificuldades de aprendizagem social consubs- zagens escolares. Independentemente de muitas
tanciada no uso mais eficiente das funções verbais investigações terem contribuído com muitos dados
do que das funções não verbais em situações e com várias explicações teóricas para o esclare-
sociais, configurando dificuldades de compor- cimento das DA, ainda subsistem muitos abismos
tamento adaptativo e psicossocial. para as compreendermos na sua complexidade e
Ao contrário, o padrão da DA verbais (DAV) diversidade, daí a ineficácia, reconhecida ao
sugere dificuldades acadêmicas mais na leitura longo de muitos anos, dos instrumentos de
e na escrita, do que na matemática, e dificuldades diagnóstico e de intervenção.
não verbais ilustrando mais eficiência no uso da
informação não verbal do que da informação PARÂMETROS DE DEFINIÇÃO
verbal em situações sociais. Os axiomas de definição mais discutidos
As crianças ou os jovens com DANV abaixo devem ter em consideração que as DA:
dos 4 anos, geralmente, acusam ligeiros déficits 1. Ocorrem num contexto educacional
no funcionamento psicossocial, porém, mais adequado, com condições e oportunidades de
tarde, por volta do primeiro ano de escolaridade, ensino suficientes, ditas eficientes, conseqüen-
revelam sinais de externalização psicopatológica, temente, não atípicas ou irregulares, isto é,
que podem muito bem evocar hiperatividade e sugerem que a criança ou o jovem está, ou foi,
desatenção. O quadro pode evoluir na adoles- integrado num sistema de ensino adequado para
cência para sinais de internalização, com traços a maioria, quer no ajustamento do currículo, quer
de isolamento, ansiedade, depressão, compor- na competência pedagógica e instrucional dos
tamento atípico e déficits nas competências professores. Caso contrário, as dificuldades de
sociais. aprendizagem podem refletir dificuldades de
Emerge desta recente subdivisão das DA um ensino ou dispedagogia.
axioma crucial para a sua compreensão, ou seja, O processo de ensino-aprendizagem encerra
a relação intrínseca entre a aprendizagem e a um paradigma complexo de interação entre três
integridade do cérebro, ou entre as DA e as componentes: o professor, o currículo (conjunto
disfunções cerebrais, consubstanciado no seu de tarefas) e os alunos, que podem, em síntese,
processo neuromaturacional e neurofuncional ser equacionados em dois modelos: o isóscele e
dinâmico, quer na criança ou no jovem, a expres- o eqüilátero (Figura 1).
são de múltiplas relações e interações intra e O modelo isósceles sugere que o professor
inter-hemisféricas que a sustentam. Vários mantém com o currículo (ou com o método de
estudos de neuroimagem e de eletroencefalo- aprendizagem), dito “oficial” ou tradicional,
grafia envolvendo respostas evocadas 12 têm estreito respeito com a operacionalização das suas

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Figura 1 – Modelos do processo de ensino-aprendizagem

práticas pedagógicas, ignorando ou negligen- instituição escolar, não pode continuar a ser o
ciando o estilo de aprendizagem, as competências único componente indicador na definição:
de processamento de informação e o nível dos 2. Ilustram um perfil de discrepância entre
pré-requisitos (nível de prontidão) dos alunos. A o potencial de aprendizagem intelectual normal
tendência deste modelo é gerar, por falta de e o rendimento ou o desempenho escolar
coibição entre os seus componentes, mais DA e abaixo do normal. Estamos de acordo que o
mais insucesso escolar. critério do Quociente Intelectual (QI) seja
Em contrapartida, o modelo eqüilátero utilizado, logo valorizamos o papel do exame
sugere que o professor, além de dominar o currí- psicológico. Para evitar confusões com o limite
culo e o poder estruturar e gerir por vários níveis intelectual superior medido por testes
de aprendizagem: lenta, normal ou rápida, tam- padronizados (WISC), a definição de deficiência
bém leva em consideração as características do mental limítrofe (“borderline”) equivale a um QI
potencial de aprendizagem, a diversidade e a 68-80, segundo a Associação Americana de
heterogeneidade do perfil cognitivo (áreas fortes Deficiência Mental14-18.
e fracas) dos seus alunos. A tendência deste mode- Em contrapartida, a definição do nível
lo é promover uma interação sistêmica e flexível intelectual das DA proposto pelo National Joint
entre os três componentes, promovendo, assim, Committee on Learning Disabilities - NJCLD19
mutabilidade e sustentabilidade dos processos de só pode ser considerado em termos de QI = ou
ensino-aprendizagem envolvidos, minimizando, > a 80, isto é, quando se situa ligeiramente
conseqüentemente, as DA e o insucesso escolar. abaixo dum desvio-padrão negativo da média
Neste contexto, o elo mais fraco - que são os (QI = 85) ou acima da média da inteligência
alunos (clientes do sistema) - e a razão de ser da (QI > 100 - 145).

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Em resumo, as DA, em nenhum critério de • a expressão verbal (elaboração, articu-


diagnóstico confiável, podem ser conotadas com lação, etc.);
deficiência mental, constituem em termos de • a psicomotricidade (tonicidade, equilíbrio,
necessidades especiais por essa característica, lateralidade, somatognosia, praxia global e
um grupo completamente distinto. fina), etc.
As DA podem ocorrer mesmo em criança ou
jovens e jovens superdotados, pois há muitos As áreas mais vulneráveis estão particular-
exemplos de figuras eminentes da cultura, da mente relacionadas com o domínio e o uso da
economia, da arte e da ciência que foram identi- linguagem escrita (decodificação e codificação),
ficados com DA na sua infância e na adolescência podendo integrar problemas de conotação
(Agatha Cristhie, Nelson Rockefeller, Leonardo alfabética, numérica ou outra.
da Vinci, Rodin, Walt Disney, Tom Cruise, As DA podem resultar, portanto, da combi-
Einstein, Edison, Faraday, etc.). nação de déficits de processamento, quer fono-
A questão do potencial de discrepância sugere lógico, quer visual ou auditivo, com reflexos na
a colocação de um outro axioma das DA, o rechamada lenta ou na recuperação pouco auto-
potencial de integridade neuropsicológica matizada de dados da informação, daí a razão de
(PINP), estimado e diagnosticado normalmente alguns déficits cognitivos que têm sido associados
por neuropsicólogos, deverá aqui ser também a determinadas causas de ordem neurológica.
respeitado, não sendo identificável qualquer O conjunto destes déficits, que podem ter
deficiência ou patologia, nas crianças ou jovens várias causas, principalmente ocorridas no
e jovens com DA, seja: sensorial (visão ou desenvolvimento neurológico precoce20, pode
audição), mental, neurológica ou motora. produzir dificuldades na aquisição da leitura, da
Apesar do PINP ser invulnerável e intacto à escrita, do ditado, da resolução de problemas,
luz dos diagnósticos mais comuns e familiares, a etc., que só podem ser ultrapassados com métodos
maioria das crianças ou jovens e jovens com DA de aprendizagem alternativos. É fundamental
apresentam uma combinação de habilidades e compreender que cada criança ou o jovem ou
dificuldades (disfunções, distúrbios, dificuldades, jovem DA é um ser aprendente diferente e, por
problemas, etc.), que afetam o processo de esse fato, deve ser avaliado e habilitado como
aprendizagem, onde necessariamente o funcio- um indivíduo total, único e evolutivo.
namento do cérebro (dos dois hemisférios e das Muitas crianças, jovens e jovens com dificul-
três unidades funcionais lurianas) está implicado, dades na leitura podem revelar competências e
como o órgão da aprendizagem por excelência talentos interessantes em outras áreas e apre-
que é, cuja transformação neurofuncional mais sentar aproveitamento escolar adequado, muitos
acelerada ocorre, exatamente, durante os anos deles chegam mesmo a concluir cursos superiores.
iniciais da escolaridade. Uma das razões das dificuldades na leitura e
O perfil de aprendizagem (áreas fracas) pode na escrita pode ser encontrada no PINP anterior-
ser identificado em áreas como: mente mencionado, ou seja, na integridade e na
• a atenção voluntária e a concentração; especialização dos dois hemisférios.
• a velocidade de processamento simultâneo ou Ler, por exemplo, exige: a decodificação e
seqüencial da informação visual, auditiva ou compreensão de fonemas; um rápido proces-
tátil-cinestésica; samento seqüencial de optemas; um mapeamento
• a discriminação, a análise e a síntese percep- cognitivo compreensivo, etc., isto é, processos
tiva nas várias modalidades; neurológicos componentes do ato da leitura, que
• a memória de curto termo; ocorrem e são dirigidos pelo hemisfério esquerdo.
• a cognição (input-integração/planificação- A sua lesão provoca a alexia, ou seja, uma
output); incapacidade de leitura.

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Como inúmeras investigações têm provado21-25, O que significa exatamente o processamento


as crianças ou os jovens DA, sobretudo disléxicas, de informação?
possuem um hemisfério direito mais potente que Quando alguém aprende qualquer coisa,
o esquerdo, por isso tendem a apresentar talentos como ler ou escrever, está sempre em jogo um
nas competências viso-espaciais, viso-constru- processo de informação entre o sujeito apren-
tivas e viso-gráficas, nas competências de reso- dente (o aluno) e a tarefa, neste exemplo, a leitura
lução de problemas, nas competências holísticas ou a escrita.
de pensamento, nas competências musicais, etc. Independentemente de qualquer processo de
As funções analíticas, como as fonológicas e aprendizagem ser diferente para cada criança ou
seqüenciais da leitura, ao contrário das globais, jovem, dado o seu perfil de característica ser
são mais difíceis de dominar. único e individual como discutido anteriormente,
Muitos dos disléxicos chegam a serem a aprendizagem envolve sempre uma interação
considerados pensadores espaciais, cujos talentos entre o sujeito e a tarefa.
no âmbito da criatividade, da computação e da Para perceber, então, o que é a aprendizagem,
arte já fazem parte da história das DA. isto é, uma mudança de comportamento
3. A definição de DA deve conter fatores de provocada pela experiência, entre um momento
exclusão, não devendo relacionar-se com qual- inicial, em que a tarefa não é dominada, e um
quer tipo de deficiência como vimos atrás, impli- momento final, onde a tarefa passa a ser domi-
cando, conseqüentemente, a integridade biopsi- nada e automatizada, teremos de encarar ambos
cossocial do indivíduo (sensorial, socioemocional, os componentes:
mental, motora, cultural, etc.). • por um lado, o sujeito aprendente, o sujeito,
A criança ou o jovem e o jovem com DA não o aluno;
aprendem normalmente ou harmoniosamente, • e, por outro, a tarefa (ler ou escrever),
mas não são portadores de deficiência visual, incluindo os materiais e os recursos a serem
auditiva, mental, motora ou socioemocional, nem utilizados no processo de aprendizagem
as DA podem resultar, ou emergir, num contexto (Figura 2).
social de privação afetiva, de miséria, de pobreza, No ser aprendente, a aprendizagem envolve
de abandono ou desvantagem socioeconómica ou inevitavelmente o cérebro, o órgão da apren-
socioafetiva. dizagem (e da civilização), que tem de processar
4. A definição de DA, por último, deve conter informação para que ela se verifique. Quando se
fatores de inclusão, que efetivamente as carac- aprende, o cérebro necessita processar o material
terizem psicoeducacionalmente como necessi- a ser aprendido, independentemente de cada
dades ou características invulgares, e que se sujeito o realizar de forma diferente, de acordo
enfocam essencialmente nos problemas de com a preferência do seu estilo de aprendizagem.
processamento de informação, que são a essência A leitura, por exemplo, implica processar letras
do processo da aprendizagem, que envolve a que têm categorizações fonológicas específicas
interação entre o ser aprendente (por exemplo: o para serem decodificadas e compreendidas. Após
aluno, o estudante, o formando, o sujeito, etc.) e a o processo de captação visual, o cérebro tem, em
tarefa (por exemplo: ler, escrever, contar, etc.). seguida, que categorizar formas de letras com
sons, por meio de processos auditivos complexos,
PROBLEMAS DE PROCESSAMENTO DE a fim de inferir significações cognitivas contidas
INFORMAÇÃO: O PAPEL DO CÉREBRO em palavras que compõem um texto.
NA APRENDIZAGEM A informação uma vez integrada, depois de
Temos assinalado que as DA estão relacio- devidamente decodificada, terá de ser retida e
nadas com problemas de processamento de armazenada, a fim de gerar a compreensão, o nexo
informação. e a seqüência de eventos da informação escrita.

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Figura 2 – Processamento da informação

Para ler, a criança ou o jovem terão de envol- O cérebro não acusa lesões, está intacto, mas
ver o seu cérebro em funções psíquicas supe- as DA emanam por vulnerabilidade sistêmica dos
riores, como: a atenção e a concentração; a discri- seus processos de informação.
minação, a análise e síntese de letras e sons; a A lesão cerebral grave, por exemplo, pode
compreensão do sentido do texto; a rememo- implicar diversas incapacidades de aprendi-
rização das suas conexões e relações narrativas; zagem (afasias, agnosias, apraxias, alexias,
a recordação dos atores, das personagens e dos agrafias, acalculias, etc.), em contrapartida, as
locais referidos; a rechamada dos pormenores e lesões cerebrais mínimas, que estiveram na fase
detalhes do texto; o desenvolvimento de de fundação do estudo das DA, podem implicar,
conclusões; etc. não em incapacidades, mas dificuldades de
A criança ou o jovem que têm problemas de aprendizagem (disfasias, disgnosias, dis-
atenção, de percepção analítica, de memorização praxias, dislexias, disgrafias, discalculias, etc.),
e rechamada de dados de informação, entre embora nem sempre sejam detectadas com os
outros, terão dificuldades de compreensão de processos de diagnóstico neurológico mais
significações na leitura. avançados, como por exemplo: a eletro-
Eles não têm acesso à informação porque o encefalografia, a ressonância magnética, a
seu processamento é frágil e fragmentado, porque emissão de pósitrons, etc., técnicas estas que
o seu cérebro não opera de forma harmoniosa, ajudaram imenso a compreender a natureza
eficaz e integrada, pois a interação entre ela e a neurofuncional das DA25.
tarefa não se verifica, conseqüentemente, poderão A aprendizagem compreende, assim, um
emergir dislexias, disgrafias ou discalculias, ou processo funcional dinâmico que integra quatro
sejam, as célebres DA. componentes cognitivos essenciais:

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Figura 3 – Processamento da informação

• input (auditivo, visual, tatil-cinestésico, etc.); igualmente, dificuldades ao nível do output,


• cognição (atenção, memória, integração, quando lhes é solicitada a produção de um resumo
processamento simultâneo e seqüencial, escrito ou falado do mesmo.
compreensão, planificação, auto-regulação, etc.); A não ocorrência desta arquitetura cognitiva
• output (falar, discutir, desenhar, observar, ler, sistêmica, que obviamente preside à aprendi-
escrever, contar, resolver problemas, etc.); zagem, pode gerar nas crianças ou jovens e
• retroalimentação (repetir, organizar, controlar, jovens DA com muita confusão e frustração, razão
regular, realizar, etc.). pela qual elas estão na origem de muitos proble-
Aprender, portanto, envolve três unidades fun- mas motivacionais e emocionais, muitas vezes
cionais do cérebro em perfeita interação1,2,13,26-33, se acrescidos por falta de sensibilidade do envol-
essa dinâmica neurofuncional não for harmoniosa, vimento educacional e clínico.
o indivíduo pode experimentar DA (Figura 3). A apresentação da informação às crianças ou
Deste modo, as crianças ou jovens disléxicos, jovens e aos jovens com DA assume, assim, um
por exemplo, podem experimentar dificuldades papel muito relevante, podendo não só minimizar
ao nível do input, quer com problemas de atenção a confusão no seu processo de informação, como
sustentada, quer de discriminação de fonemas, promover as suas funções cognitivas e implicar
ou ao nível da cognição quando envolve proces- uma aprendizagem com sucesso.
sos de compreensão ou de retenção e rechamada Neste contexto, muitas investigações neuro-
de dados de informação contidos no texto, o que lógicas e neuropsicológicas em crianças ou
requer estratégias de recuperação e criação de jovens e jovens disléxicos têm demonstrado
esquemas, planos internos ou enquadramentos anomalias intrínsecas no seu cérebro, como:
ideacionais, e concomitantemente experimentar assimetrias cerebrais, ectopias, displasias,

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desorganização da arquitetura e da migração Os esteróides, por exemplo, parecem ter um


neuronal, etc.22,25, donde obviamente resultam papel relevante na modulação da lateralização
disfunções ou dificuldades nas funções cerebral, tendo sido descoberto que a testosterona
psíquicas superiores. (hormônio masculino) pode provocar alterações
Geschwind34-36 estudou as assimetrias do na plasticidade talâmica, que surgem a partir de
cérebro, tendo descoberto que a aprendizagem uma lesão cortical precoce que leva às tais
da linguagem requer a especialização do hemis- migrações celulares atípicas.
férico esquerdo como já discutido anteriormente. Outro axioma da prevalência das DA, que
O mesmo autor, considerado um pioneiro no as situam predominantemente no sexo mascu-
estudo das DA, identificou em disléxicos, por lino em inúmeros estudos, parece assim ser
meio de técnicas inovadoras como a citoarqui- desvendado.
tetura, a ausência, e também, a inversão de tal Além destes estudos do âmbito neurológico,
assimetria, assim como a presença de dois planos os estudos genéticos fornecem outros dados
temporais pequenos, ao contrário dos indivíduos interessantes sobre as DA, tendo já sido identi-
que aprendem normalmente, que apresentam ficados genes anormais como precursores da
um plano temporale nitidamente maior no dislexia.
hemisfério esquerdo em comparação com o do Um número distinto de cromossomos huma-
hemisfério direito. nos (1-3, 6, 11, 15, 18 e cromossomo X, além de
Sem uma especialização hemisférica, onde outros37,38) tem sido apontado como susceptíveis
entra a importância do fator psicomotor da de provocar dislexia. Como o desenvolvimento
lateralização31, a função da linguagem é obvia- neurológico tem relação com os genes, é fácil
mente pobre e vulnerável, pondo em destaque o perceber que um gene atípico pode interferir com
papel da migração celular, cuja má formação local as migrações celulares e, em última análise,
desestrutura as interações corticais e córtico- evocar fenótipos disléxicos.
talâmicas que são necessárias às aprendizagens Com base nestas formulações baseadas em
simbólicas da leitura e da escrita. genes mutantes, podemos encontrar algumas
Como a aprendizagem exige a integridade de explicações do porquê as disfunções visuais,
vários substratos neurológicos, tais má formações auditivas e fonológicas e cerebrais são indicadas
tendem a criar déficits cognitivos que claramente em muitas investigações em criança ou o jovens
interferem com o processamento de informação e jovens disléxicos.
anteriormente evocado. A resolução futura da dislexia poderá estar
Além de déficits perceptivos (ditos de input), na investigação neurológica e genética, depois
as redes neuronais alteradas afetam o proces- destes dados parece que as terapias específicas
samento rápido de fonemas, optemas, articulemas daqui resultantes, especialmente em fases preco-
e grafemas, gerando, em conseqüência, déficits ces do desenvolvimento neurológico, podem efeti-
cognitivos centrais, e é por isso que os indivíduos vamente fazer a diferença25.
disléxicos revelam inúmeros déficits de desem- Tais pesquisas, porém, não reduzem as DA a
penho (ditos de output), quer na precisão quer uma explicação neurológica pura, tendo em
na velocidade, nas competências lingüísticas atenção os fatores neuroevolutivos transientes
expressivas. entre o organismo e os ecossistemas.
Várias investigações nesta linha de pesquisa Aprender é, inequivocamente, a tarefa mais
têm demonstrado correlações entre a migração relevante da escola, muitas criança ou jovens
neurológica atípica, as desordens imunológicas, aprendem sem dificuldades, porém outras, apesar
o esquerdismo e a dislexia, e muitas delas discri- do seu potencial de aprendizagem normal,
minam efeitos hormonais que têm diferenciações não aprendem por meio de uma instrução
sexuais claras. convencional.

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A diversidade das DA é imensa, prova- social que acabam por interferir, dialeticamente,
velmente, no teatro da educação inclusiva, a sua com aquelas.
população é a que acusa maior amplitude de A fragilidade do seu desenvolvimento
recursos e serviços. neurológico, expressa em atrasos de várias
Ter consciência dos problemas das crianças ou ordens: psicomotores, lingüísticos, cognitivos,
jovens e dos jovens com DA passa por respeitar socioemocionais, etc., é um impedimento sério
alguns dados de investigação que acabamos de para o desenvolvimento de competências de
rever, na medida em que tais dados têm impli- aprendizagem.
cações para a sua identificação precoce e diag- A identificação precoce das DA no ensino pré-
nóstico psicoeducacional. primário, ou mesmo antes, constitui, portanto,
uma das estratégias profiláticas e preventivas
IDENTIFICAÇÃO PRECOCE E AVALIA- mais importantes para a redução e minimização
ÇÃO PSICOPEDAGÓGICA DINÂMICA dos seus efeitos, pois, neste período crítico de
Cada criança ou jovem DA deve ser identi- desenvolvimento, a plasticidade neuronal é maior,
ficado como um indivíduo total, dada as carac- o que quer dizer que os efeitos de uma inter-
terísticas únicas do seu perfil de desenvolvimento venção compensatória e em tempo útil podem ter
e de aprendizagem (diferenças intra-indivi- conseqüências muito positivas nas aprendizagens
duais), daí a importância das formulações emer- posteriores.
gidas das investigações a que fizemos referência, Para se desenvolverem estratégias preventivas
formulações essas que têm muitas implicações temos que considerar para além dos educadores
para a avaliação das DA e, especialmente, para a e dos professores, os próprios pais, pois como
sua identificação precoce. conhecem muito bem os seus filhos, podem notar
A necessidade de treinar profissionais para a neles padrões de desenvolvimento diferentes,
identificação precoce é por isso crucial, assim mesmo no seio da mesma família.
como a coleta de dados de muita gente, incluindo Os pais podem notar que um dos seus filhos
os próprios pais. tem mais dificuldades em dominar o alfabeto que
A educação consubstancia, como sabemos, um outro, ou que tem mais relutância para aprender
processo de transmissão cultural entre gerações: a ler ou é mais distraído e descoordenado.
os pais e os professores (seres experientes), e as As preocupações dos pais respeitantes a estas
crianças ou jovens e os alunos (seres inexpe- questões devem ser seriamente consideradas,
rientes), ou seja, uma interação humana que é pois, na sua observação diária e na sua reflexão
exclusiva da espécie e que consubstancia a não profissional, podem evocar sinais muito
sociogênese33. importantes para organizar uma avaliação
Todo o processo de interação da criança ou do dinâmica do potencial de aprendizagem dos
jovem, desde que nasce até que entra para as seus filhos.
instituições escolares, é a chave determinante Alguns sinais podem comprometer o processo
para identificar sinais de risco que interferem com do desenvolvimento normal nas suas fases
a maturidade e qualidade dos pré-requisitos que precoces, e por via deles implicar diferentes
podem tender, mais tarde, para as DA ao longo problemas nos estadios da aprendizagem a ele
do percurso escolar. inerentes.
As crianças ou os jovens privadas ou muito
desfavorecidas socioculturalmente (não esque- QUAIS OS SINAIS MAIS IMPORTANTES
çamos o paradigma das “criança ou jovens QUE DEVEM CAUSAR PREOCUPAÇÃO DU-
lobo”), por exemplo, apresentam muitas DA por RANTE OS ANOS DA PRÉ-ESCOLA?
outras razões que não biológicas ou neurológicas, De acordo com alguma literatura especia-
mas essencialmente por razões do tipo psicos- lizada2,19,39, os principais sinais apontados são:

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• esquecimento; • memória fraca;


• dificuldades de expressão lingüística; • dificuldades psicomotoras;
• inversão de letras (escrita do nome em • perda freqüente e desorganização sistemática
espelho); dos materiais escolares, etc.
• dificuldades em relembrar as letras do alfabeto;
• dificuldades em recuperar a seqüência das QUAIS OS SINAIS MAIS IMPORTANTES
letras do alfabeto; QUE DEVEM CAUSAR PREOCUPAÇÃO
• se há alguma história de DA na família; DEPOIS DE DOIS ANOS DE ESCOLARIDADE
• dificuldades psicomotoras (tonicidade, postu- (2º ANO DO 1º CICLO)?
ra, lateralidade, somatognosia, estruturação Seguindo as mesmas fontes, destacamos os
e organização do espaço e do tempo, ritmo, seguintes sinais:
praxia global e fina, lentidão nas auto- • leitura hesitante, lenta e amelódica;
suficiências); • dificuldades em resumir o texto lido
• dificuldades nas aquisições básicas de aten- (reconto);
ção, concentração, interação, afiliação e • dificuldades em identificar os locais, os
imitação; cenários, os atores, os eventos, a narrativa, o
• confusão com pares de palavras que soam iguais princípio e o fim da história;
(por exmplo: nó-só; tua-lua, vaca-faca; etc.); • freqüentes repetições, confusões, blo-
• dificuldade em nomear rapidamente objetos queios e compassos no processamento de
e imagens; informação;
• dificuldades em reconhecer e identificar sons • freqüentes adições, omissões, substituições,
iniciais e finais de palavras simples; inversões de letras em palavras;
• dificuldades em juntar sons (fonemas) para • paralexias (ler navio por barco);
formar palavras simples; • fracas estratégias de abordagem, discrimi-
• dificuldades em completar palavras e frases nação, análise e síntese de palavras;
simples; • fraca compreensão fonológica e fragmentação
• dificuldades em memorizar e reproduzir silábica de palavras;
números, sílabas, palavras, pseudopalavras, • dificuldades em reconhecer a localização de
frases, pequenas histórias, lengalengas, etc. fonemas nas palavras;
• dificuldades em recuperar detalhes e porme-
QUAIS OS SINAIS MAIS IMPORTANTES nores do texto;
QUE DEVEM CAUSAR PREOCUPAÇÃO • dificuldades em desenvolver conclusões;
DURANTE OS PRIMEIROS ANOS DA • dificuldades no ditado de palavras e pseudo-
ESCOLARIDADE? palavras do nível de escolaridade.
Seguindo as mesmas fontes, destacamos os
seguintes sinais: QUAIS OS SINAIS MAIS IMPORTANTES
• relutância em ir à escola e em aprender a ler; QUE DEVEM CAUSAR PREOCUPAÇÃO NO
• sinais de desinteresse e de desmotivação FIM DO 1ºCICLO DE ESCOLARIDADE?
pelas tarefas escolares; Seguindo as mesmas fontes, destacamos os
• dificuldade em aprender palavras novas; seguintes sinais:
• dificuldades em identificar e nomear rapida- • continua a evidenciar todas as dificuldades
mente letras e sílabas; acima referidas;
• dificuldades grafomotoras (na cópia, na escri- • problemas de comportamento e de motivação
ta, no colorir e no recortar de letras); pelas atividades escolares;
• dificuldades com sons de letras (problemas de • frustração e fraca auto-estima;
compreensão fonológica); • problemas de estudo e de organização;

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FONSECA V

• fracas funções cognitivas de atenção, proces- deve focar-se em processos de observação que
samento e planificação; permitam detectar a natureza dos padrões de
• fraco aproveitamento escolar; dificuldades apresentados pelas crianças ou
• pode evidenciar habilidades fora dos conteú- jovens e jovens DA, pelo menos no proces-
dos escolares. samento de informação da leitura, da escrita e
da matemática.
QUAIS OS SINAIS MAIS IMPORTANTES A avaliação no âmbito das DA terá de ser de
QUE DEVEM CAUSAR PREOCUPAÇÃO DU- índole multi e transdisciplinar, envolvendo em
RANTE OS ANOS DO 2º E 3º CICLOS DE ES- termos ideais no mínimo, as componentes médica,
COLARIDADE? psicológica e pedagógica, exercida por profis-
Seguindo as mesmas fontes, destacamos os sionais especializados.
seguintes sinais: Não bastaria o recurso a avaliações padro-
• continua a evidenciar todas as dificuldades nizadas, estritas ou formais, embora seja
acima referidas; urgente, apostar na sua investigação rigorosa.
• dificuldades em concluir os trabalhos de No âmbito da escola, perspectivaríamos um
casa; modelo de avaliação psicopedagógica
• hábitos de leitura, de escrita e de estudo muito dinâmica33 , aberto a psicólogos e a professores
vagos; treinados para o efeito.
• fraco conhecimento global; Esta avaliação centra-se num processo de
• iliteracidade e inumeracidade; interação mediatizada que visa estimar, encorajar
• mais tempo para terminar testes ou avaliações e promover a capacidade de aprendizagem dos
escritas; alunos e não avaliar o seu potencial intelectual
• provação cultural, etc. retrospectivo, habitualmente inadequado para as
Todos estes sinais são facilmente identificáveis DA, por dar informações limitadas para o processo
por pais e professores, razão pela qual devem traba- de decisão sobre a intervenção que se lhe deve
lhar em conjunto, pois só a sua sinergia estraté- seguir.
gica envolvente e a sua permanente interação e A avaliação psicopedagógica dinâmica, de
comunicação pode encontrar vias alternativas de acordo com o ensino clínico, implica um progra-
suporte e de apoio pedagógico e minimizar os ma educacional individualizado (PEI), dado
efeitos das DA na criança ou no jovem. que aponta para a modificação cognitiva dos
O processo de identificação precoce deve ser alunos e para um processo de avaliação-inter-
seguido de um processo de avaliação mais inten- venção mais complexo, que agrega aspectos de
sivo, mais dinâmico e não meramente formal. análise comportamental e funcional, de compe-
A suspeição de uma dislexia, de uma disgrafia tência lingüística e de seleção de serviços e
ou de uma dismatemática, deve ser operada por equipamentos.
especialistas em DA com formação pós-graduada Com base naquela avaliação psicopedagógica
a nível de mestrado, ou professores com sólida dinâmica e com a avaliação do professor da sala
formação psicológica, ou psicólogos com diver- de aula, devem então adotarem-se as compe-
sificada formação pedagógica, isto é, psicope- tências do ensino clínico (avaliação, planificação,
dagogos ou “paidólogos” na expressão vygots- implementação, reavaliação)19 e desenvolver um
kiana. A formação especializada em dislexia, conjunto de estratégias de apoio familiar e de
disgrafia e discalculia (dismatemática) nos seus apoio ecológico.
componentes teóricos, diagnósticos e habili- No âmbito do ensino clínico, há que prever
tativos, deveria ser consagrada a nível superior. modificações: no contexto da organização escolar;
Depois da identificação precoce, a no arranjo espaço-temporal da sala de aula; na
necessidade de uma avaliação mais sofisticada instrução e na adaptação do currículo; na promo-

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ção de competências e habilidades cognitivas dos serviços e apoios acima apontados, acrescen-
de organização, de atenção, de escuta e tando valor e capacidade de resposta ao sistema
escrutínio, de processamento e planificação da de ensino na sua totalidade.
informação na aprendizagem; na implementação A satisfação dos “clientes” do sistema de
de estratégias de análise de tarefas, etc. ensino teria, assim, solução às suas necessidades
A urgência de serviços de identificação únicas, porque adotaria princípios de inclusão,
precoce, de avaliação dinâmica e de intervenção de equidade, de alteridade, de respeito pela
individualizada e clínica, não pode continuar a diferença, de tutoria e de individualização.
ser adiada, a perda do capital intelectual de O maior desafio das DA está do lado da
criança ou jovens e de jovens DA não é admis- qualidade do ensino e da excelência dos
sível numa sociedade moderna. suportes e serviços proporcionados pelo sistema
Os alunos com DA deveriam ser receptores de ensino.

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Trabalho realizado na Universidade Técnica de Lisboa, Artigo recebido: 02/04/2007


FMH – Departamento de Educação Especial e Aprovado: 12/06/2007
Reabilitação, Lisboa, Portugal.

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