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Computabilidade e Predição: O F-Twist Revisitado*

Giordano Bressan Ribeiro

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Julho 2019

Resumo
A visão instrumentalista, no campo da economia, teve seu manifesto delineado
em “Essays on Positive Economics”, escrito por Milton Friedman, no qual defende que
um corpo teórico pode ser presumido válido se for capaz de gerar predições
suficientemente acuradas (FRIEDMAN, 1953). Essa hipótese, chamada por Paul
Samuelson de F-Twist, tem sido pregada como a base do método científico da economia
nas recentes encarnações dos manuais da disciplina, utilizados nos centros acadêmicos de
fronteira. Essa hipótese, entretanto, é bastante questionável. O objetivo do presente artigo,
portanto, é somar-se à literatura crítica do F-Twist, ao mostrar que, por meio de recentes
descobertas no campo de teoria da computabilidade e em construtivismo matemático, em
uma estrutura axiomatizada como a da economia, modelos como o Equilíbrio de Nash
Finito e Modelos de Equilíbrio Geral Computável, por vezes, são incapazes de predizer o
comportamento do indivíduo, devido à impossibilidade de construir ou computar o
resultado desses modelos.

*
1. Introdução
A visão instrumentalista, no campo da economia, teve seu manifesto delineado
em “Essays on Positive Economics”, escrito por Milton Friedman, no qual defende que
um corpo teórico pode ser presumido válido se for capaz de gerar predições
suficientemente acuradas (FRIEDMAN, 1953). Essa hipótese, chamada por Paul
Samuelson de F-Twist, tem sido pregada como a base do método científico da economia
nas recentes encarnações dos manuais da disciplina, utilizados nos centros acadêmicos de
fronteira.

O instrumentalismo, em sua fase embrionária, foi o responsável pela subsequente


mudança súbita na forma como a ciência econômica era encarada até os anos 1930. O
método matemático-dedutivo tornou-se o pilar máximo da formulação científica, pois,
diferentemente da retórica escrita, era o único que possibilitava o fenômeno da predição.
A partir desse período, uma onda de conceitos é desenvolvida para se enquadrar à nova
visão, desde a prova de existência de uma função de utilidade de von Neumman-
Morgenstern à prova de um Equilíbrio Geral e ao Equilíbrio de Nash. Todos esses
conceitos foram formulados de modo a tornar visível a superioridade da previsão, e essa
ideia, na literatura e nos livros-texto, continua firme. Mas, e se a teoria não fosse capaz
de emitir predições em todas as instâncias possíveis? E se sua capacidade de predizer
falhasse?

O objetivo do presente artigo é somar-se à literatura crítica do F-Twist, ao mostrar


que, por meio de recentes descobertas no campo de teoria da computabilidade e em
construtivismo matemático (disciplinas essas que foram desenvolvidas após análise real
clássica), em uma estrutura axiomatizada como a da economia, modelos como o
Equilíbrio de Nash Finito e Modelos de Equilíbrio Geral Computável, por vezes, são
incapazes de predizer o comportamento do indivíduo, devido à impossibilidade de
construir ou computar o resultado desses modelos.
2. Os Manuais e o F-Twist

Os manuais modernos na ciência correspondem a uma síntese do conhecimento


aceito entre a comunidade científica: mostram o corpo teórico que já se encontra
estabelecido, apresentam evidências que dão suporte a suas teorias e apontam possíveis
direções para a pesquisa futura. Seja “A Física”, de Aristóteles, ou os “Princípia”, de
Newton, nas palavras de Thomas Kuhn, fica claro que, “(...) nos manuais, cada nova
geração aprende o seu ofício”, possibilitando uma base estável de conhecimento, passível
de replicação e expansão. E o campo da teoria econômica não é excessão.

Em universidades como Harvard, Chicago, MIT, entre outras1, os manuais


recomendados são “Microeconomic Theory”, escrito por Mas-Colell, Whinston e Green,
“A Course in Microeconomic Theory”, de Kreps, e “Microeconomic Analysis”, de
Varian. Esses manuais de teoria microeconômica, em suas encarnações mais recentes,
têm se mostrado realizações kuhnianas, apresentando todas as características esperadas
de um livro-texto, em um período de ciência normal, e ensinando o ofício a futuros
economistas, nos mais diversos centros e das mais diversas matizes.

Sendo esse, portanto, o corpo científico que estabelece o nível mínimo de


conhecimento acerca de determinada área de estudo, a interseção entre as obras é vasta,
e todas possuem capítulos dedicados exclusivamente a Teoria dos Jogos (em especial,
sobre jogos estáticos/dinâmicos finitos e seus respectivos equilíbrios de Nash) e a
modelos de Equilíbrio Geral. Esses tópicos apresentam grande centralidade no discurso
econômico-acadêmico (ACEMOGLU, 2010; LUPERI, 2015), pelo fato de serem
realizações massivas dentro da esfera teórica, (o modelo de Equilíbrio Geral foi
considerado uma questão em aberto desde a sua formulação original por León Walras até
ser provado por Arrow-Debreu em 1954), por possuírem grande aplicabilidade
(BORGES, 1986) e, mais do que isso, apresentarem uma propriedade peculiar e de
intrínseco interesse ao economista: poder preditivo.

Essas duas palavras têm significado preciso na mente do economista e requerem


explicação. Segundo Friedman (1953), em sua seminal tese metodológica “Essays on
Positive Economics”, um modelo possui poder de previsão na medida em que consegue
prover uma resposta não ambígua a respeito de fenômenos ainda não observados, sejam
eles eventos futuros ou eventos que ocorreram, mas para os quais a observação ainda não
foi realizada. Na medida em que tanto o problema de Equilíbrio Geral quanto o de
encontrar um Equilíbrio de Nash em determinado jogo finito podem ser formulados em
termos matemáticos, como partes de um sistema axiomatizado, ambos possuem essa
singular capacidade.

Entretanto, Friedman vai além da simples retórica de classificação dos modelos


em preditivos e não-preditivos. Ele assenta sua pedra angular sobre o terreno movediço
da predição e constrói sua edificação metodológica a partir da hipótese, mais tarde
batizada de F-Twist, de que um corpo teórico será presumido válido se for capaz de gerar
predições suficientemente acuradas. Ou seja, o corpo científico da economia de maneira
geral — e os modelos de Equilíbrio Geral e Equilíbrio de Nash, em particular,
apresentados e ensinados, através dos manuais kuhnianos, nos principais centros de
aprendizado da profissão, tem como base metodológica a argumentação do F-Twist: o
modelo só é bom se predizer e predizer bem.

Um leitor casual pode pensar que o objetivo, ao se trazer à tona tais argumentos,
seja refazer uma discussão sobre a boa predição, quais suas possibilidades e seus limites,
quais os sucessos já obtidos e quais os fracassos mais gritantes. Essa é, entretanto, uma
discussão assaz desgastada, seja pelos anos que se passaram desde o lançamento do texto
de Friedman, seja pela vasta literatura que toma precedência sobre o artigo (WONG,
1973), ainda que iluminante em diversos sentidos, em especial, sobre a questão do próprio
limite do que a ciência econômica, como atualmente formulada, pode fazer. O leitor
arguto, por outro lado, há de se perguntar quais as possíveis ramificações de assentar
preceitos metodológicos sobre a predição: “E se a predição não for possível?”. É sobre
esse ponto que realizaremos a presente discussão.
3. “E se a predição não for possível?”

No início do século XX, David Hilbert, matemático alemão, fez um discurso no


Congresso de Matemáticos a respeito dos limites do conhecimento científico e, de modo
otimista, afirmou que “a convicção de que todo problema matemático possui solução é
um poderoso incentivo ao acadêmico. Nós ouvimos uma voz interior chamando-nos
perpetuamente: existe um problema. Busque solucioná-lo. Você pode encontrá-la por
meio da razão pura, pois, na matemática, não há ignorabimus.”8 É talvez irônico que,
poucos anos depois, Kurt Gödel, filósofo, matemático e logicista, em um seminário do
Congresso de Matemáticos, tenha apresentado seus famosos teoremas da incompletude,
frustrando as aspirações de Hilbert e introduzindo um teor de pessimismo a respeito do
que podemos alcançar através da razão pura. Sucintamente: “Ignoramus et
Ignorabumis†”.

Muitos avanços foram feitos desde os tempos de Gödel e, com eles, novos cantos
escuros foram descobertos, mas sem possibilidade de resolução. Duas grandes áreas
foram introduzidas com o intuito, em parte, de detectar esses cantos escuros: pelo lado da
ciência da computação, a teoria da computabilidade e, pelo lado da matemática, a teoria
do construtivismo (ou construtivismo matemático). A primeira tem a intenção de mostrar
quais problemas são computáveis, enquanto a segunda procura mostrar que,
diferentemente da análise clássica, só é possível provar a existência de certo resultado, na
medida em que for possível construí-lo. É nesses termos que estabelecemos a questão: se
um resultado não pode ser construído, ou seja, se não é possível mostrar sua existência, e
não pode ser computado, como é possível que forneça uma resposta não-ambígua a
respeito de fenômenos ainda não observados? Mais sucintamente: como um modelo pode
prever se não é possível computar ou construir essa previsão?

A resposta é curta e simples: não pode. A justificativa, por outro lado, é longa e
extremamente complexa, mas não impossível de ser tratada. Por isso, sob as presentes
condições, será feita uma explanação dos principais resultados da impossibilidade de
construção e incomputabilidade do modelo de Equilíbrio Geral Computável (irônico,
não?) e incomputabilidade do Equilíbrio de Nash em um jogo finito.


Expressão derivada do latim, que possui como significado “Ignoramos e Ignoraremos”.
3.1 . Equilíbrio de Nash em um jogo finito9

Existem duas questões principais preliminares a serem expostas. A primeira diz


respeito ao fato de que os argumentos desenvolvidos (sejam eles definições formais ou
provas) utilizam-se de lógica computacional, tratando de teorias em vez dos objetos
costumeiramente empregados na matemática, como conjuntos. São as chamadas provas
metamatemáticas, pois podem provar algo a respeito de toda a disciplina. A segunda
questão faz referência ao modo de formalização da teoria. O tratamento dado à teoria dos
jogos não-cooperativos nos livros-texto sempre é formalizado, então primeiro,
mostraremos que o resultado se mantém quando utilizada a definição original acerca do
que constitui um jogo e, posteriormente, que, mesmo tornando-a uma versão fraca da
teoria dos jogos não-cooperativos, o resultado é preservado.

Em primeiro lugar, temos que:

Definição 3.1.1 - Um jogo não-cooperativo é definido por uma tripla de von


Neumman (N, 𝑆 , 𝑢 ) com i = 1, 2,. . ., N, na qual N é o número de jogadores, 𝑆 é o
conjunto de estratégia do jogador i e 𝑢 é a função de utilidade real

𝑢: 𝑆 → ℝ

para todo i = 1, 2,. . ., N, tal que 𝑠 ∈ 𝑆 .

Definição 3.1.2 - Um vetor de estratégia 𝑠 ∗ = (𝑠 ∗ ,. . .,𝑠 ∗ ) ∈ 𝑆 é um vetor de


equilíbrio de Nash para um jogo finito não-cooperativo Ί se, para todas as estratégias e
para todo i,

𝑢 (𝑠 ∗ ) = 𝑢 ((𝑠 ∗ ,. . .,𝑠 ∗ ,. . .)) ≥ 𝑢 ((𝑠 ,. . .,𝑠 ,. . .)).

Utilizando esses conceitos‡, estamos trabalhando dentro de uma teoria formal


forte T, capaz de desenvolver análise clássica. A partir disso, temos que, para alguma
propriedade G (chamada propriedade não-trivial) da teoria T de jogos finitos não-
cooperativos, existe um conjunto infinito enumerável de elementos Ί (lê-se iota m), tal
que eles decorrem da teoria T. Particularmente, existe um elemento Ί tal que ele decorre


Deve ficar claro para o leitor que, na primeira definição, estão explicitados quais são as três variáveis
independentes do jogo (para ilustrar, tomemos o exemplo do xadrez) e, na segunda, qual o vetor de
equilíbrio (melhor resposta à melhor resposta).
da teoria se e somente se P = NP§. Uma vez que P = NP é um problema ainda não
solucionado dentro de teoria da complexidade, existe um elemento Ί tal que ele não pode
ser provado a partir de T. Esse elemento Ί é tal que, mesmo todos os conjuntos de
estratégia 𝑆 sendo finitos, não é possível computar o equilíbrio de Nash. De maneira
ainda mais forte, o elemento Ί é tal que computar seu equilíbrio não é aritmeticamente
exprimível. Fica claro, então, que nesse jogo não é possível realizar predições.

Quando tratamos de uma versão mais simples do problema, ou seja, sua versão
mais fraca, passamos a considerar a seguinte definição de teoria:

Definição 3.1.3 - N* é a teoria que possui como linguagem formal cálculo


proposicional clássico de primeira ordem com igualdade**, a qual é adicionado um
símbolo de relação binária ∈ (lê-se pertence) e uma nova constante ∅ (lê-se vazio), além
dos axiomas matemáticos de igualdade, conjunto vazio, par, união e indução.

Dentro da construção estabelecida na definição 3.1.3, é possível construir funções


com domínio finito, definir a soma e multiplicação de inteiros e operações discontínuas.
Podemos, assim, afirmar que existe um conjunto, na teoria N*, que é igual ao conjunto
de estratégias 𝑆 . Desse modo, se N* é consistente, então existe um elemento Ί tal que a
existência de um equilíbrio de Nash desse elemento é indecidível, i.e. o computador que
tentasse responder à questão “Há um equilíbrio de Nash?”, poderia dar a resposta errada.

3.2 . Equilíbrio Geral Computável (EGC)10

O Equilíbrio Geral Computável é um dos mais conhecidos modelos de


matemática aplicada, obtendo maior sucesso nas ciências sociais,11 e tem uma longa
tradição nas ciências econômicas. Grande parte dos manuais dedica capítulos inteiros a
esse tópico, mostrando e detalhando o funcionamento de uma economia de trocas puras
ou com produção, e as implicações que dele derivam. É importante lembrar, entretanto,
que, por mais que ele possa ser provado (existência e unicidade), como aponta o próprio
autor, “(...) contrariamente às opiniões e às versões de livros-texto comumente propostas

§
P e NP são classes de teoria da complexidade e essas classes estão relacionados ao tempo com que um
computador demora para resolver um problema. Essa igualdade é um dos dez problemas propostos pelo
Instituto Clay de Matemática, que ainda não foi resolvido.
**
Cálculo proposicional clássico de primeira ordem nada mais é do que a linguagem lógica que possui os
conectivos booleanos padrão ( “˄ - e”, “˅ - ou”, “¬ - não”, “→ - se, então” e “↔ - se e somente se”) e os
quantificadores, existencial (“Ǝ – existe”) e universal (“Ɐ - para todo”).
do modelo EGC, o modelo padrão não é nem computável nem construtivo no sentido
matemático estrito.” (VELUPILLAI, 2005). Como exemplo dessa tendência, a exposição
feita por John Shoven e John Walley, os mais proeminentes defensores da aplicação do
EGC para políticas públicas, toma o modelo em alta conta, afirmando:

“The major result of postwar mathematical general equilibrium theory has been
to demonstrate the existence of such an equilibrium by showing the applicability
of mathematical fixed point theorems to economic models. (...) Since applying
general equilibrium models to policy issues involves computing equilibria, these
fixed point theorems are important: It is essential to know that an equilibrium
exists for a given model before attempting to compute that equilibrium.”
(SHOVEN; WALLEY, 1992 apud VELUPILLAI, 2005, p. 2).

Mas completa a questão posteriormente, mostrando ressalvas:

“The weakness of such applications is twofold. First, they provide non-


constructive rather than constructive proofs of the existence of equilibrium;
that is, they show that equilibria exist but do not provide techniques by which
equilibria can actually be determined. Second, existence per se has no policy
significance.” (SHOVEN; WALLEY, 1992 apud VELUPILLAI, 2005, p. 2).

Um ponto importante a ser levantado de antemão está relacionado à definição de


computável e construtivo “(...) no sentido matemático estrito”. Nesse caso,
computabilidade é um termo não ambíguo quando incorporado à teoria da recursão, o
framework pelo qual será provada a incomputabilidade do EGC. Por outro lado, o fato de
o modelo ser passível de construção pode ser interpretado de maneiras diversas, mesmo
quando considerado seu sentido matemático estrito. Em todo caso, o EGC não pode ser
construído sob nenhuma interpretação matemática da construtividade.

Tomadas as devidas precauções, o primeiro teorema motiva o resto do argumento


e, portanto, temos:

Teorema 3.2.1 - Teorema de Existência de Walras (TEW)

Deixe a função de excesso de demanda X(p) = [𝑥 (p),. . . ,𝑥 (p)] ser um


mapeamento do simplex de preços, 𝑆, para o espaço de comódites ℝ ;
i.e., X(p) : 𝑆 → ℝ , na qual:

i) X(p) é uma função contínua para todo preço p ∈ 𝑆;


ii) X(p) é homogênea de grau zero;
iii) p.X(p) = 0, Ɐp ∈ 𝑆 (Lei de Warlas é satisfeita ∑ 𝑝 . 𝑥 (𝑝) = 0, Ɐp ∈ 𝑆);

Então: Ǝ𝑝∗ ∈ 𝑆, tal que X(𝑝∗ ) ≤ 0, com 𝑝∗ = 0 Ɐi, tal que 𝑋 (𝑝∗ ) ˂ 0.

Uma breve explicação do teorema é de grande utilidade para dar sentido à


argumentação que virá a seguir. Fica explícito na prova que existe uma função, chamada
função de excesso de demanda, que, para o preço de cada bem, determina a quantidade
do bem consumido. Mais do que simplesmente assumir sua existência, o teorema afirma
que ela é contínua, não apresentando buracos ao longo do gráfico; é homogênea de grau
zero, ou seja, se o preço for multiplicado por uma constante α ˃ 0, a demanda continua
igual (hipótese essa que pode ser entendida como o fato de o indivíduo não sofrer de
ilusão monetária); e, por fim, o fato de que todos os bens são inteiramente consumidos
aos seus determinados preços. Uma vez que existe tal função, pode-se concluir que existe
um vetor de preços pertencente ao simplex de preços (𝑆).

Do ponto de vista da teoria da recursão, a questão a ser discutida está relacionada


à X(p). Pode essa função ser construída e computar algum p ∈ 𝑆 arbitrário? O passo chave
está em partir de algum dos dados do problema, para então podermos pensar em uma
função contínua, definida como 𝑓(. ) ∶ 𝑆 → 𝑆 para a função de excesso de demanda
X(p). Desse modo, podemos montar a seguinte função 𝑋(𝑝) = 𝑓(𝑝) − 𝜇(𝑝). 𝑝, como
sendo a construção da função de excesso de demanda. De um modo geral, ela parece bem
definida, mas se argumenta que o processo que levou à construção dessa função pode ser
provado como indecidível (assim como no problema anterior). Isso nos leva ao próximo
teorema:

Teorema 3.2.2 - X(𝑝∗ ), definida como 𝑋(𝑝∗ ) = 𝑓(𝑝∗ ) − 𝜇(𝑝∗ ). 𝑝∗ , é


indecidível, isto é, não pode ser determinada algoritmicamente.

A prova desse teorema é por demais técnica e não será tratada, mas seu resultado
pode ser captado pela intuição e é muito significativo. Se sempre que tentarmos construir
uma função X(p), seu resultado for indecidível para 𝑝∗ , então fica claro que não há
possibilidade de determinar numericamente o resultado desse Equilíbrio Geral
Computável e, precisamente, não existe possibilidade de estabelecer quais são as
possíveis previsões que o método pretende demonstrar. Assim como no caso do
Equilíbrio de Nash, uma conclusão interessante surge: existirá um conjunto de equações,
mesmo em número finito, descrevendo uma economia de mercado tal que seu equilíbrio
não seja computável.
4. Considerações Finais

Por muito tempo, a humanidade manteve a tese, com ferrenha convicção, de que
o homem tudo podia, e, ao homem, tudo cabia. A ciência, com seu caráter criador e
disruptivo, deu asas à humanidade, e ela voou. Mas, como Ícaro, seu vôo foi por demais
próximo do sol, e as aspirações e os sonhos de que tudo podíamos foram abandonados,
como que presos em um labirinto, um dédalo pessoal dos que um dia tomaram essa
convicção por verdade.

À economia, o mesmo destino foi reservado. À medida que se desenvolvia, mais


e mais possibilidades se abriam. A prova do Equilíbrio Geral trouxe grande satisfação. O
Equilíbrio de Nash e o surgimento da disciplina de teoria dos jogos foi um ponto de
inflexão na história dessa ciência. Aliado a isso, some-se a defesa da ciência com base na
predição e, se terá o mais alto voo. Mas a cola já se desprende das penas, e a brisa, antes
tão suave, transforma-se em uma tempestade.

O ensino desses modelos nos mais importantes manuais da disciplina, nos mais
conceituados centros, assentados sobre essa base metodológica, é conflituoso. Por um
lado, busca-se o método dedutivo-matemático como única solução possível para o
problema do poder preditivo, criticando aqueles que não se enquadram dentro de tal
conceito de ciência, mas, por outro, há pouca consciência a respeito da limitação que esse
viés metodológico carrega. Sucintamente: “Ignoramus et Ignorabumis”.

É, talvez, nesse sentido que Velupillai (2005) acrescenta, ao final do artigo, que
“(...) parece que a teoria econômica está condenada a [provar modelos cuja] existência é
não-construtiva e incomputável e, portanto, está fadada a trabalhos numéricos e aplicados
tais que eles sempre serão divorciados da teoria de modo desconfortável.”

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