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PÁDUA, José Augusto.

Um sopro de destruição: pensamento político e crítica


ambiental no Brasil escravista, 1786-1888. 2º ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.
318 p.

Partindo da análise de cerca de 150 textos sobre crítica ambiental brasileira,


produzidos entre os anos de 1786 e 1888, José Augusto Pádua escreve essa obra. Além
desse livro, Pádua já publicou outros estudos acerca do tema de história ambiental, entre
eles o mais recente “Desenvolvimento, justiça e meio ambiente”, uma coletânea de
importantes artigos sobre o desenvolvimento sustentável no Brasil, baseada na
preservação ambiental e na justiça social. Atualmente, Pádua é professor associado do
Instituto de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

O livro procura reconstituir a existência de uma reflexão profunda e consciente


sobre o problema da destruição do ambiente natural por pensadores entre 1786-1888.
Durante a análise, o autor vai questionando fundamentos teóricos que rodeiem os textos
encontrados, bem como a situação da época para que propiciasse essa discussão.

A divisão da obra concerne em cinco capítulos, onde inicialmente, em sua longa


introdução, Pádua nos situa por entre o objetivo e as origens de sua pesquisa, bem como
a explicação do corpo do livro e algumas questões que norteiam o mesmo. Em seguida,
no primeiro capítulo, ele aborda os textos pioneiros encontrados em sua pesquisa, onde
procura destacar a origem e fundamentos dos mesmos. No segundo capítulo, ele já se
detém em analisar vários textos produzidos entre 1799 e 1821, expondo a o choque
entre o racionalismo cientificista dos intelectuais retornados da Europa e a realidade
brutal e destrutiva vigente no Brasil. Na terceira parte do livro, o autor se detém em
discutir a crítica ambiental presente na obra de José Bonifácio, bem como as influências
que a mesma teve em outros estudiosos. No quarto e quinto capítulo ele trata dos
pensadores que levaram à frente a discussão sobre a devastação ambiental após a
atuação de José Bonifácio, e divide esses estudiosos em grupos de duas vertentes, em
seus respectivos capítulos. A primeira trata de grupos de intelectuais que afirmavam que
a degradação ambiental poderia ser superada sem necessidade da abolição da
escravidão, e a segunda já faz o contrário, são grupos que enfatizaram o fim do
escravismo como condição necessária para o bem do espaço natural brasileiro.

Na introdução, chamada “Em busca de uma tradição intelectual esquecida”,


Pádua cita primeiramente um trecho de um poema de Manoel de Araújo Porto-Alegre,
chamado “A destruição das florestas”. A introdução é dividida em três partes: pequena
história de um redescobrimento; mapa de viagem; três questões de fundo. Na primeira
parte, José de Augusto Pádua discorre sobre o objetivo do livro e a origem da pesquisa,
bem como determinados fatores que encontrou a respeito desta.

Ele se interessou sobre o tema quando estava pesquisando sobre a evolução


política do pensamento político brasileiro e deparou-se com fortes componentes de
crítica ambiental presentes na obra de José Bonifácio. Em particularmente um trecho do
final de “Representação à Assembléia Constituinte e Legislativa do império do Brasil
sobre a escravatura”, de 1823, que dá entrada a este livro:

“A Natureza fez tudo a nosso favor, nós porém pouco ou nada temos
feito a favor da Natureza. Nossas terras estão ermas, e as poucas que
temos roteado são mal cultivadas, porque o são por braços indolentes
e forçados. Nossas numerosas minas, por falta de trabalhadores ativos
e instruídos, estão desconhecidas ou mal aproveitadas. Nossas
preciosas matas vão desaparecendo, vítimas do fogo e do machado
destruidor da ignorância e do egoísmo. Nossos montes e encostas vão-
se escalvando diariamente, e com o andar do tempo faltarão as chuvas
fecundantes que favoreçam a vegetação e alimentem nossas fontes e
rios, sem o que nosso belo Brasil, em menos de dois séculos, ficará
reduzido aos paramos e desertos áridos da Líbia. Virá então este dia
(dia terrível e fatal), em que a ultrajada natureza se ache vingada de
tantos erros e crimes cometidos.” (pág. 5)

Intrigado com esta afirmação e sobre quais fundamentos a embasariam, Pádua


começou então a pesquisar textos que seguissem a mesma direção, quando se
surpreendeu ao saber da quantidade de escritores envolvidos e textos produzidos, bem
como o alcance geográfico e temporal de suas manifestações. Acabou por encontrar
cerca de 150 textos, de mais de 50 autores diferentes, que discutiam diretamente as
conseqüências sociais da destruição das florestas, erosão dos solos, esgotamento das
minas, desequilíbrios climáticos etc. E percebeu certa tradição entre estes textos, um
denominador comum, cujo viés era essencialmente político, cientificista,
antropocêntrico e economicamente progressista. O valor do mundo natural era tido
como importância econômica e política, e sua destruição, hoje vista como um “preço do
progresso”, era vista como “preço do atraso”.

Se aprofundando na origem dessas críticas, Pádua faz duas constatações: a


crítica ambiental brasileira não havia sido inaugurada por José Bonifácio; e esses
autores não haviam escrito a partir de iniciativas isoladas, mas sim como parte
integrante de um grupo bem coerente em suas características intelectuais e sociais. Mas
o autor ainda afirma: José Bonifácio pode ser considerado fundador da crítica
sistemática da destruição ambiental no Brasil. E seu legado teórico mais importante,
segundo Pádua, foi o de estabelecer a existência de um nexo casual entre a produção
escravista e a destruição do ambiente natural.

O autor também lembra e analisa algumas idéias acerca da preocupação com o


meio ambiente que foram adquiridas pelos estudiosos durante suas estadias nas
academias da Europa. Idéias que nem sempre condiziam com a realidade brasileira.

Em seguida, Pádua resume brevemente o corpo de seu livro, e passa a falar de


três questões de fundo presentes em sua pesquisa: o contraste entre o cientificismo
progressista e o romantismo na origem da crítica ambiental brasileira; a relevância do
estudo dos autores brasileiros do século XVIII e XIX para o entendimento da gênese da
sensibilidade ecológica no mundo moderno; e as conseqüências concretas de todo o
debate intelectual que se tentou reconstruir. Estas questões norteiam todo o livro de
Pádua.

No primeiro capítulo, “Aniquilar as naturais produções”, Pádua faz uma divisão


de quatro tópicos, onde discute as origens teóricas da primeira crítica ambiental
brasileira, demarcando suas raízes no iluminismo luso-brasileiro. Aqui ele analisa uma
obra dessa fase inicial, “Discursos sobre os melhoramentos da economia rústica no
Brasil”, de 1799, por José Gregório de Moraes Navarro. Partindo dessa obra, o autor
procura demonstrar a ligação entre as principais propostas desre e os conteúdos do
debate político-ambiental vigente em Portugal na época. Para tanto, ele discute a
natureza e os principais teóricos das reflexões ambientas formuladas por Vandelli e
Sousa Coutinho, bem como a influência que os mesmos tiveram sobre trabalhos
publicados posteriormente acerca do tema.
No segundo capítulo “Com o machado em uma mão e o tição em outra”, José
Pádua analisa textos de crítica ambiental produzidos entre 1799 e 1821, ressaltando o
embate entre o racionalismo cientificista dos intelectuais que haviam retornado da
Europa e a realidade brutal e destrutiva vigente no Brasil. Porém, antes o autor faz uma
apresentação sintética do caráter ambientalmente predatório da economia colonial
implantada no Brasil, e torna possível ao leitor visualizar as estruturas e práticas da
devastação, assim como as chaves intelectuais utilizadas pelos autores dos textos para
decifrá-las e criticá-las.

Ele apresenta então fatores que reconhecem a diversidade de fauna e flora no


Brasil, e no que isto influenciou o nome dado ao país. Trata também dos danos que as
lavouras e os engenhos trouxeram às terras, e como isso era pensando pelos estudiosos.

No terceiro capítulo, “A profecia dos desertos da Líbia: conservação da natureza


e construção nacional do pensamento de José Bonifácio”, José Pádua trata de discutir a
síntese político-ambiental presente na obra de José Bonifácio. Aqui também é tratado o
que das fundamentações propostas por Bonifácio foi utilizada no trabalho de outros
estudiosos pois, apesar do programa reformista proposto por ele não ter sido
implementado, suas idéias marcaram profundamente a continuidade do debate
ambiental ao longo de todo o período monárquico.

Pádua tece então situações e fundamentos em que Bonifácio possa ter iniciado
sua reflexão acerca da devastação do ambiente brasileiro. Também analisa textos em
que o estudioso trata da situação das baleias e das matas de São Paulo. Pode-se dizer
que esse capítulo é o cerne do livro, visto que apresenta as questões fundamentais de
Bonifácio que nortearam as obras dos outros pensadores analisados neste livro.

No quarto capítulo, “Mais inconsequentes que os selvagens da Lusiana”, o autor


analisa uma vertente que reuniu um conjunto de intelectuais e homens públicos
preocupados com a degradação do território a partir de um reformismo tecnológico e
administrativo. Eles culpavam a mentalidade da imprevidência e descaso, bem como a
tecnologia atrasada pela destruição do ambiente, e, na interpretação de José Pádua,
chegariam a afirmar que a destruição ambiental poderia ser superada sem que fosse
preciso abolir a escravidão.
O capítulo é dividido em seis tópicos que analisam bem isso. O primeiro,
“poética da destruição”, trata dos escritos de Porto-Alegre, um poeta preocupado com a
visão estética do país, que escrever o longo poema “A destruição das florestas”.
Partindo de trechos deste poema, Pádua vai tecendo semelhanças entre Porto-Alegre e
José Bonifácio, percebendo momentos nos escritos do poeta onde ele cita este último,
além de Francisco Freire Alemão Cisneiros. O autor observa também que Porto-Alegre
culpa o escravo pelo mal-trato coma terra.

Em seguida, o capítulo vai falando de nomes considerados “fundadores” dessa


vertente, como Antônio Rodrigues Veloso de oliveira, Manoel Ferreira da Câmara, João
Severino Maciel da Costa e Baltasar da Silva Lisboa, este último tendo como a
produção literária o seu principal foco de interesse, onde os temas ambientais tiveram
grande importância. Continuando, Pádua fala da preocupação de Januário da Cunha
Barboza e Raymundo da Cunha Mattos, assim como José Bonifácio, acerca das
derrubadas inconseqüentes de árvores. O capitulo finaliza tratando da Floresta da Tijuca
e sua restauração.

Na quinta parte do livro, “Um fluido pesado, fatal ao homem e à natureza”, o


autor enfatiza a posição de grupos que definiam a abolição como condição necessária
para o estabelecimento de uma relação produtiva saudável e não destrutiva com o
espaço natural brasileiro. Essa vertente incluiu um número bem menor de autores, sendo
expressa em 1830 por Frederico Burlamaque, prosseguindo de forma moderada em
alguns analistas até 1860, e teve seu ápice na década de 1880, com a obra abolicionista
de André Rebouças e Joaquim Nabuco.

Aqui, Pádua ressalta a verdadeira influência e continuidade da obra de José


Bonifácio, no sentido de que os estudiosos desta vertente também acreditavam que a
devastação ambiental não poderia ser contida de maneira isolada, mas sim no âmbito de
uma reforma geral da economia e da sociedade.

Embora um pouco longa, a introdução do livro é necessária. Pádua faz uma


explanação do que o estudo vai abordar e nos situa em meio aos conceitos que ele vai
utilizar, explicando detalhadamente como se construiu esse grupo de autores que
escreveram acerca da crítica ambiental brasileira. E por conter tantas informações na
introdução, a leitura dos outros capítulos torna-se um pouco repetitiva, visto que o autor
já tinha apresentado essas questões antes. Mesmo com essa pontuação, o livro é
esplêndido, visto que é muito informativo e explicativo, despertando a curiosidade do
leitor acerca de algumas concepções metodológicas que ele utiliza.

O livro de Pádua é ideal tanto para quem quer estudar sobre a relação do homem
com a natureza, como para quem deseja estudar a mentalidade dos homens daquele
período, visto que Pádua parte dos embasamentos teóricos dos próprios, expondo
influências e contextualizando a sociedade da época. E também inspira novos estudos,
visto que além de o autor deixar linhas a serem trabalhadas, o campo de estudo de
história ambiental ainda é recente nas academias.

Andressa Aryelle Fontenele Araújo é graduanda no curso de Licenciatura em História


na UFPI (Universidade Federal do Piauí).

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