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André Rosilho
Mestre em Direito e Desenvolvimento pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação
Getulio Vargas (FGV Direito SP). Doutorando em Direito Administrativo pela Universidade de
São Paulo (USP). Coordenador do Curso de Direito Público da Sociedade Brasileira de Direito
Público (SBDP). Foi aluno da Escola de Formação da SBDP (2007). Advogado em São Paulo.
Resumo: O artigo localiza a política de contratações públicas da Petrobras no universo mais amplo das
licitações para, então, proceder a uma síntese da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) e do
Tribunal de Contas da União (TCU) sobre o tema. Identificou-se que os órgãos controladores têm posições
antagônicas — o STF indica defender a juridicidade do procedimento licitatório simplificado da Petrobras,
enquanto que o TCU julga-o inconstitucional, ilegal e antijurídico — e que há, nas suas jurisprudências, uma
espécie de diálogo entre as instituições. O artigo, partindo da análise das normas e das jurisprudências,
defende a tese de que o posicionamento do TCU decorre de razões mais políticas do que de efetivamente
jurídicas, denotando preferência da Corte de Contas pelo modelo de licitação da Lei nº 8.666/93.
Palavras-chave: Política pública. Licitação. Petrobras. Supremo Tribunal Federal. Tribunal de Contas da
União.
Sumário: 1 Introdução – 2 Como o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal de Contas da União veem a
possibilidade de a Petrobras, para suas contratações, se valer de procedimento licitatório simplificado? –
3 Conclusão – Referências
1 Introdução
Empresas estatais — gênero que engloba as empresas públicas e as socieda-
des de economia mista — são entes peculiares por natureza: não são puramente
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Este artigo foi elaborado no programa “DuplaMente EF”, a partir de pesquisa realizada por Larissa Santiago
Gebrim, sob a orientação de André Rosilho, para a monografia A adoção do procedimento licitatório simplificado
pela Petrobras sob as perspectivas do STF e do TCU, a qual foi submetida à aprovação de banca examinadora
composta pelo orientador e por Marina Cardoso de Freitas, como requisito para a conclusão da Escola de
Formação da Sociedade Brasileira de Direito Público – SBDP (2013).
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O fato de estes entes serem em parte Estado e em parte empresa está no cerne do que Mario Engler Pinto
Junior chamou de “crise de identidade” das empresas estatais. Segundo o autor, “A empresa estatal está
sujeita a duas tendências disfuncionais, que necessitam ser equacionadas: (i) a priorização da busca de
resultados financeiros em detrimento do legítimo interesse público; e (ii) a captura dos administradores pelos
interesses subalternos da corporação. Não é por outra razão que a empresa estatal enfrenta atualmente séria
crise de identidade, que, no fundo, tem a ver com as incertezas sobre o seu verdadeiro papel e a natureza
dos interesses a que deve servir. A falta de compreensão dessas questões tem levado a empresa estatal a
se comportar com a mesma lógica maximizadora da empresa privada, o que, por sua vez, coloca em dúvida a
conveniência da manutenção do controle acionário do Estado” (Empresa estatal: função econômica e dilemas
societários. São Paulo: Atlas, 2010. p. 4).
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Carlos Ari Sundfeld propõe esta analogia em sua obra Fundamentos de Direito Público. Confira-se: “A afirmação
de que o Estado, em dadas hipóteses, submete-se ao direito privado há de ser tomada com cautelas. Mesmo
ao desenvolver atividade econômica, o ente governamental deve observar algumas normas típicas do direito
público, como as de licitação, concurso público para seleção de empregados, controle pelo Tribunal de Contas e
outras mais. O Estado, como um Midas, publiciza tudo o que toca” (5. ed., 2. tir. São Paulo: Malheiros. p. 77).
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Floriano de Azevedo Marques Neto, ao discorrer sobre empresas estatais que competem no mercado, traça
diagnóstico semelhante. Segundo o autor, “Preocupa-me aqui a situação de empresa estatal que explora
atividade econômica e com o objetivo de desenvolver os produtos que oferece no mercado — onde compete
com outras empresas do mesmo ramo — tem de contratar diversos bens e serviços junto a empresas privadas.
O problema que desperta o interesse nesse caso é que a obrigação, por vezes imposta à empresa, de realizar
licitação para firmar tais contratos, muita vez acaba inviabilizando o projeto, pois: i) o tempo imprescindível
para realização de uma licitação é incompatível com a agilidade necessária pela disputa de mercado; e ii)
o cumprimento de formalidades intrínsecas à licitação (normalmente a publicidade dos atos) acarreta a
antecipação, aos seus concorrentes, de sua estratégia negocial (por exemplo, desvelando os contornos de um
novo produto em gestação na empresa). Coloca-se assim a oposição entre o dever de licitar (e de observar
os requisitos da licitação) e o cumprimento dos objetivos da estatal (quando em disputa de mercado com
outras empresas privadas)” (As contratações estratégicas das empresas estatais que competem no mercado.
In: OSÓRIO, Fábio Medina; SOUTO, Marcos Juruena Villela (Coord.). Direito Administrativo – Estudos em
homenagem a Diogo de Figueiredo Moreira Neto. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 575-576).
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É bem verdade, no entanto, que o dever de as empresas estatais licitarem nem sempre foi inequívoco. Aliás,
bem ao contrário. No plano da legislação federal, por exemplo, este dever apenas foi explicitado quando
da edição do Decreto-Lei nº 2.300, de 21 de novembro de 1986, e só ganhou status constitucional com a
promulgação da Constituição de 1988. Para uma análise mais aprofundada da evolução do dever de licitar,
inclusive em relação às empresas estatais, consultar amplamente ROSILHO, André. Licitação no Brasil. São
Paulo: Malheiros, 2013 e, especificamente, as p. 220 e ss.
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Carlos Ari Sundfeld definiu este momento das contratações públicas no Brasil da seguinte maneira: “Se
pudesse sintetizar em uma frase o objetivo geral desta lei [Lei 8.666/93], eu diria que ela procurou neutralizar
o administrador público, declarar sua morte. Era preciso fazê-lo desaparecer para evitar que ele pudesse ser
um agente de desvios, eliminando, assim, sua discricionariedade. Também era preciso eliminar a possibilidade
de atuação dos legisladores municipal e estadual, razão pela qual a lei nacional procurou estabelecer, ela
própria, procedimentos, exigências e restrições bastante detalhadas. Esta, creio eu, foi uma visão sobre o que,
naquele momento, era importante relativamente à contratação pública. Entendeu-se que a boa contratação
era aquela que resultasse de um procedimento com baixa participação valorativa do administrador público,
até mesmo na concepção do objeto a ser contratado. Procurou-se limitar ao máximo o ingrediente volitivo, a
participação do seu juízo” (Como reformar as licitações?. Interesse Público, Belo Horizonte, ano 11, n. 54,
mar./abr. 2009, p. 20).
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A Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993 – Lei Geral de Licitações e Contratos – é símbolo forte desse movimento.
O diploma normativo, logo em seu art. 1º, diz que “Esta Lei estabelece normas gerais sobre licitações e contratos
administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no
âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”. Além disso, determina
que “subordinam-se ao regime desta Lei, além dos órgãos da administração direta, os fundos especiais,
as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais
entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios” (art. 1º,
parágrafo único. Grifos acrescentados).
A intenção da Lei nº 8.666/93 de criar um único regime geral de licitações fica ainda mais nítida a partir
da leitura do seu art. 119. Nele, apesar de estar prevista a possibilidade de empresas estatais gozarem de
regulamentos próprios de licitação, afirma-se que elas (empresas estatais) deveriam continuar “sujeitas às
disposições desta Lei” (art. 119, in fine). Ou seja, poderiam editar regulamentos próprios de licitação, mas não
ficariam desobrigadas de seguir as normas da Lei Geral de Licitações e Contratos. O diploma normativo acena
com a possibilidade de edição de regulamentos próprios de licitação, mas, na prática, amarra as empresas
estatais aos seus dispositivos.
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Carlos Ari Sundfeld e André Rosilho, em capítulo do livro Contratos públicos e Direito Administrativo (Malheiros,
no prelo), intitulado “Onde está o princípio universal da licitação?”, negam a existência do suposto princípio
afirmando, em linhas gerais, que i) a Constituição Federal de 1988 não consagrou o princípio universal da
licitação; ii) a Constituição, quando quis exigir licitação, o fez expressamente; e iii) o dever de licitar não
decorre diretamente de princípios constitucionais.
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Remetemos o leitor interessado nas interfaces entre Direito e políticas públicas ao capítulo do livro Direito da
regulação e políticas públicas (SUNDFELD, Carlos Ari; ROSILHO, André (Org.). São Paulo: Malheiros, 2014),
intitulado “Direito e Políticas Públicas: dois mundos?” (p. 45-79).
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A Constituição Federal de 1988, mesmo em sua redação original, já permitia inferir que as empresas estatais
deveriam dispor de um modelo de contratações públicas específico, mais ajustado ao figurino empresarial
(art. 173, §1º). Esta leitura, contudo, não era consensual, muito em função do que dispunham o art. 22,
XXVII (na sua redação original) e o art. 37, XXI. Esses dispositivos sugeririam, segundo alguns, que o Texto
Constitucional não teria feito qualquer tipo de distinção entre entes estatais, ao menos no que tange ao
regime jurídico de licitações e contratos a eles aplicável. Após a promulgação da EC nº 19/98, a opção
da Constituição ficou mais clara. Previu-se a edição de lei estabelecendo o estatuto jurídico das empresas
estatais, que, entre outras coisas, deveria dispor sobre o modelo licitatório a elas aplicável (art. 173, §1º e
seus incisos).
Para uma compreensão mais ampla das transformações do papel do Estado na economia, v. amplamente
MOREIRA, Egon Bockmann. Qual é o futuro do direito da regulação no Brasil?. In: SUNDFELD, Carlos Ari;
ROSILHO, André (Org.). Direito da regulação e políticas públicas. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 107-139.
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Cf. SUNDFELD, Carlos Ari; SOUZA, Rodrigo Pagani de. Licitação nas estatais: levando a natureza empresarial a
sério. In: SUNDFELD, Carlos Ari (Org.). Contratações públicas e seu controle. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 80.
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Como noticia Henrique Motta Pinto, este modelo de concessão de tratamento diferenciado a empresas
estatais específicas foi posteriormente replicado em alguns casos: “após a Emenda Constitucional 19/1998,
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a Lei 11.652/2008 adotou semelhante solução legislativa para as licitações da EBC – Empresa Brasil de
Comunicações S/A, cujo regulamento simplificado encontra-se no Decreto 6.505/2008. A fórmula também
foi prevista pela Lei 11.943/2009, que alterou a lei que autorizou a constituição da ELETROBRÁS – Centrais
Elétricas Brasileira S/A, para permitir que as aquisições de bens e as contratações de serviços, que ela e
suas controladas realizem, ocorram por meio de procedimento licitatório simplificado, que deverá ser definido
em decreto do Presidente da República” (PINTO, Henrique Motta. Empresa estatal: modelo jurídico em crise?.
Dissertação de Mestrado (Orientador: Carlos Ari Sundfeld). São Paulo, Faculdade de Direito da PUC-SP, 2010).
13
A Petrobras tem suas contratações não só regidas pelo Decreto nº 2.745/98, como também por um manual
interno de contratações. O manual interno de contratações é editado pela própria empresa e tem como
objetivo complementar, nos aspectos operacionais, o procedimento licitatório da Petrobras, servindo como
meio de orientação para as contratações para a estatal. Nesse sentido vide <http://sites.petrobras.com.br/
CanalFornecedor/portugues/requisitocontratacao/requisitocontratacao.asp>.
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As decisões do STF analisadas foram selecionadas a partir de busca no sítio do próprio Supremo Tribunal
Federal no dia 28 de junho de 2013. Dessa forma, foram selecionadas 28 decisões. Das 28 decisões
encontradas, 23 são monocráticas e apenas 6 transitaram em julgado. Este é o universo de casos: ADI nº
3.273; ADI nº 3.366; ADI/MC nº 3.596; MS nº 31.235 MC; MS nº 30.349; MS nº 28.744 MC; MS nº 29.326
MC; MS nº 29.123 MC; MS nº 27.743; MS nº 27.337; MS nº 25.888 MC; MS nº 30.358 AgR; MS nº AgR
25.481; AC nº 1.193 MC-QO; MS nº 28.626; MS nº 27.837; MS nº 26.783 MC-ED; MS nº 29.468 MC; MS
nº 28.745 MC; MS nº 28.504; RE nº 441.280; MS nº 28.252; MS nº 27.344; MS nº 27.796; MS nº 25.986
ED-MC; MS nº 26.808; MS nº 26.410 e MS nº 27.232.
As decisões do TCU analisadas foram selecionadas a partir da utilização das ferramentas “pesquisa livre” e
“jurisprudência sistematizada” do sítio eletrônico do TCU, no dia 10 de junho de 2013. O universo de casos do
órgão de controle é composto por 41 decisões. São elas: Acórdão nº 125/1998; Decisão nº 156/2000; Acórdão
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de um lado da contenda está o TCU, o qual, por uma série de razões, tem rechaçado
a possibilidade de a Petrobras se valer, para suas contratações, do regime licitatório
simplificado que lhe foi previsto pela legislação; do outro, está o STF, que, em ações
pontuais e em liminares, tem revertido decisões do TCU e autorizado a Petrobras a
utilizar seu regime licitatório simplificado eximindo-se, contudo, de emitir um posicio-
namento definitivo. Duas visões antagônicas sobre a mesma política, dando ensejo a
disputa ainda sem desfecho — a ausência de desfecho decorre do fato de o STF, até
o momento, não ter se manifestado sobre o mérito das ações que lhe foram dirigidas.
O mais curioso é observar que, a despeito de a posição de ambas as Cortes
ter se mantido praticamente estável ao longo do tempo, o TCU passou a utilizar
diferentes argumentos para sustentar sua posição. A análise da sua jurisprudência
revela que a Corte de Contas, atenta aos argumentos apresentados pelo STF para
reverter suas decisões, calibrou seu discurso de modo a supostamente legitimar a
manutenção do seu posicionamento (pela antijuridicidade do modelo de licitação e
contratos criado para a Petrobras).
Na visão deste artigo, o fato de o TCU insistir na ilicitude do modelo simplificado
de licitação e contratos da Petrobras — mesmo depois de reiteradas manifestações
da Suprema Corte em prol da sua constitucionalidade e legalidade (liminarmente, é
verdade) —, permite inferir que o posicionamento da Corte de Contas seja motivado
por razões mais políticas do que efetivamente jurídicas. Dito de outro modo, tudo leva
a crer que o TCU, em verdade, prefira um tipo de regime jurídico-licitatório a outro.
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Confira-se trecho do voto do Min. Gilmar Mendes no MS nº 25.888:
“Em outros termos, a EC nº 9/95, ao alterar o texto constitucional de 1988, continuou a abrigar o monopólio
da atividade do petróleo, porém, flexibilizou a sua execução, permitindo que empresas privadas participem
dessa atividade econômica, mediante a celebração, com a União, de contratos administrativos de concessão
de exploração de bem público. Segundo o disposto no art. 177, §1º, da Constituição, na redação da EC
nº 9/95: ‘§1º A União poderá contratar com empresas estatais ou privadas a realização das atividades
previstas nos incisos I a IV deste artigo, observadas as condições estabelecidas em lei’. Dessa forma, embora
submetidas ao regime de monopólio da União, as atividades de pesquisa, lavra, refinação, importação, ex-
portação, transporte marítimo e transporte por meio de conduto (incisos I a IV do art. 177) podem ser exer-
cidas por empresas estatais ou privadas num âmbito de livre concorrência. A hipótese prevista no art. 177,
§1º, da CRFB/88, que relativizou o monopólio do petróleo, remete à lei a disciplina dessa forma especial
de contratação. A Lei nº 9.478/97, portanto, disciplina a matéria. Em seu artigo 67, deixa explícito que ‘os
contratos celebrados pela Petrobrás, para aquisição de bens e serviços, serão precedidos de procedimento
licitatório simplificado, a ser definido em decreto do Presidente da República’. A matéria está regulamentada
pelo Decreto nº 2.745, de 1998, o qual aprova o regulamento licitatório simplificado da Petrobrás.”.
16
Confira-se o teor da Súmula nº 347: “O Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a
constitucionalidade das leis e dos atos do poder público”. A referida súmula foi editada pelo STF com base
em um único precedente. Trata-se do Recurso de Mandado de Segurança nº 8.372 – Ceará, unanimemente
rechaçado pela Corte em 11 de dezembro de 1961.
O recurso foi interposto por delegado de polícia aposentado, nos termos da Lei estadual nº 4.316/58, contra
decisão do Tribunal de Contas do Estado do Ceará que havia negado registro de ato de aposentadoria. Ao
que consta, o Tribunal de Contas negou o pedido de registro do ato, pois o próprio Supremo Tribunal Federal
já teria declarado a constitucionalidade da Lei nº 4.418 (não há menção ao ano da lei), diploma normativo
que substituiu a Lei estadual nº 4.316/58 (substrato normativo do pedido de aposentadoria do delegado de
polícia), tornando-a sem efeito.
Ao negar provimento ao RMS nº 8.372, o Min. Rel. Pedro Chaves aduziu que o Tribunal de Contas, de fato,
não teria competência para declarar a inconstitucionalidade de leis, pois “na realidade essa declaração
escapa à competência específica dos Tribunais de Contas”. Disse, no entanto, que “há que se distinguir entre
declaração de inconstitucionalidade e não aplicação de leis inconstitucionais, pois esta obrigação [a de não
aplicar leis inconstitucionais] é obrigação de qualquer tribunal ou órgão de qualquer dos poderes do Estado”.
Ao se retomar o conteúdo do julgado que deu origem ao enunciado normativo, observa-se que o TCU, ao
aplicá-lo, potencialmente esteja utilizando-o de maneira distinta da imaginada pelo próprio STF. Afinal, partindo-
se da premissa de que a súmula deva ser interpretada em consonância com o julgado que a originou, fica
evidente que o Supremo não pretendeu dar ao TCU a competência para declarar a inconstitucionalidade de
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leis, mas, pura e simplesmente, reconhecer que o TCU, como qualquer tribunal, poderia deixar de aplicar leis
já declaradas inconstitucionais pelo Judiciário ou, então, que não mais estivessem em vigor.
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Estas foram as ações que de algum modo se valeram dos argumentos aduzidos pelo Min. Gilmar Mendes
no MS/MC nº 25.888: AC-MC/QO nº 1.193, MS/MC nº 27.743, MS/MC nº 31.235, MS-ED/MC nº 25.986,
MS/MC nº 26.410, MS nº 27.232, MS nº 27.337, MS nº 27.344, MS/MC nº 27.796, MS/MC nº 28.745,
MS/MC nº 29.123, MS/MC nº 29.326, MS/MC nº 28.744, MS/MC nº 27.837 e MS nº 26.783.
18
Na AC/MC-QO, a Petrobras requeria a concessão de medida cautelar para atribuir efeito suspensivo a Recurso
Extraordinário, interposto contra acórdão do STJ, que restabeleceu a eficácia da tutela antecipada concedida
pelo Juízo da 15ª. Vara Cível da Comarca da Capital do Rio de Janeiro. A tutela antecipada, por sua vez,
havia suspendido licitações promovidas pela requerente com base no regulamento do procedimento licitatório
simplificado. A Marítima Petróleo e Engenharia Ltda. ajuizou ação com o objetivo de suspender licitações, na
modalidade de convite, realizadas pela Petrobras com base na Lei nº 9.478/97 e no Decreto nº 2.745/98, com
o fundamento de que tais diplomas, por afastarem a aplicação da Lei nº 8.666/93, seriam inconstitucionais.
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O segundo argumento a ser destacado foi trazido no breve voto do Min. Eros
Grau. Ao transcrever o art. 119 da Lei Geral de Licitações e Contratos,19 o Ministro
identificou que a própria lei previu a edição de regulamentos próprios por socieda-
des de economia mista, empresas e fundações públicas, dentre outros órgãos, os
quais, para vigerem, deveriam ser devidamente publicados.20 Depreende-se da colo-
cação do Ministro que o regulamento próprio editado e publicado, nos termos da Lei
nº 8.666/93, implicaria no afastamento do regime geral de licitações.
O argumento, ainda que tenha aparecido em um único voto no âmbito do uni-
verso de casos analisados, revela uma interessante interpretação do art. 119 da Lei
nº 8.666/93. Afirma-se isso porque o art. 119, de redação confusa, parece, de fato,
prever a possibilidade de certos entes editarem regulamentos próprios de licitação,
sem liberá-los, contudo (ao menos de maneira clara e inequívoca), do dever de ob-
servar as normas gerais de licitação. Por este viés interpretativo — mais consensual,
diga-se — o regulamento próprio de licitação teria pouca utilidade, já que os entes
que o possuíssem continuariam amarrados às disposições da Lei nº 8.666/93.
No MS/MC nº 27.743, julgado em 1º de dezembro de 2008, de relatoria da Min.
Cármen Lúcia,21 novo ponto foi levado em consideração. No caso, a Min. Relatora rei-
terou entendimento por ela já explicitado em outra ação (RE nº 441.280, que também
será objeto de análise deste artigo), segundo o qual todos os entes da administração
pública, seja ela direta ou indireta, estariam sujeitos aos princípios do art. 3º da
Lei nº 8.666/93, bem como às regras gerais de licitação.22 A despeito da aparente
19
Confira-se o teor do dispositivo em comento:
“Art. 119. As sociedades de economia mista, empresas e fundações públicas e demais entidades controladas
direta ou indiretamente pela União e pelas entidades referidas no artigo anterior editarão regulamentos
próprios devidamente publicados, ficando sujeitas às disposições desta Lei.
Parágrafo único. Os regulamentos a que se refere este artigo, no âmbito da Administração Pública, após
aprovados pela autoridade de nível superior a que estiverem vinculados os respectivos órgãos, sociedades e
entidades, deverão ser publicados na imprensa oficial.”.
20
Confira-se trecho do voto do Min. Eros Grau na AC/MS-QO 1193:
“Apenas observaria que, quanto mais não fossem as razões de ordem constitucional, o art. 119 da Lei n. 8666
preceitua: As sociedades de economia mista, empresas e fundações públicas e demais entidades controladas
direta ou indiretamente pela União e pelas entidades referidas no artigo anterior editarão regulamentos
próprios devidamente publicados, ficando sujeitas às disposições desta Lei. Parágrafo único. Os regulamentos
a que se refere este artigo, no âmbito da Administração Pública, após aprovados pela autoridade de nível
superior a que estiverem vinculados os respectivos órgãos, sociedades e entidades, deverão ser publicados
na imprensa oficial. No caso, há um decreto aprovando esse regulamento. De modo que a mim não resta
absolutamente a menor dúvida.”.
21
Trata-se de mandado de segurança com requerimento de liminar, impetrado em 19 de novembro de 2008 pela
Petróleo Brasileiro S/A contra decisão do Tribunal de Contas da União no processo TC nº 005.991/2003-1, por
meio do qual foi determinada a adequação das contratações feitas pela impetrante às normas estabelecidas
na Lei nº 8.666/93.
22
Redação do dispositivo vigente ao tempo da decisão em comento:
“Art. 3º A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia e a selecionar
a proposta mais vantajosa para a Administração e será processada e julgada em estrita conformidade com
os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da
probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes
são correlatos.”.
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O Min. Dias Toffoli figura como relator tanto do MS/MC nº 29.468, como do MS nº 28.626. O primeiro caso
se refere a mandado de segurança, com pedido de liminar, interposto pela Petrobras em face do TCU com o
objetivo de suspender os efeitos de acórdão que determinou a aplicação das normas da Lei nº 8.666/93 às
licitações internacionais da impetrante. Em síntese, aduzia a impetrante que o TCU, em julgamento plenário,
determinou que a autora observasse os ditames da Lei nº 8.666/93 em seus procedimentos de contratação
internacional, desconsiderando o Procedimento Licitatório Simplificado, previsto no Decreto 2745, de 1998, e
decorrente da Lei nº 9.478, de 1997. A liminar foi deferida e os efeitos dos acórdãos proferidos pelo Plenário
do TCU foram suspensos. Em decisão de 03 de outubro de 2013, Toffoli manteve o sobrestamento do caso
já determinado em 4 de dezembro de 2012, até o julgamento do RE nº 441.280.
Já o MS nº 28.626 se refere a mandado de segurança interposto pela Petrobras contra o Acórdão nº 2.457/
2009-TCU-Plenário, proferido nos autos do TC nº 006.183/2005-7, que determinou a aplicação da Lei
nº 8.666/93 aos procedimentos licitatórios da autora. A Petrobras apresentou ainda pedido de reconsideração
da decisão do Min. Dias Toffoli de determinar o sobrestamento da ação. O Min. Relator decidiu por indeferir o
pedido de reconsideração e manter o sobrestamento dos autos até a conclusão do julgamento de mérito do
RE nº 441.280.
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24
Segundo o Min. Dias Toffoli no MS/MC nº 31.235 “A matéria, tal como aduzido na vestibular, não é nova na
Corte. Há decisões liminares no STF, em casos análogos, em favor da tese defendida pela impetrante [...]
A questão, de outro lado, encontra-se submetida à Corte, sob a forma do RE nº 441.280, cujo julgamento cabia
inicialmente à Primeira Turma, mas que foi afetada ao Plenário, dada sua significativa repercussão jurídica. [...]
Na sessão plenária de 3/8/2011, proferi voto nos autos do recurso extraordinário acima referido. Manifestei-
me pelo não provimento do recurso por ser incompatível com o regime de livre concorrência a exigência de
submissão aos rígidos limites da Lei nº 8.666/93 por sociedades de economia mista e empresas públicas que
exercem atividade econômica fora do regime de monopólio. O Ministro Marco Aurélio divergiu do entendimento,
tendo votado pelo provimento do recurso, tendo sido interrompido o julgamento em razão do pedido de vista do
Ministro Luiz Fux. Evidente, portanto, que não é esta a melhor ocasião para se emitir juízo mais aprofundado
sobre a matéria. No entanto, é conveniente deferir a liminar pleiteada pela impetrante, dada a existência de
diversas ordens mandamentais em seu favor, quando os dignos relatores conheceram de situações similares
às ora apresentadas.”
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25
Trata-se de pedido de reexame interposto por dirigentes da Petrobras-BR — empresa subsidiária da Petrobras
S.A., atuante no mercado de comercialização e distribuição de derivados de petróleo em todo o território
nacional —, objetivando a reforma do Acórdão nº 240/97-TCU-Plenário, de 22 de outubro de 1997, no qual
o TCU, entre outras medidas, aplicou multa aos membros da diretoria executiva da empresa e determinou a
reformulação do manual geral de contratações da Petrobras de modo a adequá-lo aos princípios estabelecidos
pela Lei nº 8.666/93 e exigiu que a empresa passasse a realizar licitações para o transporte de seus produtos.
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26
Seguem trechos do voto do Min. Iram Saraiva:
“Essa mudança de tratamento, no sentido de se estabelecer normas de operatividade mais rígidas para essas
entidades (paraestatais), que atuam em regime de direito privado, conforme reconhece a própria Constituição
Federal de 1988, pode e deve agora, ao ver deste Relator, receber nova atribuição de finalidade, para se
adotar um posicionamento de maior flexibilidade gerencial para tais entidades. [...] Neste sentido cumpre
destacar que por força do ‘caput’ e parágrafos do artigo 61 da lei que instituiu a ANP - Agencia Nacional do
Petróleo, a Petrobras e suas subsidiarias, dentre elas a BR, quando desenvolverem atividade econômica
relativa à pesquisa, à lavra, à refinação, ao processamento, ao comércio e ao transporte de petróleo e de
seus derivados, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos, bem como de quaisquer outras atividades
correlatas ou afins, devem atuar em caráter de livre competição com outras empresas, em função de condições
de mercado. [...] Por isto, viável a contratação direta de bens, serviços e produtos atinentes à atividade-fim
da BR, ou seja, aqueles decorrentes de procedimentos usuais do mercado em que atua e indispensáveis ao
desenvolvimento de sua atividade normal, dentre eles, o transporte dos produtos por ela distribuídos.”.
27
SUNDFELD, Carlos Ari; SOUZA, Rodrigo Pagani de. Licitação nas estatais: levando a natureza empresarial a sé-
rio. In: SUNDFELD, Carlos Ari (Org.). Contratações públicas e seu controle. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 92.
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28
Confira-se o teor dos dispositivos citados:
“Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica
pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante
interesse coletivo, conforme definidos em lei.
§1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas
subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de
serviços, dispondo sobre:
III - licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração
pública”.
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29
O caso envolvia relatório de auditoria realizada na Petrobras com o objetivo de “analisar os procedimentos
licitatórios da entidade e seus contratos, especialmente após o advento do Decreto 2.745/98, bem como
verificar a implantação da homepage Contas Públicas”.
30
Ao discorrer sobre a delegação imprópria que estaria presente no art. 67 da Lei nº 9.478/97, o Min. Ubiratan
Aguiar afirmou que “mesmo que viesse no bojo de uma lei delegada – o que não ocorreu – o art. 67 da Lei
9.478 poderia ser tido como inconstitucional” (grifos acrescentados).
31
Nesse sentido, discorre o Min. Ubiratan Aguiar que “é oportuno que se diga que o afastamento, por este
Tribunal, da aplicação do art. 67 da Lei nº 9.478/97 e do Decreto nº 2.745/98, não implica em dizer que a
Petrobrás deve se utilizar, de forma irrestrita, da integralidade dos comandos inseridos na Lei nº 8.666/93
para toda e qualquer situação. Existem particularidades inerentes às sociedades de economia mista que
conduzem à necessidade de soluções não contempladas naquele diploma.”.
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32
Nesse sentido destacam-se os seguintes julgados: Acórdão nº 501/2007, Acórdão nº 1678/2007, Acórdão
nº 39/2008, Acórdão nº 1854/2009, Acórdão nº 1910/2009 e Acórdão nº 1097/2010.
33
Confira-se excerto do voto do Min. Ubiratan Aguiar:
“[...] não há, no Decreto nº 2.745/98, qualquer parâmetro objetivo que estabeleça a modalidade de licitação a
ser adotada, o que, na prática, faz com que aquisições de muitos milhões de reais sejam realizadas mediante
convite. Não é razoável se permitir, especialmente em aquisições vultosas, que um grupo de pessoas tenha a
prerrogativa de escolher quem vai participar da licitação, excluindo a entrada de quaisquer outras empresas,
que não as escolhidas previamente.”
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34
Confira-se trecho do voto do Min. Walter Rodrigues:
“Se tentarmos raciocinar sob a ótica da iniciativa privada, qualquer empresa, em situação idêntica, não se
furtaria jamais a cercar-se de todas as garantias possíveis para o sucesso de seu negócio.No que tange às
determinações vergastadas, não vislumbro como as medidas exaradas pelo TCU possam vir a comprometer
a atividade negocial da Petrobras na situação em tela. Ao contrário do que pretende fazer crer a recorrente, a
exigência de estimativa de preço detalhado com a composição de custos unitários, prevista no art. 7º, §2º,
inciso II, da Lei 8.666/93, não frustra o desempenho da Petrobras em ambiente concorrencial, uma vez que
a avaliação orçamentária minuciosa é recomendável em qualquer obra da iniciativa privada, com muito mais
razão quando se trata de sociedade de economia mista, onde é inafastável o interesse público.”.
35
Confira-se excerto da fala do Min. Walter Rodrigues:
“a ausência de critérios pré-definidos para seleção da proposta mais vantajosa viola mandamentos básicos
da impessoalidade, da isonomia e do julgamento objetivo, estampados no art. 37, caput e inciso XXI, da
Constituição Federal de 1988, art. 3º da Lei 8.666/93, e no próprio art. 1º do Decreto 2.745/98, podendo,
inclusive, dar margem a direcionamentos indevidos nos procedimentos licitatórios.” .
36
Carlos Ari Sundfeld, em seu provocativo “Princípio é preguiça?” (In: SUNDFELD, Carlos Ari. Direito Administrativo
para céticos. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 208), levanta dúvida semelhante. Confira-se:
“Por convenção, chamamos de princípios textos que somos levados a entender como normativos mas cujo
conteúdo, de tão escasso, não nos revela a norma que supostamente contêm. Debates sobre princípios
são travados quase sem texto (como neste exemplo: ‘a saúde é direito de todos e dever do Estado’). Daí o
problema: se a norma não está no texto, será mesmo uma norma (o Estado estará, mesmo, juridicamente
obrigado a fazer algo em termos de saúde, ou aquela frase é mera ‘declaração de princípios’)? Se for, onde
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está a norma (onde podemos encontrar a solução para o problema de saber que prestações de saúde o
Estado está obrigado a fornecer a cada pessoa)? Quem a decifra (o legislador, o administrador público, o juiz,
o povo)?”.
37
O tema foi disciplinado pelo parágrafo único do art. 60 da Lei nº 8.666/93. Confira-se:
“Art. 60. Os contratos e seus aditamentos serão lavrados nas repartições interessadas, as quais manterão
arquivo cronológico dos seus autógrafos e registro sistemático do seu extrato, salvo os relativos a direitos
reais sobre imóveis, que se formalizam por instrumento lavrado em cartório de notas, de tudo juntando-se
cópia no processo que lhe deu origem.
Parágrafo único. É nulo e de nenhum efeito o contrato verbal com a Administração, salvo o de pequenas
compras de pronto pagamento, assim entendidas aquelas de valor não superior a 5% (cinco por cento) do
limite estabelecido no art. 23, inciso II, alínea “a” desta Lei, feitas em regime de adiantamento.”.
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38
Confira-se excerto do voto do Min. Augusto Nardes:
“Como visto, tanto o Decreto 2.745/1998 quanto a Lei 8.666/1993 não estabelecem expressamente a
exigência do mínimo de três propostas válidas; e nem foi preciso que tal ocorresse, pois essa é a interpretação
que mais se coaduna com o interesse público e com os princípios da competitividade e da eficiência, ambos
de índole constitucional (art. 37, caput, e inciso XXI desse artigo). Há de se aplicar ao caso princípio basilar da
hermenêutica jurídica segundo o qual, sendo possível mais de uma interpretação da norma infraconstitucional,
busca-se aquela que mais se harmoniza com o texto constitucional, a fim de manter sua eficácia e integração
no ordenamento jurídico, evitando questionamentos desnecessários junto ao Poder Judiciário.”.
39
O Acórdão nº 2354/2006, em relação ao qual a Petrobras interpôs pedido de reexame, havia determinado à
empresa que (i) “em consonância com o disposto no artigo 7º, §2º, inciso II, e §4º, da Lei 8.666/93, aprimore
a metodologia de orçamentação utilizada para se chegar aos orçamentos estimativos”, (ii) “tendo em vista
o princípio do julgamento objetivo, insculpido no art. 3º da Lei 8.666/93, desenvolva e disponibilize, nos
editais de licitação, modelo/padrão para que as empresas licitantes demonstrem suas composições de custo
unitário dos itens contidos nas Planilhas de Preço Unitário – PPU” e (iii) “estabeleça em seus instrumentos
convocatórios critérios objetivos de aceitabilidade das propostas das licitantes, tanto para o preço global como
para os preços unitários, tendo por referência os preços de mercado e as especificidades do objeto, técnica e
analiticamente justificadas e demonstradas nos respectivos processos, em observância ao disposto nos arts.
40, caput e inciso X, e 43, inciso IV, da Lei 8.666/93”.
40
Segue excerto do voto do Min. Valmir Campelo que ilustra essa afirmação:
“Como se vê, ainda que não se fundamentem na Lei de Licitações, as determinações desta Corte no acórdão
atacado [...], são todas compatíveis com os princípios da eficiência e da seleção da proposta mais vantajosa
e podem ser mantidas mesmo que – equivocadamente, insisto – venha a se considerar que a Lei 8666/1993
não se aplica às aquisições da Petrobrás, já que não há qualquer óbice legal a sua implementação. [...]
Constata-se, pois, que as determinações deste Tribunal, além de terem apoio no princípio da eficiência
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estampado no art. 37 da Constituição Federal e de estarem voltadas à garantia da seleção da proposta mais
vantajosa [...] foram feitas com o intuito de proteger os interesses da Petrobrás, já que os procedimentos hoje
adotados pela empresa, conforme demonstrado na auditoria realizada, são imprecisos, dão margem à eventual
ocorrência dos chamados ‘jogos de planilhas’ em futuros aditivos contratuais e não asseguram a contratação
mais vantajosa para a empresa”.
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41
Sobre o tema, consultar amplamente o capítulo 8 (“Princípio é preguiça?”) da obra Direito Administrativo para
céticos, de Carlos Ari Sundfeld. O autor em comento defende, entre outras coisas, que o uso dos princípios
jurídicos traz consigo forte ônus argumentativo. Nesse sentido, não bastaria ao operador do direito mencioná-
los; para que o dever de motivar fosse atendido, seria preciso, conectar os princípios (vagos e abstratos) com
a realidade (concreta), explicitando com clareza as razões de decidir.
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3 Conclusão
A reconstrução da jurisprudência do STF e do TCU permitiu visualizar com clare-
za fenômeno comum às políticas públicas: uma vez juridificadas, elas ganham vida
própria; descolam-se da vontade daqueles que as conceberam. No curso da sua
implementação, elas são moldadas e conformadas — especialmente pelos órgãos de
controle, que, como visto, têm enorme potencial para influenciar seus rumos.
Em relação ao “Caso Petrobras”, dificilmente se poderia prever com precisão
seu desfecho. Não seria de todo arriscado, contudo, afirmar que muito dificilmente
se verá a reversão completa da tendência de as empresas estatais — em especial
aquelas que atuam em regime de competição — contarem com regras específicas
de licitação e contratos. Afinal, esta diretriz geral encontra respaldo no próprio Texto
Constitucional (art. 173) e em diversos diplomas normativos editados posteriormente
à Lei do Petróleo.
O Supremo, ao não adentrar no mérito do tema — mencionando que a juridici-
dade do procedimento licitatório simplificado da Petrobras se resolverá em definitivo
quando do julgamento do RE nº 441.280 —, parece se valer de estratégia argu-
mentativa visando, pura e simplesmente, postergar sua decisão, evitando o ônus
de interferir em tema altamente complexo, controverso e polarizador de opiniões.
É possível, assim, que a Corte nada mais esteja fazendo do que aguardar que o tema
se resolva noutra instância decisória — por exemplo, no Legislativo, que poderá vir a
editar o tal estatuto jurídico das empresas estatais a que alude o §1º do art. 173 da
Constituição, criando, para elas, regras gerais de licitação.42
Fato é que a omissão do STF — em decidir em definitivo sobre a juridicidade do
modelo contratual da Petrobras — gera enorme insegurança jurídica, visto que o TCU,
desde há muito tempo, firmou convicção de que o modelo licitatório da Petrobras —
precursor da tendência à criação de regimes licitatórios específicos para empresas
estatais — é contrário ao Direito, por supostamente violar a Constituição, as leis ou
42
Trata-se de uma possibilidade real. O tema (criação do estatuto jurídico das empresas estatais) é objeto do
Projeto de Lei do Senado nº 207, de 2009. Recentemente o Senador Pedro Taques apresentou uma emenda
substitutiva ao referido PLS, fixando, para certas empresas estatais, regras de licitação e contratos específicas.
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43
É o que se depreende do pedido que o Ministro Augusto Nardes (TCU) fez ao Ministro Lewandowski (STF) para
que, à luz das investigações e das descobertas de supostos atos de corrupção na Petrobras, o STF obrigasse
a empresa a licitar com base na Lei nº 8.666/93 — e não no seu procedimento licitatório simplificado. Confira-
se a reportagem publicada pelo jornal O Globo, em 23 de novembro de 2014, sob o título de “TCU pede que
o STF decida sobre dispensa de licitações da Petrobrás”: <http://oglobo.globo.com/brasil/tcu-pede-que-stf-
decida-sobre-dispensa-de-licitacoes-da-petrobras-14635088>.
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nada avisou. As decisões que proferiu sobre o tema não identificaram reais problemas
jurídicos ligados ao procedimento licitatório simplificado da empresa. Nos casos
analisados neste artigo, o que se nota é que o TCU se limitou a dizer — de diferentes
maneiras, é verdade —, que preferia um modelo específico de licitação (o da Lei
nº 8.666/93).
A nosso ver, a Corte de Contas, ao insinuar, nesse contexto em específico,
que procedimento licitatório simplificado da Petrobras seria a causa dos supostos
malfeitos — a despeito de não haver prova concreta alguma para respaldar essa
desconfiança — e ao pedir que o STF determine que a Petrobras passe a se submeter
à Lei nº 8.666/93, parece se valer de uma “janela de oportunidade” para persuadir o
STF a chancelar, em eventual julgamento de mérito das ações em que se questionou
a juridicidade do Decreto nº 2.745/98, o posicionamento que o próprio TCU tem de-
fendido — baseado, frise-se, em preferências e não em diagnóstico técnico-jurídico.
Ao STF cabe separar o joio do trigo e responder as seguintes indagações: even-
tual comprovação da existência de esquema de corrupção nas contratações públicas
da Petrobras faria, por si só, com que o Decreto nº 2.745/98 e suas normas automa-
ticamente fossem ilegais ou inconstitucionais? Neste cenário, seria o procedimento
licitatório simplificado da Petrobras a real causa dos malfeitos? E mais: supondo que
a Petrobras pautasse suas contratações pela Lei nº 8.666/93 — e não pelo seu
procedimento licitatório simplificado —, teria o escândalo de corrupção sido evitado?
Independentemente das respostas e dos rumos das investigações, é preciso
dizer que as regras da Lei nº 8.666/93 — que se aplicariam à Petrobras caso a
empresa não mais pudesse se valer de suas regras próprias de licitação — não são
mais probas nem mais eficazes para contratar ou para combater a corrupção do que
as regras do Decreto nº 2.745/98. Não fazemos, aqui, qualquer tipo de defesa do
Decreto nº 2.745/98 e do seu conteúdo — foge ao escopo deste texto a avaliação
da qualidade das suas normas e procedimentos. O que se quer ressaltar é que a Lei
nº 8.666/93 não consubstancia a única maneira juridicamente válida de traduzir para
texto de lei os comandos expressos na Constituição (art. 37, XXI) e que ela não é
capaz de, por si só, evitar desvios, conluios e malversação de recursos públicos —
aliás, a história prova exatamente o contrário.
As premissas fixadas pela jurisprudência do TCU são falsas e se seguidas pelo
STF em julgamento de mérito das ações sobre o tema o induziriam a erro. Eventual
declaração de inconstitucionalidade da Lei do Petróleo pelo STF seria, a nosso ver, um
equívoco. Os regimes licitatórios simplificados são, ao menos em tese, instrumentos
juridicamente legítimos que se propõem a levar a natureza empresarial das estatais
a sério. Erradicá-los prejudicaria, e muito, a possibilidade de o Estado se valer do
figurino empresarial para desempenhar relevantes atividades de interesse público.
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Petrobras’s public procurement policy on the view of the brazilian Supreme Court and Federal Audit Court
Abstract: The article locates Petrobras’s public procurement policy in the broader universe of public
procurement to then carry out a synthesis of the jurisprudence of the Supreme Court - STF and the Federal
Audit Court - TCU on the subject. It was identified that the STF and the TCU have opposing viewpoints -
the first defend the legality of Petrobras’s simplified public procurement policy, while the latter considers
it unconstitutional and illegal - and that there is, in its case law, a “dialogue” between the institutions.
The article, based on an analysis of the applicable rules and the case law, argues that TCU´s opinion on
the subject is due mainly to political reasons, showing Federal Audit Court´s preference towards the Law
8666/93.
Key words: Public policy. Public procurement. Petrobras. Supreme Court. Federal Audit Court.
Referências
MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. As contratações estratégicas das empresas estatais que
competem no mercado. In: OSÓRIO, Fábio Medina; SOUTO, Marcos Juruena Villela (Coord.). Direito
Administrativo – Estudos em homenagem a Diogo de Figueiredo Moreira Neto. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2006.
MOREIRA, Egon Bockmann. Qual é o futuro do direito da regulação no Brasil?. In: SUNDFELD, Carlos
Ari; ROSILHO, André (Org.). Direito da regulação e políticas públicas. São Paulo: Malheiros, 2014.
PINTO, Henrique Motta. Empresa estatal: modelo jurídico em crise?. Dissertação (Mestrado - Orientador:
Carlos Ari Sundfeld). São Paulo, Faculdade de Direito da PUC-SP, 2010.
ROSILHO, André. Licitação no Brasil. São Paulo: Malheiros, 2013.
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SUNDFELD, Carlos Ari; ROSILHO, André (Org.). Direito e políticas públicas: dois mundos?. In: Direito
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SUNDFELD, Carlos Ari; SOUZA, Rodrigo Pagani de. Licitação nas estatais: levando a natureza
empresarial a sério. In: Contratações públicas e seu controle. São Paulo: Malheiros, 2013.
88 R. de Dir. Público da Economia – RDPE | Belo Horizonte, ano 13, n. 50, p. 63-88, abr./jun. 2015