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Política de contratações públicas da

Petrobras: o que pensam o STF e o


TCU? 1

André Rosilho
Mestre em Direito e Desenvolvimento pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação
Getulio Vargas (FGV Direito SP). Doutorando em Direito Administrativo pela Universidade de
São Paulo (USP). Coordenador do Curso de Direito Público da Sociedade Brasileira de Direito
Público (SBDP). Foi aluno da Escola de Formação da SBDP (2007). Advogado em São Paulo.

Larissa Santiago Gebrim


Aluna de Graduação da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV
Direito SP). Foi aluna da Escola de Formação da Sociedade Brasileira de Direito Público
(SBDP, 2013).

Resumo: O artigo localiza a política de contratações públicas da Petrobras no universo mais amplo das
licitações para, então, proceder a uma síntese da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) e do
Tribunal de Contas da União (TCU) sobre o tema. Identificou-se que os órgãos controladores têm posições
antagônicas — o STF indica defender a juridicidade do procedimento licitatório simplificado da Petrobras,
enquanto que o TCU julga-o inconstitucional, ilegal e antijurídico — e que há, nas suas jurisprudências, uma
espécie de diálogo entre as instituições. O artigo, partindo da análise das normas e das jurisprudências,
defende a tese de que o posicionamento do TCU decorre de razões mais políticas do que de efetivamente
jurídicas, denotando preferência da Corte de Contas pelo modelo de licitação da Lei nº 8.666/93.
Palavras-chave: Política pública. Licitação. Petrobras. Supremo Tribunal Federal. Tribunal de Contas da
União.
Sumário: 1 Introdução – 2 Como o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal de Contas da União veem a
possibilidade de a Petrobras, para suas contratações, se valer de procedimento licitatório simplificado? –
3 Conclusão – Referências

1 Introdução
Empresas estatais — gênero que engloba as empresas públicas e as socieda-
des de economia mista — são entes peculiares por natureza: não são puramente

1
Este artigo foi elaborado no programa “DuplaMente EF”, a partir de pesquisa realizada por Larissa Santiago
Gebrim, sob a orientação de André Rosilho, para a monografia A adoção do procedimento licitatório simplificado
pela Petrobras sob as perspectivas do STF e do TCU, a qual foi submetida à aprovação de banca examinadora
composta pelo orientador e por Marina Cardoso de Freitas, como requisito para a conclusão da Escola de
Formação da Sociedade Brasileira de Direito Público – SBDP (2013).

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públicos, tampouco puramente privados. Sujeitam-se a um regime jurídico híbrido,


fruto da fusão de elementos característicos de polos opostos.2
De fato, por força do Direito, sobre as empresas estatais recai, como regra, o
“regime jurídico próprio das empresas privadas” (art. 173, §1º, II, da Constituição).
Também é verdade, no entanto, que por serem criadas pelo Estado — e por integra-
rem o aparelho estatal — o regime jurídico de direito privado é derrogado por normas
típicas de direito público. Afinal, o Estado, tal qual um Midas, nalguma medida publi-
ciza tudo o que toca.3
Diversos são os ingredientes de direito público que acabam por “temperar”
o regime jurídico de entes estatais em regra sujeitos ao direito privado. No caso
específico das empresas estatais, o dever de licitar — incidente sobre a administra-
ção pública direta e indireta da União, dos Estados e dos Municípios nas hipóteses
especificadas pelo inciso XXI do art. 37 e pelo art. 175 da Constituição — talvez seja
o principal deles.
É curioso observar que o dever de licitar — ou seja, a obrigação de certas
contratações serem firmadas mediante prévio processo competitivo e isonômico —
contém em si o potencial de impactar profundamente não só as atividades desen-
volvidas por estes entes — já que boa parte delas depende de contratações junto a
parceiros privados —, mas, também, a própria missão institucional que lhes tiver sido
atribuída por lei. A depender do tipo de licitação a que as empresas estatais estive-
rem sujeitas, sua própria razão de ser poderá ficar comprometida, em detrimento do
“relevante interesse coletivo” que tiver dado ensejo à sua criação (art. 173, caput,
da Constituição).
Imagine-se exemplo hipotético no qual o Brasil, visando fomentar a indústria na-
cional de informática, tivesse optado por criar uma empresa estatal no setor. Tratar-
se-ia, nesse caso, de uma empresa estatal exploradora de atividade econômica em
sentido estrito, atuante em mercado extremamente competitivo e dinâmico. Imagine-
se, ainda, que se pretendesse impor a esta empresa o dever de seguir, para todas

2
O fato de estes entes serem em parte Estado e em parte empresa está no cerne do que Mario Engler Pinto
Junior chamou de “crise de identidade” das empresas estatais. Segundo o autor, “A empresa estatal está
sujeita a duas tendências disfuncionais, que necessitam ser equacionadas: (i) a priorização da busca de
resultados financeiros em detrimento do legítimo interesse público; e (ii) a captura dos administradores pelos
interesses subalternos da corporação. Não é por outra razão que a empresa estatal enfrenta atualmente séria
crise de identidade, que, no fundo, tem a ver com as incertezas sobre o seu verdadeiro papel e a natureza
dos interesses a que deve servir. A falta de compreensão dessas questões tem levado a empresa estatal a
se comportar com a mesma lógica maximizadora da empresa privada, o que, por sua vez, coloca em dúvida a
conveniência da manutenção do controle acionário do Estado” (Empresa estatal: função econômica e dilemas
societários. São Paulo: Atlas, 2010. p. 4).
3
Carlos Ari Sundfeld propõe esta analogia em sua obra Fundamentos de Direito Público. Confira-se: “A afirmação
de que o Estado, em dadas hipóteses, submete-se ao direito privado há de ser tomada com cautelas. Mesmo
ao desenvolver atividade econômica, o ente governamental deve observar algumas normas típicas do direito
público, como as de licitação, concurso público para seleção de empregados, controle pelo Tribunal de Contas e
outras mais. O Estado, como um Midas, publiciza tudo o que toca” (5. ed., 2. tir. São Paulo: Malheiros. p. 77).

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POLÍTICA DE CONTRATAÇÕES PÚBLICAS DA PETROBRAS: O QUE PENSAM O STF E O TCU?

as suas contratações, procedimento licitatório minucioso, rígido e burocrático — e,


portanto, naturalmente lento e custoso —, instituído com a finalidade de evitar, ao
máximo, desvios e malversação de recursos públicos.
À luz do exposto, pergunta-se: seria esta hipotética empresa estatal capaz de
competir, em pé de igualdade, com empresas privadas do setor de informática que,
por óbvio, não teriam a obrigação de contratar mediante licitação?
A resposta mais intuitiva à indagação acima formulada é “não”, ao menos por
duas razões. De um lado, a empresa estatal inevitavelmente teria custos que não
encontrariam correspondentes na empresa privada, tornando seus produtos mais
caros e consequentemente menos atraentes ao mercado consumidor. Por outro lado,
o tempo gasto com os procedimentos licitatórios poderia, por exemplo, atrasar o
lançamento de novos produtos e retardar o desenvolvimento de novas tecnologias,
novamente colocando a empresa em posição desvantajosa do ponto de vista concor-
rencial.4
Não se questiona a incidência do dever de licitar para as empresas estatais.5
Parece ser razoável, contudo, que estes entes, pelo simples fato de adotarem o
figurino empresarial, devam contar com regras licitatórias mais ajustadas à sua es-
trutura — de direito privado — e à sua função — principalmente quando se tratar de
empresa estatal atuante em mercados competitivos.
Ocorre que, entre as décadas de 1980-1990, a política brasileira de contra-
tações públicas caminhou noutra direção. Houve, nesse período, forte movimento
de legalização das licitações, por meio do qual se pretendeu expandir o dever de
licitar para toda a administração pública — direta e indireta da União, dos Estados e
dos Municípios — e uniformizar as regras de licitação a ela aplicáveis. Procurou-se,
assim, criar um só parâmetro licitatório para todo o Estado — rígido, detalhista e

4
Floriano de Azevedo Marques Neto, ao discorrer sobre empresas estatais que competem no mercado, traça
diagnóstico semelhante. Segundo o autor, “Preocupa-me aqui a situação de empresa estatal que explora
atividade econômica e com o objetivo de desenvolver os produtos que oferece no mercado — onde compete
com outras empresas do mesmo ramo — tem de contratar diversos bens e serviços junto a empresas privadas.
O problema que desperta o interesse nesse caso é que a obrigação, por vezes imposta à empresa, de realizar
licitação para firmar tais contratos, muita vez acaba inviabilizando o projeto, pois: i) o tempo imprescindível
para realização de uma licitação é incompatível com a agilidade necessária pela disputa de mercado; e ii)
o cumprimento de formalidades intrínsecas à licitação (normalmente a publicidade dos atos) acarreta a
antecipação, aos seus concorrentes, de sua estratégia negocial (por exemplo, desvelando os contornos de um
novo produto em gestação na empresa). Coloca-se assim a oposição entre o dever de licitar (e de observar
os requisitos da licitação) e o cumprimento dos objetivos da estatal (quando em disputa de mercado com
outras empresas privadas)” (As contratações estratégicas das empresas estatais que competem no mercado.
In: OSÓRIO, Fábio Medina; SOUTO, Marcos Juruena Villela (Coord.). Direito Administrativo – Estudos em
homenagem a Diogo de Figueiredo Moreira Neto. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 575-576).
5
É bem verdade, no entanto, que o dever de as empresas estatais licitarem nem sempre foi inequívoco. Aliás,
bem ao contrário. No plano da legislação federal, por exemplo, este dever apenas foi explicitado quando
da edição do Decreto-Lei nº 2.300, de 21 de novembro de 1986, e só ganhou status constitucional com a
promulgação da Constituição de 1988. Para uma análise mais aprofundada da evolução do dever de licitar,
inclusive em relação às empresas estatais, consultar amplamente ROSILHO, André. Licitação no Brasil. São
Paulo: Malheiros, 2013 e, especificamente, as p. 220 e ss.

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burocratizante —, com a finalidade última de tolher a discricionariedade do adminis-


trador público e, com isso, supostamente reduzir a corrupção nas contratações.6 As
empresas estatais, como não poderia deixar de ser, foram pegas por esta onda e
foram arrastadas para o regime geral de licitação.7
É interessante notar que esta diretriz da política brasileira de licitações foi am-
plamente acolhida, no meio jurídico e também fora dele. Os órgãos controladores — a
exemplo do Judiciário, do Ministério Público e dos Tribunais de Contas — tornaram-se
grandes defensores deste conjunto de normas e das diretrizes por ele encampadas
— licitação como um princípio universal,8 padronização das normas sobre licitações e
redução da discricionariedade do gestor público. O resultado é que as características
centrais da política acabaram sendo, na prática, reforçadas e amplificadas com a
dinâmica das contratações.
Este efeito — o de as características inerentes à legislação ficarem mais ou
menos evidentes em decorrência da atuação dos órgãos de controle — é produto
quase que natural da relação entre o Direito e as políticas públicas. Afinal, políticas
públicas, pelo fato de serem estruturadas por normas jurídicas (as normas compõem
o seu DNA), estão inevitavelmente sujeitas a controles também jurídicos — Judiciário,
Ministério Público, Tribunais de Contas etc. —, que, ao interpretarem as normas,

6
Carlos Ari Sundfeld definiu este momento das contratações públicas no Brasil da seguinte maneira: “Se
pudesse sintetizar em uma frase o objetivo geral desta lei [Lei 8.666/93], eu diria que ela procurou neutralizar
o administrador público, declarar sua morte. Era preciso fazê-lo desaparecer para evitar que ele pudesse ser
um agente de desvios, eliminando, assim, sua discricionariedade. Também era preciso eliminar a possibilidade
de atuação dos legisladores municipal e estadual, razão pela qual a lei nacional procurou estabelecer, ela
própria, procedimentos, exigências e restrições bastante detalhadas. Esta, creio eu, foi uma visão sobre o que,
naquele momento, era importante relativamente à contratação pública. Entendeu-se que a boa contratação
era aquela que resultasse de um procedimento com baixa participação valorativa do administrador público,
até mesmo na concepção do objeto a ser contratado. Procurou-se limitar ao máximo o ingrediente volitivo, a
participação do seu juízo” (Como reformar as licitações?. Interesse Público, Belo Horizonte, ano 11, n. 54,
mar./abr. 2009, p. 20).
7
A Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993 – Lei Geral de Licitações e Contratos – é símbolo forte desse movimento.
O diploma normativo, logo em seu art. 1º, diz que “Esta Lei estabelece normas gerais sobre licitações e contratos
administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no
âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”. Além disso, determina
que “subordinam-se ao regime desta Lei, além dos órgãos da administração direta, os fundos especiais,
as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais
entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios” (art. 1º,
parágrafo único. Grifos acrescentados).
A intenção da Lei nº 8.666/93 de criar um único regime geral de licitações fica ainda mais nítida a partir
da leitura do seu art. 119. Nele, apesar de estar prevista a possibilidade de empresas estatais gozarem de
regulamentos próprios de licitação, afirma-se que elas (empresas estatais) deveriam continuar “sujeitas às
disposições desta Lei” (art. 119, in fine). Ou seja, poderiam editar regulamentos próprios de licitação, mas não
ficariam desobrigadas de seguir as normas da Lei Geral de Licitações e Contratos. O diploma normativo acena
com a possibilidade de edição de regulamentos próprios de licitação, mas, na prática, amarra as empresas
estatais aos seus dispositivos.
8
Carlos Ari Sundfeld e André Rosilho, em capítulo do livro Contratos públicos e Direito Administrativo (Malheiros,
no prelo), intitulado “Onde está o princípio universal da licitação?”, negam a existência do suposto princípio
afirmando, em linhas gerais, que i) a Constituição Federal de 1988 não consagrou o princípio universal da
licitação; ii) a Constituição, quando quis exigir licitação, o fez expressamente; e iii) o dever de licitar não
decorre diretamente de princípios constitucionais.

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POLÍTICA DE CONTRATAÇÕES PÚBLICAS DA PETROBRAS: O QUE PENSAM O STF E O TCU?

têm o poder de influenciar decisivamente as escolhas feitas pelo legislador —


potencializando-as, enfraquecendo-as, ou até mesmo modificando substancialmente
seus objetivos e os instrumentos desenhados para alcançá-los.9
Em meados da década de 1990, o movimento legislativo de reforço à universa-
lização e à padronização dos procedimentos licitatórios foi estancado e, paradoxal-
mente, caminhou-se no sentido inverso: mais diversidade e liberdade nas licitações,
também para as empresas estatais — a própria Constituição Federal chegou a ser
emendada (EC nº 19, de 4 de junho de 1998) com a finalidade de explicitar a possi-
bilidade de estes entes gozarem de um regime licitatório específico, mais condizente
com sua natureza empresarial (nova redação do §1º do art. 173).10
Importante marco deste momento foi a aprovação, em 6 de agosto de 1997,
da Lei nº 9.478 – Lei do Petróleo. Seu grande objetivo foi alterar a regulamentação
do regime de exploração do petróleo, a partir da flexibilização do monopólio até então
detido pela Petróleo Brasileiro S/A – Petrobras. A companhia, com a edição desse
diploma normativo, passou a atuar em regime de concorrência com empresas pri-
vadas, dando ensejo à redefinição dos contornos do dever de licitar incidente sobre
esta empresa estatal em específico. O diagnóstico era o de que não seria adequado
sujeitar empresa estatal exploradora de atividade econômica atuante em mercado
competitivo a um modelo licitatório pesado e que, justamente por isso, pudesse vir a
comprometer seu empreendedorismo.11
A lei, após anunciar a quebra do monopólio sobre a exploração do petróleo, fez
constar em seu art. 67 que “Os contratos celebrados pela PETROBRÁS, para aquisi-
ção de bens e serviços, serão precedidos de procedimento licitatório simplificado, a
ser definido em decreto do Presidente da República”, dando início a importante ten-
dência: a de leis específicas viabilizarem tratamento especial às empresas estatais
em matéria de licitações e contratos.12

9
Remetemos o leitor interessado nas interfaces entre Direito e políticas públicas ao capítulo do livro Direito da
regulação e políticas públicas (SUNDFELD, Carlos Ari; ROSILHO, André (Org.). São Paulo: Malheiros, 2014),
intitulado “Direito e Políticas Públicas: dois mundos?” (p. 45-79).
10
A Constituição Federal de 1988, mesmo em sua redação original, já permitia inferir que as empresas estatais
deveriam dispor de um modelo de contratações públicas específico, mais ajustado ao figurino empresarial
(art. 173, §1º). Esta leitura, contudo, não era consensual, muito em função do que dispunham o art. 22,
XXVII (na sua redação original) e o art. 37, XXI. Esses dispositivos sugeririam, segundo alguns, que o Texto
Constitucional não teria feito qualquer tipo de distinção entre entes estatais, ao menos no que tange ao
regime jurídico de licitações e contratos a eles aplicável. Após a promulgação da EC nº 19/98, a opção
da Constituição ficou mais clara. Previu-se a edição de lei estabelecendo o estatuto jurídico das empresas
estatais, que, entre outras coisas, deveria dispor sobre o modelo licitatório a elas aplicável (art. 173, §1º e
seus incisos).
Para uma compreensão mais ampla das transformações do papel do Estado na economia, v. amplamente
MOREIRA, Egon Bockmann. Qual é o futuro do direito da regulação no Brasil?. In: SUNDFELD, Carlos Ari;
ROSILHO, André (Org.). Direito da regulação e políticas públicas. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 107-139.
11
Cf. SUNDFELD, Carlos Ari; SOUZA, Rodrigo Pagani de. Licitação nas estatais: levando a natureza empresarial a
sério. In: SUNDFELD, Carlos Ari (Org.). Contratações públicas e seu controle. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 80.
12
Como noticia Henrique Motta Pinto, este modelo de concessão de tratamento diferenciado a empresas
estatais específicas foi posteriormente replicado em alguns casos: “após a Emenda Constitucional 19/1998,

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O decreto a que alude o dispositivo foi editado em 24 de agosto de 1998


(Decreto nº 2.745) e, de fato, disciplinou o tema de maneira significativamente distin-
ta da Lei nº 8.666/93.13 A Lei do Petróleo, somada ao decreto que regulamentou seu
art. 67, materializou grande guinada na disciplina normativa das licitações — ainda
que nesse caso restrita a uma única empresa estatal —, em clara oposição ao regi-
me geral de licitações.
Tendo em vista o fato de o modelo maximalista de licitações — cujo principal
expoente é a Lei nº 8.666/93 — ter sido “abraçado” pelos mais variados órgãos
de controle e o fato de o legislador ter sinalizado com nítida mudança de orientação
na legislação sobre licitação e contratos aplicável às empresas estatais, indaga-se:
como os controladores interpretariam esta nova diretriz da política de contratações
públicas inaugurada pelo chamado “Caso Petrobras”? Seriam os controladores sim-
páticos à criação de regimes jurídicos de contratações públicas específicos para as
empresas estatais? Ou, ao contrário, defenderiam eles a aplicação, também para as
empresas estatais, do modelo maximalista de licitações (leia-se, do modelo instituído
pela Lei nº 8.666/93)?
Este artigo se insere no espaço aberto por estas indagações e tem por meta
investigar i) o posicionamento de dois órgãos controladores especialmente importan-
tes na interpretação do “Caso Petrobras” (Supremo Tribunal Federal – STF e Tribunal
de Contas da União – TCU) e ii) as eventuais repercussões de sua jurisprudência no
universo das empresas estatais em geral.
Identificou-se, por meio de pesquisa jurisprudencial,14 que o procedimento
licitatório simplificado da Petrobras se transformou em verdadeiro campo de batalha:

a Lei 11.652/2008 adotou semelhante solução legislativa para as licitações da EBC – Empresa Brasil de
Comunicações S/A, cujo regulamento simplificado encontra-se no Decreto 6.505/2008. A fórmula também
foi prevista pela Lei 11.943/2009, que alterou a lei que autorizou a constituição da ELETROBRÁS – Centrais
Elétricas Brasileira S/A, para permitir que as aquisições de bens e as contratações de serviços, que ela e
suas controladas realizem, ocorram por meio de procedimento licitatório simplificado, que deverá ser definido
em decreto do Presidente da República” (PINTO, Henrique Motta. Empresa estatal: modelo jurídico em crise?.
Dissertação de Mestrado (Orientador: Carlos Ari Sundfeld). São Paulo, Faculdade de Direito da PUC-SP, 2010).
13
A Petrobras tem suas contratações não só regidas pelo Decreto nº 2.745/98, como também por um manual
interno de contratações. O manual interno de contratações é editado pela própria empresa e tem como
objetivo complementar, nos aspectos operacionais, o procedimento licitatório da Petrobras, servindo como
meio de orientação para as contratações para a estatal. Nesse sentido vide <http://sites.petrobras.com.br/
CanalFornecedor/portugues/requisitocontratacao/requisitocontratacao.asp>.
14
As decisões do STF analisadas foram selecionadas a partir de busca no sítio do próprio Supremo Tribunal
Federal no dia 28 de junho de 2013. Dessa forma, foram selecionadas 28 decisões. Das 28 decisões
encontradas, 23 são monocráticas e apenas 6 transitaram em julgado. Este é o universo de casos: ADI nº
3.273; ADI nº 3.366; ADI/MC nº 3.596; MS nº 31.235 MC; MS nº 30.349; MS nº 28.744 MC; MS nº 29.326
MC; MS nº 29.123 MC; MS nº 27.743; MS nº 27.337; MS nº 25.888 MC; MS nº 30.358 AgR; MS nº AgR
25.481; AC nº 1.193 MC-QO; MS nº 28.626; MS nº 27.837; MS nº 26.783 MC-ED; MS nº 29.468 MC; MS
nº 28.745 MC; MS nº 28.504; RE nº 441.280; MS nº 28.252; MS nº 27.344; MS nº 27.796; MS nº 25.986
ED-MC; MS nº 26.808; MS nº 26.410 e MS nº 27.232.
As decisões do TCU analisadas foram selecionadas a partir da utilização das ferramentas “pesquisa livre” e
“jurisprudência sistematizada” do sítio eletrônico do TCU, no dia 10 de junho de 2013. O universo de casos do
órgão de controle é composto por 41 decisões. São elas: Acórdão nº 125/1998; Decisão nº 156/2000; Acórdão

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POLÍTICA DE CONTRATAÇÕES PÚBLICAS DA PETROBRAS: O QUE PENSAM O STF E O TCU?

de um lado da contenda está o TCU, o qual, por uma série de razões, tem rechaçado
a possibilidade de a Petrobras se valer, para suas contratações, do regime licitatório
simplificado que lhe foi previsto pela legislação; do outro, está o STF, que, em ações
pontuais e em liminares, tem revertido decisões do TCU e autorizado a Petrobras a
utilizar seu regime licitatório simplificado eximindo-se, contudo, de emitir um posicio-
namento definitivo. Duas visões antagônicas sobre a mesma política, dando ensejo a
disputa ainda sem desfecho — a ausência de desfecho decorre do fato de o STF, até
o momento, não ter se manifestado sobre o mérito das ações que lhe foram dirigidas.
O mais curioso é observar que, a despeito de a posição de ambas as Cortes
ter se mantido praticamente estável ao longo do tempo, o TCU passou a utilizar
diferentes argumentos para sustentar sua posição. A análise da sua jurisprudência
revela que a Corte de Contas, atenta aos argumentos apresentados pelo STF para
reverter suas decisões, calibrou seu discurso de modo a supostamente legitimar a
manutenção do seu posicionamento (pela antijuridicidade do modelo de licitação e
contratos criado para a Petrobras).
Na visão deste artigo, o fato de o TCU insistir na ilicitude do modelo simplificado
de licitação e contratos da Petrobras — mesmo depois de reiteradas manifestações
da Suprema Corte em prol da sua constitucionalidade e legalidade (liminarmente, é
verdade) —, permite inferir que o posicionamento da Corte de Contas seja motivado
por razões mais políticas do que efetivamente jurídicas. Dito de outro modo, tudo leva
a crer que o TCU, em verdade, prefira um tipo de regime jurídico-licitatório a outro.

2 Como o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal de Contas


da União veem a possibilidade de a Petrobras, para
suas contratações, se valer de procedimento licitatório
simplificado?
2.1 A visão do Supremo Tribunal Federal
A primeira ocasião em que o STF se posicionou sobre a legalidade do modelo
licitatório aplicável à Petrobras se deu no MS/MC nº 25.888, julgado em 22 de março
de 2006, de Relatoria do Min. Gilmar Mendes, impetrado pela Petrobras contra decisão

nº 663/2002; Decisão nº 645/2002; Acórdão nº 447/2003; Acórdão nº 29/2004; Acórdão nº 101/2004;


Acórdão nº 1390/2004; Acórdão nº 1842/2005; Acórdão nº 392/2006; Acórdão nº 549/2006; Acórdão
nº 908/2006; Acórdão nº 266/2007; Acórdão nº 501/2007; Acórdão nº 624/2007; Acórdão nº 866/2007;
Acórdão nº 920/2007; Acórdão nº 1125/2007; Acórdão nº 1678/2007; Acórdão nº 2176/2007; Acórdão
nº 39/2008; Acórdão nº 132/2008; Acórdão nº 422/2008; Acórdão nº 710/2008; Acórdão nº 1969/2008;
Acórdão nº 2115/2008; Acórdão nº 1854/2009; Acórdão nº 1732/2009; Acórdão nº 1910/2009; Acórdão
nº 2413/2009; Acórdão nº 2745/2009; Acórdão nº 328/2010; Acórdão nº 405/2010; Acórdão nº 560/2010;
Acórdão nº 1097/2010; Acórdão nº 8356/2010; Acórdão nº 1548/2011; Acórdão nº 1689/2011; Acórdão
nº 1784/2011; Acórdão nº 2834/2011.

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ANDRÉ ROSILHO, LARISSA SANTIAGO GEBRIM

do TCU que havia determinado que a empresa se abstivesse de aplicar o regulamento


do procedimento licitatório simplificado, aprovado pelo Decreto nº 2.745/98.
O dispositivo da decisão do Min. Gilmar Mendes determinou a suspensão dos
efeitos da decisão do TCU. Em seu voto, o Ministro aduziu que a Emenda Constitucional
9, de 9 de novembro de 1995 – EC nº 9/95 teria flexibilizado o monopólio da ativi-
dade do petróleo, permitindo, assim, que atividades de pesquisa, lavra, refinação,
importação, transporte marítimo e transporte por meio de conduto pudessem ser
exercidas por parceiros privados, por meio de contratos administrativos celebrados
com a União, disciplinados em lei (redação atual do art. 177, §1º, da Constituição).
Segundo o Ministro, a lei a que alude a Constituição seria a Lei do Petróleo, a qual,
por sua vez, em seu art. 67, dispôs que os contratos da Petrobras seriam celebrados
a partir de um regulamento próprio (materializado no Decreto nº 2.745/98).15
Outro importante tema abordado pelo Ministro nesta decisão foi o da viabilidade
de o TCU incidentalmente declarar a inconstitucionalidade de dispositivos legais com
base na Súmula nº 347, editada pelo STF em 13 de dezembro de 1963.16 Em sua

15
Confira-se trecho do voto do Min. Gilmar Mendes no MS nº 25.888:
“Em outros termos, a EC nº 9/95, ao alterar o texto constitucional de 1988, continuou a abrigar o monopólio
da atividade do petróleo, porém, flexibilizou a sua execução, permitindo que empresas privadas participem
dessa atividade econômica, mediante a celebração, com a União, de contratos administrativos de concessão
de exploração de bem público. Segundo o disposto no art. 177, §1º, da Constituição, na redação da EC
nº 9/95: ‘§1º A União poderá contratar com empresas estatais ou privadas a realização das atividades
previstas nos incisos I a IV deste artigo, observadas as condições estabelecidas em lei’. Dessa forma, embora
submetidas ao regime de monopólio da União, as atividades de pesquisa, lavra, refinação, importação, ex-
portação, transporte marítimo e transporte por meio de conduto (incisos I a IV do art. 177) podem ser exer-
cidas por empresas estatais ou privadas num âmbito de livre concorrência. A hipótese prevista no art. 177,
§1º, da CRFB/88, que relativizou o monopólio do petróleo, remete à lei a disciplina dessa forma especial
de contratação. A Lei nº 9.478/97, portanto, disciplina a matéria. Em seu artigo 67, deixa explícito que ‘os
contratos celebrados pela Petrobrás, para aquisição de bens e serviços, serão precedidos de procedimento
licitatório simplificado, a ser definido em decreto do Presidente da República’. A matéria está regulamentada
pelo Decreto nº 2.745, de 1998, o qual aprova o regulamento licitatório simplificado da Petrobrás.”.
16
Confira-se o teor da Súmula nº 347: “O Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a
constitucionalidade das leis e dos atos do poder público”. A referida súmula foi editada pelo STF com base
em um único precedente. Trata-se do Recurso de Mandado de Segurança nº 8.372 – Ceará, unanimemente
rechaçado pela Corte em 11 de dezembro de 1961.
O recurso foi interposto por delegado de polícia aposentado, nos termos da Lei estadual nº 4.316/58, contra
decisão do Tribunal de Contas do Estado do Ceará que havia negado registro de ato de aposentadoria. Ao
que consta, o Tribunal de Contas negou o pedido de registro do ato, pois o próprio Supremo Tribunal Federal
já teria declarado a constitucionalidade da Lei nº 4.418 (não há menção ao ano da lei), diploma normativo
que substituiu a Lei estadual nº 4.316/58 (substrato normativo do pedido de aposentadoria do delegado de
polícia), tornando-a sem efeito.
Ao negar provimento ao RMS nº 8.372, o Min. Rel. Pedro Chaves aduziu que o Tribunal de Contas, de fato,
não teria competência para declarar a inconstitucionalidade de leis, pois “na realidade essa declaração
escapa à competência específica dos Tribunais de Contas”. Disse, no entanto, que “há que se distinguir entre
declaração de inconstitucionalidade e não aplicação de leis inconstitucionais, pois esta obrigação [a de não
aplicar leis inconstitucionais] é obrigação de qualquer tribunal ou órgão de qualquer dos poderes do Estado”.
Ao se retomar o conteúdo do julgado que deu origem ao enunciado normativo, observa-se que o TCU, ao
aplicá-lo, potencialmente esteja utilizando-o de maneira distinta da imaginada pelo próprio STF. Afinal, partindo-
se da premissa de que a súmula deva ser interpretada em consonância com o julgado que a originou, fica
evidente que o Supremo não pretendeu dar ao TCU a competência para declarar a inconstitucionalidade de

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POLÍTICA DE CONTRATAÇÕES PÚBLICAS DA PETROBRAS: O QUE PENSAM O STF E O TCU?

opinião, a declaração de inconstitucionalidade pelo TCU violaria o princípio da legali-


dade, tanto pela ótica do art. 71 da Constituição, que delimita as competências da
Corte de Contas, quanto pela perspectiva do art. 177, que estabelece o regime de
exploração do petróleo. Apesar de não dizê-lo expressamente, depreende-se do seu
voto que a Súmula nº 347 do STF não teria sido recepcionada pela Constituição de
1988 — que, novamente segundo o Ministro, teria ampliado o controle abstrato de
constitucionalidade e, em contrapartida, reduzido a amplitude do controle difuso de
constitucionalidade.
A decisão proferida pelo Min. Gilmar Mendes no MS/MC nº 25.888 foi pa-
radigmática, repercutindo em decisões posteriormente tomadas pela Corte — para
comprová-lo basta dizer que os argumentos aduzidos pelo Ministro foram reproduzi-
dos em 16 dos 28 casos analisados.17
Estes não são, contudo, os únicos fundamentos jurídicos utilizados pelo STF
para reverter decisões do TCU sobre esta temática. A pesquisa revelou que a Corte,
ao longo do tempo, também se valeu de outros argumentos para autorizar a Petrobras
a licitar com base em seu regulamento próprio. Destacamos, por exemplo, a decisão
proferida em 24 de novembro de 2009 pela 2ª Turma do STF (relator Min. Gilmar
Mendes), no âmbito da AC/MC-QO 1193.18 Neste caso, dois argumentos merecem
especial destaque.
O primeiro deles é de autoria do Min. Relator e explicita as consequências
econômicas e políticas que a Petrobras enfrentaria na hipótese de ter que aplicar a
Lei nº 8.666/93 na íntegra. Evidenciou o Min. Gilmar Mendes que, de acordo com as
alegações da Petrobras nos autos do processo, desconsiderar o que dispõem o art.
67 da Lei nº 9.478/97 e o Decreto nº 2.745/98 poderia inviabilizar a própria ativi-
dade da estatal e comprometer o processo de exploração e distribuição do petróleo
no país, afetando a indústria, o comércio e, de um modo geral, toda a sociedade.
É interessante notar que a fala do Ministro revela, no limite, certa permeabilidade a
argumentos ligados às consequências advindas da decisão no exercício da atividade
econômica pela estatal.

leis, mas, pura e simplesmente, reconhecer que o TCU, como qualquer tribunal, poderia deixar de aplicar leis
já declaradas inconstitucionais pelo Judiciário ou, então, que não mais estivessem em vigor.
17
Estas foram as ações que de algum modo se valeram dos argumentos aduzidos pelo Min. Gilmar Mendes
no MS/MC nº 25.888: AC-MC/QO nº 1.193, MS/MC nº 27.743, MS/MC nº 31.235, MS-ED/MC nº 25.986,
MS/MC nº 26.410, MS nº 27.232, MS nº 27.337, MS nº 27.344, MS/MC nº 27.796, MS/MC nº 28.745,
MS/MC nº 29.123, MS/MC nº 29.326, MS/MC nº 28.744, MS/MC nº 27.837 e MS nº 26.783.
18
Na AC/MC-QO, a Petrobras requeria a concessão de medida cautelar para atribuir efeito suspensivo a Recurso
Extraordinário, interposto contra acórdão do STJ, que restabeleceu a eficácia da tutela antecipada concedida
pelo Juízo da 15ª. Vara Cível da Comarca da Capital do Rio de Janeiro. A tutela antecipada, por sua vez,
havia suspendido licitações promovidas pela requerente com base no regulamento do procedimento licitatório
simplificado. A Marítima Petróleo e Engenharia Ltda. ajuizou ação com o objetivo de suspender licitações, na
modalidade de convite, realizadas pela Petrobras com base na Lei nº 9.478/97 e no Decreto nº 2.745/98, com
o fundamento de que tais diplomas, por afastarem a aplicação da Lei nº 8.666/93, seriam inconstitucionais.

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O segundo argumento a ser destacado foi trazido no breve voto do Min. Eros
Grau. Ao transcrever o art. 119 da Lei Geral de Licitações e Contratos,19 o Ministro
identificou que a própria lei previu a edição de regulamentos próprios por socieda-
des de economia mista, empresas e fundações públicas, dentre outros órgãos, os
quais, para vigerem, deveriam ser devidamente publicados.20 Depreende-se da colo-
cação do Ministro que o regulamento próprio editado e publicado, nos termos da Lei
nº 8.666/93, implicaria no afastamento do regime geral de licitações.
O argumento, ainda que tenha aparecido em um único voto no âmbito do uni-
verso de casos analisados, revela uma interessante interpretação do art. 119 da Lei
nº 8.666/93. Afirma-se isso porque o art. 119, de redação confusa, parece, de fato,
prever a possibilidade de certos entes editarem regulamentos próprios de licitação,
sem liberá-los, contudo (ao menos de maneira clara e inequívoca), do dever de ob-
servar as normas gerais de licitação. Por este viés interpretativo — mais consensual,
diga-se — o regulamento próprio de licitação teria pouca utilidade, já que os entes
que o possuíssem continuariam amarrados às disposições da Lei nº 8.666/93.
No MS/MC nº 27.743, julgado em 1º de dezembro de 2008, de relatoria da Min.
Cármen Lúcia,21 novo ponto foi levado em consideração. No caso, a Min. Relatora rei-
terou entendimento por ela já explicitado em outra ação (RE nº 441.280, que também
será objeto de análise deste artigo), segundo o qual todos os entes da administração
pública, seja ela direta ou indireta, estariam sujeitos aos princípios do art. 3º da
Lei nº 8.666/93, bem como às regras gerais de licitação.22 A despeito da aparente

19
Confira-se o teor do dispositivo em comento:
“Art. 119. As sociedades de economia mista, empresas e fundações públicas e demais entidades controladas
direta ou indiretamente pela União e pelas entidades referidas no artigo anterior editarão regulamentos
próprios devidamente publicados, ficando sujeitas às disposições desta Lei.
Parágrafo único. Os regulamentos a que se refere este artigo, no âmbito da Administração Pública, após
aprovados pela autoridade de nível superior a que estiverem vinculados os respectivos órgãos, sociedades e
entidades, deverão ser publicados na imprensa oficial.”.
20
Confira-se trecho do voto do Min. Eros Grau na AC/MS-QO 1193:
“Apenas observaria que, quanto mais não fossem as razões de ordem constitucional, o art. 119 da Lei n. 8666
preceitua: As sociedades de economia mista, empresas e fundações públicas e demais entidades controladas
direta ou indiretamente pela União e pelas entidades referidas no artigo anterior editarão regulamentos
próprios devidamente publicados, ficando sujeitas às disposições desta Lei. Parágrafo único. Os regulamentos
a que se refere este artigo, no âmbito da Administração Pública, após aprovados pela autoridade de nível
superior a que estiverem vinculados os respectivos órgãos, sociedades e entidades, deverão ser publicados
na imprensa oficial. No caso, há um decreto aprovando esse regulamento. De modo que a mim não resta
absolutamente a menor dúvida.”.
21
Trata-se de mandado de segurança com requerimento de liminar, impetrado em 19 de novembro de 2008 pela
Petróleo Brasileiro S/A contra decisão do Tribunal de Contas da União no processo TC nº 005.991/2003-1, por
meio do qual foi determinada a adequação das contratações feitas pela impetrante às normas estabelecidas
na Lei nº 8.666/93.
22
Redação do dispositivo vigente ao tempo da decisão em comento:
“Art. 3º A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia e a selecionar
a proposta mais vantajosa para a Administração e será processada e julgada em estrita conformidade com
os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da
probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes
são correlatos.”.

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POLÍTICA DE CONTRATAÇÕES PÚBLICAS DA PETROBRAS: O QUE PENSAM O STF E O TCU?

inclinação da Ministra em rechaçar a possibilidade de a Petrobras valer-se de regime


licitatório próprio, ela decidiu que, enquanto não julgado de forma terminativa o
RE nº 441.280, deveria ser mantido o sentido das decisões cautelares favoráveis à
Petrobras, sob pena de a segurança jurídica ficar comprometida.
Em sentido semelhante, merecem destaque os votos proferidos pelo Min. Dias
Toffoli no âmbito do MS/MC nº 29.468, julgado em 19 de dezembro de 2010, e do
MS nº 28.626, julgado em 24 de maio de 2013.23 Toffoli, tal qual a Min. Cármen
Lúcia, referiu-se à iminência do julgamento do RE nº 441.280 — caso que, aos olhos
do julgador, teria a mesma questão de fundo dos mandados de segurança que lhe
competia julgar — para, na pendência do seu julgamento, manter o entendimento do
STF favorável à Petrobras, afastando, assim, a incidência da Lei nº 8.666/93 sobre
as contratações da empresa estatal.
É interessante notar que a Petrobras, em pedido de reconsideração no MS
nº 28.626, questionou a premissa fixada pelo Min. Toffoli por entender que o RE
nº 441.280 não trataria de situação fática e jurídica idêntica à do mandado de segu-
rança apreciado pela Corte. Segundo a empresa, o recurso extraordinário não discuti-
ria a constitucionalidade do Decreto nº 2.745.
À luz do exposto — e lembrando que diversos ministros, em seus votos, disse-
ram ou deixaram transparecer que o tema da juridicidade do procedimento licitatório
da Petrobras seria decidido em definitivo no RE nº 441.280 — indaga-se: qual seria,
afinal, o objeto central do referido recurso extraordinário? Versaria ele sobre a possi-
bilidade de a Petrobras, enquanto empresa estatal, gozar de procedimento licitatório
simplificado?
A questão levada à apreciação do Supremo neste caso disse respeito à obri-
gatoriedade de a Petrobras, como sociedade de economia mista, se submeter à Lei
Geral de Licitações e Contratos, nos termos do seu art. 1º, parágrafo único. Trata-
se, portanto, de ação voltada a debater tema mais amplo. Nela, o STF foi instado a
responder se a licitação, para a Petrobras, seria ou não inexigível. No RE nº 441.280

23
O Min. Dias Toffoli figura como relator tanto do MS/MC nº 29.468, como do MS nº 28.626. O primeiro caso
se refere a mandado de segurança, com pedido de liminar, interposto pela Petrobras em face do TCU com o
objetivo de suspender os efeitos de acórdão que determinou a aplicação das normas da Lei nº 8.666/93 às
licitações internacionais da impetrante. Em síntese, aduzia a impetrante que o TCU, em julgamento plenário,
determinou que a autora observasse os ditames da Lei nº 8.666/93 em seus procedimentos de contratação
internacional, desconsiderando o Procedimento Licitatório Simplificado, previsto no Decreto 2745, de 1998, e
decorrente da Lei nº 9.478, de 1997. A liminar foi deferida e os efeitos dos acórdãos proferidos pelo Plenário
do TCU foram suspensos. Em decisão de 03 de outubro de 2013, Toffoli manteve o sobrestamento do caso
já determinado em 4 de dezembro de 2012, até o julgamento do RE nº 441.280.
Já o MS nº 28.626 se refere a mandado de segurança interposto pela Petrobras contra o Acórdão nº 2.457/
2009-TCU-Plenário, proferido nos autos do TC nº 006.183/2005-7, que determinou a aplicação da Lei
nº 8.666/93 aos procedimentos licitatórios da autora. A Petrobras apresentou ainda pedido de reconsideração
da decisão do Min. Dias Toffoli de determinar o sobrestamento da ação. O Min. Relator decidiu por indeferir o
pedido de reconsideração e manter o sobrestamento dos autos até a conclusão do julgamento de mérito do
RE nº 441.280.

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não se questionou, portanto, a adoção, pela empresa, de procedimento licitatório


simplificado. Aliás, do ponto de vista fático, fazê-lo teria sido impossível, já que a
controvérsia surgiu antes mesmo da edição da Lei do Petróleo, que, em seu art. 67,
previu a possibilidade de a empresa dispor de regulamento próprio de licitação.
Se o referido recurso extraordinário nada disse acerca da adoção de procedi-
mento licitatório simplificado pela Petrobras, o que estaria motivando os ministros do
STF a tratar esse caso como potencial leading case para o tema? Levantamos, aqui,
duas hipóteses.
A primeira delas é a de que, ao identificar o RE nº 441.280 como potencial
leading case, os ministros do STF criariam uma espécie de anteparo, permitindo-lhes
postergar a análise da questão de fundo e não adentrar no tema (complexo, polêmico
e polarizador de opiniões) em sede de mandado de segurança. Reforça essa impres-
são o fato de o Min. Dias Toffoli, no MS/MC nº 31.235, julgado em 26 de março de
2012, ter expressamente dito que a via do mandado de segurança não seria a mais
adequada para refletir sobre a possibilidade de a Petrobras dispor de um procedi-
mento licitatório próprio, mais compatível com o ambiente competitivo em que atua.24
A segunda hipótese é a de que, apesar de as questões jurídicas tratadas nos
mandados de segurança e no recurso extraordinário serem diferentes, os Ministros
vislumbrariam, no RE nº 441.280, a possibilidade de a Corte, mesmo que em obter
dictum, se manifestar definitivamente sobre a delegação legislativa perpetrada pelo
art. 67 da Lei nº 9.478/97. Nesse sentido, o STF teria não só a possibilidade de
analisar a pertinência da aplicação da Lei nº 8.666/93 às sociedades de economia
mista, como, também, a de refletir, à luz da reforma constitucional conduzida pela EC
nº 19/98, sobre as autorizações posteriormente conferidas por leis específicas para
que empresas estatais disponham de regras próprias de licitação.
A análise das decisões proferidas pelo STF revelou a existência de uma jurispru-
dência relativamente consolidada, admitindo como juridicamente válida a delegação
legislativa do art. 67 da Lei do Petróleo e como constitucional e legal o procedimento
licitatório simplificado instituído pelo Decreto nº 2.745/98. É importante destacar,

24
Segundo o Min. Dias Toffoli no MS/MC nº 31.235 “A matéria, tal como aduzido na vestibular, não é nova na
Corte. Há decisões liminares no STF, em casos análogos, em favor da tese defendida pela impetrante [...]
A questão, de outro lado, encontra-se submetida à Corte, sob a forma do RE nº 441.280, cujo julgamento cabia
inicialmente à Primeira Turma, mas que foi afetada ao Plenário, dada sua significativa repercussão jurídica. [...]
Na sessão plenária de 3/8/2011, proferi voto nos autos do recurso extraordinário acima referido. Manifestei-
me pelo não provimento do recurso por ser incompatível com o regime de livre concorrência a exigência de
submissão aos rígidos limites da Lei nº 8.666/93 por sociedades de economia mista e empresas públicas que
exercem atividade econômica fora do regime de monopólio. O Ministro Marco Aurélio divergiu do entendimento,
tendo votado pelo provimento do recurso, tendo sido interrompido o julgamento em razão do pedido de vista do
Ministro Luiz Fux. Evidente, portanto, que não é esta a melhor ocasião para se emitir juízo mais aprofundado
sobre a matéria. No entanto, é conveniente deferir a liminar pleiteada pela impetrante, dada a existência de
diversas ordens mandamentais em seu favor, quando os dignos relatores conheceram de situações similares
às ora apresentadas.”

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POLÍTICA DE CONTRATAÇÕES PÚBLICAS DA PETROBRAS: O QUE PENSAM O STF E O TCU?

no entanto, que a Corte, até o momento, manifestou-se apenas em ações pontuais


(e em liminares), produzindo efeitos exclusivamente inter partes. Há espaço, assim,
para que o STF confirme em definitivo seu posicionamento, ou, então, o reveja.

2.2 A visão do Tribunal de Contas da União


A exposição da jurisprudência do TCU sobre o tema foi organizada em três
partes. A primeira delas consiste no período que antecede a edição do procedimento
licitatório simplificado da Petrobras; a segunda refere-se ao momento posterior à
edição da Lei nº 9.478/97 e Decreto nº 2.745/98; a terceira e última corresponde
ao período que se inicia com o julgamento, pelo STF, do MS nº 25.888. Esta periodiza-
ção, como se verá a seguir, se justifica na medida em que se pôde identificar, dentre
os casos analisados, a existência de três momentos distintos e bem marcados na
jurisprudência do TCU, relacionados a inovações surgidas no plano normativo e na
jurisprudência do STF.

2.2.1 Primeiro momento: discurso do TCU em prol da


liberdade nas licitações das empresas estatais
No universo de casos mapeados no âmbito do TCU, apenas um faz parte do mo-
mento que antecede a edição do procedimento licitatório simplificado da Petrobras.
Trata-se do Acórdão nº 121/98, julgado em 26 de agosto de 1998, de relatoria do
Min. Iram Saraiva.25 O entendimento ali firmado pode ser considerado paradigmático,
já que foi replicado em diversas situações, até mesmo após a edição do Decreto
nº 2.745/98.
A controvérsia em questão dizia respeito à necessidade de a Petrobras-BR
ter de licitar o transporte de combustíveis líquidos, visto como atividade-fim da
empresa. O debate, por óbvio, não envolvia o regime licitatório da Petrobras — afinal,
ele ainda não existia —, mas a extensão do dever de licitar às empresas estatais,
entes da administração pública indireta. A dúvida, em síntese, era a seguinte:
seriam as atividades-fim das empresas estatais abarcadas pela licitação (à época,
exclusivamente disciplinada pela Lei nº 8.666/93)? O pressuposto do questionamento
é o de que eventual sujeição das atividades-fim da empresa aos trâmites licitatórios
elevaria sobremaneira seus custos (materializados no aumento do gasto de tempo e
de dinheiro), prejudicando a própria atividade para a qual foi criada.

25
Trata-se de pedido de reexame interposto por dirigentes da Petrobras-BR — empresa subsidiária da Petrobras
S.A., atuante no mercado de comercialização e distribuição de derivados de petróleo em todo o território
nacional —, objetivando a reforma do Acórdão nº 240/97-TCU-Plenário, de 22 de outubro de 1997, no qual
o TCU, entre outras medidas, aplicou multa aos membros da diretoria executiva da empresa e determinou a
reformulação do manual geral de contratações da Petrobras de modo a adequá-lo aos princípios estabelecidos
pela Lei nº 8.666/93 e exigiu que a empresa passasse a realizar licitações para o transporte de seus produtos.

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ANDRÉ ROSILHO, LARISSA SANTIAGO GEBRIM

O Min. Iram Saraiva respondeu negativamente a esta indagação, concluindo


pela exclusão da obrigatoriedade de a Petrobras-BR licitar contratações de transporte
que constituíssem atividades-fim da empresa. É interessante notar que o Ministro ini-
cia seu voto identificando que os entes da administração indireta atuantes em regime
de direito privado passaram a ser regidos por normas mais rígidas (Constituição de
1988 e Lei nº 8.666/93) para então concluir que o tratamento conferido às licitações
nas estatais precisaria ser revisitado, de modo a lhes conferir maior flexibilidade
gerencial.26 Tal diretriz, segundo o Ministro, encontraria fundamento no art. 173 da
Constituição de 1988 (mesmo na redação anterior à EC nº 19/98), que já estabe-
leceria um tratamento diferenciado a empresas estatais que exercessem atividade
econômica.
Observa-se que a decisão partiu da dicotomia atividade-meio/atividade-fim para,
a partir dela, identificar o regime jurídico aplicável. Nesse sentido, as chamadas ativi-
dades-meio estariam sujeitas a um controle maior do que as atividades-fim. A divisão,
em tese, parece fazer sentido. Na prática, contudo, ela pode ser bastante problemá-
tica. A nosso ver, têm razão Sundfeld e Souza quando afirmam que “esta doutrina da
‘atividade-fim versus atividade-meio’ mostra-se de difícil operacionalização, já que, no
mais das vezes, classificar o que seja atividade-fim e o que seja atividade-meio, em
concreto, não é tarefa tão fácil quanto fazem parecer os exemplos dos manuais. [...]
No fundo, pouco importa — segundo a moderna doutrina — se a estatal [...] está no
exercício de ‘atividade-fim’ ou de ‘atividade meio’ (nos sentidos consagrados dessas
palavras), mas importa, muito, a circunstância de ser, ou não, uma empresa estatal
competitiva”.27
À luz do Acórdão nº 121/98, poder-se-ia imaginar, num primeiro momento, que
o TCU, em suas decisões posteriores, tenderia a apoiar a solução legislativa criada
pela Lei do Petróleo e concretizada pelo Decreto nº 2.745/98. Afinal de contas, o
procedimento licitatório simplificado nada mais fez do que desonerar a Petrobras —
empresa estatal exploradora de atividade econômica em regime de competição — do

26
Seguem trechos do voto do Min. Iram Saraiva:
“Essa mudança de tratamento, no sentido de se estabelecer normas de operatividade mais rígidas para essas
entidades (paraestatais), que atuam em regime de direito privado, conforme reconhece a própria Constituição
Federal de 1988, pode e deve agora, ao ver deste Relator, receber nova atribuição de finalidade, para se
adotar um posicionamento de maior flexibilidade gerencial para tais entidades. [...] Neste sentido cumpre
destacar que por força do ‘caput’ e parágrafos do artigo 61 da lei que instituiu a ANP - Agencia Nacional do
Petróleo, a Petrobras e suas subsidiarias, dentre elas a BR, quando desenvolverem atividade econômica
relativa à pesquisa, à lavra, à refinação, ao processamento, ao comércio e ao transporte de petróleo e de
seus derivados, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos, bem como de quaisquer outras atividades
correlatas ou afins, devem atuar em caráter de livre competição com outras empresas, em função de condições
de mercado. [...] Por isto, viável a contratação direta de bens, serviços e produtos atinentes à atividade-fim
da BR, ou seja, aqueles decorrentes de procedimentos usuais do mercado em que atua e indispensáveis ao
desenvolvimento de sua atividade normal, dentre eles, o transporte dos produtos por ela distribuídos.”.
27
SUNDFELD, Carlos Ari; SOUZA, Rodrigo Pagani de. Licitação nas estatais: levando a natureza empresarial a sé-
rio. In: SUNDFELD, Carlos Ari (Org.). Contratações públicas e seu controle. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 92.

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POLÍTICA DE CONTRATAÇÕES PÚBLICAS DA PETROBRAS: O QUE PENSAM O STF E O TCU?

dever de licitar nos moldes da Lei nº 8.666/93, em consonância, portanto, com as


principais diretrizes até então fixadas pela jurisprudência do TCU. Como se verá, no
entanto, o TCU, em decisões posteriores, seguiu noutra direção.

2.2.2 Segundo momento: o TCU declara a


inconstitucionalidade do art. 67 da Lei do Petróleo,
por supostamente ter realizado delegação legislativa
imprópria
No universo de pesquisa estudado, a primeira ocasião na qual o TCU se mani-
festou sobre a legalidade do Decreto nº 2.745/98 ocorreu na Decisão nº 156/2000,
julgada em 15 de março de 2000, de relatoria do Min. Lincoln Magalhães da Costa.
A legalidade da adoção do procedimento licitatório simplificado foi inicialmente abor-
dada pelo TCU em caráter incidental.
Para sustentar a obrigatoriedade de a Petrobras se submeter à Lei nº 8.666/93,
o Ministro entendeu que enquanto não fosse editada a lei referida pelo art. 173, §1º,
da Constituição de 1988 — recorde-se que o dispositivo determina que “A lei estabe-
lecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de
suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização
de bens ou de prestação de serviços” — a Petrobras permaneceria obrigada a reger
suas contratações exclusivamente pela Lei nº 8.666/93. A premissa do argumento é
a de que Constituição, no §1º do art. 173, teria determinado ao Congresso Nacional
que editasse uma única lei para fixar o estatuto jurídico de todas as empresas esta-
tais; a ele, Congresso Nacional, teria sido vedado, assim, editar leis específicas —
como a Lei do Petróleo, por exemplo — que fixassem, para empresas determinadas,
normas sobre licitação e contratos (art. 173, §1º, III, da Constituição).28
Desse modo, para o Ministro, não se poderia “extrair desse dispositivo [art. 67
da Lei 9.478/97], autorização para que sejam descumpridos o texto da Constituição
Federal, e por conseguinte, da Lei 8.666/93”. Segundo o Ministro, a Lei nº 9.478/97
teria caráter genérico — pois se limitou a dizer que “Os contratos celebrados pela
PETROBRÁS, para aquisição de bens e serviços, serão precedidos de procedimento

28
Confira-se o teor dos dispositivos citados:
“Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica
pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante
interesse coletivo, conforme definidos em lei.
§1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas
subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de
serviços, dispondo sobre:
III - licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração
pública”.

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ANDRÉ ROSILHO, LARISSA SANTIAGO GEBRIM

licitatório simplificado, a ser definido em decreto do Presidente da República” —, não


podendo se sobrepor à Lei nº 8.666/93, de caráter específico em relação ao tema
das licitações.
Após aproximadamente quatro anos da Decisão nº 156/2000, o órgão de con-
trole, na Decisão nº 663/2002 (de relatoria do Min. Ubiratan Aguiar, julgada em
09 de junho de 2002), avaliou a licitude do regime licitatório adotado pela estatal. Na
ocasião, discutiu-se a legalidade dos procedimentos de contratação adotados pela
Petrobras, especialmente após o advento do Decreto nº 2.745/98.29
Segundo o Min. Ubiratan Aguiar, o art. 37, XXI, da Constituição dispôs que o
tema de licitações e contratações deveria ser disciplinado por lei. A seu ver, a única
lei a dispor sobre o tema seria a Lei nº 8.666/93 — a Lei do Petróleo teria se limitado
a delegar impropriamente a disciplina da matéria para norma de hierarquia inferior.
Por supostamente contradizer o art. 37, XXI, da Constituição e perpetrar uma dele-
gação legislativa imprópria, o art. 67 da Lei nº 9.478/97 seria inconstitucional, por
consequência também maculando de inconstitucionalidade o Decreto nº 2.745/98.30
Sua aplicação, assim, deveria ser afastada.
É interessante notar que o Ministro, apesar de ter afastado a aplicação do
art. 67 da Lei nº 9.478/97 e do Decreto nº 2.745/98, demonstrou certo desconforto
com a aplicação irrestrita da Lei nº 8.666/93 à Petrobras. Segundo alegou, a decisão
do TCU não importaria na incidência da Lei Geral de Licitações e Contratos a todo
e qualquer tipo de contratação da empresa, dadas as peculiaridades inerentes às
sociedades de economia mista.31
Levantamos, neste momento, três dúvidas: i) como, na prática, aplicar a Lei nº
8.666/93 apenas a algumas das contratações da Petrobras? ii) quais critérios utilizar
para dar segurança jurídica às contratações públicas realizadas pela companhia?;
e iii) seria a Lei nº 8.666/93 em tese incompatível com a categoria “sociedade de
economia mista” — à qual pertence a Petrobras —, ou, então, com a atuação de
qualquer empresa estatal atuante em regime de competição — seja ela empresa
pública ou sociedade de economia mista?
Fato é que o dispositivo da decisão determinou que a Petrobras se abstivesse
de aplicar às suas licitações e contratos o Decreto nº 2.745/98, em razão de sua

29
O caso envolvia relatório de auditoria realizada na Petrobras com o objetivo de “analisar os procedimentos
licitatórios da entidade e seus contratos, especialmente após o advento do Decreto 2.745/98, bem como
verificar a implantação da homepage Contas Públicas”.
30
Ao discorrer sobre a delegação imprópria que estaria presente no art. 67 da Lei nº 9.478/97, o Min. Ubiratan
Aguiar afirmou que “mesmo que viesse no bojo de uma lei delegada – o que não ocorreu – o art. 67 da Lei
9.478 poderia ser tido como inconstitucional” (grifos acrescentados).
31
Nesse sentido, discorre o Min. Ubiratan Aguiar que “é oportuno que se diga que o afastamento, por este
Tribunal, da aplicação do art. 67 da Lei nº 9.478/97 e do Decreto nº 2.745/98, não implica em dizer que a
Petrobrás deve se utilizar, de forma irrestrita, da integralidade dos comandos inseridos na Lei nº 8.666/93
para toda e qualquer situação. Existem particularidades inerentes às sociedades de economia mista que
conduzem à necessidade de soluções não contempladas naquele diploma.”.

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POLÍTICA DE CONTRATAÇÕES PÚBLICAS DA PETROBRAS: O QUE PENSAM O STF E O TCU?

suposta inconstitucionalidade, e observasse os ditames da Lei nº 8.666/93 até a


edição da lei de que trata o §1º do artigo 173 da Constituição Federal, na redação
dada pela Emenda Constitucional nº 19/98.
O conteúdo da Decisão nº 663/2002 foi reproduzido e mencionado como pre-
cedente em diversos outros casos nos quais a Corte de Contas reconheceu a in-
constitucionalidade do art. 67 da Lei nº 9.478/97 e, por consequência, do Decreto
nº 2.745/98.32 Outros argumentos, contudo, foram desenvolvidos pela jurisprudência
do TCU para reafirmar o dever de a Petrobras observar a Lei nº 8.666/93 nas suas
contratações, em detrimento do seu procedimento licitatório simplificado.
No Acórdão nº 101/2004, de relatoria do Min. Ubiratan Aguiar e julgado em 11
de fevereiro de 2004, a principal questão jurídica levada à apreciação da Corte de
Contas dizia respeito à negativa, por parte da Petrobras, de autorizar que empresas
interessadas em com ela contratar — mas que não tivessem sido por ela convida-
das (em contratações na modalidade convite, tal como disciplinadas pelo Decreto
nº 2.745/98) — participassem de certames.
O Ministro, em seu voto, questionou a própria modalidade convite do Decreto
nº 2.745/98. Vislumbrou como “grave” a constatação de que o procedimento licita-
tório simplificado da Petrobras não estabelece qualquer limite objetivo à utilização
da referida modalidade (a modalidade licitatória “convite”, na Lei nº 8.666/93, por
exemplo, é em tese aplicável a contratações de menor vulto, em valores definidos na
própria lei – art. 23). A ausência de limites claros e objetivos às contratações por con-
vite permitiria, segundo o Ministro, que, em contratações vultosas, fosse possível de
antemão selecionar os participantes, eliminando a participação de outras empresas
eventualmente interessadas.
Este argumento é particularmente curioso, pois, mesmo que o art. 67 da Lei
do Petróleo fosse constitucional na opinião do TCU (não contendo, assim, a suposta
delegação legislativa imprópria), a Petrobras não poderia se valer do seu regulamento
próprio de licitações para contratar, posto que o Decreto nº 2.745/98 disciplinou a
licitação na modalidade “convite” de maneira distinta da Lei nº 8.666/93. Depreende-
se da decisão que, a despeito de a Lei do Petróleo ter autorizado a criação de novo re-
gime licitatório por ato infralegal, o decreto não poderia ter inovado em relação à Lei nº
8.666/93, sob pena de violar os princípios norteadores da atuação administrativa.33

32
Nesse sentido destacam-se os seguintes julgados: Acórdão nº 501/2007, Acórdão nº 1678/2007, Acórdão
nº 39/2008, Acórdão nº 1854/2009, Acórdão nº 1910/2009 e Acórdão nº 1097/2010.
33
Confira-se excerto do voto do Min. Ubiratan Aguiar:
“[...] não há, no Decreto nº 2.745/98, qualquer parâmetro objetivo que estabeleça a modalidade de licitação a
ser adotada, o que, na prática, faz com que aquisições de muitos milhões de reais sejam realizadas mediante
convite. Não é razoável se permitir, especialmente em aquisições vultosas, que um grupo de pessoas tenha a
prerrogativa de escolher quem vai participar da licitação, excluindo a entrada de quaisquer outras empresas,
que não as escolhidas previamente.”

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No Acórdão nº 549/2006, julgado em 19 de abril de 2006 e de relatoria do


Min. Walter Rodrigues, também se constatou a imposição, à Petrobras, do dever de
observar a Lei nº 8.666/93, independentemente da declaração de inconstitucionali-
dade dos dispositivos da Lei do Petróleo e do decreto que regulamentou seu art. 67.
Em resposta ao argumento apresentado pela Petrobras — segundo o qual
os expedientes burocráticos exigidos pelo órgão de controle (constantes da Lei
nº 8.666/93) poderiam comprometer a atividade negocial da empresa em um am-
biente extremamente competitivo —, o Min. Walter Rodrigues limitou-se a refutá-lo,
dizendo que de modo algum a exigência de estimativa de preço com a composição de
custos unitários seria prejudicial ao desempenho da estatal, já que em qualquer obra
da iniciativa privada seria recomendável minuciosa avaliação orçamentária.34
Além disso, afirmou o Ministro que, independentemente da aplicação da Lei
nº 8.666/93 à Petrobras e do que afirma a Constituição no §1º do seu art. 173,
aplicam-se à companhia os princípios da administração pública (art. 37, caput, da
Constituição).35 À luz do exposto, indaga-se: estaria implícita, no dever de observar
os tais princípios da administração pública (dentre eles o da economicidade e do
julgamento objetivo), a obrigação de a Petrobras divulgar a estimativa de custos, com
a composição de custos unitários, independentemente do conteúdo do seu procedi-
mento licitatório simplificado?
A nosso ver, o raciocínio desenvolvido pelo Ministro está equivocado. Afinal, do
princípio da economicidade e do julgamento objetivo não decorre o dever de divulgar
estimativa de custos, com a composição de custos unitários. É altamente questioná-
vel que se possa extrair algum tipo de solução normativa precisa e delimitada a partir
de princípios vagos e abstratos.36

34
Confira-se trecho do voto do Min. Walter Rodrigues:
“Se tentarmos raciocinar sob a ótica da iniciativa privada, qualquer empresa, em situação idêntica, não se
furtaria jamais a cercar-se de todas as garantias possíveis para o sucesso de seu negócio.No que tange às
determinações vergastadas, não vislumbro como as medidas exaradas pelo TCU possam vir a comprometer
a atividade negocial da Petrobras na situação em tela. Ao contrário do que pretende fazer crer a recorrente, a
exigência de estimativa de preço detalhado com a composição de custos unitários, prevista no art. 7º, §2º,
inciso II, da Lei 8.666/93, não frustra o desempenho da Petrobras em ambiente concorrencial, uma vez que
a avaliação orçamentária minuciosa é recomendável em qualquer obra da iniciativa privada, com muito mais
razão quando se trata de sociedade de economia mista, onde é inafastável o interesse público.”.
35
Confira-se excerto da fala do Min. Walter Rodrigues:
“a ausência de critérios pré-definidos para seleção da proposta mais vantajosa viola mandamentos básicos
da impessoalidade, da isonomia e do julgamento objetivo, estampados no art. 37, caput e inciso XXI, da
Constituição Federal de 1988, art. 3º da Lei 8.666/93, e no próprio art. 1º do Decreto 2.745/98, podendo,
inclusive, dar margem a direcionamentos indevidos nos procedimentos licitatórios.” .
36
Carlos Ari Sundfeld, em seu provocativo “Princípio é preguiça?” (In: SUNDFELD, Carlos Ari. Direito Administrativo
para céticos. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 208), levanta dúvida semelhante. Confira-se:
“Por convenção, chamamos de princípios textos que somos levados a entender como normativos mas cujo
conteúdo, de tão escasso, não nos revela a norma que supostamente contêm. Debates sobre princípios
são travados quase sem texto (como neste exemplo: ‘a saúde é direito de todos e dever do Estado’). Daí o
problema: se a norma não está no texto, será mesmo uma norma (o Estado estará, mesmo, juridicamente
obrigado a fazer algo em termos de saúde, ou aquela frase é mera ‘declaração de princípios’)? Se for, onde

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POLÍTICA DE CONTRATAÇÕES PÚBLICAS DA PETROBRAS: O QUE PENSAM O STF E O TCU?

2.2.3 Terceiro momento: o TCU, forçado pela jurisprudência


do STF, revela que prefere a Lei nº 8.666/93 ao
procedimento licitatório simplificado da Petrobras
De modo geral, considerando as decisões que se enquadram neste terceiro
momento, tem-se a sensação de estar diante de uma atuação do TCU mais crítica
em relação à flexibilização do regime de licitações e contratos em prol da Petrobras.
Tratou-se, como se verá, de atuação discreta e fortemente calcada no uso de princí-
pios jurídicos como parâmetros de análise.
No Acórdão nº 2.475/2009, julgado em 21 de outubro de 2009, de relatoria do
Min. José Jorge, a Petrobras questionou determinação do TCU para que a empresa
evitasse a realização de contratos verbais, a não ser em casos excepcionais, cons-
tantes da Lei nº 8.666/93.37 A ordem do órgão controlador negou vigência ao manual
de procedimentos contratuais da Petrobras, que regulamenta o Decreto nº 2.745/98.
O manual à época vigente dizia o seguinte sobre o tema dos contratos verbais: “item
1.5.1 os contratos serão formalizados por escrito, sendo admitidas as contratações
verbais em pequenos serviços e compras de pequeno valor e o uso de meios de co-
municação à distância nas contratações atinentes às atividades-fim da Companhia”.
Segundo o Min. José Jorge, a redação do manual de procedimentos contratuais seria
excessivamente genérica e, por isso, não se coadunaria com os princípios que guiam
a gestão de recursos públicos.
Com estilo de argumentação semelhante, o Acórdão nº 1.732/2009, julgado
em 05 de agosto de 2009 e de relatoria do Min. Augusto Nardes, no qual se exami-
nou o relatório de levantamento de auditoria relacionado à implantação do terminal de
Pecém, no Estado do Ceará. No caso, um dos pontos tratados se refere à ausência
de três propostas válidas na licitação. O TCU, neste caso, sacou a interpretação de
que a validade da licitação dependeria da existência de três propostas válidas. Por
que três e não, por exemplo, quatro? Qual critério teria sido utilizado pela Corte de
Contas para fazer esta exigência? Em que normas o TCU teria se apoiado para chegar
a esta conclusão?

está a norma (onde podemos encontrar a solução para o problema de saber que prestações de saúde o
Estado está obrigado a fornecer a cada pessoa)? Quem a decifra (o legislador, o administrador público, o juiz,
o povo)?”.
37
O tema foi disciplinado pelo parágrafo único do art. 60 da Lei nº 8.666/93. Confira-se:
“Art. 60. Os contratos e seus aditamentos serão lavrados nas repartições interessadas, as quais manterão
arquivo cronológico dos seus autógrafos e registro sistemático do seu extrato, salvo os relativos a direitos
reais sobre imóveis, que se formalizam por instrumento lavrado em cartório de notas, de tudo juntando-se
cópia no processo que lhe deu origem.
Parágrafo único. É nulo e de nenhum efeito o contrato verbal com a Administração, salvo o de pequenas
compras de pronto pagamento, assim entendidas aquelas de valor não superior a 5% (cinco por cento) do
limite estabelecido no art. 23, inciso II, alínea “a” desta Lei, feitas em regime de adiantamento.”.

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O interessante é que nem a Lei nº 8.666/93, nem o Decreto nº 2.745/98, cria-


ram esta condicionante. Para justificar a exigência, o Ministro afirmou que a solução
decorreria da aplicação dos princípios do interesse público, da competitividade e da
eficiência. A seu ver, portanto, sequer seria preciso que esta norma (segundo a qual
a validade da licitação dependeria da existência de três propostas distintas e válidas)
estivesse expressamente prevista em diploma normativo. Isso porque esta “norma”
estaria implícita no ordenamento jurídico, podendo ser extraída de princípios jurídicos
disciplinadores da atuação do Estado.38
Mencione-se, por fim, outro caso ainda mais curioso, também fundado em ar-
gumentos eminentemente principiológicos. Trata-se do Acórdão nº 1.678/2007, jul-
gado em 22 de agosto de 2007, e de relatoria do Min. Valmir Campelo. No caso, a
Petrobras interpôs pedido de reexame contra o Acórdão nº 2.354/2006, no qual, ao
examinar auditoria operacional para averiguar as razões da falta de implementação do
gasoduto Urucu – Manaus, determinou a aplicação da Lei nº 8.666/93 às licitações
da Petrobras.
Na ocasião o Ministro argumentou dizendo que mesmo na hipótese de a Lei nº
8.666/93 ser considerada inaplicável à Petrobras, as determinações feitas pelo TCU
seriam compatíveis com os princípios da eficiência e da seleção de proposta mais
vantajosa.39 Mais do que isso, a aplicação dos princípios teria a função de proteger os
interesses da própria Petrobras, ao supostamente assegurar contratações mais van-
tajosas e prevenir irregularidades. Em suma, os beneficiários de tais determinações
seriam tanto a administração pública, como a própria empresa e seus gestores.40

38
Confira-se excerto do voto do Min. Augusto Nardes:
“Como visto, tanto o Decreto 2.745/1998 quanto a Lei 8.666/1993 não estabelecem expressamente a
exigência do mínimo de três propostas válidas; e nem foi preciso que tal ocorresse, pois essa é a interpretação
que mais se coaduna com o interesse público e com os princípios da competitividade e da eficiência, ambos
de índole constitucional (art. 37, caput, e inciso XXI desse artigo). Há de se aplicar ao caso princípio basilar da
hermenêutica jurídica segundo o qual, sendo possível mais de uma interpretação da norma infraconstitucional,
busca-se aquela que mais se harmoniza com o texto constitucional, a fim de manter sua eficácia e integração
no ordenamento jurídico, evitando questionamentos desnecessários junto ao Poder Judiciário.”.
39
O Acórdão nº 2354/2006, em relação ao qual a Petrobras interpôs pedido de reexame, havia determinado à
empresa que (i) “em consonância com o disposto no artigo 7º, §2º, inciso II, e §4º, da Lei 8.666/93, aprimore
a metodologia de orçamentação utilizada para se chegar aos orçamentos estimativos”, (ii) “tendo em vista
o princípio do julgamento objetivo, insculpido no art. 3º da Lei 8.666/93, desenvolva e disponibilize, nos
editais de licitação, modelo/padrão para que as empresas licitantes demonstrem suas composições de custo
unitário dos itens contidos nas Planilhas de Preço Unitário – PPU” e (iii) “estabeleça em seus instrumentos
convocatórios critérios objetivos de aceitabilidade das propostas das licitantes, tanto para o preço global como
para os preços unitários, tendo por referência os preços de mercado e as especificidades do objeto, técnica e
analiticamente justificadas e demonstradas nos respectivos processos, em observância ao disposto nos arts.
40, caput e inciso X, e 43, inciso IV, da Lei 8.666/93”.
40
Segue excerto do voto do Min. Valmir Campelo que ilustra essa afirmação:
“Como se vê, ainda que não se fundamentem na Lei de Licitações, as determinações desta Corte no acórdão
atacado [...], são todas compatíveis com os princípios da eficiência e da seleção da proposta mais vantajosa
e podem ser mantidas mesmo que – equivocadamente, insisto – venha a se considerar que a Lei 8666/1993
não se aplica às aquisições da Petrobrás, já que não há qualquer óbice legal a sua implementação. [...]
Constata-se, pois, que as determinações deste Tribunal, além de terem apoio no princípio da eficiência

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POLÍTICA DE CONTRATAÇÕES PÚBLICAS DA PETROBRAS: O QUE PENSAM O STF E O TCU?

A paulatina adoção, pelo TCU, de argumentos principiológicos denota, a nosso


ver, algo relevante e bastante sintomático: a Corte de Contas aparentemente discor-
da da decisão tomada pelo legislador de abrir, no mundo das contratações públicas,
espaços imunes às regras jurídicas do regime geral de licitações. A real motivação
das suas decisões (no sentido de rechaçar a possibilidade de a Petrobras valer-se
de regime licitatório próprio para contratar) não estaria, assim, na identificação de
óbices jurídicos, mas no fato de, na opinião do TCU, a Lei nº 8.666/93 ser melhor
(inclusive para as empresas estatais) e mais capaz de atender ao interesse público
do que o Decreto nº 2.745/98.
Dois elementos dão suporte a essa hipótese.
O primeiro deles diz respeito ao fato de o próprio STF — a autoridade máxima
do Judiciário e intérprete último da Constituição — ter dito, em diversas decisões
(monocráticas e liminares), que o procedimento licitatório simplificado da Petrobras
(materializado no Decreto nº 2.745/98) coaduna-se perfeitamente com a Lei
nº 9.478/97 e com a Constituição Federal de 1988. Ora, se o próprio Supremo pa-
rece não enxergar óbice jurídico à realização de contratações baseadas em regime
licitatório específico, o que motivaria o TCU — órgão auxiliar do Poder Legislativo no
controle da legalidade dos gastos públicos federais — a dele discordar?
O segundo elemento liga-se a uma característica intrínseca aos princípios jurí-
dicos: eles são, por natureza, vagos, abstratos, elásticos. Admitem ter seu conteúdo
preenchido de formas múltiplas — por aplicadores do Direito em geral e, em especial,
pelos órgãos de controle. Acredita-se, pois, que o TCU esteja se valendo do alto grau
de indeterminação dos princípios jurídicos para criar argumentos retóricos, um tanto
quanto vazios de conteúdo, justificando, por meio de linguagem jurídica, verdadeiros
voluntarismos.
O problema evidentemente não está no fato de a Corte de Contas utilizar prin-
cípios em suas decisões. Ao contrário, o problema está na maneira como ela os
utiliza. Olhar atento aos julgados revela que os princípios têm sido utilizados como
argumentos autorreferentes (do tipo “viola o princípio da proposta mais vantajosa
porque impede a obtenção da proposta mais vantajosa”), na suposição de que a
mera menção a princípios jurídicos seria suficiente para que o dever de motivar fosse
atendido. Tal qual “supertrunfos” (uma espécie de carta-coringa capaz de, sozinha,
virar o jogo), os princípios parecem estar sendo empregados para vencer disputas e
debates com baixo (ou até mesmo nenhum) ônus argumentativo, viabilizando, assim,

estampado no art. 37 da Constituição Federal e de estarem voltadas à garantia da seleção da proposta mais
vantajosa [...] foram feitas com o intuito de proteger os interesses da Petrobrás, já que os procedimentos hoje
adotados pela empresa, conforme demonstrado na auditoria realizada, são imprecisos, dão margem à eventual
ocorrência dos chamados ‘jogos de planilhas’ em futuros aditivos contratuais e não asseguram a contratação
mais vantajosa para a empresa”.

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ANDRÉ ROSILHO, LARISSA SANTIAGO GEBRIM

que pontos de vista políticos possam prevalecer porque travestidos de argumentos


supostamente jurídicos. Trata-se, é claro, de uso inadequado dos princípios.41

2.2.4 A posição do TCU em face da divergência com o STF


Evidenciou-se, a partir do relato de casos exposto nos tópicos anteriores, que o
TCU manteve seu posicionamento inicialmente esboçado na Decisão nº 663/2002,
pela inconstitucionalidade do art. 67 da Lei nº 9.478/97 e do Decreto nº 2.745/98,
independentemente da existência de decisões do STF (monocráticas e liminares) em
sentido contrário.
Para sustentar posição divergente da Suprema Corte, o TCU destacou i) a au-
sência de caráter vinculante das decisões tomadas em mandados de segurança; e
ii) o caráter sumário e precário da generalidade das suas decisões. Estas caracterís-
ticas das decisões do STF fariam, na opinião do TCU, com que ele não estivesse a
elas vinculado.
No Acórdão nº 2.115/2008, de relatoria do Min. Raimundo Carrero, julgado
em 24 de setembro de 2008, a Procuradoria Geral da República demonstrou preocu-
pação quanto à divergência entre o STF e TCU em relação ao “Caso Petrobras”. Em
resposta a tal manifestação, o Ministro Relator aduziu que as decisões proferidas em
medidas cautelares e mandados de segurança apenas indicariam um prognóstico de
uma futura decisão de mérito do STF, não sendo suficientes para motivar alteração
da jurisprudência do TCU.
Posicionamento mais radical pôde ser visto no Acórdão nº 1.678/2007, já an-
teriormente citado. Nele, o Ministro Relator, ao refutar o argumento da Petrobras
de que as determinações feitas pelo TCU no caso concreto seriam improcedentes
em decorrência de cautelar concedida pelo STF no MS nº 25.888, vislumbrou como
provável uma mudança de posicionamento não do TCU, mas do próprio STF sobre o
tema, quando da futura deliberação sobre o mérito do caso. Na sua visão, portanto,
o STF tenderia a endossar o posicionamento da Corte de Contas acerca da aplica-
ção da Lei nº 8.666/93 à Petrobras, ao menos até edição da lei a que se refere o
art. 173 da Constituição de 1988.
Mencione-se, por fim, o Acórdão nº 2.834/2011, de relatoria do Min. Raimundo
Carrero, julgado em 25 de outubro de 2011, no qual o Ministro Relator citou o RE
nº 441.280 (a ser futuramente julgado pelo STF), lembrando que o fato de que, na
ocasião do julgamento do recurso pela Primeira Turma, “dois ministros votaram pelo

41
Sobre o tema, consultar amplamente o capítulo 8 (“Princípio é preguiça?”) da obra Direito Administrativo para
céticos, de Carlos Ari Sundfeld. O autor em comento defende, entre outras coisas, que o uso dos princípios
jurídicos traz consigo forte ônus argumentativo. Nesse sentido, não bastaria ao operador do direito mencioná-
los; para que o dever de motivar fosse atendido, seria preciso, conectar os princípios (vagos e abstratos) com
a realidade (concreta), explicitando com clareza as razões de decidir.

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POLÍTICA DE CONTRATAÇÕES PÚBLICAS DA PETROBRAS: O QUE PENSAM O STF E O TCU?

seu provimento e, portanto, pela aplicação da Lei de Licitações à Petrobrás, e dois


votaram pelo não provimento do recurso”. Em seguida, o Min. Carrero destacou que
o Min. Marco Aurélio, à luz da divergência, remeteu o julgamento ao Plenário, sus-
penso em decorrência do pedido de vista do Min. Luiz Fux. O que se observa é que
a descrição do processo percorrido pelo RE nº 441.280 no STF é utilizada pelo Min.
Raimundo Carrero para fundamentar a existência de controvérsia na própria Suprema
Corte e para legitimar o posicionamento do TCU.

3 Conclusão
A reconstrução da jurisprudência do STF e do TCU permitiu visualizar com clare-
za fenômeno comum às políticas públicas: uma vez juridificadas, elas ganham vida
própria; descolam-se da vontade daqueles que as conceberam. No curso da sua
implementação, elas são moldadas e conformadas — especialmente pelos órgãos de
controle, que, como visto, têm enorme potencial para influenciar seus rumos.
Em relação ao “Caso Petrobras”, dificilmente se poderia prever com precisão
seu desfecho. Não seria de todo arriscado, contudo, afirmar que muito dificilmente
se verá a reversão completa da tendência de as empresas estatais — em especial
aquelas que atuam em regime de competição — contarem com regras específicas
de licitação e contratos. Afinal, esta diretriz geral encontra respaldo no próprio Texto
Constitucional (art. 173) e em diversos diplomas normativos editados posteriormente
à Lei do Petróleo.
O Supremo, ao não adentrar no mérito do tema — mencionando que a juridici-
dade do procedimento licitatório simplificado da Petrobras se resolverá em definitivo
quando do julgamento do RE nº 441.280 —, parece se valer de estratégia argu-
mentativa visando, pura e simplesmente, postergar sua decisão, evitando o ônus
de interferir em tema altamente complexo, controverso e polarizador de opiniões.
É possível, assim, que a Corte nada mais esteja fazendo do que aguardar que o tema
se resolva noutra instância decisória — por exemplo, no Legislativo, que poderá vir a
editar o tal estatuto jurídico das empresas estatais a que alude o §1º do art. 173 da
Constituição, criando, para elas, regras gerais de licitação.42
Fato é que a omissão do STF — em decidir em definitivo sobre a juridicidade do
modelo contratual da Petrobras — gera enorme insegurança jurídica, visto que o TCU,
desde há muito tempo, firmou convicção de que o modelo licitatório da Petrobras —
precursor da tendência à criação de regimes licitatórios específicos para empresas
estatais — é contrário ao Direito, por supostamente violar a Constituição, as leis ou

42
Trata-se de uma possibilidade real. O tema (criação do estatuto jurídico das empresas estatais) é objeto do
Projeto de Lei do Senado nº 207, de 2009. Recentemente o Senador Pedro Taques apresentou uma emenda
substitutiva ao referido PLS, fixando, para certas empresas estatais, regras de licitação e contratos específicas.

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ANDRÉ ROSILHO, LARISSA SANTIAGO GEBRIM

os princípios jurídicos. Ressalte-se que o ambiente de incerteza se espraia para além


do “Caso Petrobras”, já que outras empresas estatais também contam com autoriza-
ção legislativa para a criação de regras específicas de licitação.
A divergência entre STF e TCU chama a atenção para outro importante aspecto
da relação entre Direito e políticas públicas: não raro, interpretações jurídicas de
políticas públicas — realizadas por órgãos de controle, por exemplo — escondem,
sob o manto da “técnica”, visões de mundo menos ligadas ao Direito, e mais ligadas
à Política. No caso do TCU, sua jurisprudência parece revelar certa preferência da
Corte de Contas por um modelo licitatório em específico — o da Lei nº 8.666/93, do
tipo maximalista, extremamente objetivo e rígido, primordialmente voltado a tolher a
discricionariedade da administração pública. O procedimento licitatório da Petrobras,
nessa perspectiva, teria se tornado “refém” dessa visão.
Estar atento aos movimentos e interpretações dos órgãos de controle é fun-
damental àqueles que se dispõe a debater as interfaces entre Direito e políticas
públicas. Nessa empreitada, o estudo das normas, a despeito de ser fundamental, é
insuficiente. Olhar o Direito pelo viés da política pública impõe ao intérprete o dever
de fazer uma leitura mais abrangente da realidade, compreendendo, para além das
normas em abstrato, sua dinâmica, movimentada por gestores e por controladores.
Este alerta é especialmente relevante para o “Caso Petrobras”. A empresa,
como se sabe, é alvo de investigações, cujo cerne recai justamente sobre suas con-
tratações (disciplinadas pelo Decreto nº 2.745/98). Neste ambiente de crise, alguém
poderia levantar a seguinte dúvida: seria o procedimento licitatório simplificado a
causa dos supostos escândalos de corrupção envolvendo a empresa? Será que os
supostos desvios somente teriam ocorrido porque a Petrobras pauta suas contrata-
ções pelo Decreto nº 2.745/98, e não pela Lei nº 8.666/93?
Eventual relação de causa e efeito, para que pudesse ser estabelecida, neces-
sariamente dependeria da existência de provas concretas. Seria temerário — e até
mesmo irresponsável — ligar uma coisa a outra exclusivamente a partir de ilações
ou de opiniões desconectadas de provas. No entanto, a falta até mesmo de meros
indícios que ligassem supostos atos de corrupção ao procedimento licitatório simpli-
ficado da Petrobras não impediu que o TCU, por meio do seu presidente, o culpasse
pelos supostos malfeitos — supostos porque ainda pendem de investigação.43
O TCU, ao agir dessa maneira, parece dizer: “eu bem que avisei!”. Olhar caute-
loso para sua jurisprudência revela, contudo, que a Corte de Contas, em realidade,

43
É o que se depreende do pedido que o Ministro Augusto Nardes (TCU) fez ao Ministro Lewandowski (STF) para
que, à luz das investigações e das descobertas de supostos atos de corrupção na Petrobras, o STF obrigasse
a empresa a licitar com base na Lei nº 8.666/93 — e não no seu procedimento licitatório simplificado. Confira-
se a reportagem publicada pelo jornal O Globo, em 23 de novembro de 2014, sob o título de “TCU pede que
o STF decida sobre dispensa de licitações da Petrobrás”: <http://oglobo.globo.com/brasil/tcu-pede-que-stf-
decida-sobre-dispensa-de-licitacoes-da-petrobras-14635088>.

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POLÍTICA DE CONTRATAÇÕES PÚBLICAS DA PETROBRAS: O QUE PENSAM O STF E O TCU?

nada avisou. As decisões que proferiu sobre o tema não identificaram reais problemas
jurídicos ligados ao procedimento licitatório simplificado da empresa. Nos casos
analisados neste artigo, o que se nota é que o TCU se limitou a dizer — de diferentes
maneiras, é verdade —, que preferia um modelo específico de licitação (o da Lei
nº 8.666/93).
A nosso ver, a Corte de Contas, ao insinuar, nesse contexto em específico,
que procedimento licitatório simplificado da Petrobras seria a causa dos supostos
malfeitos — a despeito de não haver prova concreta alguma para respaldar essa
desconfiança — e ao pedir que o STF determine que a Petrobras passe a se submeter
à Lei nº 8.666/93, parece se valer de uma “janela de oportunidade” para persuadir o
STF a chancelar, em eventual julgamento de mérito das ações em que se questionou
a juridicidade do Decreto nº 2.745/98, o posicionamento que o próprio TCU tem de-
fendido — baseado, frise-se, em preferências e não em diagnóstico técnico-jurídico.
Ao STF cabe separar o joio do trigo e responder as seguintes indagações: even-
tual comprovação da existência de esquema de corrupção nas contratações públicas
da Petrobras faria, por si só, com que o Decreto nº 2.745/98 e suas normas automa-
ticamente fossem ilegais ou inconstitucionais? Neste cenário, seria o procedimento
licitatório simplificado da Petrobras a real causa dos malfeitos? E mais: supondo que
a Petrobras pautasse suas contratações pela Lei nº 8.666/93 — e não pelo seu
procedimento licitatório simplificado —, teria o escândalo de corrupção sido evitado?
Independentemente das respostas e dos rumos das investigações, é preciso
dizer que as regras da Lei nº 8.666/93 — que se aplicariam à Petrobras caso a
empresa não mais pudesse se valer de suas regras próprias de licitação — não são
mais probas nem mais eficazes para contratar ou para combater a corrupção do que
as regras do Decreto nº 2.745/98. Não fazemos, aqui, qualquer tipo de defesa do
Decreto nº 2.745/98 e do seu conteúdo — foge ao escopo deste texto a avaliação
da qualidade das suas normas e procedimentos. O que se quer ressaltar é que a Lei
nº 8.666/93 não consubstancia a única maneira juridicamente válida de traduzir para
texto de lei os comandos expressos na Constituição (art. 37, XXI) e que ela não é
capaz de, por si só, evitar desvios, conluios e malversação de recursos públicos —
aliás, a história prova exatamente o contrário.
As premissas fixadas pela jurisprudência do TCU são falsas e se seguidas pelo
STF em julgamento de mérito das ações sobre o tema o induziriam a erro. Eventual
declaração de inconstitucionalidade da Lei do Petróleo pelo STF seria, a nosso ver, um
equívoco. Os regimes licitatórios simplificados são, ao menos em tese, instrumentos
juridicamente legítimos que se propõem a levar a natureza empresarial das estatais
a sério. Erradicá-los prejudicaria, e muito, a possibilidade de o Estado se valer do
figurino empresarial para desempenhar relevantes atividades de interesse público.

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ANDRÉ ROSILHO, LARISSA SANTIAGO GEBRIM

Petrobras’s public procurement policy on the view of the brazilian Supreme Court and Federal Audit Court
Abstract: The article locates Petrobras’s public procurement policy in the broader universe of public
procurement to then carry out a synthesis of the jurisprudence of the Supreme Court - STF and the Federal
Audit Court - TCU on the subject. It was identified that the STF and the TCU have opposing viewpoints -
the first defend the legality of Petrobras’s simplified public procurement policy, while the latter considers
it unconstitutional and illegal - and that there is, in its case law, a “dialogue” between the institutions.
The article, based on an analysis of the applicable rules and the case law, argues that TCU´s opinion on
the subject is due mainly to political reasons, showing Federal Audit Court´s preference towards the Law
8666/93.
Key words: Public policy. Public procurement. Petrobras. Supreme Court. Federal Audit Court.

Referências
MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. As contratações estratégicas das empresas estatais que
competem no mercado. In: OSÓRIO, Fábio Medina; SOUTO, Marcos Juruena Villela (Coord.). Direito
Administrativo – Estudos em homenagem a Diogo de Figueiredo Moreira Neto. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2006.
MOREIRA, Egon Bockmann. Qual é o futuro do direito da regulação no Brasil?. In: SUNDFELD, Carlos
Ari; ROSILHO, André (Org.). Direito da regulação e políticas públicas. São Paulo: Malheiros, 2014.
PINTO, Henrique Motta. Empresa estatal: modelo jurídico em crise?. Dissertação (Mestrado - Orientador:
Carlos Ari Sundfeld). São Paulo, Faculdade de Direito da PUC-SP, 2010.
ROSILHO, André. Licitação no Brasil. São Paulo: Malheiros, 2013.
SUNDFELD, Carlos Ari. Direito administrativo para céticos. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2014.
SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. 5. ed., 2. tir. São Paulo: Malheiros, 2011.
SUNDFELD, Carlos Ari; JURKSAITIS, Guilherme Jardim (Org.). Contratos públicos e direito administrativo.
São Paulo: Malheiros. (No prelo).
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da regulação e políticas públicas. São Paulo: Malheiros, 2014.
SUNDFELD, Carlos Ari; SOUZA, Rodrigo Pagani de. Licitação nas estatais: levando a natureza
empresarial a sério. In: Contratações públicas e seu controle. São Paulo: Malheiros, 2013.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação


Brasileira de Normas Técnicas (ABNT):

ROSILHO, André; GEBRIM, Larissa Santiago. Política de contratações públicas da


Petrobras: o que pensam o STF e o TCU?. Revista de Direito Público da Economia
– RDPE, Belo Horizonte, ano 13, n. 50, p. 63-88, abr./jun. 2015.

Recebido em: 03.06.2015


Aprovado em: 10.06.2015

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