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A Conferência

José é um homem que, por alguma razão que não se conhece, tem a fama de ser um “iluminado”, um
mestre, isto é, alguém que adquiriu um certo conhecimento sobre questões importantes e transcendentes
para outros.
A fama que José tem é absolutamente falsa. Porque ele sabe que, na realidade, não sabe nada; que tudo
aquilo que os outros supõem que ele sabe é apenas uma crença. Está convencido de que a única coisa que
fez foi viajar e escutar; mas que, de certeza, não tem grandes coisas para dizer.
E, no entanto, cada vez que chega a uma cidade ou a uma povoação, as pessoas reúnem-se para escutar
as suas palavras, acreditando que ele tem coisas importantes para dizer.
Esta história começa quando José chega a uma pequena povoação do Centro de Portugal. Era a primeira
vez que estava nessa povoação e reuniu-se no auditório público uma pequena multidão para o ouvir. José,
que na verdade não sabia o que dizer, porque sabia que nada sabia, propôs-se improvisar qualquer coisa.
Entrou muito seguro de si e parou em frente daquela pequena multidão. Abriu os braços e disse:
Suponho que, se vocês estão aqui, já saberão que nada tenho para lhes dizer. As pessoas, incrédulas,
disseram:
Não ….! O que tens para nos dizer? Não sabemos. Fala…..
José respondeu:
Se vocês vieram até aqui sem saber o que tenho para lhes dizer, então não estão preparados para o
escutar.
Dito isto, levantou-se e saiu.
As pessoas ficaram surpreendidas. Todos tinham vindo aquela manhã para o escutar e aquele homem ia
embora dizendo simplesmente aquilo. Teria sido um fracasso total se não fosse porque um dos presentes
- nunca falta um – enquanto José se afastava – disse em voz alta:
Que inteligente!
E como sempre acontece, quando alguém não entende nada e outro diz “que inteligente!”, para não se
sentir idiota, repete “sim, claro, que inteligente!”, e então todos começam a repetir:
Que inteligente!
Que inteligente!
Até que alguém acrescentou:
Sim, que inteligente ….mas que breve. E outro acrescentou:
Tem a brevidade e a síntese dos sábios. Porque tem razão. Como é que pudemos vir até aqui sem sequer
saber o que viemos escutar? Que estúpidos fomos. Perdemos uma oportunidade maravilhosa. Que
iluminação, que sabedoria. Vamos pedir a este homem que dê uma segunda conferência.
Então, um grupo de notáveis foram visitar o José. Aquela gente tinha ficado tão surpreendida com o que
se tinha passado na primeira conferência, que alguns tinham começado a dizer que a sabedoria do José era
muito grande para apenas uma conferência.
José disse:

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Não, o inverso é que é verdadeiro, estão enganados. O meu conhecimento apenas é suficiente para uma
única conferência. Jamais poderia dar duas conferências.
E aquela gente, ali reunida disse:
Que humilde!
E quanto mais José insistia em que não tinha nada mais para dizer, mais aquela gente insistia em que
queriam ouvi-lo mais uma vez. Finalmente, depois de muito empenho e muita insistência, José
condescendeu a dar uma segunda conferência.
No dia seguinte, o suposto sábio regressou ao lugar da conferência, onde estava reunida ainda mais
gente do que na primeira vez, pois todos tinham conhecimento do êxito da conferência do dia anterior.
Entrou muito seguro de si e parou em frente daquela pequena multidão. Abriu os braços e disse:
Suponho que vocês já saberão o que vim dizer-lhes.
Sim. Claro que sabemos. Por isso viemos.
José baixou a cabeça e disse:
Bem, então se todos sabem o que vim dizer-lhes, não vejo a necessidade de o repetir.
Levantou-se e foi embora.
Aquela gente ficou estupefacta; porque desta vez tinham dito outra coisa e o resultado foi o mesmo. Até
que alguém, outro alguém, gritou:
Brilhante!
E quando todos ouviram que alguém tinha dito brilhante, o resto começou a dizer:
Sim, claro, é o complemento de sabedoria da conferência de ontem!
Que maravilhoso!
Que espectacular!
Que sensacional, que fantástico! Até que alguém disse:
Sim, mas….que breve!
É certo, queixou-se outro.
Capacidade de síntese, justificou um terceiro. E logo se ouviu: queremos mais, queremos escutar mais.
Queremos que este homem nos dê mais da sua sabedoria.
Então, uma delegação de notáveis foi ver José, para lhe pedir que José desse uma terceira e definitiva
conferência.
José disse que não, de nenhum modo, ele não tinha conhecimentos para dar três conferências e, além
disso, tinha de regressar à cidade.
A gente suplicou, implorou, pediu-lhe uma e outra vez: pelos seus antepassados, pelos seus filhos, por
todos os santos, fosse pelo que fosse. Aquela persistência convenceu José e, finalmente, aceitou dar a
terceira e definitiva conferência.
Pela terceira vez, José entrou muito seguro de si e parou em frente daquela grande multidão. Abriu os
braços e disse:
Suponho que vocês já saibam o que venho dizer-lhes.
Desta vez, as pessoas tinham-se posto de acordo: apenas o presidente da Junta lhe contestaria. E o
homem da primeira fila, levantou-se e disse:
Alguns sim, outros não.

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Nesse momento, um longo silêncio estremeceu o auditório. Todos, mas mesmo todos, seguiram José
com o olhar.
Então, o mestre respondeu:
Nesse caso, os que sabem … contem aos que não sabem.
… e foi embora.

Adaptado de um conto narrado por Jorge Bucay

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Era uma vez….

… um pobre ancião, de nome João, que vivia numa pequena povoação na montanha. Tinha um
belíssimo cavalo branco, de porte altivo e real. Já Reis, Príncipes e ricos agricultores lhe tinham
oferecido pequenas fortunas por aquele cavalo. Mas, apesar de ser pobre, João nunca cedeu,
dizia: “este cavalo é meu amigo”, “não me interessa vendê-lo”, “dinheiro algum poderá
substituir a felicidade que tenho em apenas olhar para ele”.
Uma manha, quando João se deslocou ao local onde o seu cavalo branco costumava pastar,
verificou que o portão da cerca estava aberto e o seu belíssimo cavalo branco já não estava.
Triste com o seu desaparecimento, voltou para casa e contou à sua mulher, dizendo: “não
digas nada a ninguém, é melhor que isto fique entre nós”. Mas, como os segredos são difíceis
de guardar e como a sua mulher gostava de se abrir com a sua vizinha, logo logo, como é
normal nestas coisas, toda a povoação ficou a saber. E junto do pelourinho toda a povoação
comentava: “Velho louco, sabíamos que algum dia te iam roubar o cavalo, isso só aconteceu
porque não o quiseste vender. Que desgraça!”
Ao que João respondeu: “isso não é bem assim, simplesmente o cavalo não esta na sua cerca.
Essa é a realidade. O resto é apenas um juízo de valor. Quem sabe se é uma desgraça ou uma
bendição?”
A população ria-se do João, todos sabiam que ele estava um bocado louco… mas, após apenas
passados 15 dias, quando João voltou à pastagem, como o fazia diarimente, viu com surpesa
que o seu belíssimo cavalo branco tinha regressado e … com ele… tinha trazido mais 12
cavalos; afinal ele só tinha ido visitar os seus amigos.”
Feliz com a surpresa, voltou para casa e contou à sua mulher, dizendo: “não digas nada a
ninguém, é melhor que isto fique entre nós”. Mas, como os segredos são difíceis de guardar e
como a sua mulher gostava de confidenciar com a sua vizinha, logo logo, como é normal
nestas coisas, toda a povoação ficou a saber. E junto do pelourinho toda a povoação
comentava: “Velho tinhas razão, o desaparecimento do teu cavalo não foi uma desgraça, pois
parece que resultou numa bendição!”

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Ao que João respondeu: “isso não é bem assim, simplesmente o cavalo regressou. Essa é a
realidade. O resto é apenas um juízo de valor. Quem sabe se é uma bendição ou uma
desgraça? Quando lêem apenas uma palavra, como podem julgar todo o livro?”
A população nada mais disse, mas sabiam por certo que ele estava errado. Apesar de tudo, ele
agora tinha sido agraciado com mais 12 cavalos …
O único filho de João, que o ajudava nas lides do campo, começou a domar os cavalos, mas
num certo dia caiu de um cavalo e partiu as pernas. No hospital da cidade disseram a João que
os eu filho iria ficar para sempre manco.
Triste com a noticia e com o facto de ter de a dar à sua mulher, voltou para casa e contou-lhe,
dizendo: “não digas nada a ninguém, é melhor que isto fique entre nós”. Mas, como os
segredos são difíceis de guardar e como a sua mulher precisou tanto de partilhar a sua tristeza
com a sua vizinha, logo logo, como é normal nestas coisas, toda a povoação ficou a saber. E
junto do pelourinho toda a povoação comentava: “Tens razão, ter 12 cavalos é uma desgraça;
foi por sua causa que o teu filho, o teu único sustém, perdeu o uso das duas pernas. Agora és
mais pobre do que nunca!”
Ao que João respondeu: “Estão obcecados em valorar o que aconteceu. A realidade é que o
meu filho partiu as pernas. Mas quem pode dizer se isso é uma bendição ou uma desgraça? A
vida vem em pequenos fragmentos e nunca se revela totalmente.”
Umas semanas mais tarde o país entrou em guerra. Todos os jovens da povoação foram
convocados para integrarem o exército, apenas o filho de João foi poupado. Toda a povoação
chorava, pois sabia que a maioria dos seus jovens não regressaria. E diziam ao ancião: “tinhas
razão. O teu filho ficar inválido foi uma bendição. Agora, ele não foi chamado para a guerra e
poderá ficar contigo, mas os nossos filhos foram para a guerra e por certo não regressarão!”.
Ao que João respondeu: “Ninguém sabe! Apenas digam que os vossos filhos foram para a
guerra e o meu filho não. Não podemos saber se isto é uma bendição ou uma desgraça.
Deixem de julgar, pois isso deixa-os obcecados com apenas alguns fragmentos da realidade e
viverão tirando falsas conclusões.”

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TEXTO

“Encontrei hoje em ruas, separadamente, dois amigos meus que se haviam zangado um com o
outro. Cada um me contou a narrativa de porque se haviam zangado. Cada um me disse a
verdade. Cada um me contou as suas razões. Ambos tinham razão. Ambos tinham toda a
razão. Não era que um via uma coisa e outro outra, ou que um via um lado das coisas e outro
um lado diferente. Não: cada um via as coisas exactamente como se haviam passado, cada um
as via com um critério idêntico ao do outro, mas cada um via uma coisa diferente, e cada um,
portanto, tinha razão.
Fiquei confuso desta dupla existência da verdade!!!”

(Bernardo Soares, “Livro do Desassossego”)

PROPOSTAS PARA A DISCUSSÃO EM GRUPO:

- Numa situação de conflito temos em atenção a versão da outra parte?

- O que nos impede de ver o “outro lado”?

- Num conflito encontramo-nos perante “versões” diferentes ou “verdades” diferentes?

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FLATLAND
(in “A Conquista da Felicidade” de Jonathan Haidt)

Flatland é um pequeno livro encantador escrito em 1884 pelo romancista e matemático


inglês Edwin Abbot. Flatland é um mundo bidimensional cujos habitantes são figuras
geométricas.

O protagonista é um quadrado. Certo dia, o quadrado recebe uma visita de uma esfera de
um mundo tridimensional chamado Spaceland. Contudo, quando uma esfera visita Flatland,
tudo o que os habitantes de Flatland vêem dela é a parte que está no seu plano, ou seja, um
círculo. O quadrado fica surpreendido por o círculo ser capaz de aumentar ou reduzir o seu
tamanho como lhe apetece (erguendo-se ou mergulhando no plano de Flatland) e mesmo de
desaparecer e reaparecer noutro lugar (abandonando o plano e regressando a ele). A esfera
tenta explicar o conceito de terceira dimensão ao quadrado bidimensional, mas o quadrado,
embora hábil em geometria bidimensional, não percebe. Não consegue entender o que
significa ter espessura, para além de comprimento e largura, nem percebe que «vir de cima»
não quer dizer «de Norte». A esfera apresenta-lhe analogias e demonstrações matemáticas de
como passar de uma para duas dimensões, e depois de duas para três, mas o quadrado acha a
ideia de sair do plano de Flatland «ridícula».
Desesperada, a esfera dá um piparote no quadrado e atira-o de Flatland para a terceira
dimensão, de maneira que o quadrado possa olhar para baixo, para o seu mundo, e vê-lo todo
de uma vez. E consegue ver o interior de todas as casas e de todos os habitantes. O quadrado
recorda a experiência:

Fui tomado por um horror indizível. Ao princípio havia a escuridão e depois


uma sensação estonteante e repugnante de ver que não era ver. Vi espaço que
não era espaço. Eu era e não era eu. Quando consegui recuperar a fala, gritei
aterrado: «Isto ou é loucura ou é o Inferno.» «Não é uma coisa nem outra»,
replicou tranquilamente a voz da esfera, «é o Conhecimento. São as três
dimensões: abre os olhos outra vez e tenta fixar a vista.» Olhei, e à frente dos
meus olhos estava um mundo novo!

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O quadrado está perplexo. Prostra-se perante a esfera e torna-se discípulo dela. Quando
regressa a Flatland, tenta pregar o «Evangelho das Três Dimensões» às outras criaturas
bidimensionais — mas em vão.

De certa forma, todos somos o quadrado antes da iluminação. Já se nos depararam a todos
coisas que não conseguimos perceber, mas, orgulhosamente, pensamos que percebemos
porque não conseguimos imaginar as dimensões a que éramos cegos. Mas um dia acontece
qualquer coisa que não faz sentido no nosso mundo bidimensional e vislumbramos pela
primeira vez uma nova dimensão.

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Na Escola

Democrata è a Dona Amarílis, professora na escola pública de uma rua que não
vou contar, e mesmo o nome de Dona Amarílis é inventado, mas o caso aconteceu.
Ela se virou para os alunos, no começo da aula, e falou assim:
— Hoje eu preciso que vocês resolvam uma coisa muito importante. Pode ser?
— Pode — a garotada respondeu em coro.
— Muito bem. Será uma espécie de plebiscito. A palavra é complicada, mas a
coisa é simples. Cada um dá a sua opinião, a gente soma as opiniões e a maioria é
que decide. Na hora de dar opinião, não falem todos de uma vez só, porque
senão vai ser muito difícil eu saber o que é que é que cada um pensa. Está bem?
— Está — respondeu o coro, interessadíssimo.
— Óptimo. Então, vamos ao assunto. Surgiu um movimento para as professoras
poderem usar calça comprida nas escolas. O governo disse que deixa, a directora
também, mas no meu caso eu não quero decidir por mim. O que se faz na sala de aula
deve ser de acordo com os alunos. Para todos ficarem satisfeitos e um não dizer que
não gostou. Assim não tem problema. Bem, vou começar pelo Renato Carlos. Renato
Carlos, você acha que sua professora deve ou não deve usar calça comprida na escola?
— Acho que não deve respondeu, baixando os olhos.
— Por quê?
— Porque é melhor não usar.
— E por que é melhor não usar?
— Porque minissaia é muito mais bacana.
— Perfeito. Um voto contra. Marilena, me faz um favor, anote aí no seu caderno
os votos contra. E você, Leonardo, por obséquio, anote os votos a favor, se houver.
Agora quem vai responder é a Inesita.
— Claro que deve, professora. Lá fora tem uma roxo-cardeal que eu vi outro dia
na rua, aquela é bárbara.
— Um a favor. E você, Aparecida?
— Posso ser sincera, professora?
— Pode, não. Deve.
— Eu, se fosse a senhora, não usava.
— Por quê?
— O quadril, sabe? Fica meio saliente…
— Obrigada, Aparecida. Você anotou, Marilena? Agora você, Edmundo.

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— Eu acho que Aparecida não tem razão, professora. A senhora deve ficar muito
bacana de calça comprida. O seu quadril é certinho.
— Meu quadril não está em votação, Edmundo. A calça, sim. Você é contra ou a
favor da calça?
— A favor 100%.
— Você, Peter?
— Pra mim tanto faz.
— Não tem preferência?
— Sei lá. Negócio de mulher eu não me meto, professora.
— Uma abstenção. Mónica, você fica encarregada de tomar nota dos votos iguais
ao de Peter: nem contra nem a favor, antes pelo contrário.
Assim iam todos votando, como se escolhessem o Presidente da República,
tarefa que talvez, quem sabe? No futuro sejam chamados a desempenhar. Com a
maior circunspecção. A vez de Rinalda:
— Ah, cada um na sua.
— Na sua, como?
— Eu na minha, a senhora na sua, cada um na dele, entende?
— Explique melhor.
— Negócio seguinte. Se a senhora quer vir de pantalona, venha: Eu quero vir de
midi, de máxi, de short, venho. Uniforme é papo furado.
— Você foi além da pergunta, Rinalda. Então é a favor?
— Evidente. Cada um curtindo à vontade.
— Legal! — exclamou Jorgito. — Uniforme está superado, professora. A senhora
vem de calça comprida, e a gente aparecemos de qualquer jeito.
— Não pode — refutou Gilberto. — Vira bagunça. Lá em casa ninguém anda de
pijama ou de camisa aberta na sala. A gente tem de respeitar o uniforme.
Respeita, não respeita, a discussão esquentou. Dona Amarília pedia ordem,
ordem, assim não é possível, mas os grupos se haviam extremado, falavam todos ao
mesmo tempo, ninguém se fazia ouvir, pelo que, com quatro votos a favor de calça
comprida, dois contra, e um tanto faz, e antes que fosse decretada por maioria
absoluta a abolição do uniforme escolar, a professora achou prudente declarar
encerrado o plebiscito, e passou à lição de História do Brasil.

Carlos Drummond de Andrade, in Poder Ultrajovem e


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O Dromedário
Jaques Prévert

Era uma vez um jovem dromedário que não estava muito bem disposto. No dia anterior tinha
dito aos amigos: Amanhã vou sair com o meu pai e a minha mãe, vamos ouvir uma
conferência, imaginem! E os outros tinham dito: Ah, vai ouvir uma conferência, que
maravilha! E durante toda a noite, não tinha conseguido dormir nada, tal era a impaciência
dele, mas afinal começava a ficar mal disposto, porque a conferência não era nada do que ele
tinha pensado: não havia música, era uma decepção, estava aborrecidíssimo, apetecia-lhe
chorar.

Havia uma hora e três quartos que o senhor gordo estava a falar. Na frente do tal senhor
estava um jarro de água e um copo de dentes sem escova e o senhor, de vez em quando,
deitava água no copo, não lavava os dentes, e, visivelmente irritado, falava de outras coisas, ou
seja de dromedários e de camelos.

De cinco em cinco minutos o conferencista repetia: É importante não confundir os


dromedários com os camelos, chamo a vossa atenção, minhas senhoras, meus senhores e
meus caros dromedários para o facto seguinte: o camelo tem duas bossas, enquanto o
dromedário só tem uma!

E o conferencista continuava: A diferença entre os dois animais é esta: o dromedário tem


uma única bossa, enquanto, coisa estranha mas que é útil saber, o camelo tem duas...
Todas as pessoas que havia na sala repetiam: Interessante, interessantíssimo! e todos os
camelos, dromedários, homens, mulheres e crianças tomavam notas num caderninho.

O jovem dromedário já não suportava o calor e a bossa também o incomodava muito; roçava-
lhe no encosto da cadeira; estava muito mal sentado; não conseguia estar quieto.
Aí a mãe dizia-lhe: Está sossegado, deixa o senhor falar e dava-lhe beliscões na bossa. A única
vontade do jovem dromedário era chorar e ir-se embora.

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Até que o jovem dromedário se fartou e, correndo para o estrado mordeu o conferencista.
Camelo! - disse o conferencista, irritadíssimo.
E a assistência começou toda a gritar: Camelo! Sua porcaria de camelo! Mas era mentira,
porque ele era um dromedário impecável.

O dromedário é um animal geralmente pacífico, mas não suporta os conferencistas faladores:


sobe-lhe logo o sangue à bossa.

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“O Lobo Feroz”1

O bosque era o meu lar. Vivia no Bosque e gostava muito. Preocupava-me sempre por o
manter limpo e arrumado. Quando …
Num dia de sol, andava eu a recolher o lixo que uns excursionistas mal-educados deixaram no
chão, quando senti passos. Escondi-me atrás de uma árvore e vi surgir uma menina, vestida de
uma forma muito divertida, toda de vermelho e com a cabeça coberta, como se não quisesse
que a vissem.
Naturalmente, tratei de investigar. Perguntei-lhe quem era, de onde vinha, para onde ia, etc.
Ela disse-me, cantando e dançando, que ia a casa da sua avozinha com a cesta do almoço.
Pareceu-me uma pessoa honesta, mas estava no MEU bosque e, com aquela roupa estranha,
parecia suspeita. Decidi então dar-lhe uma lição e ensinar-lhe como é perigoso entrar no
bosque sem avisar e, ainda para mais, vestida daquela forma tão estranha. Deixei-a seguir o
seu caminho, mas corri logo para casa da sua avozinha.
Quando cheguei, vi uma simpática velhinha e expliquei-lhe o problema. Ela concordou que a
sua neta precisava de uma lição. Assim, a velhinha concordou comigo em permanecer
escondida até que eu a chamasse e escondeu-se debaixo da cama.
Quando a menina chegou, convidei-a a entrar para o quarto onde estava deitado, vestido com
a roupa da avozinha. A menina chegou, toda corada, e disse-me qualquer coisa desagradável
sobre as minhas orelhas. Já antes tinha sido insultado, assim que fiz um esforço para ser
amável e disse-lhe que as minhas grandes orelhas eram para a ouvir melhor. Gostava da
menina e tratava de lhe dar toda a atenção, mas ela fez outra observação desagradável sobre
os meus olhos salientes. Os senhores compreenderão que comecei a sentir-me mal; a menina
era bonita, mas muito antipática. No entanto, segui a política de dar a outra face e disse-lhe
que os meus olhos me ajudavam a vê-la melhor. Mas o seu insulto seguinte conseguiu
encolerizar-me. Sempre tive problemas por os meus dentes serem tão grandes, mas esta
menina fez um comentário deveras desagradável. Sei que me devia ter controlado, mas saltei

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Adaptado de uma versão de Lief Fearn (San Diego, Califórnia), publicada pela Amnistia Internacional Londres em
“Teaching and Kearning about Human Rights”

1
da cama e rosnei-lhe mostrando-lhe os meus dentes e disse que eram tão grandes para a
comer melhor.
Sejamos sérios: nenhum lobo pode comer uma menina. Toda a gente o sabe, mas aquela
menina louca começou a correr pelo quarto a gritar e eu corria atrás dela para a acalmar.
Como tinha vestida a roupa da avozinha, tirei-a, mas foi pior. De repente, abriu-se a porta e
entrou um lenhador com um machado enorme. Mal olhei para ele, pressenti que corria perigo,
assim que saltei pela janela e fugi.
Gostava de lhes dizer que este é o fim da história, mas desgraçadamente não é assim, pois a
avozinha nunca contou a minha versão. Pois é, não foi preciso muito tempo para que corresse
o boato de que eu era um lobo mau. E toda a gente começou a evitar-me.
Não sei o que aconteceu àquela menina antipática e vestida de uma forma tão estranha, mas
eu nunca mais pude ser feliz …

a) Quais eram os teus sentimentos pelo lobo mau, antes de ouvir esta história?
b) Agora que escutaste a verão do lobo, como te sentes relativamente a ele?
c) Quais eram os teus sentimentos pelo capuchinho vermelho antes de ouvir esta
história?
d) O que pensas agora do capuchinho vermelho?
e) Existiu alguma situação na tua vida em que tenhas pensado de uma maneira e
mudado de opinião ao escutar a versão de outra pessoa?
f) O que aprendeste com esta história e com a sua discussão?

2
O Príncipe e o Mágico

Era uma vez um príncipe que acreditava em tudo menos em três coisas.
Ele não acreditava em ilhas,
Ele não acreditava em princesas
Ele não acreditava em Deus.
O seu pai, o rei, disse-lhe que tais coisas não existiam.
Como não existiam princesas nem ilhas no reino do seu pai, nem qualquer sinal de
Deus, o príncipe acreditava no seu pai.

Um dia o príncipe saiu do palácio e viajou até ao reino vizinho.
Aproximou-se do mar e ao longo de toda a costa, para seu grande espanto, avistou
ilhas e nessas ilhas viu estranhas criaturas que não ousou nomear. Quando procurava
um barco para tentar visitar a ilha mais próxima, avistou um homem que passeava na
praia envergando um longo manto.

São verdadeiras aquelas ilhas? -- perguntou o jovem príncipe.
Claro que são verdadeiras! respondeu o homem do manto.
E que criaturas estranhas e perturbadoras são aquelas?
São todas genuínas e autênticas princesas!
Então … Deus deve existir! -- gritou o príncipe.

Eu… sou Deus! -- respondeu o homem do longo manto, fazendo uma pequena vénia.

O jovem príncipe voltou ao seu palácio tão rápido quanto pôde.
Então voltastes! -- exclamou o rei seu pai.
Vi ilhas, vi princesas, vi Deus! -- replicou o jovem príncipe, queixoso.
O rei não se deixou afectar pela exaltação do príncipe:
Na realidade não existem nem ilhas, nem princesas, nem Deus!
Eu vi-os!
Diz-me, como estava vestido Deus?

1
Deus usava um manto...
E estavam as mangas do seu manto dobradas para trás??
O Príncipe lembrou-se … Sim, estavam.
O rei sorriu.
Esse é o uniforme de um mágico! Foste enganado...

Logo, logo, depois desta conversa, o príncipe saiu do palácio e voltou o mais rápido
possível ao reino vizinho.
Ali, no mesmo local, junto à praia voltou a encontrar o mesmo homem do longo manto.

O meu pai, o rei, disse-me quem o senhor é. Disse o Príncipe indignado. Enganou-me
da última vez, mas não me voltará a enganar! Agora sei que as ilhas e as princesas
não são reais porque o senhor é um mágico!
O homem do manto sorriu.
És tu que estás enganado, meu rapaz. No reino do teu pai existem muitas ilhas e
muitas princesas. Só não as vês, meu rapaz, por causa do feitiço que o teu pai te
lançou!

O príncipe voltou a casa imerso nos seus pensamentos. Olhou o seu pai, o rei, olhos
nos olhos e perguntou:
Pai, é verdade que não és um verdadeiro rei, mas sim um mágico?
O rei sorriu. Levantou-se e enrolou as mangas do seu longo manto.
Sim, meu filho, sou apenas um mágico.
Então o homem do outro reino é Deus?
O homem do outro reino é apenas um mágico.
Eu preciso de saber a verdade, a verdade por detrás da magia!

Não há verdade por detrás da magia...

Profundamente infeliz, o jovem príncipe anunciou “Vou matar-me! Não posso viver
assim!”

2
Então, o rei estalou os dedos e, como por magia, fez aparecer a Morte. A Morte
permaneceu à porta e acenou ao príncipe, chamando-o.
O príncipe estremeceu.
Lembrou-se das belas mas irreais ilhas e das irreais mas belas princesas.
Muito bem. Disse o Príncipe. Acho que posso suportar a situação.
Muito bem, meu filho. Também tu, começas, agora, a ser um mágico.

“The Magus” by John Fowles

3
O Vale da Felicidade

Vamos fazer uma viagem até ao vale da felicidade


“Imaginem que vão iniciar uma viagem, uma viagem diferente, mas estão preparados para a aventura,
porque viajar é bom e sentem-se seguros.

A vossa viagem começa agora e têm de atravessar um túnel. Está escuro. De repente, as paredes do
túnel incendeiam-se, mas estão a salvo, apenas sentem o calor que emana das paredes do túnel.
Ao fundo, e crescendo passo a passo, começam a ver uma pequena luz que passa por uma pequena
porta entreaberta e calmamente vão-se aproximando, um pouco mais … A porta é pequenina e para
passarem por ela têm de se baixar. Abram a porta, agachem se e atravessem para o outro lado. Para
trás deixaram o túnel escuro e as paredes de fogo.

Começam então a descer umas escadas e à vossa frente vêem um grande vale. Fantástico. É o “Vale da
Felicidade”. Este vale é lindo: verdejante, cheio de flores de todos os tamanhos e aromas, com cores
vivas e frescas. E os seus perfumes entram pelo vosso nariz a cada inspiração. Ouvem-se os pássaros
em redor, o som da água a correr e o orvalho a tilintar nas folhas. E sentem na face o calor do sol a
brilhar.

O vale da Felicidade está repleto de coisas que gostam de fazer. Olhem, mesmo à vossa frente: uau! Há
tanto tempo que queriam ter tempo para fazer isto …. Imaginem-se a fazê-lo… divirtam-se.

À vossa direita corre um rio. Estão a vê-lo? e no rio há uma ilha onde estão todas aquelas pessoas com
quem estão zangados. Cumprimentem-nas, acenem. Elas não podem aproximar-se de vós, nem sequer
podem ouvi-las. Estão lá, ao longe, naquela ilha. Não vos podem magoar e muito menos zangar-se
convosco.

Virem-se e contemplem mais uma vez o Vale da Felicidade. Sintam o sol a tocar a vossa face, guardem
as cores na vossa memória … que lindo! Não é?… e ouçam o silêncio.

Quando estiverem preparados, regressem do vale da felicidade, sentindo-se mais frescos e calmos,
relaxados. Já não estão zangados, nem frustrados.

HISTÓRIA ADAPTADA DE “ LA RESOLUCIÓN CREATIVA DE CONFLICTOS (MANUAL DE ACTIVIDADES) , W ILLIAM J.


K REIDLER - POR I SABEL OLIVEIRA

1
Reconhecimento e Valorização
(O verdadeiro valor do anel)

Um jovem procurou um sábio tentando encontrar ajuda.


_ Venho, Mestre, porque sinto que tenho tão pouco, que não consigo fazer
nada. Dizem-me que de nada sirvo, que sou torpe e tonto. Mestre, como posso
melhorar? Que posso fazer para que me valorizem mais, para que me dêem o
devido valor?
O Mestre, sem sequer o olhar, disse:
_ Sinto muito meu rapaz, não posso ajudar-te, primeiro devo resolver os meus
próprios problemas. Talvez depois … se tu me quisesses ajudar, eu poderia
resolver o meu problema com mais rapidez e depois talvez te possa ajudar.
_ E..en…encantado Maestro – balbuciou o jovem, que de novo sentia que era
desvalorizado e as suas necessidades postergadas.
_ Bem -, disse o mestre. Tirou então o anel que usava no dedo mindinho da
mão esquerda e entregando-o ao rapaz acrescentou: - Pega naquele cavalo que
está pastando no meu jardim e cavalga até ao mercado. Tenho de vender este
anel para pagar uma dívida. É necessário que recebas por ele o maior valor
possível, mas não aceites menos de uma moeda de ouro. Vai e regressa com
essa moeda o mais rápido que possas..
O jovem pegou no anel, guardou-o cuidadosamente no seu bolso, e partiu.
Cavalgou rapidamente até ao mercado mais próximo e mal chegou começou a
oferecer o anel ao mercadores que por ali passavam e àqueles que ali vendiam
as suas mercadorias.

1
Estes olhavam-no com algum interesse, de cima abaixo e de baixo para cima,
até que o jovem dizia quanto queria pelo anel. Quando o jovem mencionava a
moeda de ouro, uns riam, alguns viravam a cara e outros respondiam de mau
modo. Apenas um senhor, de já avançada idade, foi tão amável como para
perder o seu tempo a explicar-lhe que uma moeda de ouro era muito para dar
por aquele anel.
Com vontade de ajudar, houve alguém que lhe ofereceu uma moeda de prata e
uma panela de cobre. Mas o jovem tinha instruções para não receber menos de
uma moeda de ouro, assim que rejeitou a oferta. Depois de oferecer a sua jóia
a todos os que passavam no mercado – mais de cem pessoas, dizem – e
abatido com o seu fracasso, o jovem montou o seu cavalo e pesarosamente
regressou a casa do Mestre.
Tinha desejado tanto ter ele mesmo uma moeda de ouro para dar ao Mestre!
Poderia oferecer-lha e assim libertá-lo da sua preocupação, para que então o
Mestre lhe pudesse dar ajuda e conselho.
_ Mestre – disse – sinto muito, não é possível conseguir aquilo que me pediste.
Talvez pudesse conseguir duas ou três moedas de prata, mas não creio que
possa enganar alguém quanto ao verdadeiro valor deste anel.
_ Como é importante o que acabaste de dizer, meu jovem amigo! – respondeu,
sorrindo, o Mestre. – Primeiro devemos saber o verdadeiro valor do anel. Volta
a montar o cavalo que deixaste a descansar no meu jardim e vai ao ourives
mais próximo. Quem, melhor que ele, para saber o seu verdadeiro valor? Diz-
lhe que pretendo vender o anel e pergunta-lhe quanto dá por ele. Mas, não
importa quanto ele oferece, não lho vendas. Volta aqui com o anel.
O Jovem voltou a cavalgar.

2
O Ourives examinou o anel à luz do seu candeeiro, olhou-o com a lupa, pesou-o
e disse-lhe:
_ Diz ao teu Mestre, rapaz, que se o quiser vender já não posso dar-lhe mais de
58 moedas de ouro.
_ ??58 moeedaaaas de ouro? - Exclamou o rapaz, não podendo conter a sua
surpresa.
_ Sim, - respondeu o ourives. – Eu sei que, com tempo, até poderíamos obter
por ele 70 moedas de ouro. Mas…, não sei, … se a venda é urgente….
O jovem correu, emocionado, para casa do Mestre, desejoso de lhe contar o
sucedido.
_ Senta-te. – Disse o Mestre, depois de o escutar. – Tu és como este anel: uma
jóia única e valiosa. Apenas um verdadeiro perito te pode avaliar. O que fazes
pela vida pretendendo que qualquer um descubra o teu verdadeiro valor?

E, dizendo isto, voltou a colocar o seu anel no dedo mindinho da sua mão
esquerda.

(Traduzido de: Jorge BUCAY, Recuentos para Demian)

3
TEXTO
O Passeio do Medo e da Dor (a)

Uma vez, o medo e a dor andavam a passear pelo bosque. Estava muito calor
e dirigiram-se a um regato com a água muito fresca e límpida. Despiram-se
rapidamente e foram brincar para a água e ali ficaram muito tempo brincando e
tomando banho, enquanto se refrescavam.

Passado algum tempo chegaram o ciúme, a inveja, a vergonha, a tristeza e a


ira. Também estas deixaram a sua roupa esparramada à borda da água e
meteram-se no regato para tomar banho e brincar. Mas não se encontraram
com as outras emoções, pois estas, que gostavam muito do sossego e da
tranquilidade, andavam um pouco mais longe.

Quando o medo saiu da água e se viu sozinho assustou-se e apressou-se a


sair dali. Era tanta a pressa e o susto, que apenas vestiu metade da sua roupa
e saiu a correr, deixando o resto das suas roupas abandonadas. No entanto,
algo lhe chamou a atenção, era uma camisa de cor vermelha garrida (era da
ira), que tinha uns bonitos desenhos. Deteve-se um instante, mas teve tanto
medo tanto medo que alguém a levasse, que tratou logo de a vestir
rapidamente. E lá continuou o seu caminho. Ia já a meio quando encontrou
outras roupas muito vistosas: violeta (dos ciúmes), amarela (da inveja) e
vermelha (da vergonha) … pensando que alguém as teria esquecido, lembrou-
se de vestir uma peça de cada cor.

Por sua vez, a dor tão dorida estava que não se recordava de onde teria
deixado a sua roupa. Foi assim que decidiu vestir a que encontrou, ou seja, o
resto da roupa que a ira deixara com a pressa e o susto e as calças cinzentas
da tristeza.

1
De repente, a ira recordou-se de que estava a divertir-se muito, mas não queria
deixar de ser a ira, ou seja de estar aborrecida e irritada. Decidiu sair logo do
regato. Mas, ao não encontrar a sua roupa, zangou-se tanto, tanto, tanto, …
mas tanto (!), que não conseguia deixar de pensar (muito irritada) “quem terá
roubado a minha roupa?”. Finalmente, decidiu vestir a que encontrou, que era a
que o medo tinha deixado esquecida.

Quando o ciúme, a tristeza, a inveja e a vergonha saíram da água, viram que a


sua roupa já não estava onde a tinham deixado.
Sabem o que pensaram todas estas emoções, incluída a ira? Todas pensaram
o mesmo: que as outras lhes tinham escondido a roupa!

Mas cada uma pensou, ainda, coisas diferentes:


- A ira pensou que as outras emoções lhe tinham escondido a roupa para que
ela nunca mais fosse brincar com elas para o regato e que não queriam estar
com ela porque estava sempre a resmungar … e pensou que na realidade
tinha medo de que ninguém gostasse dela tal como era;
- O ciúme começou a suspeitar que a inveja e a tristeza eram muito amigas e
queriam pô-lo de lado;
- A vergonha, tinha tanta, mas tanta vergonha … e lembrou-se que, na
realidade, tinha medo de que as outras se rissem dela e a criticassem e nunca
mais a procurassem para brincar;
- Por sua vez, a inveja pensou que as suas companheiras eram muito mais
bonitas que ela e deu-se conta de que tinha medo de que a roupa não lhe
ficasse tão bem como às outras, pois achava que era gorda e feia … e por isso
evitavam a sua companhia.
- A tristeza começou a chorar compulsivamente, e chorava e chorava, pois
pensava que nunca mais iria encontrar as suas calças preferidas, aquelas que
a sua mãe lhe tinha feito com tanto carinho. O que iria dizer-lhe agora?

2
Dizem que foi assim que, desde aquele dia, a dor e o medo passaram a andar
vestidos de ira, tristeza, ciúme, inveja e vergonha e, muitas vezes, é difícil
saber quem elas são na realidade.

Por isso, os que conhecem esta história sabem que quando alguém está muito
irritado ou com ciúmes, inveja, tristeza ou vergonha, é provável que, na
realidade, por detrás destas emoções, estejam escondidas o medo e a dor.

(a)
Traduzido por Isabel Oliveira de Ramos Mejía, C. “Um mirar, un decir, un sentir en la Mediación Educativa”

3
A HISTÓRIA DO MARTELO

“Um homem queria pregar um quadro. Já tinha o prego, mas faltava-lhe o


martelo. O vizinho tinha um. Deste modo, o nosso homem decidiu ir pedir ao
vizinho que lhe emprestasse o martelo. Mas surgiu-lhe uma dúvida: - “O
quê? E se ele não mo quiser emprestar? Agora me lembro que ontem me
cumprimentou um pouco distraído. Talvez tivesse pressa. Mas talvez a pressa
fosse um pretexto e ele tenha alguma coisa contra mim. Que posso eu fazer?
Não lhe fiz nada; meteu-se-lhe alguma na cabeça. Se alguém me pedisse
emprestada uma ferramenta, emprestava-lha logo. Porque é que ele não faz o
mesmo? Como é que alguém se pode negar a prestar um favor assim tão
simples? Tipos como este dão-nos cabo da vida. E depois, ainda pensa que
estou dependente dele. Isto é o cúmulo”. Então o nosso homem vai a correr a
casa do vizinho, toca à campainha, a porta abre-se e, antes de o vizinho ter
tempo de dizer “bom dia”, grita-lhe furioso: - “Fique lá com o seu martelo,
sua besta!”

(Watzlawick, P. 1990. “Sempre pode piorar ou a arte de ser (in) feliz”, pp 43-44)

1
OS SONS DO SILÊNCIO

UM Rei mandou o seu filho estudar para o Templo de um Grande Mestre, com o objectivo de o
preparar para ser uma Grande Pessoa. Quando o Príncipe chegou ao Templo, o Mestre
mandou-o sozinho para a Floresta. Apenas poderia regressar um ano depois e cumprida a
tarefa de descobrir todos os sons da floresta.

Quando o Príncipe regressou ao Templo um ano depois, o Mestre pediu-lhe que descrevesse
todos os sons que tinha escutado. E o príncipe respondeu: “Mestre, pude ouvir o canto dos
pássaros, o ruído das folhas, o esvoaçar dos Beija-flor, a brisa acariciando as ervas, o zumbido
das abelhas e o som do vento atravessando os céus”.

Quando terminou o seu relato, o Mestre pediu-lhe que regressasse à Floresta para escutar
mais, tudo o que lhe fosse possível. Intrigado, o príncipe obedeceu à ordem do Mestre,
pensando: “não entendo, já distingui todos os sons da floresta …”. Passou dias e noites inteiras
escutando, escutando, escutando … mas não conseguiu distinguir nada de novo, para além do
que tinha relatado ao Mestre. Certa manhã começou a distinguir alguns sons diferentes de
todos os que tinha escutado antes. E quanta mais atenção prestava, os sons tornavam-se mais
claros. Uma sensação de encanto envolveu o jovem. Pensou: “Estes devem ser os sons que o
Mestre queria que eu escutasse …” e sem pressa ali permaneceu escutando… escutando,
pacientemente. Queria estar seguro de que estava no caminho certo.

Quando regressou ao Templo, o mestre perguntou-lhe o que tinha podido escutar. Paciente e
respeitosamente, o Príncipe disse: “Mestre, quando prestei atenção pude ouvir o inaudível som
das flores abrindo-se, o som do sol a nascer e aquecendo a terra e o das ervas bebendo o
orvalho da noite …”.

O Mestre, sorrindo, assentiu com a cabeça em sinal de aprovação e disse: “escutar o inaudível
é ter a calma necessária para se converter numa grande pessoa. Quando se aprende a escutar
o coração das pessoas, os seus sentimentos mudos, os seus medos não confessados e as
suas queixas silenciosas, uma pessoa pode inspirar confiança em seu redor, entender o que
está errado e atender às reais necessidades de cada um. A morte de uma relação começa
quando as pessoas ouvem apenas as palavras pronunciadas pela boca, sem prestar atenção
ao que existe no interior das pessoas para ouvir os seus sentimentos, desejos e opiniões reais.
É preciso escutar o lado inaudível das coisas, o lado não mensurável, o mais importante do ser
humano …”.

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