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Quebranto

Sentado em banco de concreto, sob à rajada sombra das árvores do campus, percebo a
tarde esvair-se. Não há nela nada que comova: o cão de cor marrom dorme entrouxado em canto
próximo (será que tem falta do técnico, hoje grevista, que o acariciava?); alguns estudantes
conversam em roda; outros, mais dispersos, deixam-se levar pela tarde, enquanto aguardam
algo ou alguém. Enfim, há apenas a tarde calma tangendo a todos.

Nisso, tu irrompes no pátio, abreviando degraus apressadamente. Contudo, não


pertences à tarde. Com a mente voltada estritamente aos teus afazeres de estudante, conferes
folhas que traz abraçadas ao peito e gira o pulso e vê hora. Acompanho teus passos ágeis que
ganham metros sobre metros no corredor vermelho. És moça feita que não se deixa abater por
marasmo de tarde algum, penso comigo enquanto ponho reparo em tua respiração ofegante e
tua boca vermelha. És bela de porte e de rosto, concluo. Na agilidade com que vens, dispersa,
passas rente ao banco em que me encontro. Fito-te profundamente no rosto de modo a chamar-
lhe a atenção para mim, perdido na sombra da tarde, deixando que, logo em seguida, tu me
vejas. Volto os olhos para um canto qualquer e sinto o teu olhar recaindo sobre mim, e é como
se me tocastes. Ao voltar a vista para ti, percebo-nos mudados: não se trata mais de uma moça
apressada para seus compromissos, que servilmente olha as horas e força o passo; tão pouco
sinto mais aquela tarde calma tão presente. Há então apenas uma fêmea que atrai minha atenção
para seus recurvados, enquanto eu, macho inocentemente, acredito que caço. Na selvageria
daquele instante, tu abandonas da cabeça teus compromissos e dedicas, por inteiro, a levar-me
junto ao teu traquejar esmerado. Somos então confidentes, pois trocamos afetos que os demais
participantes daquela tarde rajada não tomaram conta. Não há espaço para qualquer
atrevimento. Não assovio porque não é necessário nem minha criação permite, apenas
acompanho teus passos; tu, senhora de si e de mim, que segues caminho cruzando pernas,
avantajando curvas e grifando, com o cabelo, o valor da própria anca. Enfeitiçado, percebo ser
imperiosamente levado por teus passos fincados com rigidez no chão vermelho e é a tua carne
comprimida na roupa que ainda guia meus olhos enquanto distancias.

A tarde, a sombra rajada que as árvores lançam sobre mim, os demais estudantes e o
cachorro que dorme deixam, pois, de estar suspensos. Agora, não mais aquebrantado por ti,
sinto um vazio na tarde e outro no peito.

Sabino.

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