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A legítima e a outra

LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO


Adaptação: Alex Capelossa

OUTRA (entrando no velório, a legítima está ao lado do moribundo) Querido!


LEGÍTIMA (nem se mexeu)
OUTRA O que você fez com ele? (a legítima ignora) Eu sabia que cedo ou tarde você o mataria! (a
legítima continua uma pedra) Só comigo ele tinha o carinho de que precisava. Você fez
isso com ele! Você! Com sua frieza, com sua maldade, com sua...
LEGÍTIMA (satisfeita) Nós estávamos fazendo amor.
OUTRA (chocada) Mentira! Mentira!
LEGÍTIMA (triunfante) Ele morreu nos meus braços. (pequena pausa) Morreu nos meus braços, está
ouvindo?
OUTRA Despeito! Despeito! Ele só fazia amor comigo.
LEGÍTIMA Sabe quais foram as suas últimas palavras?
OUTRA (tampando os ouvidos) Eu não quero ouvir!
LEGÍTIMA Suas últimas palavras foram “agora cruza”!
OUTRA Não!
LEGÍTIMA Sim! Sim! Nós estávamos fazendo alicate!
OUTRA Não! Alicate, não!
LEGÍTIMA Sim! Tudo o que ele fazia com você, ele fazia em casa. Experimentava em você para fazer
comigo.
OUTRA (incrédula) A borboleta também?
LEGÍTIMA A borboleta, a chinesa assobiadora, o baile dos cossacos...
OUTRA (desesperada) Não!
LEGÍTIMA Tudo. Tudo! Você era um campo de provas. Eu era pra valer. Com você era treino.
Comigo era pelos pontos!
OUTRA (grita em desespero – aparece uma pessoa para tirá-la de lá – antes de sair) O salgueiro
despencado ele não fazia com você!
LEGÍTIMA Fazia! Fazia!
OUTRA (a outra é retirada do velório – sozinha ela sussurra no ouvido do corpo) Joca? (insistindo)
Joca? Como era o salgueiro despencado? (após uma pausa, começa a bater no corpo em
desespero) Seu safado. Como era o salgueiro despencado?

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