Você está na página 1de 36

nota de abertura

Gazeta de Física Vol. 22 (1999) Fasc. 3


Os leitores têm
Director Carlos Fiolhais
Editor Carlos Pessoa
a palavra
Correspondentes Paulo Crawford (Lisboa),
Rui Ferreira Marques (Coimbra) e Fátima Pinheiro
(Porto).
Ao segundo número, o efeito de surpresa já só é parcial.
Colaboraram ainda neste número Ana Eiro, Ou seja, os leitores podem contar com a concretização de um
Augusto Barroso, Célia Sousa, Eduardo Lage, dado figurino gráfico e editorial, desvendado anteriormente,
Ermelinda Antunes, Fernanda Vasconcelos, Francisco
mas manterão intacta — pelo menos, assim o esperamos... — a
Lobo, Guilherme de Almeida, Hugo Natal da Luz,
José António Paixão, José Luís Martins, Manuel sua curiosidade acerca do que lhes vai ser proposto como
Fiolhais, Nilza Costa, Paulo Crawford e Rui Medeiros conteúdos nesta edição da “Gazeta”.
Silva.
Esperamos que as suas expectativas não saiam defraudadas.
Secretariado Maria José Couceiro (Lisboa) e Carolina
E, para o conseguir, reunimos um conjunto interessante de
Borges Simões (Coimbra).
artigos, entrevista, notícias, opiniões e tudo o mais que poderá
Design Lupa, R. da Graça, 140- 2º 1170-171 Lisboa ser lido nesta edição. Para além das secções “convencionais”
E-mail lupa@esoterica.pt — noticiário diverso sobre a Física em Portugal e no mundo,
Pré-impressão e Impressão projectos “Ciência Viva”, movimento editorial e, naturalmente,
Textype Artes Gráficas Lda. os ecos da dinâmica própria da SPF —, destacamos os dois
Tiragem 1500 exemplares
artigos apresentados nesta edição. Os conteúdos, metodologias
Preços Número avulso 650$00 (inclui IVA), ou 3,25 e objectivos são, como se constatará, distintos, mas preenchem
euros. Consultar a administração para condições de na sua diversidade linhas de trabalho que a “Gazeta” pretende
assinatura. trazer ao conhecimento dos seus leitores.

Propriedade da Sociedade Portuguesa de Física índice


Sabe quem é José Luís
Martins? O físico português
Administração e Redacção
cujos trabalhos têm maior artigos
Avenida da República, 37-4º 1050-187 Lisboa
número de citações nas “Wormholes“: 4
Tel. 21 799 36 65; Fax 21 795 23 49
túneis no espaço-tempo
publicações científicas
Francisco Lobo e Paulo Crawford
ISSN 0367-3561 internacionais é o nosso
Registo DGCS nº 107280 de 13/5/80
entrevistado deste número. O trabalho experimental no ensino de 11
Depósito Legal nº 51419/91
Vale a pena ler. tópicos de Electricidade (8° ano)
Publicação Trimestral
Uma palavra final de Fernanda Vasconcelos e Nilza Costa
Publicação subsidiada pela Fundação para a Ciência
e Tecnologia do Ministério da Ciência e Tecnologia. desafio aos nossos leitores:
entrevista
queremos saber o que “Um Nobel não tem 16
A Gazeta de Física publica artigos, com índole de divul- pensam da “Gazeta”, e isso emprego em Portugal“
gação, considerados de interesse para estudantes,
significa que precisamos Entrevista com José Luís Martins
professores e investigadores em Física. Deverá constituir
também um espaço de informação para a actividades da das sugestões, críticas, Carlos Pessoa
SPF, nomeadamente as suas Delegações Regionais e Divi- comentários e ideias que
sões Técnicas. Os artigos podem ter índole teórica, expe- notícias
rimental ou aplicada, visando promover o interesse dos a leitura da revista lhes
Física em Portugal 18
jovens pelo estudo da Física, o intercâmbio de ideias e sugerir. Sem isso, o nosso
experiências profissionais entre os que ensinam, investi-
Física no Mundo 24
gam ou aplicam a Física. As opiniões expressas pelos auto- esforço de melhorar a Sociedade Portuguesa de Física 30
res não representam necessariamente posições da SPF. qualidade da publicação Projectos “Ciência Viva” 31
ficará incompleto. Ficamos Olimpíadas de Física 32
Os manuscritos devem ser submetidos em duplicado,
dactilografados em folhas A4 a dois espaços (máximo à espera.
equivalente a 3500 palavras ou 17500 caracteres, livros e multimédia 34
Até lá, boa leitura.
incluindo figuras, sendo que uma figura corresponde em
média a 140 palavras). Deverão ter sempre um curto opinião 37
resumo, não excedendo 130 palavras. Deve(m) ser
indicado(s) o(s) endereço(s) completo(s) das instituições
dos autores, assim como o endereço electrónico para
cartas dos leitores 38
eventual contacto. Agradece-se o envio dos textos em
disquete, de preferência “Word” para Macintosh ou PC.
Os originais de figuras devem ser apresentados em
folhas separadas, prontos para reprodução, e nos
formatos electrónicos jpg, gif ou eps.
artigos

“Wormholes”:
Túneis no
Espaço-Tempo
Francisco Lobo * Existem soluções das equações de Einstein que
Paulo Crawford * descrevem túneis ou wormholes transitáveis no espaço-
-tempo. Poder-se-á utilizar uma geometria destas para
efectuar viagens interstelares rápidas? Esta questão tem
sido avançada nos últimos tempos. No entanto, a
matéria que constitui um tal wormhole (transitável) tem
densidade de energia negativa, o que viola algumas
condições de energia fundamentais. Por isso, ela se
designa por matéria exótica. Apesar desta e doutras
dificuldades, não existe uma prova irrefutável da
inexistência de wormholes, pelo que nada nos impede de
os considerar possíveis.

Mostramos aqui como construir wormholes transitáveis e


analisamos as condições necessárias para uma viagem
confortável de seres humanos através deles. Trata-se do
desenvolvimento da ideia de Carl Sagan no seu livro
Contacto, que deu origem ao filme com o mesmo nome.

4 Gazeta de Física
wormholes: túneis no espaço-tempo

Introdução
É frequente os escritores de ficção científica considerarem Se fosse possível a formação e a estabilização dos túneis
buracos negros para viagens interestelares rápidas. de Kerr, estes possuiriam singularidades em forma de anel.
Imaginam viajantes intrépidos lançando-se num buraco Se a física fosse puramente clássica e o buraco negro
negro e encontrando-se subitamente numa região distante suficientemente grande e com rotação elevada, um
do universo. Para ilustrar tais buracos recorre-se viajante facilmente atravessaria a singularidade. No
normalmente a soluções esfericamente simétricas das entanto, a teoria quântica de campos prevê que as
equações de Einstein, por serem as mais fáceis de tratar. singularidades quebram o estado de vácuo (quântico),
No entanto, podem levantar-se objecções muito sérias às irradiando um fluxo intenso de partículas de altas
viagens interestelares através de buracos negros energias que certamente mataria qualquer viajante.
esfericamente simétricos.

Em primeiro lugar, no caso mais simples, conhecido por


buraco negro de Schwarzschild, as forças de maré na
vizinhança do buraco podem produzir acelerações tão
grandes que esmagariam qualquer viajante, comprimindo-o
transversalmente e esticando-o na direcção longitudinal.
Em segundo lugar, a fronteira do buraco, conhecida por
horizonte de acontecimentos, pode ser considerada uma
“membrana” com um só sentido, através da qual os
objectos entram mas não podem sair. Logo, uma viagem
Fig. 1 Diagrama de um wormhole que liga dois universos diferentes.
nos dois sentidos é estritamente proibida a não ser que o
buraco negro tenha carga eléctrica, sendo então a sua
geometria dada pela solução de Reissner-Nordstrom, e o
objecto de saída seja um buraco branco. Os buracos
brancos possuem anti-horizontes, que são superfícies
instáveis face a pequenas perturbações e das quais só
podem emergir objectos ou luz mas nada pode entrar.
Como resultado dessa instabilidade, o anti-horizonte pode
converter-se em horizonte, num intervalo de tempo
extremamente pequeno. Esta conversão, que ocorre pouco
depois da criação do anti-horizonte, impede na prática
uma travessia nos dois sentidos.

Uma outra solução das equações de Einstein, sem simetria Fig. 2 Diagrama de um wormhole que liga duas regiões distintas de
um espaço-tempo.
esférica mas com simetria em torno de um eixo, é a
solução de Kerr, que descreve buracos negros em rotação.
Esta geometria possui no seu interior túneis que ligam
regiões assimptoticamente planas do espaço-tempo. Se Os wormholes (tradução à letra: buracos de verme)
aceitarmos a formação dos túneis de Kerr, estes não oferecem um mecanismo para viagens interstelares
existiriam por muito tempo devido à presença de rápidas. A Fig. 1 apresenta um diagrama de um wormhole
horizontes de Cauchy: superfícies nulas (i.e., luminosas) que liga dois universos diferentes; a Fig. 2 apresenta duas
para além das quais se quebra a previsibilidade. Estes regiões distantes do mesmo universo. Ambos os
horizontes de Cauchy também são instáveis relativamente wormholes são descritos pela mesma solução das equações
a pequenas perturbações. Um pacote de ondas luminosas de Einstein, a solução de Schwarzschild, diferindo apenas
incidente sofreria um blue-shift, com um aumento nas suas topologias. Saliente-se que estas equações não
exponencial da energia ao aproximar-se do horizonte de impõem restrições à topologia das soluções.
Cauchy, dando origem a campos gravitacionais intensos
que fechariam os túneis, convertendo-os possivelmente Mas também existe uma série de objecções às viagens
em singularidades físicas. Logo, o interior de um buraco interestelares utilizando os wormholes de Schwarzschild.
negro de Kerr não deve possuir túneis a ligar regiões As forças de maré de origem gravitacional na garganta
diferentes do espaço-tempo, mas singularidades que destes wormholes têm a mesma ordem de grandeza que as
também esmagariam qualquer viajante. do horizonte do buraco negro de Schwarzschild.

Gazeta de Física 5
wormholes: túneis no espaço-tempo

Propriedades do Wormhole Transitável


Como vimos, existem várias objecções à possibilidade de
se realizarem viagens interstelares através de buracos
negros ou de wormholes de Schwarzschild. Para se tornar
transitável um wormhole deverá possuir as seguintes
propriedades:

1. Geometria esfericamente simétrica e estática. É uma


condição imposta para simplificar os cálculos.
2. Ser solução das equações de Einstein.
3. Conter uma garganta (um fragmento estreito do
espaço-tempo, extremamente curvo) ligando duas
Fig. 3. Processo de expansão e contracção de um wormhole de Schwarzschild. regiões assimptoticamente planas do espaço-tempo.
4. Ausência de horizontes para permitir a viagem nos
dois sentidos.
Um wormhole de Schwarzschild é dinâmico. Expande-se a 5. Forças de maré pequenas, para não destruir possíveis
partir de uma circunferência nula (dois universos viajantes.
desligados) até um valor máximo na garganta, e depois 6. Permitir que um viajante possa atravessar o wormhole
contrai-se para um valor nulo (Fig. 3). Este processo de num tempo próprio e num tempo coordenado
expansão e contracção é tão rápido que é impossível razoáveis. Este último é medido por um observador
efectuar uma viagem sem se ser esmagado pela muito afastado das fontes do campo gravítico.
contracção. Tal como o buraco branco, o wormhole de 7. A matéria e os campos que geram a curvatura do
Schwarzschild possui um anti-horizonte e é altamente espaço-tempo são descritas por um tensor de energia-
instável relativamente a pequenas perturbações. -momento com significado físico.
8. A solução deve ser estável para pequenas perturbações
durante a passagem do viajante.
9. Finalmente, o wormhole deve ser construído com uma
quantidade de matéria finita, certamente inferior ao
conteúdo material do universo, e num intervalo de
tempo finito, claramente inferior à idade do universo.

1. A métrica
Fig. 4 Kip Thorne atavessa um wormhole. Na ausência de campo gravítico, a geometria do espaço-
-tempo é plana, i.e., se dois acontecimentos A e B são
infinitesimalmente próximos então existe um conjunto
Em 1986 Kip Thorne e Michael Morris descobriram [1] infinito de sistemas de coordenadas tais que as diferenças
uma solução das equações de Einstein que descreve um das coordenadas temporal e espaciais, dt, dx, dy, e dz
wormhole transitável (Fig. 4). É uma solução relativamente medidas num dado sistema de coordenadas, estão
simples, inspirada em parte por um desafio de Carl Sagan relacionadas pela expressão invariante conhecida por
sobre a possibilidade real de viagens interstelares rápidas, métrica do espaço-tempo [2]
ideia que é utilizada no seu livro Contacto, que deu
origem ao filme com o mesmo nome (Fig. 5). (1)

Os campos gravíticos deformam o espaço-tempo de tal


modo que a Eq. (1) deixa de ser válida. Para o caso de um
wormhole, vamos considerar um espaço-tempo estático e
esfericamente simétrico dado pela métrica

(2)

onde Φ=Φ(r) e b=b(r) são funções arbitrárias da


Fig. 5 O diagrama de imersão do wormhole transitável coordenada radial; b(r) determina a forma do wormhole
utilizado em Contacto em que uma personagem viaja (por isso se designa função de forma); Φ(r) determina o
da Terra a Vega. redshift de origem gravitacional (e é designada função de

6 Gazeta de Física
wormholes: túneis no espaço-tempo

redshift). A coordenada radial r tem um significado (i.e., a pressão radial a menos de um sinal negativo); e
geométrico específico, em que 2π r é a circunferência de p(r) é a pressão medida nas direcções angulares (direcções
um círculo centrado na garganta do wormhole. Portanto, r ortogonais à direcção radial).
é não-monótona uma vez que diminui de +∞ até um valor
mínimo, b0, na garganta, aumentando novamente para +∞.
3. As equações de Einstein
Num espaço-tempo estático e assimptoticamente plano, as As equações de Einstein para a métrica dada pela Eq. (2),
superfícies não-singulares onde g00 = -e2Φ →0 identificam depois de referidas a uma base ortonormada, ficam:
os horizontes. Por exemplo, o wormhole de Schwarzschild
possui um horizonte precisamente na garganta, r=2GM/c2. (4)
Logo, a condição do wormhole não possuir qualquer
horizonte corresponde ao facto de Φ(r) ser finita em (5)
qualquer ponto do espaço-tempo.
(6)
Os cálculos subsequentes e a respectiva interpretação
física serão simplificados utilizando uma base de vectores A nossa escolha de b(r) fornecerá ρ(r) através da Eq. (4);
ortonormados, associados ao referencial próprio de um Φ(r) e b(r) forneceram τ(r), e, portanto, p(r).
conjunto de observadores em repouso no sistema de
coordenadas com (r,θ,φ) constante,
A matemática da imersão
Utilizam-se diagramas de imersão para demonstrar que a
métrica (2) descreve um wormhole. A geometria do espaço
tridimensional com a coordenada temporal fixa tem um
interesse particular. Como esta geometria é esfericamente
simétrica, podemos confinar a análise a um plano
Nessa base a métrica toma localmente a forma dada pela equatorial (θ=π/2), sem perda de generalidade. O elemento
Eq. (1) e as equações de Einstein, , de linha, com t=const. e θ=π/2, vem agora
que relacionam a curvatura do espaço-tempo com as
distribuições de massa-energia representadas pelo tensor (7)
energia-momento, , ficam aqui reduzidas as três
equações, como veremos adiante. O objectivo da imersão é construir uma superfície
(bidimensional) do espaço euclidiano tridimensional, com
a mesma geometria do plano equatorial descrito acima,
2. O tensor energia-momento i.e., queremos visualizar a camada equatorial removida do
Sabe-se que a única solução de vácuo ( )e espaço-tempo e imersa no espaço euclidiano.
esfericamente simétrica das equações de Einstein é a
solução de Schwarzschild. Mas, como o wormhole de Utilizam-se as coordenadas cilíndricas z, r e φ no espaço
Schwarzschild não é transitável, somos obrigados a exigir euclidiano de imersão (Figs. 1 e 2), cuja métrica tem a
um tensor energia-momento não nulo para construir um seguinte forma:
wormhole transitável.

Na base ortonormada o tensor de Einstein, , tem a A superfície de imersão apresenta uma simetria axial e
mesma estrutura algébrica do tensor energia-momento, pode ser descrita pela função z(r). O elemento de linha é:
, portanto, este tensor só tem três componentes
não-nulas que são , , . Como os
observadores estáticos utilizam os vectores de base
ortonormados, cada uma das componentes do tensor de que é o mesmo da Eq. (7) se identificarmos as coordenadas
energia-momento tem uma interpretação física simples: (r, φ) do espaço de imersão com as coordenadas (r, φ) do
espaço-tempo do wormhole. Logo a função z(r) satisfaz a
relação

(3)
(8)

em que ρ(r) é a densidade de massa-energia total; τ(r) é a o que mostra o modo como b(r) condiciona a forma do
tensão por unidade de área medida na direcção radial wormhole.

Gazeta de Física 7
wormholes: túneis no espaço-tempo

Forças de maré e tempo de travessia no wormhole Para que o viajante sinta uma aceleração menor ou igual
Imaginemos uma viagem através do wormhole, numa à aceleração gravítica terrestre exige-se que
direcção radial, em que o viajante parte do repouso de
uma estação espacial no universo inferior, em l=-l1, e
(10)
termina numa estação espacial no universo superior, em
l=+l2. Designemos por v(r) a velocidade radial do viajante,
medida por um observador estático em r e seja (iii) As acelerações de maré, , entre as várias partes
, com β=v/c. O valor de v(r) é dado pela do corpo do viajante também não deverão exceder a
derivada da distância própria percorrida pelo viajante, dl, aceleração gravítica terrestre g⊕ . Designemos por a
em ordem ao tempo próprio medido pelo observador separação vectorial entre duas partes do corpo do viajante
estático, dτs=eΦdt. Temos então as equações: (por exemplo, a separação entre a cabeça e os pés). é
puramente espacial no referencial próprio do viajante, i.e.,
.

A aceleração de maré entre duas partes do corpo do


viajante é dada pela equação do desvio geodésico:
, onde são as
em que dτ é o tempo próprio medido pelo viajante, que se componentes do tensor curvatura de Riemann. Com base
relaciona com dτs por uma transformação de Lorentz nesta equação é ainda possível impôr condições na
dτ=dτs/γ. O sinal - refere-se à primeira parte da viagem velocidade, v, do viajante ao atravessar o wormhole e na
(no universo inferior); o sinal + refere-se à segunda função de redshift Φ, mas evitámos apresentá-las aqui.
parte da viagem (no universo superior).

Para que seres humanos possam realizar comodamente Restrições impostas à tensão e à densidade de
uma viagem através de um wormhole impomos três energia na garganta do wormhole
condições: As restrições impostas à função de forma, b(r), do
(i) A viagem deve demorar pouco tempo, digamos menos wormhole implicam que, através das equações de Einstein
de um ano, quer para o viajante quer para os observadores (4)-(6), surjam restrições na densidade de massa-energia,
nas estações -l1 e +l2. ρ, na tensão radial, τ, e na pressão lateral, p, que geram a
curvatura do espaço-tempo. As restrições mais severas
ocorrem na garganta do wormhole. A tensão radial na
(9) garganta é:

(ii) A aceleração sentida pelo viajante não deve exceder a


aceleração gravítica terrestre g⊕ . Localmente, podemos Para analisar as tensões na garganta e na sua vizinhança,
introduzir uma outra base ortonormada no referencial definimos a seguinte função sem dimensões, utilizando as
próprio do viajante, , definida em função equações de campo (4) e (5) e substituindo as funções τ e
da base ortonormada dos observadores estáticos, ρ pelas funções b e Φ :
, pela transformação de Lorentz :
(11)

Na garganta ou nas suas vizinhanças: .

A condição τ0 > ρ0c2, estipulando uma tensão radial na


garganta superior à densidade de massa-energia, introduz
uma dificuldade na construção de um wormhole. Como a
é o quadrivector velocidade do viajante. O quadri- matéria usual não goza dessa propriedade, essa matéria
vector aceleração do viajante é . Logo, designa-se por matéria exótica. A natureza exótica dessa
os dois quadrivectores são ortogonais entre si e, portanto, matéria, está associada às medições efectuadas por
. Como o viajante se observadores que se movam através da garganta com uma
move radialmente, a sua aceleração tridimensional tem velocidade radial próxima da velocidade da luz, i.e., γ >>1.
apenas a componente radial, i.e., e , Qualquer desses observadores medirá uma densidade de
onde a é a intensidade da aceleração. massa-energia negativa: ρc2<0 , pois

8 Gazeta de Física
wormholes: túneis no espaço-tempo

Um wormhole é um atalho hipotético que liga duas ções de campo de Einstein que
regiões de um espaço-tempo. Contém duas entradas que apresentavam algumas caracte-
designamos por bocas, ligadas por um túnel, cuja rísticas peculiares [1].
circunferência mínima chamamos a garganta. Pode-se Nomeadamente, a matéria que
visualizar um wormhole através de um diagrama de constitui o wormhole tem uma
imersão, que idealiza um espaço-tempo com apenas duas densidade de energia negativa,
dimensões espaciais. Neste diagrama, a garganta do quando observada por um via-
wormhole é representada por uma circunferência, mas no jante que atravessa o wormhole
espaço-tempo tetradimensional seria uma esfera. a uma velocidade elevada. Diz-se,
por vezes, que esta matéria é
Os wormholes foram descobertos matematicamente como exótica, porque viola algumas
soluções das equações de campo por Flamm em 1916, condições de energia que são
poucos meses depois de estas serem formuladas por fundamentais para os teoremas
Einstein. Em 1935, Einstein e Rosen, numa tentativa de clássicos sobre singularidades do espaço-tempo.
construir um modelo geométrico de uma partícula Aparentemente, as leis da física clássica proíbem as densi-
elementar, encontraram soluções que representavam o dades de energia negativas, mas a teoria quântica de campo
espaço físico por dois planos idênticos, em que a partícula prevê a sua existência, violando por isso algumas destas
era representada por uma ponte que ligava os dois planos. condições de energia. Este assunto continua a ser alvo de
Esta solução posteriormente ficou conhecida por “ponte intensa investigação. Espera-se que uma eventual teoria
de Einstein-Rosen”. da gravitação quântica venha a resolver o problema.

Os wormholes foram alvo de estudo exaustivo na década Se é certo que os buracos negros parecem ser uma conse-
de 50 pelo físico norte-americano John Wheeler e seus quência inevitável da evolução estelar, já não se pode
colaboradores. No entanto, nenhuma das soluções a que afirmar que exista um mecanismo natural para a criação
chegaram representa um wormhole transitável no espaço- de wormholes. Pergunta-se: será que uma civilização
-tempo. As soluções encontradas eram as de um wormhole infinitamente avançada poderia construir um wormhole
dinâmico, que, uma vez criado, se expandia até um valor para realizar viagens interstelares? Será que as leis da
máximo da gargan-ta, contraindo-se novamente até a física permitem a construção de wormholes e a mudança
garganta desaparecer. topológica associada? Atendendo às flutuações gravitacio-
A expansão e a contracção do wormhole é tão rápida que nais do vácuo, predomina uma espuma quântica com uma
impede a travessia de qualquer viajante ou mesmo de um topologia multiplamente conexa à escala de Planck.
raio luminoso. Podemos imaginar uma civilização avançadíssima a
Os físicos têm sido bastante cépticos em relação aos extrair um wormhole da espuma quântica e a expandi-lo
wormholes. Em finais da década de 80 deu-se um renas- até dimensões clássicas. Thomas Roman oferece outra
cimento, em parte devido a um desafio, lançado por Carl perspectiva interessante [5]. Considera a formação de um
Sagan a Kip Thorne, sobre a possibilidade real de viagens wormhole no big-bang através de uma flutuação quântica
interstelares rápidas, ideia utilizada no livro Contacto que se expandiu exponencialmente durante a inflação do
(saído na Gradiva). Foram encontradas soluções das equa- universo, atingindo dimensões clássicas.

Mesmo os wormhole não-estáticos e sem simetria esférica forte e dominante que são fundamentais para demonstrar
são constituídos por matéria cuja densidade de energia é alguns dos teoremas sobre a existência de singularidades.
negativa para alguns observadores. Uma análise
qualitativa é a seguinte: um feixe luminoso (formado por
geodésicas nulas) que entra numa boca e emerge na outra Construção e estabilidade de um wormhole
tem uma secção eficaz que inicialmente diminui e depois transitável
de atravessar a garganta aumenta. A conversão do Seria extremamente desconfortável para um viajante
decréscimo para o acréscimo da secção recta eficaz apenas interagir com matéria sujeita a tensões da ordem de
pode ser produzida pela repulsão gravitacional da matéria τo≈5×1040 N/m2(10 m/b0)2. Existem várias maneiras de
do wormhole, o que corresponde à existência de proteger o viajante. Morris e Thorne sugerem que
densidades de massa-energia (ou pressões) negativas. poderíamos colocar um tubo de vácuo através do
wormhole, com um diâmetro muito menor do que o raio
Por outro lado, a restrição τ >ρc2 viola algumas condições da garganta, e utilizar tensões nas paredes do tubo para
de energia, nomeadamente as condições de energia fraca, evitar o acoplamento da matéria exótica com o viajante.

Gazeta de Física 9
wormholes: túneis no espaço-tempo

Essa possibilidade quebra a simetria esférica do wormhole, quântica. Será possível, num cenário inflacionário do
e obriga a obter soluções das equações de Einstein para universo, converter um wormhole quântico num wormhole
um wormhole não-esférico. De facto, Matt Visser [3] com dimensões clássicas?
aplicou o formalismo das condições de junção e descobriu
soluções de wormholes cúbicos e poliédricos. Essas Qualquer esperança de construir um wormhole depende da
soluções têm a vantagem de um viajante não encontrar futura descoberta de um campo exótico, ou seja, de um
matéria exótica na travessia. Morris e Thorne ainda estado quântico cuja tensão exceda a densidade de
sugerem que a matéria exótica que constitui o wormhole energia à escala macroscópica. Mas mesmo que um tal
(apesar das suas tensões e densidade de energia enormes) campo exótico existisse, há outras dificuldades, nomeada-
acopla muito fracamente com a matéria normal, tal como mente: a mecânica quântica poderá proibir uma mudança
acontece com os neutrinos e as ondas gravitacionais. topológica do espaço-tempo, ou os wormholes serem alta-
mente instáveis, e a matéria exótica acoplar fortemente
Na ausência de uma compreensão mais completa da com a matéria normal, o que impediria a travessia.
matéria exótica, é impossível estabelecer uma análise da
estabilidade do wormhole face a pequenas ou grandes Outra consideração assombrosa acerca dos wormholes é a
perturbações, tal como na travessia de uma nave espacial. sua possível utilização como máquinas do tempo, embora
Mas se o wormhole apresenta instabilidades naturais, uma tal viole aparentemente a causalidade…
civilização avançada poderia monitorizar a sua estrutura e
aplicar forças de feedback de modo a estabilizá-lo (nova Em conclusão: apesar das dificuldades apresentadas, não
sugestão de Morris e Thorne). existe uma prova irrefutável da inexistência de wormholes
como soluções das equações de Einstein da gravitação.
A construção de um wormhole é muito problemática, pois Portanto, não nos resta senão admitir wormholes
implica mudanças da topologia do espaço-tempo (Fig. 6). transitáveis no espaço-tempo como uma possibilidade
Na relatividade geral as mudanças topológicas são teórica e continuar a investigar a matéria exótica e todas
provavelmente acompanhadas de singularidades do as outras consequências incómodas associadas aos
espaço-tempo, as quais só poderão ser compreendidas e wormholes.
talvez evitadas no quadro de uma teoria quântica da
gravitação.

* Departamento de Física e Centro de Física Nuclear da


Universidade de Lisboa
Av. Prof. Gama Pinto, 2 1699 Lisboa
crawford@cosmo.cii.fc.ul.pt

Fig. 6 A mudança da topologia do espaço-tempo na construção


Referências:
de um wormhole. (a) É criada uma deformação na curvatura do [1] Morris, M. S. e Thorne, K. S., “Wormholes in spacetime and their use for
espaço-tempo. (b) Efectua-se uma dobra ligeira no hiperespaço. interstellar travel: A tool for teaching general relativity”, American Journal of
(c) O tecido do espaço-tempo é rompido na deformação e na Physics 56 (1988) 395-411.
dobra, e, em seguida, efectua-se uma colagem. O processo de [2] Crawford, P. e Simões, A. I., “Tempo e Relatividade I e II”, Gazeta de Física,
Vol 9 (1986), 36-40 e 49-56.
rompimento produz uma singularidade, governada pelas leis da
[3] Visser, M., “Lorentzian wormholes: From Einstein to Hawking”, AIP Press,
gravitação quântica.
New York, 1995.
[4] Thorne, K. S., “Black holes and time warps: Einstein’s outrageous legacy”,
Aliás, existem fortes indicações de que os efeitos da Papermac, New York, 1995.
gravitação quântica predominam à escala de Planck, [5] Roman, T. A., “Inflating Lorentzian wormholes”, Physical Review D 47
(1993), 1370-1379.
, produzindo uma espuma
com uma estrutura multiplamente conexa do espaço-
-tempo. Poderíamos imaginar uma civilização
Créditos das Figuras:
avançadíssima a extrair um wormhole transitável dessa
Figs. 1 e 2: Ref. [1]. Figs. 3, 4, 5 e 6: Ref. [4].
espuma quântica, expandindo-o até ele atingir dimensões
macroscópicas.
Thomas Roman oferece uma perspectiva mais realista [5].
Suponhamos que um wormhole transitável se poderia for-
mar no universo recém-nascido, através de uma flutuação

10 Gazeta de Física
artigos
O Trabalho Experimental
no Ensino de Tópicos de
Electricidade (8º ano)
Fe
Nil rnan
+ –
za da
Co Va
sta sco
** nce
los
*

Descrevemos a fundamentação e realização de um estudo conduzido em


ambiente de sala de aula, numa perspectiva construtivista da aprendizagem. Esse
estudo constou da concepção, concretização e avaliação de um conjunto de
estratégias didácticas para o ensino de tópicos de Electricidade, integrados na
unidade “Produção, Distribuição e Utilização da Electricidade”, da disciplina de
Ciências Físico-Químicas do 8º ano de escolaridade. A perspectiva de ensino
subjacente enquadra-se no denominado movimento das concepções alternativas.
Damos uma especial relevância às estratégias didácticas concebidas com recurso
ao trabalho experimental. Os resultados obtidos evidenciam as potencialidades
desse tipo de estratégias.

Introdução
A Electricidade é considerada por muitos alunos um assunto difícil [1] e
referida por diversos investigadores em Didáctica da Física [2] [3] como uma
das áreas onde existem concepções alternativas dos alunos muito estáveis e
resistentes à mudança. Tal põe em causa a eficácia de uma abordagem
tradicional de tópicos dessa área, nomeadamente circuitos eléctricos, corrente
eléctrica e diferença de potencial.
Numa tentativa de melhor compreender e contribuir para uma eventual
alteração dessa situação desenvolveu-se, no âmbito de uma tese de mestrado
[4], um estudo que consistiu em conceber, concretizar (em ambiente normal de
sala de aula) e avaliar um conjunto de estratégias de ensino/aprendizagem, e
respectivo material didáctico, para esses tópicos a nível do ensino básico
(8º ano). Uma das estratégias utilizadas foi o trabalho experimental realizado
pelos alunos. Este artigo centra-se na importância desse trabalho.

Gazeta de Física 11
Tópicos de Electricidade

Alguns investigadores têm vindo a analisar criticamente seguintes quatro fases:


a eficácia e o papel desempenhado pelo trabalho experi- — Motivação/Consciencialização. Os alunos explicitam
mental no ensino das ciências [*]. Hodson [5], por exemplo, as suas ideias sobre o tópico em estudo e tomam cons-
refere que ele é muitas vezes usado de uma forma tanto ciência do seu próprio pensamento e do dos seus colegas;
excessiva como insuficiente: excessiva, dado que os — Reestruturação. Abordagem de situações que
professores o utilizam por vezes em situações onde outro procuram gerar conflitos, em particular, entre as ideias
tipo de estratégias seria mais adequada; insuficiente, na dos alunos e dados experimentais; apresentação das
medida em que o seu potencial educativo não é frequen- concepções curriculares;
temente conseguido. Para ultrapassar esta situação, — Aplicação. Abordagem de problemas que levam os
Hodson (6) defende a reconceptualização do trabalho expe- alunos a aplicar as novas ideias em várias situações,
rimental, tendo em conta que o ensino das ciências visa: algumas das quais do quotidiano.
i) a aprendizagem das ciências; — Reflexão. Reflexão pelos alunos e professora sobre a
ii) a aprendizagem sobre a natureza das ciências; mudança ou a evolução das suas ideias e sobre as
iii) a prática das ciências. estratégias que mais os ajudaram nesse sentido.
Se diferenciarmos o que é aprender ciências, aprender
sobre as ciências e aprender a fazer ciência, devemos A utilização do trabalho experimental:
reconhecer que os alunos só aprenderão a “fazer ciência” propostas e resultados
praticando-a, o que lhes permitirá concluir que fazer Nesta secção apresentamos duas das propostas do trabalho
ciência depende tanto da teoria como da prática. experimental utilizadas, assim como alguns dos principais
resultados.
Contextualização do Estudo No tópico “Circuitos Eléctricos” (ver ficha de trabalho 1),
O nosso estudo envolveu 149 alunos do 8º ano da Escola o problema colocado à turma consistiu em perguntar,
Secundária de Carvalhos, inseridos em cinco turmas. após a professora ter mostrado uma caixa preta com uma
Destas, três turmas constituíram o grupo experimental lâmpada acesa: “O que existe dentro da caixa?”.
(E1, E2 e E3) da responsabilidade da primeira autora, A actividade realizada pelos alunos constou, fundamen-
e duas turmas o grupo de controlo, da responsabilidade talmente, das fases seguintes:
de outras professoras. O estudo desenvolveu-se em três i) previsões individuais sobre o circuito do interior
fases ao longo do ano lectivo de 1994/95. Na primeira da caixa;
fase foi distribuído um questionário sobre conceitos, como ii) discussão em grupo dessas previsões (e chegada
pré-teste, que permitiu identificar as concepções prévias ou não a consenso);
dos alunos sobre conceitos de electricidade. Na segunda iii) experimentação (o circuito proposto funciona?)
fase desenvolveu-se, implementou-se, na sala de aula e nas e discussão;
turmas experimentais, e avaliou-se uma proposta de ensino iv) conclusões sobre as condições para acender uma
/aprendizagem, numa perspectiva de aprendizagem construti- lâmpada.
vista; às turmas de controlo foi leccionado o mesmo conteú- A nível das previsões individuais os modelos mais
do programático, utilizando uma abordagem tradicional. frequentes para os circuitos eléctricos foram:
Para a implementação e avaliação da proposta de ensino/ • Modelo A — é necessário apenas um fio que liga uma
aprendizagem foram considerados os seguintes materiais: “ponta” da pilha à “ponta” da lâmpada (considera a
fichas de trabalho, fichas de problemas e relatórios, fichas pilha e a lâmpada unipolares);
de reflexão, fichas de observação de aulas pelos alunos, • Modelo B — são necessários dois fios que saem de
diário da professora (registo e reflexão sobre as aulas). cada um dos pólos da pilha para a “ponta” da lâmpada
Na planificação tivemos em conta três factores: (considera a pilha bipolar e a lâmpada unipolar).
— a problemática dos conteúdos a abordar, integrados Após a discussão em grupo, foram escolhidos em alguns
na área temática “Produção, Distribuição e Utilização da dos grupos todos os esquemas propostos individualmente
Electricidade”; e apenas escolhidos noutros grupos o que lhes pareceu
— a problemática da aprendizagem dos conceitos desses mais adequado. Na fase de experimentação (a cada grupo
conteúdos (as ideias/concepções dos alunos neste nível foram fornecidas lâmpadas, pilhas e fios condutores) a
de escolaridade); maioria dos grupos, após várias tentativas e discussão
— a problemática do ensino desses conteúdos (o processo entre alunos e com a professora, encontrou a solução; as
metodológico que seguimos). questões colocadas pelos alunos eram do tipo: “o problema
A selecção das estratégias didácticas passou pela adopção está na lâmpada, não é?” (observam com atenção a lâmpa-
de um modelo de ensino perspectivado para a mudança da); “o fiozinho que está lá dentro vai até à pontinha
conceptual, proposto por Loureiro (7), que inclui as preta?” (apontando a extremidade da lâmpada); “o que
[ ]
existe mais lá dentro?”
* Entende-se por ciências as disciplinas de Física, Química, Biologia e Geologia.

12 Gazeta de Física
Tópicos de Electricidade

A realização da experiência pelos alunos pareceu-nos


crucial como contributo para a conceptualização do Ficha de trabalho 1
circuito eléctrico de um modo operacional. A discussão no
grupo, o debate na turma e a formalização/sistematização Circuitos Eléctricos
dos conceitos científicos pela professora pareceu-nos ter
contribuído para esclarecer os alunos sobre dois aspectos 1 Desenha o esquema da montagem, que julgas
importantes, numa abordagem a nível elementar da poder existir dentro da caixa negra e que faz acender a
Electricidade: i) a necessidade do circuito estar fechado lâmpada. Justifica porque pensas que essa montagem
para que funcione (neste caso, a lâmpada acender); e ii) a funciona.
bipolaridade dos elementos de um circuito eléctrico (pilha,
lâmpada, etc.). Caso não consigas especifica as dificuldades que o
No tópico “Corrente Eléctrica - suas propriedades” (ver problema te levanta.
ficha de trabalho 2), os problemas colocados à turma
foram: “A corrente eléctrica terá uma dada direcção? Será 2 Discute no teu grupo de trabalho os esquemas, as
que a corrente eléctrica se conserva num circuito?” A justificações e as eventuais dificuldades na realização
actividade proposta aos alunos constou fundamentalmente da tarefa individual; selecciona um ou mais esquemas
das fases seguintes: que julgas poderão funcionar
i) previsões individuais num circuito simples (com pilha,
lâmpada e dois amperímetros um de cada lado da 3 Faz a montagem dos esquemas referidos
lâmpada) sobre o sentido da corrente e o valor indicado anteriormente. Regista se a montagem funciona ou
num dos amperímetros, sabendo que o ponteiro do não funciona, ou seja, se a lâmpada acende ou não
outro amperímetro apontava para a direita uma acende.
unidade;
ii) discussão em grupo dessas previsões (e chegada ou Se há alguma montagem que não funciona, refere qual
não a consenso); julgas poder ser a causa.
iii) experimentação e discussão;
iv) conclusões sobre o sentido e a conservação da 4 Com base no trabalho que efectuaste ao longo
corrente eléctrica. desta aula e nas discussões ocorridas, indica as
A nível das previsões individuais, a maioria dos alunos condições necessárias para que uma lâmpada acenda.
considerou que a corrente eléctrica é bidireccional (o
ponteiro aponta para a esquerda) e que a intensidade da
corrente é a mesma nos dois amperímetros porque “sai de
ambos os pólos da pilha a mesma quantidade”. Os
restantes alunos consideraram a corrente eléctrica
unidireccional e a intensidade da corrente a mesma nos
dois amperímetros porque “a corrente se reparte pelos dois
amperímetros”.
Verificámos que os alunos, com base na experimentação,
discussão e argumentação, adoptam sem grande hesitação As conclusões dos grupos nesta ficha de trabalho e as
o modelo unidireccional para a corrente eléctrica, o questões colocadas durante a discussão no grupo “O que
mesmo não acontecendo relativamente ao modelo se gasta na lâmpada?”, “Porque é que a pilha ao fim de
conservativo da corrente. Assim, embora os alunos o algum tempo se gasta?”, “Porque é que a corrente eléctrica
pareçam aceitar operacionalmente (“a corrente eléctrica é é a mesma do lado direito e do lado esquerdo da
a mesma antes e depois da lâmpada, porque medimos o lâmpada?” serviram de base ao debate onde foram
seu valor e é igual”) fizeram comentários do tipo “vimos clarificados vários aspectos, nomeadamente: i) o papel dos
que a corrente anda só para um lado, então não devíamos amperímetros — alguns alunos não os conceptualizaram
ler o mesmo valor nos dois amperímetros, este (apontando como instrumentos de medida, mas sim como aparelhos
para um deles) devia ler menos, gastou-se um bocadinho eléctricos (tipo lâmpada); ii) o termo “corrente eléctrica”
de corrente na lâmpada; não percebo!” .Há mesmo alunos para os alunos tem dois significados: “algo que circula no
que manifestam relutância em aceitar a evidência circuito eléctrico” e “algo que se gasta na lâmpada”; foi
experimental (o mesmo valor nos dois amperímetros) então feita a distinção entre corrente eléctrica e energia
formulando questões do tipo “os amperímetros estão a eléctrica, salientando o papel que a corrente eléctrica
funcionar bem? Será que a corrente diminui um bocado e desempenha no transporte de energia eléctrica num
não se nota no amperímetro?” . circuito eléctrico.

Gazeta de Física 13
Tópicos de Electricidade

Da experiência vivida de ensino/aprendizagem,


parece-nos que: Tabela 1
i) a medição do valor da intensidade da corrente Classificação (média) atribuída pelos alunos, de cada
eléctrica nos dois amperímetros colocados entre a turma, à utilidade das diferentes estratégias na
lâmpada é uma das experiências que, para além de abordagem do tópico “Corrente eléctrica”.
ajudar à conceptualização do modelo científico da A escala é 1 — nada útil; 2 — um pouco útil;
corrente eléctrica, pode contribuir para a superação da 3 — útil; 4 — muito útil
análise sequencial dos circuitos eléctricos;
ii) a conceptualização da conservação da corrente Estratégias Turma E1 Turma E2 Turma E3
eléctrica foi fundamental na análise dos circuitos (n=30) (n=30) (n=30)
eléctricos.
Debate na turma 3,4 3,1 2,6
Alguns resultados Discussão no grupo 3,5 3,4 3,2
A metodologia adoptada parece ter sido aceite
positivamente pela generalidade dos alunos. A professora Realização 3,9 3,8 3,7
de experiências
verificou, também, que o grau de participação e interesse
dos alunos foi genericamente superior ao normalmente Explicação 3,7 3,7 3,6
observado em “aulas normais” manifestando-se, por da professora
exemplo, no número de questões colocadas durante a aula
(no grupo, directamente à professora, ou ainda na turma) Julgamos que o trabalho experimental foi uma das estra-
e na atenção e respeito revelados pelos alunos quando tégias que teve grande importância na eficácia da meto-
ouviam a opinião dos outros colegas ou da professora. dologia utilizada. Esta é também a opinião dos alunos,
Este aspecto registado pela professora está de acordo com uma vez que foi uma das estratégias mais valorizadas em
muitos dos aspectos positivos apontados pelos alunos (na todos os tópicos (ver a Tabela 1).
ficha de observação de aulas): “Fazer perguntas Como se pode verificar na Tabela 1, os alunos conside-
relacionadas com o dia-a-dia”, “Foi melhor sermos nós a raram que todas as estratégias utilizadas contribuíram
fazer a experiência porque assim aprendemos melhor”, para a evolução das suas concepções. Contudo, a “reali-
“Aprendemos melhor, surgiram muitas ideias”, “Podemos zação de experiências” e a “explicação da professora” são
ouvir as opiniões e trocá-las”, “Há mais opiniões e por as estratégias que obtiveram maior classificação em todas
isso há mais empenho”, “Reflecti sobre a direcção e conser- as turmas, o que parece significar que, para os alunos,
vação da corrente eléctrica num circuito”. estas foram as estratégias mais úteis.

Ficha de trabalho 2 - Aponte para a direita 1 unidade


- Aponte para a direita menos que 1 unidade
Corrente eléctrica — Suas propriedades - Aponte para a direita mais que 1 unidade
- Aponte para a esquerda 1 unidade
1 Vamos hoje estudar um pouco mais a grandeza física - Aponte para a esquerda menos que 1 unidade
corrente eléctrica. Vamos reflectir e fazer experiências que - Aponte para a esquerda mais que 1 unidade
nos vão ajudar a responder às seguintes questões:
Será que a corrente eléctrica se conserva num circuito Indica as tuas razões em relação quer à direcção em que o
eléctrico? ponteiro se desloca, quer ao valor por ele indicado.
A corrente eléctrica terá uma dada direcção?
Observa a montagem seguinte. Há dois amperímetros num 2 Escreve como poderias estudar experimentalmente as
circuito com uma lâmpada e uma pilha. previsões feitas em 1.
Verifica se os resultados obtidos estão de acordo com as
tuas previsões. No caso de desacordo tenta explicar esse
facto.

3 O que podes concluir das discussões e experiências


O ponteiro no amperímetro A1 aponta uma unidade para a realizadas em relação às duas propriedades — direcção e
direita. Prevês que o ponteiro do amperímetro A2 . conservação da corrente eléctrica?

14 Gazeta de Física
Tópicos de Electricidade

O resultado do processo de ensino ao nível da aprendi-


zagem de conceitos foi avaliado a partir das respostas dos Tabela 2
alunos ao “Questionário de conceitos” antes do ensino Resultados da análise dos dados dos pré (A) e pós-testes (D e D6) nas
(A), logo depois de ensino (D) e seis meses depois (D6). turmas experimentais e de controlo (valores em percentagem).
A Tabela 2 apresenta esses resultados, no grupo Nota: A — pré-teste; D — Pós-teste logo após o ensino; D6 — pós-teste
experimental e no grupo de controlo, para algumas seis meses depois do ensino
concepções alternativas dos alunos em Electricidade.
Antes do ensino, a maioria dos alunos no grupo Percentagem de alunos nas:
experimental e de controlo evidenciaram um conjunto
Concepções Alternativas Turmas experimentais Turmas de controlo
semelhante de concepções alternativas identificadas na
literatura (não havendo diferenças estatisticamente
A D D6 A D D6
significativas entre os dois grupos). Logo após o ensino, (n=90) (n=86) (n=85) (n=59) (n=59) (n=54)
o grupo experimental e o grupo de controlo revelaram
um comportamento diferente no que diz respeito à
evolução das suas concepções (há diferenças A bateria como 47,8 23,3 30,6 54,2 45,8 50,0
reservatório de corrente
estatisticamente significativas entre os dois grupos).
eléctrica
Assim, no grupo experimental diminuiu acentuadamente
a percentagem de respostas que envolvem concepções Existência de corrente 80,0 36,0 54,1 83,0 91,5 81,5
eléctrica em circuito
alternativas, enquanto no grupo de controlo essa
aberto
percentagem se manteve, variou ligeiramente ou até
aumentou (lâmpada unipolar, corrente eléctrica não Corrente eléctrica 45,6 8,1 12,9 35,6 35,6 40,7
bidireccional
conservativa).
Corrente eléctrica não 38,9 19,8 14,1 36,6 47,5 48,2
Considerações finais conservativa
Os nossos resultados parecem indicar que a metodologia Lâmpada unipolar 65,2 9,3 9,4 42,8 79,7 77,8
de ensino utilizada se revelou mais eficaz na promoção
A lâmpada consome 63,4 21,0 36,0 66,5 60,0 61,5
do desenvolvimento e modificação conceptual dos alunos corrente eléctrica
do que metodologias tradicionais. Esta conclusão, embora
possa não ser generalizável, reforça a nossa convicção
de que se pode conseguir uma melhoria na aprendizagem
* Escola Secundária de Santa Maria da Feira
utilizando estratégias de ensino baseadas numa perspectiva
escsmf@mail.telepac.pt
construtivista da aprendizagem.
O trabalho experimental foi uma das estratégias mais
** Universidade de Aveiro/Departamento
valorizadas pelos alunos em todos os tópicos. Este facto
de Didáctica e Tecnologia Educativa
pode estar relacionado com o tipo de trabalho utilizado,
nilza@dte.ua.pt
e que se pautou pelas seguintes características:
experiências concebidas para explorar, desenvolver
e eventualmente modificar as ideias dos alunos e ainda Referências:

incentivo às tentativas dos alunos de repensar e a [1] Neto, A., Valente, M. e Valente, M. O. (1991). “Circuitos elementares de
corrente contínua: dificuldades de aprendizagem e formas de as superar”,
reelaborar as suas ideias; assim, para além de motivar,
Gazeta de Física 14 (3) 94-106.
ensinar destrezas laboratoriais, promover a compreensão [2] Shipstone, D. (1988). “Pupil’s understanding of simple electrical circuits:
de conceitos científicos, o trabalho experimental procurou, some implications for instruction”, Physics Education 23, 92-96.
ainda, desenvolver atitudes científicas, envolvendo [3] Licht, P. (1991). “Teaching electrical energy, voltage and current: an
os alunos em pequenos trabalhos de pesquisa. alternative approach”, Physics Education 26 (5), 272-277.
[4] Vasconcelos, F. (1997). “O ensino/aprendizagem de tópicos de Electricidade
Dada a importância do papel desempenhado pela
(8º ano) numa perspectiva de mudança conceptual: um estudo de investigação-
professora nesta metodologia e, em particular, no
-acção”, tese de mestrado, Universidade do Minho, Braga.
planeamento do trabalho experimental, consoante as [5] Hodson, D. (1994). “Hacia un enfoque más crítico del trabajo de laboratório”,
recomendações no programa da disciplina de Ciências Enseñanza de las Ciencias 12 (3), 299-313.
Físico-Químicas do ensino básico e na literatura da [6] Hodson, D. (1996). “Practical work in school science: exploring some

especialidade, impõe-se que a actividade docente seja directions for change”, International Journal of Science Education 18 (7),
755-760.
precedida e/ou acompanhada de uma actualização na
[7] Loureiro, M. (1991). “Uma nova abordagem ao ensino da Electricidade
formação de professores que dê resposta a essas - 8º ano”, em Actas do 2º Encontro Nacional de Didácticas e Metodologias
exigências. de Ensino, Universidade de Aveiro, Aveiro, 212-224

Gazeta de Física 15
entrevista

José Luís Martins, o físico português mais citado


“Um Nobel não tem
emprego em Portugal”
entrevistado por Carlos Pessoa

Professor Associado e Agregado do Instituto Superior Técnico, José Luís Martins


(ver o currículo em www://bohr.inesc.pt/~jlm) é o físico português com maior número
de citações nas revistas científicas de todo o mundo. Na lista dos 1120 físicos com
maior número de citações de 1981 a 1997 é, aparentemente, o único português
(http://fluo.univ-lemans.fr.8001/1120physiciens.html). Formado na Suíça, com uma
carreira de investigação que se divide por aquele país europeu e pelos Estados
Unidos, e um dos maiores especialistas mundiais em estrutura electrónica de sólidos
e moléculas, decidiu voltar a Portugal em 1992. Explica porquê na entrevista que
deu à “Gazeta”, onde fala também das diferenças entre o ambiente da investigação
universitária no nosso país e no estrangeiro.

Gazeta de Física — É o físico português com maior número P. — Houve alguma razão específica para tomar essa
de citações nas revistas científicas internacionais. Qual decisão?
é o seu trabalho mais citado? R. — Pus três condições a mim. A primeira foi que,
José Luís Martins — Tenho vários trabalhos com muitas ao fim de seis meses, estivesse em vias de financiamento
citações. O mais citado não é o melhor, mas o mais útil. de projectos. Outra consistia em ter um gabinete só para
É um artigo de doutoramento [de um aluno meu nos EUA] mim. A terceira era ter um computador pessoal
em que se desenvolve uma nova forma de pseudopotencial relativamente rápido para trabalhar. Ao fim de seis meses
que permite fazer cálculos mais facilmente, e que essas condições estavam preenchidas e resolvi ficar.
é praticamente usado por toda a gente. Daí as referências
no trabalho de outros investigadores, que se vão P. — O que encontrou de diferente em Portugal
acumulando. relativamente aos outros sítios onde trabalhou?
Há outros muito citados, entre os quais um publicado em R. — É tudo completamente diferente. Eu recomendo
1991 que fez parte dos 10 mais citados, em todas as áreas a todos os estudantes que me perguntam o que hão-de
científicas, nesse ano. É sobre a estrutura electrónica fazer com a sua carreira que, a menos que tenham razões
do carbono 60. pessoais para ficarem em Portugal, vão uns anos para
o estrangeiro.
P. — Os seus estudos universitários e uma parte significativa
do seu trabalho de investigação foram feitos no estrangeiro. P. — Na sua opinião, os jovens físicos devem “emigrar”...
Porque decidiu regressar a Portugal? R. — Sempre. Uma das coisas que eu dizia aos primeiros
R. — É verdade que estive 16 anos no estrangeiro, metade estudantes que fizeram licenciatura comigo era que
na Suíça e a outra metade nos Estados Unidos. o ambiente lá fora era diferente. Claro que queriam saber
Mas a certa altura cheguei à conclusão que ou regressava mais, ou seja, em que é que era diferente. Bem, é diferente!
a Portugal ou nunca mais vinha para cá. O meu primeiro E três ou quatro dias depois de lá chegarem eu recebia um
estágio de pós-doutoramento tinha acabado e o segundo “e-mail” a dizer “percebemos por que é que o ambiente
estava a começar, e como não tinha compromissos é diferente”...
científicos, pedi seis meses de licença sem vencimento.
Cheguei a 1 de Janeiro de 1992 e quando esse período P. — Consegue explicar em que consiste essa diferença?
acabou resolvi ficar. R. — Tomemos o caso dos Estados Unidos. Há uma vida

16 Gazeta de Física
José Luís Martins

de “campus” e de departamento que não existe de todo que tem uma biblioteca minimanente decente é o de Física
em Portugal. Por exemplo: um desses alunos estava muito de Coimbra.
orgulhoso por ter conseguido organizar uma série de E há um problema de atitude perante as coisas. Por vezes
concertos de música clássica no Salão Nobre do Instituto levo pessoas a ver a biblioteca para lhes mostrar o que
Superior Técnico (IST). Quando chegou lá descobriu que se passa aqui e elas vêem que os livros estão fechados
a Universidade tinha... duas orquestras, uma praticamente à chave para não serem roubados. Qualquer estrangeiro
profissional e a outra para os amadores de música. Para ri-se com isso, pois o objectivo de qualquer biblioteca
não falar de dezenas de outras estruturas e actividades é facultar o acesso à informação. Os roubos, que acontecem
culturais. em todo o lado, fazem parte do risco de haver informação.
Depois, há as discussões nos corredores. Existindo um Com a Internet, felizmente que as coisas estão a melhorar,
departamento onde as pessoas passam todos os dias, pois há um acesso directo à informação.
acabam por se encontrar, quer seja à hora do café, nos
seminários ou nos colóquios. Em Portugal nada disso P. — O que é preciso fazer em Portugal para reduzir essa
existe. No nosso departamento [Departamento de Física diferença, que mencionou, em relação a outros países
do IST] cada pessoa está no seu canto — eu estou aqui no considerados de referência na sua área de investigação?
INESC, outros no LIP, outros ainda no próprio R. — Neste momento, o importante é dar oportunidade
departamento ou no antigo Complexo 2 — e raramente se aos vários jovens que saíram para o estrangeiro nos
encontram. A dispersão geográfica impede que se façam últimos anos — a política de enviar muita gente para
coisas... fora do país foi muito importante — e que estão
Quando eu cheguei estava a dar-se a grande a regressar.
transformação do Técnico — essencialmente um grande Há um sério problema de enquadramento, pois a nossa
liceu onde as pessoas iam dar as aulas e se iam embora — estrutura de investigação empresarial é muito pequena
para um espaço onde as pessoas ficavam e faziam e as universidades estão completamente esclerosadas.
investigação. Entre o que ele era há 10 anos ou que é Costumo perguntar: se um português a trabalhar no
agora, comparado com aquilo que existe no estrangeiro, estrangeiro ganhar um prémio Nobel e quiser vir para
a diferença é enorme. Portugal trabalhar, pode fazê-lo? Não, porque os quadros
das grandes universidades de Lisboa, Porto e Coimbra
P. — Quais são as maiores dificuldades com que se depara estão cheios e há um minúsculo número de pessoas que
no seu trabalho de investigação? se vão reformar nos próximos tempos. Além disso, não
R. — O problema que tenho agora [Julho de 1999] é não existe aquela flexibilidade que existe nos Estados Unidos
ter dinheiro para investigar. que permite arranjar sempre lugar para uma pessoa
brilhante que apareça.
P. — O que reduz todos os outros problemas que possa ter Por tudo isso, creio que só uma nova geração que venha
a insignificâncias... com vontade de trabalhar e os hábitos de trabalho adqui-
R. — Claro. Houve um hiato muito grande entre concursos. ridos nos Estados Unidos, Inglaterra ou Alemanha,
Como em Portugal há uma ideia enraizada que, quando é que vai poder refazer um estilo de investigação em
se tem de mexer nas coisas, tem de se mudar tudo, Portugal.
quando isso acontece pára tudo. Como era preciso mudar
tudo, não houve concursos durante anos. O último em que P. — Mas há outras universidades além das que citou...
recebi algum dinheiro considerável para fazer investigação R. — A vinda desses jovens investigadores seria uma boa
foi em 1994. No ano passado houve outro, mas esse oportunidade para as universidades mais pequenas, mas,
dinheiro ainda não chegou. salvo algumas excepções, elas não estão a aproveitar essas
possibilidades.
P. — Neste momento está parado?
R. — Não estou parado! Mas a situação não é muito P. — Que balanço faz da actividade do Ministério da Ciência
brilhante. e Tecnologia?
R. — Ainda é um bocado cedo, porque se fizeram
P. — Vamos imaginar que tem dinheiro para investigar. modificações demasiado profundas e falta ver se, a médio
Quais são os problemas concretos que dificultam o seu prazo, isso é positivo ou não. A curto-prazo, os efeitos
trabalho de investigação? foram negativos, porque ao querer mudar-se tudo,
R. — Há um problema com as bibliotecas. A do IST não se fez nada. Praticamente só há um ano é que
encontra-se distribuída por várias mini-bibliotecas as instituições começaram a funcionar nos novos moldes
e comparada com a de qualquer instituição deste tamanho e, por isso, é ainda cedo para se fazer uma avaliação
no estrangeiro, é ridícula. Creio que o único departamento do seu trabalho.

Gazeta de Física 17
notícias

Física em Portugal
Provas na Universidade (Laboratório de Instrumentação e Física
de Aveiro Experimental de Partículas), o Instituto
Estudantes do Porto dão curso Agregação: João de Lemos Pinto, em Pedro Nunes e o recém-criado Centro
de Astronomia Julho de 1999, e Vítor Torres, em de Tecnologias Nucleares Aplicadas à
Começa em meados de Outubro mais Outubro de 1999. Saúde.
um Curso de Introdução à Astronomia Mestrado em Ensino de Física e
promovido pela Associação para a Pro- Química: Carlos Alberto Duarte,
moção Cultural da Criança (APCC). “A Interpretação do Mundo Físico”,
Desta vez o curso realizar-se-á, pela em Maio de 1999 e Pedro Pombo, Física em Colisão
primeira vez, na Delegação Regional “Óptica e Holografia no Ensino Realiza-se em Junho de 2000, durante
Norte daquela associação e será minis- Secundário”, em Julho de 1999. três dias, a “20th Conference Physics in
trado por estudantes da licenciatura de Collision”, no Museu da Ciência, da
Astronomia da Faculdade de Ciências Universidade de Lisboa. A organização
da Universidade do Porto. Estes ani- é do LIP e da Faculdade de Ciências
madores fazem parte do Grupo de Provas na Universidade da Universidade de Lisboa. Da Comissão
Informação e Recreação Astronómica de Coimbra Organizadora fazem parte os Drs. Gaspar
(GIRA), que se dedica à divulgação da Agregação: Rui Ferreira Marques, em Barreira, Augusto Barroso e Amélia
Astronomia em geral, tendo por isso Setembro de 1999. Maio. As datas exactas da conferência,
uma vasta experiência em acções deste Doutoramento em Física Teórica: com a duração de dois dias, serão
tipo. Fernando Nogueira, “Descrição de fixadas no próximo mês de Dezembro.
O GIRA publica o Giroscópio (ver sólidos e agregados metálicos usando
http://come.to/GIRA), um suplemento pseudopotenciais”, em Julho de 1999.
de Astronomia na revista “Ciência J”, Mestrado em Física Teórica: Miguel
da Associação Juvenil de Ciência (ver Afonso Oliveira, “Integrais de caminho Formação contínua de
http://www.ajc.pt/cienciaj). Para mais em teoria de Colisões — Método de professores em Coimbra
informações contactar a APCC na Praça Makri e Miller”, em Julho de 1999. Começaram em Setembro e pro-
da República, 93 — 3º escrit. 4, Tel. 22 Mestrado em Física Tecnológica: Luís longam-se por Outubro próximo, no
2004284 ou o GIRA na Rua Capitão Miguel da Silva Margato, “Estudo de Departamento de Física da Uni-
Pombeiro, 59 — 2º dtº, 4000 Porto, detectores do tipo MSGC, MGC e GEM versidade de Coimbra, as acções “Foco”
telefone 22 5091520, e-mail - para aplicação a elevadas taxas de intituladas “FORPROFIS 2: Formação
gira@geocities.com. contagem”, em Maio de 1999, Filipa de Professores de Física–Das Teorias
Leonor Rodrigues Vinagre, “Técnica de aos Procedimentos 2” (coordenada pela
medição do valor de W para raios X em Drª Maria José de Almeida)
gases: resultados para misturas Ne-Xe”, e “Exploração de Equipamento Experi-
Dinâmica da Cisão em Julho de 1999, e Carla Cristina mental Existente nas Escolas Secun-
Terá lugar no Luso de 15 a 20 de Maio Alves de Oliveira, “Dosimetria termolu- dárias para a Leccionação dos Curricula
de 2000, por iniciativa do Centro de minescente em radioterapia externa de Física” (coordenada pelo Dr. Adriano
Física Teórica da Universidade de com o sistema Rialto, modelo 688, da Pedroso de Lima). Ambas as acções
Coimbra, um encontro sobre “Dinâmica NE Technology - Estudo das condições têm 38 horas de leccionação (15
da cisão”. A comissão organizadora de aplicabilidade”, em Outubro de unidades de crédito) e são destinadas
é formada pelos Drs. D. M. Brink, F. F. 1999. a professores do ensino secundário,
Karpechine, F. B. Malik e J. da sendo a primeira extensível a pro-
Providência. O programa abrange fessores do 3º ciclo do ensino básico.
a área da cisão atómica (situação A avaliação é individual, estando os
experimental e desenvolvimentos Hadrões para a Saúde formando obrigados à presença em 75
teóricos) e cisão nuclear (situação A exposição itinerante do CERN sobre a por cento das acções, que têm lugar
experimental: cisão ternária, fria terapia com hadrões, “Hadrons for às sextas feiras das 15 às 19 horas.
e espontânea, cisão induzida por Health”, deverá vir a Coimbra durante o Pedidos de esclarecimento sobre
muões, características gerais da cisão ano de 2000, estando em negociação acções de formação de professores
a energias baixas, intermédias, altas, as datas exactas dessa realização. devem ser feitos por “e-mail” para
e desenvolvimentos teóricos). “Coimbra Cidade da Saúde” acolherá jacruz@ci.uc.pt
essa exposição com a colaboração de
várias instituições, entre elas o LIP

18 Gazeta de Física
emnotícias
físicanotícias
Portugalnotícias

Escola de Física do CERN Física de Astropartículas a chamar-se “Ramo Educacional —


No próximo ano decorrerá em Portugal Na Universidade do Algarve, em Faro, Ensino da Física e da Química”.
a “European School of High Energy realiza-se de 3 a 5 de Setembro de Esta remodelação, que se caracteriza
Physics”, escola organizada anual- 2000 uma reunião sobre “New Worlds pelo aumento significativo das
mente pelo Centro Europeu de in Astroparticle Physics”. O terceiro componentes de Química deste ramo
Investigação Nuclear (CERN) com encontro desta série será realizado uma da licenciatura, visa habilitar os
a colaboração do “Joint Institute for vez mais no pólo de Gambelas estudantes para a leccionação das
Nuclear Research” (JINR), de Dubna, da Universidade do Algarve. Trata-se disciplinas do 4º grupo A e B nas
Rússia, e que reúne mais de uma de uma organização conjunta do melhores condições.
centena de estudantes de douto- Instituto Superior Técnico, Universi-
ramento oriundos de países europeus. dade do Algarve, CENTRA e LIP.
A edição do ano 2000 realiza-se entre O programa inclui contribuições em
20 de Agosto e 2 de Setembro no diversos temas como “Para além dos O que dizem
Quality Hotel, no Caramulo. modelos padrão”, “Física de Neutrinos os físicos
Da comissão organizadora local fazem e Astrofísica”, “A Física da
parte os Drs. Armando Policarpo Cosmologia”, “Raios cósmicos: origem,
(Universidade de Coimbra), Rui Ferreira propagação e interacção” e “Astrofísica João da Providência
Marques (Universidade de Coimbra), na Terra”. (Abril/1997)
Luís Peralta (Universidade de Lisboa), “As ciências exactas,
António Onofre (Universidade Católica nomeadamente a Física, não
de Portugal, pólo da Figueira da Foz) têm sido entre nós cultivadas
e João Carvalho (Universidade Alteração dos planos com a devida dedicação.
de Coimbra). Entre os docentes da curriculares da licenciatura em A nossa contribuição, a nível
escola contam-se dois portugueses, os Física em Coimbra mundial, para esta área do
Drs. Jorge Dias de Deus e Gustavo A par de algumas alterações de saber tem sido escassa.
Castelo Branco. A edição de 1999 pormenor na estrutura do ramo Não por fatalismo genético
decorreu em Casta-Papiernicka, na científico da licenciatura em Física mas, como a História abun-
República da Eslováquia, entre 22 de e em Engenharia Física, foram dantemente mostra, devido
Agosto e 4 de Setembro. recentemente introduzidas modifica- a circunstâncias de carácter
ções importantes no ramo pedagógico ideológico e político.”
da licenciatura em Física que passou

Simulação de processos
biológicos
Decorre em Santarém nos dias 2 e 3 de
Outubro o segundo curso da Sociedade
Portuguesa de Biofísica, cujo objectivo é
dar um panorama de técnicas de
simulação usadas nas ciências biológicas,
com uma aplicação essencialmente
prática. Os tópicos cobertos são
simulações de dinâmica molecular
(clássica e quântica), interacções mole-
culares, métodos electroestáticos no
contínuo, predição da estrutura de
proteínas, organização de membranas,
etc. É co-organizador o Dr. Cláudio
Soares, do ITQB, Universidade Nova de
Lisboa. Para mais informações ver
http://www.itqb.unl.pt

Gazeta de Física 19
emnotícias
físicanotícias
Portugalnotícias

Provas nacionais de Física do 12º ano destes termos serem hoje geralmente utilizados, eles não são
adequados. Quando se procura avaliar experimentalmente
Pedimos à Dra. Ana Eiró, professora do Departamento uma grandeza fazendo várias medições, idealmente em
de Física da Universidade de Lisboa, e que acompanhou pela número muito grande, obtém-se o valor da grandeza
parte da Sociedade Portuguesa de Física (SPF) o processo calculando a média dos valores obtidos ou traçando uma recta
dos exames do 12º ano, alguns comentários sobre as provas “pelo meio dos pontos” obtidos, como é o caso do exemplo
nacionais de Física. Fizemos-lhe duas perguntas e, como na questão III do ponto da 1ª chamada. Define-se erro
é evidente, as suas respostas são dadas a título pessoal e não absoluto da medição como o módulo do maior desvio, isto é,
veiculam a posição da SPF. o módulo da maior diferença entre o valor medido e o valor
médio (que não é necessariamente o valor mais provável), e o
P. — Como comenta os exames de Física do 12º ano deste ano? erro relativo como a razão entre o erro absoluto e o valor
Os enunciados eram adequados? experimental da grandeza. Estas definições aparecem
R. — As provas foram adequadas ao programa da disciplina. frequentemente referidas ao “valor verdadeiro”, no
Pareceram-me equilibradas relativamente à distribuição das pressuposto de que se conhece a grandeza que se vai medir.
diferentes partes da matéria e ao alcance do aluno médio. Era isto que se pedia nos enunciados dos exames e toda a
Apesar de não serem complicadas, as provas exigiam gente entendeu o que se pretendia, até porque estas questões
a realização de alguns cálculos, um pouco longos para foram muito semelhantes às que apareceram nas provas
os alunos menos treinados. modelo. Quanto a incerteza da medição, remeto para a
Havia questões de variados graus de dificuldade, o que definição proposta por G. Almeida no seu livro “Sistema
permite distinguir os alunos. Algumas destas questões podem Internacional de Unidades” (Plátano, 2ª ed., 1997): “estimativa
ter provocado hesitações no aluno bem preparado. que caracteriza o intervalo de valores no qual se situa o
Por exemplo, na questão 3.3 do ponto da 2ª chamada, verdadeiro valor da grandeza medida”.
o aluno conhecedor da matéria pode ter procurado
o movimento de uma partícula sujeita simultaneamente P. — Houve ou não erro ou imprecisão no ponto da 2ª
a um campo eléctrico e magnético, em vez de encontrar uma chamada?
resposta simples baseada no equilíbrio entre as forças no R. — Houve, de facto, uma incorrecção na questão I.5 do
ponto inicial do movimento. exame da 2ª chamada. Embora seja interessante, a questão
O aspecto gráfico das provas era bom, mas algumas figuras não apresenta nenhuma solução correcta. A aceleração do
deveriam ter sido mais cuidadas. Por exemplo, no ponto da 1ª corpo quando percorre o líquido Y é maior do que quando
chamada, na questão II.1, o pormenor da figura era essencial percorre o líquido X, o que significa que a velocidade cresce
à resolução do problema. A figura 4 deveria ter sido ampliada com o tempo em Y de uma forma mais acentuada do que em
e, sobretudo, respeitada a escala dos ângulos assinalados. X. O gráfico escolhido deve ter uma descontinuidade. Este
Há ainda aspectos de pormenor, como o fornecimento de raciocínio leva o aluno a optar pelo gráfico D (o mesmo nas
dados não necessários à resolução e a não explicitação duas versões). Mas este gráfico não está correcto, pois
completa das condições em que se colocam as questões. apresenta a variação da velocidade com a altura e não com o
À primeira vista a existência de dados a mais não deveria tempo. Se a velocidade varia linearmente com o tempo não
prejudicar os alunos e, de facto, penso que assim acontece no varia linearmente com a altura. Só o quadrado da velocidade
caso do aluno médio. Contudo, os melhores alunos podem ser varia linearmente com a altura, pelo que o gráfico correcto
perturbados por informação irrelevante. devia apresentar dois ramos de parábola em lugar de dois
Quanto à explicitação das condições do problema, é uma segmentos de recta ou, alternativamente, indicar no eixo das
questão de precisão: o campo gravítico que se refere no ordenadas o quadrado da velocidade.
problema II.2 da 1ª chamada é seguramente uniforme... Não creio que este erro tenha prejudicado a maioria dos
Um comentário geral sobre as questões do grupo III, ditas alunos, que nem deram conta dele. Poderá, porém, ter
experimentais: embora tendo sido introduzidas nos exames confundido uma minoria que terá optado por não assinalar
com o objectivo de fomentar o ensino experimental — ou pelo nenhuma resposta certa. O Ministério deu indicação aos
menos de criar hábitos de análise dos resultados experimentais correctores de que deveriam dar a cotação completa a quem
—, a resposta a estas perguntas não avalia a capacidade ou tivesse assinalado a opção D ou não tivesse assinalado
experiência do aluno em trabalhos de laboratório. Têm sido nenhuma hipótese, ou ainda tivesse dito que nenhuma das
questões simples, que ajudam a cotação a subir... É, contudo, hipóteses estava correcta, o que me pareceu uma opção
essencial que as palavras utilizadas e os conceitos subjacentes equilibrada no sentido de minorar os males. Mas o “remédio”
sejam claros. Pede-se para calcular a incerteza dos valores e o adoptado não resolve a questão de fundo... É inacreditável
valor da incerteza em percentagem e fala-se, nos critérios de que apareçam erros nos enunciados! Será que não é possível
correcção, em incerteza absoluta e incerteza relativa. Apesar resolver de vez esta questão?

20 Gazeta de Física
emnotícias
físicanotícias
Portugalnotícias

Museu de Física Gulbenkian, 1997), do qual existe uma exposição, realizada pela Fundação
versão em inglês. Calouste Gulbenkian com o apoio do
O Museu de Física da Universidade de O Museu de Física tem recebido, para Museu de Física, foi visitada por cerca
Coimbra tem a sua origem no Real além de numerosos visitantes nacionais de 50 000 pessoas.
Gabinete de Física, uma valiosa e estrangeiros, muitos grupos de alunos . “O Engenho e a Arte”, na Sala da
colecção de instrumentos de Física dos 2º e 3º ciclos do ensino básico e do Cidade e no Edifício do Chiado, em
pertencente ao Real Colégio de Nobres ensino secundário, de cursos de pós- Coimbra, de Dezembro de 1997 a
de Lisboa e transferida para Coimbra graduação em Museologia, e ainda Março de 1998. A exposição,
para integrar a cadeira de Física grupos de cientistas nacionais e constituída pelos 149 instrumentos
Experimental (criada pelos Estatutos de estrangeiros. anteriormente expostos na Fundação
1772 no âmbito da reforma pombalina O interesse da colecção motivou ainda Calouste Gulbenkian, teve cerca de
da Universidade). Este museu possui a visita de especialistas, nomeadamente 12 000 visitantes.
hoje um notável espólio de instrumen- Jane Wess (Conservadora do Museu de . “Os Construtores do Oriente
tos científicos e didácticos de Física dos História da Ciência de Londres), Português”, no Museu de Transportes
séculos XVIII e XIX, utilizados no Emanuel Araújo (Director da e Comunicações da Alfândega do
Gabinete de Física Experimental da Pinacoteca do Estado de São Paulo), Porto, de Junho a Novembro de 1998.
Universidade de Coimbra desde que ele Gian Antonio Saladin (Director do . “Splendors of Portugal”, exposição
foi criado. Museu de História da Física de Pádua), a decorrer no Japão entre Maio
A colecção de instrumentos é uma das Stuart Talbot (Presidente da “Scientific e Dezembro de 1999 e que integra a
mais raras no mundo. Os instrumentos Instrument Commission” da máquina electrostática de disco de
do século XVIII, que deram origem na “International Union of the History and vidro e o magnete esférico.
época a um dos mais completos Philosophy of Science”) e, por ocasião . Exposição temporária no Visiona-
gabinetes para o estudo da Física da conferência anual desta última rium, Centro de Ciência do Europarque
Experimental, são considerados verda- organização, realizada em Lisboa em de Santa Maria da Feira, de Junho de
deiras obras de arte. Os instrumentos Maio passado, de um grupo de cerca de 1998 a Agosto de 1999. Para esta
do século XIX são, por sua vez, re- 50 cientistas de várias nacionalidades. exposição o Museu cedeu 17 peças da
presentativos do desenvolvimento da No sentido de melhorar a exploração sua colecção.
Física Experimental naquele período. pedagógica do espólio do Museu foram
Uma parte do actual espólio do Museu construídas réplicas de alguns Projectos em curso
encontra-se em exposição permanente instrumentos cuja utilização poderá Actualmente o Museu desenvolve os
nas salas onde foi originalmente complementar a visita por alunos. seguintes projectos:
instalado o Gabinete de Física. Estas — Projecto PRAXIS XXI/2/2.1/
salas, com o mobiliário da época, DC&T/1939/96 - Mediatização do
constituem parte integrante do Museu. Museu de Física da FCTUC.
Numa delas é feita uma recriação de O projecto está em vias de conclusão,
um Gabinete de Física da segunda podendo visitar-se, no endereço
metade do século XVIII. Na outra são http://www.fis.uc.pt/museu, páginas
apresentados instrumentos adquiridos que incluem: informação geral; “O
ao longo do século XIX. Engenho e a Arte” (colecção de 149
instrumentos mostrados através de
Actividades recentes fotografias, esquemas, textos e
O Museu de Física abriu as suas portas Participações exteriores animações); passeio virtual (novo: salas
ao público em 29 de Janeiro de 1997, O Museu de Física participou nas e objectos reconstituídos em três
tendo desde então mantido um seguintes exposições: dimensões); homenagem (Mário Silva e
funcionamento regular. O material . “A Magia da Imagem”, no Centro Rómulo de Carvalho); obras de Física
exposto é constituído por cerca de Cultural de Belém, de Fevereiro a Junho dos séculos XVIII (novo), etc.
300 instrumentos científicos dos de 1996. Nesta exposição estiveram — “Science and Technology Historical
séculos XVIII e XIX, e por livros antigos expostas algumas lâminas de vidro Routes - STHIR”, projecto submetido
de carácter científico. Para a exposição pintadas e a câmara óptica. em 1999 ao programa RAFAEL, em
inaugural foi publicado o catálogo . “O Engenho e a Arte”, na Fundação colaboração com o Museu Nacional da
“O Engenho e a Arte: Colecção de Calouste Gulbenkian, em Lisboa. De Ciência e da Técnica de Madrid e com
Instrumentos do Real Gabinete de Abril a Agosto de 1998 esteve patente o Museu de História da Física da
Física” (Universidade de Coimbra - uma mostra constituída por uma Universidade de Pádua.
Faculdade de Ciências e Tecnologia - selecção de 149 instrumentos — MULTILAB, projecto submetido em
Museu de Física e Fundação Calouste científicos dos séculos XVIII e XIX. Esta 1999 à Comissão Europeia, em

Gazeta de Física 21
emnotícias
físicanotícias
Portugalnotícias

colaboração com o Museu Nacional da Mestrados no Departamento de Doutoramentos


Técnica de Praga, a Universidade Fisica da Faculdade de Ciências na Universidade de Lisboa
Politécnica de Madrid, o Instituto de de Lisboa em 1998 e 1999 Carlos Miguel Martins, “Estudo da Cir-
Matemática Aplicada de Génova e o Na continuação da lista de mestrados culação Oceânica Superficial no Atlân-
Museu Nacional da Ciência e da incluída no último número, acrescen- tico Nordeste Utilizando Bóias Deri-
Técnica de Madrid. tamos os seguintes: vantes com Telemetria por Satélite”, em
Ao abrigo do Contrato-Programa para . António Alberto Dias, “Fotoionização Física (Oceanografia), em Abril de 1998.
Financiamento dos Anexos, da Reitoria e Adsorção de Moléculas Instáveis”, Carlos Gil Martins, “Oceanus: um Atlas
da Universidade de Coimbra, foram em Ciência e Engenharia de Super- Digital Oceanográfico Aplicado ao
avaliados e financiados os seguintes fícies. Estudo da Estrutura, Variabilidade e
projectos: “Armazenamento do espólio . Rui Gomes Neves, “Bosões W, Estados Climatologia do Atlântico ao Largo de
de reserva”, “Melhoria de condições Ligados e Efeitos Anómalos”, Física — Portugal Continental”, em Física
das salas de exposição do Museu de Altas Energias e Gravitação. (Oceanografia), em Abril de 1998.
Física”, “Consulta pública dos livros . João Manuel Lourenço, “Interacções Rui Alberto Santos, “Renormalização
dos séculos XVIII e XIX”, “Recuperação com uma Superfície Líquida (PFPE - do Modelo Padrão com Dois Dubletos
de todo o espólio do Museu”, Perfluoropolieter)”, em Ciência e de Higgs: alguns Exemplos e Aplica-
“Exploração pedagógica do espólio do Engenharia de Superfícies. ções”, em Física (Física das Partículas
Museu” e “Instalação de oficinas de . João Pedro Jarego, “Transístores de Elementares), em Maio de 1998.
restauro de instrumentos científicos”, Filme Fino de Silício Amorfo José Paulo Pinto, “Dispersão Deute-
todos com execução prevista até ao Hidrogenado”, em Ciência e Engenha- rão-núcleo, Fragmentação do Deuterão
ano 2002. ria de Superfícies. em Protões, Dispersão Profundamente
. Sofia Andringa Dias, “Estados Finais Inelástica do Deuterão”, em Física (Físi-
Ermelinda Ramos Antunes com Fotões em LEP2”, em Física — ca Nuclear), em Setembro de 1998.
(Departamento de Física da Universi- Altas Energias e Gravitação. Maria Ana Baptista, “Génese e Im-
dade de Coimbra) . Ana Margarida Rodrigues, “Estudo pacte de Tsunamis na Costa Portu-
ermelinda@lipc.fis.uc.pt Qualitativo de um Fluido Cosmológico guesa”, em Física (Geofísica Interna),
de Três Componentes”, em Física — em Outubro de 1998.
Altas Energias e Gravitação. Elsa Maria Lopes, “Transporte Eléctrico
Não Linear em Sistemas Moleculares
O que dizem os físicos de Onda de Densidade de Carga”, em
Física (Física da Matéria Condensada),
Físicos na indústria, porquê? em Outubro de 1998.
Existem alguns factos que todos os estudantes de Física deveriam saber mas Henrique José Leitão, “Estrutura e Ter-
que a maioria dos seus professores não lhes dizem. Deixem-me contribuir com modinâmica de Misturas Ternárias com
sete factos inquestionáveis. Assim, os físicos não podem fazer... Anfifílico”, em Física (Física da Maté-
• Engenharia electrotécnica tão bem como os engenheiros electrotécnicos; ria Condensada), em Outubro de 1998.
• Engenharia química tão bem como os engenheiros químicos; Maria Catarina Espírito Santo, “Pro-
• Engenharia de “software” tão bem como os engenheiros informáticos; cura de Leptões Compostos e Exóticos
• Engenharia mecânica tão bem como os engenheiros mecânicos; com o Detector Delphi em LEP 2”, em
• Engenharia óptica tão bem como os engenheiros ópticos; Física (Física de Partículas Elemen-
• Engenharia aeronáutica tão bem como os engenheiros aeronáuticos; tares), em Novembro de 1998.
• Matemática tão bem como os matemáticos. Bernardo António Tomé, “Determi-
Dados estes factos, porque diabo alguém quererá empregar um físico? Eis a nação da Luminosidade em LEP com
resposta: os físicos podem fazer qualquer uma destas tarefas 80 por cento tão o Calorímetro STIC de Delphi”, em
bem como os respectivos especialistas. Porém, a competência dos especialistas Física (Física de Partículas Elemen-
tende rapidamente para zero fora do seu domínio de especialização. Na minha tares), em Novembro de 1998.
empresa há engenheiros de toda a espécie que realizam diferentes tarefas. Carla Maria Silva, “Processamento de
Contudo, no topo, a percentagem de doutores em física é quase 100 por cento Dados Electroencefalográficos — Apli-
(também existem dois engenheiros e um químico). E isto porquê? Porque os cações à Epilepsia”, em Biofísica, em
físicos são os que têm uma melhor visão de conjunto e podem, portanto, Dezembro de 1998.
verificar se cada disciplina está a dar a contribuição certa para o problema. João Manuel Alves, “Seeing the Light
Through the Dark – Infrared Dust Ex-
Jeffrey Hunt tinction and the Structure of Mole-
(Boeing Corporation) cular Clouds”, em Astronomia e Astro-
(Extracto de um artigo publicado em APS News, Fevereiro de 1999) física, em Abril de 1999.

22 Gazeta de Física
emnotícias
físicanotícias
Portugalnotícias

Questões de Física descreve um arco de circun-ferência consumo de combustível com


numa curva sem inclinação (para não segurança na condução. A histerese
Como diferenciar as fases sólida complicar) em que o coeficiente de provoca dissipação de energia, que
e líquida através de propriedades atrito (estático) é de 0,81 e se o raio da deverá ser compensada pelo motor (lei
macroscópicas? Antigamente dizia-se curva for de 80 metros, facilmente se de conservação da energia).
que em ambos os “estados” o volume verifica que a velocidade máxima a que Uma bola, cuja área de contacto se vai
era fixo, mas que no estado sólido o automóvel pode circular é de 25 deformando à medida que rola sobre
a forma era fixa, enquanto no estado metros por segundo. uma superfície horizontal, pode
líquido a forma era variável, pois Isto nem sempre se verifica e convém constituir uma analogia útil. Se o seu
o líquido tomava a forma do recipiente. então referir outras situações. Se o material for perfeitamente elástico
Acontece que isto nem sempre carro derrapa ao descrever a curva, isto (deformação pequena) não há
é verdade: o pó de talco, que está no pode querer dizer que o coeficiente de transferência de energia para a super-
estado sólido, adquire a forma do atrito em causa é cinético, inferior, fície horizontal durante o movimento.
recipiente onde está contido. portanto, ao coeficiente de atrito O mesmo não se passa com materiais
estático. Devemos também entrar em reais, como os dum pneu, onde se
(Um professor do ensino secundário) conta com efeitos de lubrificação, aos verificam perdas por histerese
quais já não se aplicam as leis clássicas (deformação maior). Como, neste caso,
do atrito. Assim, outros efeitos físicos a velocidade angular da bola diminui,
têm de ser considerados como, por o efeito de histerese é análogo ao de
exemplo, a viscosidade (piso molhado) uma força de atrito ou de viscosidade.
Porque é que um pneu com maior e a histerese, que não são formas de Daí a designação, pouco apropriada,
superfície escorrega mais nas curvas atrito. de “atrito” de rolamento que, na
do que um com menor superfície? Experiências laboratoriais entre uma verdade, surge como um momento,
A resposta à questão colocada na superficie dura e borracha permitem em relação ao centro de massa da
página 27 da edição anterior da tirar as seguintes conclusões: bola, oposto à rotação.
“Gazeta” é a seguinte: — Para uma superfície não lubrificada, Apesar da situação ser mais complicada
o coeficiente de atrito (próximo do num pneu real, também aí ocorrem
Dada a complexidade da estrutura de valor 1) diminui com o aumento da efeitos deste tipo. Quanto maior for
um pneu, esta questão não pode ser pressão de contacto entre as duas a superfície de contacto com o solo
respondida com base apenas nas leis superfícies. Neste caso, o atrito é em menor será a pressão efectiva e, con-
clássicas do atrito. Apesar desta grande parte devido às fortes forças de sequentemente, menor será o “atrito”
complexidade, as três principais adesão. de rolamento. Por outro lado, uma fina
funções do pneu de um automóvel são Se as superfícies são ligeiramente camada, ligeiramente lubrificada, de
as seguintes: lubrificadas, as forças intersuperficiais areias e poeira, situada entre algumas
1 O pneu “agarra-se” à estrada, reduzem-se significativamente. Neste zonas do pneu e a estrada, funciona
particularmente durante os períodos de caso, o coeficiente de “atrito” é pro- como um mecanismo de rolamento,
aceleração, desaceleração e travagem. porcional ao valor médio da pressão eliminando o atrito uma vez que
2 O pneu actua como um amorte- e depende das perdas resultantes da o contacto directo não se verifica.
cedor nas irregularidades do piso (isto deformação da borracha (ou, noutra
é, deforma-se), auxiliando os amorte- linguagem, das propriedades de Célia Sousa
cedores mecânicos. histerese da borracha). Neste contexto, Departamento de Física da
3 Quando o carro rola na estrada, introduz-se o conceito de “atrito” de Universidade de Coimbra
ou seja, circula com velocidade rolamento que tem as dimensões de um celia@teor.fis.uc.pt
constante, a energia dissipada no pneu comprimento.
deve ser mínima. Por este motivo, escreveu-se “atrito”
Se se entrasse em conta exclusivamente entre aspas. De facto, apesar das
com a primeira e a última destas analogias que podem existir, trata-se de
funções, assegurar-se-ia que as rodas fenómenos conceptualmente distintos,
do automóvel rolassem sem deslizar. obedendo a regras muito diferentes. Referências:
— D. Tabor, “The rolling and skidding of automobile
Neste caso, o carro não derraparia ao Os dados anteriores são tidos em
tyres”, Physics Education 29 (1994) 301.
descrever uma curva. Isto significa conta pelos construtores de pneus, — A. Doménech, T. Doménech and J. Cebrián,
que o atrito entre as rodas e o solo dado que uma boa conjugação destes “Introduction to the study of rolling friction”,
é estático. Exemplificando: se um carro factores permite conciliar economia no American Journal of Physics 55 (1987) 231.

Gazeta de Física 23
notícias
a física no mundo
notícias notícias

um sentido ao tempo. Realmente assim A descoberta da quebra de simetria CP,


Física no Mundo é, mas as equações básicas do ocorrida em 1964, deve-se aos grupos
electromagnetismo (equações de liderados por V. Fitch e J. Cronin
Maxwell) também dão as soluções (Prémios Nobel da Física em 1980):
O domínio da matéria avançadas - rejeitamo-las com base no a partícula K (kaon, em português
e a estranha seta do tempo princípio da causalidade, isto é, caão), de vida média longa, desintegra-
É um facto experimental, bem invocamos a seta do tempo. Uma -se habitualmente em 3 piões, mas,
estabelecido pelas observações em última objecção é lembrada pelo leitor uma vez em cada 500 desintegrações,
Astrofísica e Cosmologia, que o Uni- paciente: o Universo expande-se! Na origina apenas 2 piões. A explicação
verso é constituído por matéria verdade, a expansão do Universo é a seguinte: a partícula é uma
(essencialmente, protões, neutrões é bem descrita pelas equações do sobreposição (mistura) da partícula
e electrões). Contudo, a teoria do campo gravitacional (de Einstein), as (estado ligado de um quark d e um
Big-Bang, tão bem sucedida na quais são invariantes para a inversão do antiquark , com estranheza 1) e da
compreensão da dinâmica do Universo, tempo. Assim, a expansão é a conse- sua anti-partícula ( , com
assenta num princípio democrático - quência necessária de um estado inicial estranheza +1). A interacção fraca não
no instante inicial, a enorme energia privilegiado (Big-Bang) e poderá, ela conserva a estranheza, pelo que, ao
disponível originou igual número de própria, ser sucedida por contracção longo do tempo, o se converte no
partículas e anti-partículas. Ora, se e colapso, se houver massa suficiente , e vice-versa. Contudo, a mistura
partículas e anti-partículas se aniqui- no Universo. Não haverá, então, não é simétrica nestas duas partículas:
lassem à medida que o Universo nenhum mecanismo básico que a reacção processa-se com
arrefeceu, então nada sobrava (senão determine a seta do tempo? uma taxa maior (cerca de 0,2 por
um gás de fotões constituindo, hoje, As duas questões aqui expostas - cento) que a reacção inversa
a radiação de fundo). o domínio da matéria e a seta do .
É também um facto experimental, tempo - estão estranhamente ligadas
consciente nos seres humanos de uma por um dos princípios mais profundos
forma bem profunda, que o tempo só da Física - o que é traduzido pelo
tem um sentido, fluindo irreversivel- teorema CPT. Considere o leitor um
mente do passado para o futuro. comportamento físico qualquer, que
Contudo, é tão fácil inverter seja permitido pelas leis da Física, para
o sentido do espaço - faça-se uma um sistema de partículas. O teorema
Detector de uma experiência CP
experiência e observemo-la num afirma que o mesmo comportamento
espelho; a experiência reflectida ainda é observado se realizar três operações: Experiências recentes vieram confirmar
segue as leis da Física. Porque não trocar as partículas pelas anti- esta interpretação. No CERN (Centro
pode ser invertido o sentido do tempo, partículas correspondentes (C: con- Europeu de Investigação Nuclear)
parceiro indissociável, em relatividade, jugação de carga), inverter as co- fizeram-se colidir protões com
das três coordenadas espaciais? ordenadas espaciais (P: paridade) anti-protões, segundo a reacção
Dirá o leitor que a segunda lei da e a coordenada temporal (T: inversão (estado fi-
termodinâmica proibe tais processos: a do tempo). O teorema, já testado em nal identificado pela estranheza do
entropia de um sistema isolado só 18 casas decimais (!), resulta, em todas ). O muda, ao fim de algum
cresce num dos sentidos do tempo. as teorias quânticas de campo actuais, tempo, no e este desintegra-se:
Mas a segunda lei tem uma natureza de três princípios físicos in- (a detecção do
estatística: o crescimento da entropia é questionáveis: localidade (as inter- electrão confirma o progenitor ).
o resultado da evolução mais provável acções são locais no espaço-tempo), Mas também a reacção, possível por CP,
de um sistema macroscópico. Se invariância de Lorentz (as leis da Física é verificada,
observarmos a nível microscópico esse são as mesmas em todos os refe- mudando-se o , ao fim de algum
mesmo sistema, não distinguiríamos o renciais) e unitaridade (a soma de todas tempo, em e desintegrando-se
sentido do tempo - um filme dos as probabilidades é um). Ora, as este segundo (a
átomos em movimento revelar-se-ia interacções electromagnéticas e fortes detecção do positrão confirma
igualmente aceitável, quer o pro- conservam, só por si, a simetria CP o progenitor ). Ora, observou-se
jectássemos “para diante” quer “para e, portanto, a simetria T. Contudo, as que há uma probabilidade maior
trás”. O leitor lembrar-se-á de uma interacções fracas não conservam a (apenas em 0,66%) da mudança
outra objecção - em electrodinâmica, simetria CP e, portanto, deverão do que .
só os potenciais retardados (o campo é quebrar a simetria T, isto é, distinguem No Fermilab (Chicago, EUA), foi
sentido após as cargas o criarem) dão o sentido do tempo. estudado o raríssimo (um num milhão)

24 Gazeta de Física
notícias a física no mundo
notícias notícias

decaimento do com dupla pro- lugar de responsável pelos negócios


Referências: estrangeiros e assuntos de segurança
dução de electrões e piões - Surprising asymmetry seen in kaon decays,
( ), tendo da União Europeia, o “senhor PESC”.
Science 283 (1999) 1428.
sido medida a distribuição do ângulo - Accelerator gets set to explore cosmic bias,
Este êxito na política de um físico
formado pelo plano que contém as Science 281 (1998) 764. contrasta com reveses políticos
trajectórias iniciais dos electrões com o - Time´s broken arrow, Nature 396 (1998) 407 recentes de outros físicos, como
- B-meson breakthrough, Physics World (Jan/1999) 5. o alemão Oskar Lafontaine, que foi
plano que contém as trajectórias dos
- The lopsided Universe,
piões. Se a simetria T fosse válida, essa Ministro das Finanças, e o português
New Scientist (6/Feb/1999) 26.
distribuição seria simétrica; contudo, José Veiga Simão, que foi Ministro da
- Particle decay reveals arrow of time, Science 282
foi observada uma assimetria (da (1998) 602. Defesa. Lembre-se que vários outros
ordem de 13,5 por cento). - Experiment sees the arrow of time - at last!, físicos estão activos na política, como
Physics World (Dec/ 1998) 21. o geofísico Claude Allègre (é Ministro
Estão em curso experiências mais
exigentes, explorando outros canais de da Educação e Ciência em França) e o
decaimento onde melhor se evidencia físico de altas energias José Mariano
a quebra de simetria CP ou T. Para isso, Gago, que continua como Ministro da
devem, em breve, entrar em acção Novos jornais europeus Ciência e Tecnologia em Portugal.
verdadeiras fábricas de mesões-B A Sociedade Alemã de Física (DPG) e o
(estados ligados de um quark d com Instituto de Física Britânico (IOP)
um antiquark ), os quais, tendo lançaram o “The New Journal of
maior massa que o caão e com uma Physics”, uma publicação geral de Tendências da Física
vida média dilatada pelo conhecido Física que é exclusivamente electrónica Realizou-se em Londres, de 6 a 10
efeito relativista, vai permitir uma (http://www.njp.org). Os artigos são de Setembro a 10ª Conferência da
melhor caracterização, qualitativa avaliados por um processo de Sociedade Europeia de Física, intitulada
e quantitativa, destas quebras “refereeing” semelhante ao usado em “Trends of Physics”. Com um programa
de simetria. As experiências em curso publicações em papel (embora mais variado e interessante, é de destacar
nos laboratórios SLAC (Stanford, rápido, pois todo o processo é a conferência inaugural de “Sir” Robert
EUA) e KEK (Japão) irão sobre- electrónico), pagando os autores uma May, conselheiro para a ciência do
tudo concentrar-se no chamado “fee” pela publicação depois da governo britânico (um físico que
canal dourado da desintegração aceitação. O acesso ao jornal é livre se tornou biólogo e que falou da
, o qual deverá mostrar através da Internet. Esta iniciativa importância da Física na Biologia e não
uma taxa diferente de . europeia segue-se a uma outra promo- só), a apresentação dos resultados da
Uma primeira consequência dos vida conjuntamente pela Sociedade experiência AMS (Alpha Magnetic
resultados já obtidos é a exibição de Francesa de Física e a editora alemã Spectrometer) pelo Prémio Nobel
uma quebra de simetria bem maior do Springer para lançar o “European Samuel Ting, e a palestra do último dia
que a prevista pelo modelo standard Physics Journal”, que substituiu outras pelo também Prémio Nobel Cohen-
(embora este ainda permita alguns duas publicações, o “Zeitschrift für Tannoudji sobre o controlo de átomos
ajustes). Uma outra consequência, Physik” e o “Journal de Physique”. Uma por meio de lasers. A conferência teve
filosoficamente mais profunda, é a de componente do “European Physics como encontros-satélites o “Malvern
se confirmar, por um lado, a explicação Journal” é “on-line”: EPJ direct. Tanto Seminar” sobre problemas de educação
(dada por Sakharov em 1967) de o “New Journal of Physics” como o em Física e o encontro da rede europeia
o Universo actual ser constituído por “European Physics Journal” têm de Departamentos de Física EUPEN no
matéria por a anti-matéria decair mais planos de expansão. “Institute of Physics” em Londres.
rapidamente; e, por outro lado, O Dr. Carlos Matos Ferreira, ex
se verificar directamente e a um nível Secretário Geral da Sociedade Portu-
fundamental, a quebra de simetria guesa de Física e membro da direcção
T: os bosões K ou B “envelhecem”. Físicos na política do EUPEN, esteve presente nesta
Será essa, afinal, a origem de toda O belga Philippe Busquin, novo última reunião.
a irreversibilidade no Universo? comissário europeu para a investigação
científica, é um físico. Mas há vários
outros exemplos de físicos que têm
Eduardo Lage seguido uma carreira política. Xavier
(Departamento de Física da Solana, físico espanhol da matéria
Universidade do Porto) condensada, depois de ser secretário-
eslage@fc.up.pt geral da NATO, ocupou o importante

Gazeta de Física 25
notícias
a física no mundo
notícias notícias

“Ranking” de Departamentos Primeiro passo para as últimas décadas. Merecem destaque


de Física o Nobel da Física as intervenções de Michele Parrinello,
Os “rankings” de Departamentos de “Primeiro passo para o Prémio Nobel da do “Max Planck Institute” (Estugarda,
Física são quase sempre injustos, Física” é o título de uma competição Alemanha), sobre dinâmica molecular
distorcidos, desactualizados e engana- anual internacional em projectos de a partir de primeiros princípios; de
dores. Mas são, de qualquer modo, investigação em Física. Todos os Nick Handy, da Universidade de
interessantes. estudantes do ensino secundário, Cambridge (Inglaterra), sobre métodos
A revista norte-americana “US News independentemente do país, tipo de funcionais da densidade (que valeram
and World Report” classificou recente- escola, sexo, nacionalidade, etc., são o Prémio Nobel da Química de 1998 ao
mente um grande número de escolas elegíveis para a competição. A única físico norte-americano Walter Kohn);
e departamentos nas universidades condição é que não tenham mais de e de Berni Alder, do “Lawrence Liver-
americanas. No topo dos programas 20 anos no dia 31 de Março de cada more Laboratory” (EUA), sobre a
de doutoramento encontram-se os ano (prazo de candidatura). Não história das simulações moleculares.
seguintes Departamentos de Física, existem restrições sobre o assunto dos No dia seguinte à conferência de
por ordem decrescente: seus artigos, nível, metodologia, etc., aniversário, arrancou um grande pro-
1 California Institute of Technology que podem ser escolhidas livremente jecto europeu sobre simulações mole-
(5.0, nota máxima possível) pelos participantes. Os artigos, culares, patrocinado pela “European
2 Stanford University (5.0) contudo, têm de ser escritos em inglês, Science Foundation”, no qual
3 Harvard University (4.9) ter um carácter de investigação, e tratar participam cinco laboratórios portu-
4 Massachusetts Institute of de temas de Física ou directamente gueses. É representante nacional no
Technology (4.9) relacionados com esta. Para participar, projecto a Dra. Margarida Telo da Gama.
5 Princeton University (4.9) não é necessária a autorização da Recorde-se que vários físicos portu-
6 University of California–Berkeley escola ou autoridades educacionais. gueses solicitaram há mais de um ano
(4.9) A competição já vai na sua oitava ao Ministério da Ciência e Tecnologia
7 Cornell University (4.7) edição (prazo: 31 de Março de 2000) Português a adesão ao CECAM, que é
8 University of Chicago (4.7) e é organizada pelo Instituto de Física actualmente presidido pelo belga
9 University of Illinois–Urbana- da Academia Polaca de Ciências, em Michel Mareschal.
Champaign (4.5). Varsóvia. Podem ser atribuídos vários
Em Física de Partículas, os departa- prémios “ex-aequo”, que consistem
mentos no “top” são Harvard, num convite para uma estada de um
Berkeley, Stanford, Caltech e Princeton. mês no Instituto de Física de Varsóvia Prémio Hewlett-Packard EPS
Em Física Nuclear são o MIT, Michigan ou institutos que colaboram com este. O prémio europeu Hewlett Packard
State, Universidade de Washington, As despesas de viagem não são Europhysics, atribuído pela Sociedade
Indiana e Caltech. Em Matéria cobertas, tendo de ser procurado apoio Europeia de Física, com o patrocínio da
Condensada: Illinois, MIT, Stanford, local. Mais informações: empresa Hewlett-Packard, foi atribuído
Cornell e Harvard. Em Física Atómica Dr. W. Gorzkowski a Christian Glatti (CEA, Saclay, France)
e Molecular: MIT, Harvard, Stanford, Tel: (48) 22- 8435212 e Michael Reznikov (Technion, Israel)
Colorado e Michigan. Em Astrofísica/ fax: (48) 22 – 8430926 “por desenvolverem novas técnicas para
Ciências Espaciais: Caltech, Harvard, “e-mail”gorzk@ifpan.edu.pl medidas de ruído em sólidos que
Berkeley, Princeton e Chicago. E em http://nobelprizes.com/firststep levaram à observação experimental
Ciências Não Lineares/Caos: Maryland, de portadores de uma carga
Texas, Cornell, Chicago e Georgia Tech. fraccionária”. O prémio foi recebido na
Para mais informações ver: conferência Trends in Physics de
www.usnews.com/usnews/edu/beyomd Centro Europeu de Cálculo Londres, tendo os premiados proferidos
/bchome.htm. Atómico e Molecular conferências sobre os trabalhos
O “Centre Européen de Calcule distinguidos. Note-se que o prémio
Atomique et Moléculaire” (CECAM), europeu Hewlett Packard tem sido
associação europeia dedicada a simu- premonitório em muitos casos do
lações computacionais sediada em Prémio Nobel da Física.
Lyon (França), celebrou em Maio o seu
30º aniversário (ver http://www.cecam.fr).
A “festa” constou de uma conferência
de um dia com palestras sobre alguns
dos avanços na área em causa durante

26 Gazeta de Física
notícias a física no mundo
notícias notícias

Reunião bienal em Valência


Teve lugar em Valência, de 20 a 24 de
Setembro de 1999, a XXVII Reunião
Bienal da Real Sociedade Espanhola de
Física. Como é habitual, esta con-
ferência integrou o Encontro Ibérico
Participação Portuguesa na ICPS’99
para o Ensino da Física, que este ano se
realizou pela nona vez, numa orga-
No passado mês de Agosto teve lugar em Helsínquia, Finlândia, a XIV
nização conjunta das duas sociedades
International Conference for Physics Students (ICPS’99 ), conferência anual
ibéricas.
da International Association of Physics Students (IAPS ).
Ao longo dos cinco dias realizaram-se
A ICPS tem desde 1986 permitido que estudantes de Física de vários países
conferências plenárias (da parte da
estabeleçam contacto, de forma a promover a troca de ideias e experiências
manhã) e conferências sectoriais (da
a nível internacional. O programa da ICPS é constituído por sessões de
parte da tarde, em sessões paralelas).
debate, palestras e apresentações de trabalhos realizados nas diversas áreas
Realce-se a grande qualidade das
da Física, quer por estudantes quer por personalidades convidadas.
conferências plenárias, onde foram
A organização da conferência está a cargo do país anfitrião, sendo este
apresentados temas de actualidade por
ainda responsável pelo alojamento dos participantes e pela organização de
cientistas espanhóis e estrangeiros.
visitas a centros de investigação, museus e exposições de modo a dar
Realizaram-se mesas redondas sobre
a conhecer o país acolhedor.
“As grandes instalações científicas em
Após a ocorrência do evento em Portugal por duas vezes (1992 em Lisboa
Espanha” e “Jornalismo científico
e 1998 em Coimbra), desta vez coube à Universidade de Helsínquia a tarefa
e divulgação. A Física nos mass media”.
de acolher cerca de 280 estudantes provenientes de 37 países diferentes.
No Encontro Ibérico para
Portugal tem vindo a ser representado todos os anos nesta Conferência,
o Ensino da Física efectuaram-se mais
tendo este ano atingido o número recorde de 60 participantes, incluindo os
duas mesas redondas sobre “A pro-
vencedores do I Encontro Nacional de Estudantes de Física bem como os
blemática do ensino da Física no
laureados com menções honrosas.
ensino não-superior” e “Avaliação da
Foram também apresentadas palestras por três cientistas convidados:
qualidade do ensino da Física na
Cecilia Jarlskog, cuja apresentação teve como título “Particle Physics”,
universidade”.
Anton Zeilinger com “Experiment and the Foundations of Quantum Physics”,
Do programa social destaca-se a visita
e Kari Enqvist com “New Directions in Cosmology”.
à “Ciudad de las Artes y de las
Do programa da conferência constavam várias visitas aos laboratórios da
Ciencias”, um conjunto arquitectónico
Universidade, bem como visitas ao Centro de Investigação da Nokia e ao
desenhado por Santiago Calatrava
Centro Tecnológico Fortum, entre outras. Houve também um vasto
e Félix Candela que alberga
programa cultural, com viagens às ilhas de Helsínquia, um cruzeiro no Mar
várias mostras científicas (ver
Báltico, sessões de sauna e uma recepção pela Presidente da Câmara
http://www.cac.es/ ).
Municipal de Helsínquia.
A Sociedade Portuguesa de Física esteve
No fim da conferência decorreu a Assembleia Geral da IAPS, onde os vários
representada, no impedimento do seu
comités locais e nacionais e os membros individuais desta associação
Secretário-Geral, pelo Secretário-Geral
manifestaram a sua vontade para que a Physis constituísse a Direcção da
Adjunto, Dr. Manuel Fiolhais.
IAPS para o mandato 2000/2001.
Como vem sendo hábito, esta conferência permitiu o convívio entre vários
estudantes de países diferentes num ambiente informal, e em que se pôde
falar de Física, de ciência em geral e de cultura. Os contactos estabelecidos
são muito proveitosos, já que permitem um intercâmbio de informação
e reforçam os laços entre os participantes.

Hugo Natal da Luz


(Associação Portuguesa de Estudantes de Física, Physis)
physis@nautilus.fis.uc.pt

Gazeta de Física 27
notícias
a física no mundo
notícias notícias

Gás de fermiões quase ao zero de Fermi com degenerescência quântica fluido de Fermi” permitirá investi-
absoluto tem mais energia do que a prevista pela gações das várias formas de super-
Um gás atómico com “degenerescência física clássica, uma vez que os fermiões fluidez e supercondutividade. Outros
de Fermi”, um gás de átomos têm de ocupar níveis de energias cada grupos estão a procurar estes e outros
fermiónicos (átomos compostos por vez mais altos à medida que os níveis estados similares com átomos fermiónicos.
um numero ímpar de partículas: de baixo são preenchidos. A obtenção (DeMarco and Jin, Science, 10 / Set. / 1999 e

electrões, protões e neutrões) que desta situação no laboratório tem-se Physical Review Focus, 24/ Mai./ 1999).

essencialmente se sobrepõem uns aos revelado difícil uma vez que arrefecer
outros, foi criado pela primeira vez, fermiões é mais difícil do que arrefecer
prometendo obter conclusões no bosões: uma vez colocados numa
laboratório sobre as principais pro- “ratoeira” construída com campo Visualizando orbitais
priedades de estrelas de neutrões, hélio magnéticos, os fermiões em estados electrónicas
superfluido e todas as formas de semelhantes tendem a repelir-se uns
supercondutividade. A preparação deste aos outros e evitam as colisões
gás de fermiões requer as mesmas transferidoras de energia que são
condições que a preparação de um necessárias para o chamado “arre-
condensado de Bose-Einstein (BEC) fecimento por evaporação”. Para
de átomos bosónicos, átomos contrariar isto, investigadores em
compostos por um número par de Colorado, EUA (Deborah Jin,
partículas. Tem de se arrefecer um gás NIST/University of Colorado) prepa-
de átomos até estes exibirem raram átomos de potássio-40 em dois
propriedades ondulatórias e empacotá- estados diferentes de “spin”, que
-los densamente até que a distância descreve como os átomos respondem
média entre os átomos seja comparável a um campo magnético externo.
ao seu comprimento de onda As duas espécies podiam colidir uma
de Broglie. Nesta altura, os átomos com a outra e isso permitiu
individuais tornam-se indistinguíveis. o arrefecimento por evaporação. Então, A imagem de um átomo é, de facto,
Se os átomos são bosões, então caiem uma espécie de “spin” foi removida por a imagem dos electrões mais exteriores
todos no estado de energia mais baixo um campo de rádio-frequência, ou, para ser mais preciso, a imagem da
(fundamental) para formar um BEC. deixando cerca de um milhão de probabilidade de que esses electrões
Se os átomos são fermiões, porém, isto átomos do outro spin para estudo. estejam nos vários pontos do espaço.
não acontece. O princípio de exclusão O grupo do Colorado deduziu que Para todos os electrões, excepto os mais
de Pauli proíbe dois fermiões de ocupar a temperatura era de aproximadamente interiores, a forma desta superfície de
o mesmo estado. Em vez disso, os 290 nanokelvins — a temperatura mais probabilidade (ou orbital) será não-
fermiões ocupam estados quânticos baixa algum dia atingida para um gás -esférica. Físicos do Arizona (EUA)
diferentes nos níveis de energia mais de fermiões. Verificaram que a natureza obtiveram uma imagem destas orbitais
baixos, tal como a água que enche uma fermiónica dos átomos inibia de facto pela primeira vez e mostraram que elas
garrafa desde o fundo até um certo dramaticamente o arrefecimento por se parecem mesmo com os desenhos
nível (ver figura). evaporação. Isto é devido em parte que aparecem nos livros de mecânica
à pressão de Fermi — a repulsão dos quântica desde há décadas. Usando
átomos na “ratoeira” – que resiste uma técnica que combina difracção de
à compressão necessária para um raios-X e microscopia electrónica, os
arrefecimento por evaporação efectivo. cientistas da Arizona State University
Este sistema pode fornecer uma visão produziram um mapa 3D das orbitais
sobre o modo como os fermiões que de átomos de cobre e das suas ligações
formam anãs brancas e estrelas de com os átomos vizinhos no composto
neutrões permanecem a flutuar em vez de cobre Cu2O (ver figura). As imagens
de colapsar pela força da gravidade. No das ligações Cu-O e Cu-Cu podem
Este conjunto de átomos é chamado futuro, os investigadores esperam fornecer uma visão sobre o mecanismo
um “gás com degenerescência estudar a supercondutividade con- dos supercondutores a alta tem-
quântica“, pelo facto de as diferenças seguindo formar pares de Cooper com peratura, onde são cruciais a posição
entre bosões e fermiões só se tornarem os fermiões, a temperaturas ainda mais dos electrões e lacunas (os buracos
importantes neste regime de baixa baixas do que as que agora se deixados por electrões).
temperatura e alta-densidade. Um gás obtiveram . A criação de um tal “super- (J. M. Zuo et al., Nature, 2 / Set. / 1999)

28 Gazeta de Física
notícias a física no mundo
notícias notícias

Computadores quânticos fazem


primeiras simulações Prémio Nobel da Física para os ‘t Hooft em Julho passado o High
Até agora, os computadores quânticos holandeses ‘t Hooft e Veltman Energy Physics Prize daquela socie-
tinham conseguido operações de Gerard ‘t Hooft, da Universidade de dade pela “seu pioneira contribuição
aritmética simples e realizado buscas Utrecht na Holanda ganhou o para a renormalização de teorias de
em pequenas bases de dados. Mas uma Prémio Nobel da Física de 1999 gauge não abelianas, incluindo os
das primeiras aplicações, proposta em juntamente com o seu antigo super- aspectos não pertur-
1982 por Richard Feynman, foi que eles visor Martinus Veltman, que depois bativos dessas teorias”
podiam simular processos quânticos de ter sido professor na Universidade O físico ‘t Hooft re-
melhor e mais eficientemente do que de Utrecht foi professor na cebeu o prémio no
computadores clássicos. Demonstrando Universidade de Michigan (EUA) e Encontro de Física de
a ideia de Feynman pela primeira vez, hoje se encontra jubilado. O prémio Altas Energias da
Gerhard ‘t Hooft
um grupo de investigadores (David dos dois físicos reconhece trabalho EPS realizado em
Cory, MIT, EUA) usou um computador teórico no domínio da física de altas Tampere, Finland, em Julho passado.
quântico para resolver um problema energias realizado há A “Gazeta de Física” conta publicar
simples de um curso de física. mais de 20 anos e no próximo número mais informa-
Nomeadamente, simularam um “oscila- que se revelou de ção sobre os premiados.
dor harmónico truncado”, com a série importância vital para As páginas da Academia Nobel (ver
de níveis de energia — suposta finita o estabelecimento do http://www.kva.se/) e a página
por simplicidade. Para simular este modelo padrão das pessoal de Hooft na Internet
Martinus Veltmann
sistema, usaram um computador partículas. Consegui- (http://www.phys.uu.nl/~thooft/)
quântico de RMN (Ressonância ram a chamada renormalização de contêm informação suplementar. O
Magnética Nuclear), um dispositivo no teorias de invariância padrão (teorias interesse recente de Hooft são os
qual um campo magnético externo de “gauge”) não abelianas. Refira-se buracos negros, havendo até na sua
actua sobre um grupo de núcleos que num acto premonitório, a página uma pequena animação
atómicos num líquido, sólido ou gás, Sociedade Europeia de Física (EPS), sobre a queda de objectos em
de modo que o pequeno magnete pouco antes do Nobel, conferiu a buracos negros.
associado a cada núcleo atómico
esteja ou alinhado com o campo (num
estado de “spin-down”, que pode ser
representado por 0 em código binário)
ou oposto a ele (“spin-up”, que pode
ser representado por um 1). Tal como O telescópio Chandra
em designs anteriores, o computador de raios-x
RMN consiste em moléculas no estado O telescópio Chandra de raios X está
líquido; neste caso, os investigadores agora instalado numa órbita muito
manipularam todos os spins dos elíptica, onde a própria Terra, e não
núcleos atómicos dentro de cada apenas a sua atmosfera, não pode
molécula. Os resultados da mani- interferir com a recepção de raios X.
pulação nos estados de energia Designado em honra do astro-
possíveis para este sistema de dois físico Subrahmanyan Chandrasekhar,
“spins” simula exactamente os estados o telescópio de 14 metros de
de energia possíveis da partícula comprimento é considerado um dos
quântica no oscilador. Passos futuros “grandes observatórios” da NASA.
poderão incluir a modelação de um Os outros telescópios nesta classe são da missão é registar fenómenos
sistema do mundo real um pouco mais o Telescópio Espacial Hubble Space violentos onde quer que eles se
sofisticado — por exemplo, o electrão e o Observatório de Raios Gama manifestem em comprimentos de onda
num átomo de hidrogénio. Compton. O Chandra tem uma soberba de raios X: quasares, buracos negros,
(Somaroo et al., Physical Review Letters, 28 / resolução angular (metade de um pulsares, supernovas e plasmas inter-
Junho / 1999) segundo de arco, 8 vezes mais do que galácticos.
os telescópios de raios X anteriores),
sensitividade a objectos ténues (20 (Ver h t t p : / / w w w 1 . ms f c . n a sa . g ov /
vezes melhor do que antes) e boa NEWSROOM/background/facts/cxoquic
resolução espectral (1 eV). O objectivo k.htm)

Gazeta de Física 29
notícias SPF notícias
notícias notícias

NOTÍCIAS SPF Bragança Gil ter sido o primeiro SPF DELEGAÇÕES


Secretário Geral da SPF e, no
25 anos da SPF desempenho dessas funções, a ele se CENTRO
Vai realizar-se na Fundação ter ficado a dever, entre outras coisas, a
Gulbenkian, em Lisboa, em Novembro instalação da Sociedade na sede que Palestras na Delegação Regional
próximo um Encontro comemorativo ainda hoje ocupa, assim como a do Centro
dos 25 anos da constituição da iniciativa de realizar as Conferências A Drª Alexandra Pais, do Departamento
Sociedade Portuguesa de Física (SPF). Nacionais de Física. Posteriormente, foi de Física da Universidade de Coimbra,
A Comissão Organizadora é constituída Presidente da SPF no triénio 1981/83. vai falar em Janeiro de 2000 nesse
por Adelaide de Jesus, Augusto Quanto ao Professor Moreira Araújo, foi Departamento sobre “Campo Magnético
Barroso, Conceição Abreu, Manuel o primeiro Presidente da Assembleia Terrestre e Geofísica Interna”. (Ver
Fiolhais e Paulo Crawford. Geral da Sociedade, cargo a que http://www.nautilus.fis.uc.pt/~spf/
A iniciativa (ver programa detalhado em renunciaria por ter sido eleito palestras_1999-2000.html)
anúncio inserido nesta mesma edição Presidente da Delegação Regional No Departamento de Física da Universi-
da “Gazeta”) tem o patrocínio da Norte. Nessa qualidade foi o primeiro dade de Aveiro, o Dr. Jaime Carvalho e
Fundação Calouste Gulbenkian, da grande impulsionador da Sociedade Silva falou em Outubro sobre “A difícil
Fundação para a Ciência e Tecnologia e nessa região. Posteriormente foi editor relação entre os programas de Mate-
da Fundação Luso-Americana para o da “Portugaliae Physica” e Presidente mática e os programas de Física no
Desenvolvimento. da SPF no triénio 1984/86. ensino secundário”.
Representou a Sociedade em várias
reuniões no estrangeiro e, em
particular, negociou a participação da SUL E ILHAS
Física 2000 SPF no lançamento da nova revista
A reunião Física 2000, 12ª Conferência “European Physics Letters”. Palestras no Museu da Ciência
Nacional de Física e 10º Encontro Finalmente, a Professora Lídia Organizadas pela SPF, decorreram no
Ibérico para o Ensino da Física Salgueiro foi também sócia fundadora Museu da Ciência da Universidade de
decorrerão no Casino da Figueira da da SPF e pertenceu ao grupo dos Lisboa diversas palestras durante a
Foz de 27 a 30 de Setembro de 2000. físicos que, em 1947, iniciaram a apresentação ao público da exposição
As duas iniciativas contam com o apoio publicação da “Gazeta de Física”. do CERN “E=mc2 — quando a energia
do pólo local da Universidade Católica Durante vários anos manteve com se transforma em matéria”:
Portuguesa que, pela primeira vez, grande dificuldade a publicação regular . Filipe Duarte Santos (FCUL),
junta o seu nome às realizações da desta revista e, em 1975, após a “A Descoberta de Planetas Extra-
SPF. As Comissões Científica e fundação da Sociedade cedeu-a, a Solares”, 8 de Julho.
Organizadora de cada uma daquelas título gracioso, à SPF. . António Fonseca (FCUL), “Física
reuniões encontram-se constituídas, A proposta foi aprovada na Assembleia Nuclear para o Começo do Milénio”,
estando para breve previstas as suas Geral da SPF realizada em Setembro 10 de Julho.
primeiras reuniões de trabalho. último. . Augusto Barroso (FCUL), “O Mundo
sub-nuclear: leptões e quarks”,
Eleição para a IUC 17 de Julho.
A Drª Maria Arménia Carrondo, do . José Sande Lemos (IST), “Buracos
Sócios honorários da SPF ITQB, delegada da Sociedade Negros”, 22 de Julho.
A direcção da Sociedade Portuguesa de Portuguesa de Física na International . António Vallera (FCUL), “Partículas
Física (SPF) decidiu propor a atribuição Union of Crystallography, foi eleita para de um outro Universo: os Semi-
do título de sócios honorários a três a respectiva comissão executiva. condutores”, 24 de Julho.
personalidades que se destacaram pelo . Paulo Crawford (FCUL), “A Expansão
seu trabalho relevante em prol do do Universo”, 29 de Julho.
estabelecimento e progresso da SPF. . Jorge Dias de Deus (IST), “Unificação
A iniciativa, inserida nas comemorações Final da Física”, 31 de Julho.
do 25º aniversário da Sociedade, visa os
Professores Fernando Bragança Gil,
José Moreira Araújo e Lídia Salgueiro. Veja http://spf.pt
No texto da proposta da direcção da
SPF, dirigida à Assembleia Geral da SPF,
destaca-se o facto de o Professor

30 Gazeta de Física
notícias
projectos ciência viva notícias
notícias

As actividades com professores foram


as seguintes:
Projectos Ciência Viva
— selecção de experiências integradas
nos programas dos 10º, 11º e 12º anos,
Alguns dos projectos “Ciência Viva” (Av. Combatentes, 43-A, 10º B,
a realizar pelos alunos;
1600 Lisboa, Tel. 21 7270228, Fax. 21 7220265, ciencia@ucv.mct.pt e
— adaptação de actividades descritas
http://www.ucv.mct.pt), financiados pelo Ministério da Ciência
nos manuais de experiências, e outras,
e Tecnologia, situam-se na área das Ciências Físico-Químicas. Eis os
com elaboração de guiões;
resumos de alguns dos projectos sobre os quais nos chegou informação.
— concepção de novas experiências.
Quanto às actividades com alunos,
foram realizadas diversas actividades
experimentais contempladas nos
Novo Centro “Ciência Viva” em “Ciência em Acção” em Coimbra programas curriculares em aulas dos
Vila do Conde As actividades do projecto “Física em 11º (duas turmas) e do 12º (duas
Na antiga Cadeia de Vila do Conde Acção” (do programa “Ciência Viva” turmas) anos com os novos equipa-
foi inaugurado um novo Centro e da responsabilidade da SPF) e do mentos e o apoio dos professores
“Ciência Viva”. Abriu com a exposição subprojecto “Ciência Interactiva” (do responsáveis pelo projecto.
a “Dinâmica da Água”, que esteve programa “Nónio século XXI”) da Fora da sala de aula, foi aberto aos
patente na Expo 98 em Lisboa. Escola Secundária Infanta D. Maria, alunos o espaço reservado ao projecto,
Os centros “Ciência Viva” são unidades Coimbra, fundiram-se num projecto a permitindo a participação regular de
para a aprendizagem informal e inter- nível de escola, “Ciência em Acção”, que alunos do 11º ano. Aderiram oito
activa da ciência, existindo já em Vila funcionou no ano lectivo de 1998/99. alunos que, divididos em dois grupos
da Feira (Visionário), Coimbra (Ex- O projecto desenvolveu, com pro- de trabalho, executaram semanalmente
ploratório), Lisboa (Pavilhão do Conhe- fessores e alunos, trabalho laboratorial actividades laboratoriais sob a
cimento) e Faro, entre outros. No Centro que incluiu aquisição de dados por orientação de uma professora.
Ciência Viva de Faro foi inaugurada computador utilizando equipamento Ainda no âmbito do projecto, foram
uma nova sala destinada a actividades adquirido pelos projectos (sensores realizadas visitas de estudo ao
experimentais, o Experimentarium. e interface “Pasco” geridos pelo Exploratório Infante D. Henrique com
“software” “Science Workshop”). alunos do 11º e 12º anos.

Aprovado “Experimenta”
em Leiria
A Sociedade Portuguesa de Física,
Delegação Regional do Centro, viu O que dizem os físicos
aprovado em Setembro pelo programa
“Ciência Viva” o seu projecto
“Experimenta, Laboratório de Ciências
Físicas”, que visa instalar, gerir e José Mariano Gago (Março/1999)
explorar um laboratório moderno de “Portugal continua ainda muito abaixo dos níveis razoáveis em termos
ciências físicas na Escola Secundária europeia no sector da ciência e tecnologia (…) O salto só pode ser dado se
Domingos Sequeira, em Leiria. O se mantiver, nos próximos 10 anos, uma política de apoio sistemático aos
projecto tem o apoio da Câmara investigadores e aos centros de investigação e se o sistema permitir
Municipal de Leiria e deverá em breve a ascensão aos lugares de chefia de quadros jovens e com capacidade de
começar a ser concretizado. Prevê-se liderança”.
que, para além dos alunos das escolas
secundárias, seu “público-alvo” prefe- José Emílio Ribeiro e Jorge Dias de Deus (Maio/1999)
rencial, o “Experimenta” venha a “A produção científica nacional continua anormalmente baixa — dados
constituir um núcleo a partir do qual se do Science Citation Index e CIA revelam que Portugal, em contraste com
promovam acções de divulgação da a Irlanda, produz três vezes menos do que seria de esperar para o seu PIB
cultura científica destinadas a toda a — e a inovação, medida por patentes, não se afasta do nível zero.
população da área de Leiria e, mais em Houve certa animação interna, com avaliações internacionais atribuindo
geral, da região Centro. Contacto: Rui estrelas aos centros de investigação — estilo Guia Michelin — mas, no
Ferreira Marques, e-mail: essencial, não se alterou nada. As avaliações, em alguns casos (relembrar
rui@lipc.fis.uc.pt debates da época) não se revelaram prestigiantes.”

Gazeta de Física 31
notícias
notícias olimpíadas de
notícias
física

A Secção “Olimpíadas de Física”, seguida de visita ao Laboratório assuntos do programa das Olimpíadas
Física” é coordenada onde foram apresentados alguns Internacionais de Física que não fazem
por José António Paixão trabalhos experimentais realizados por parte dos currículos do ensino
e Manuel Fiolhais. alunos do Mestrado em Física para secundário português.
O contacto com os coor- o ensino da FCUL. Da parte da tarde,
denadores poderá ser feito durante a correcção das provas, foi
para: organizada uma visita à exposição
Departamento de Física, do CERN “E=mc2 — quando a energia Menção honrosa
Universidade de Coimbra, se transforma em matéria”, no Museu na XXX Olimpíada Internacional
3000 Coimbra; de Ciência da Universidade de Lisboa. de Física
ou pelos telefones A equipa vencedora do escalão A foi A Olimpíada Internacional de Física
239-410645, 410615, a da Escola Secundária Quinta do (IPhO) de 1999 decorreu na cidade
fax 239-829158 Marquês (Oeiras), constituída pelos italiana de Pádua de 18 a 27 de
ou “e-mails” seguintes elementos: Catarina Miguel Julho de 1999. Estiveram presentes
jap@pollux.fis.uc.pt e Martins, Liliana Patrícia da Silva estudantes de 62 países de todo
tmanuel@teor.fis.uc.pt e Pedro Miguel Leal. o mundo e observadores de três
Os vencedores do escalão B foram, por países (entre os quais o Brasil).
ordem de classificação: 1- Ricardo A representação portuguesa foi
Miguel Paiva, Esc. Sec. Camões, Lisboa, constituída pelos alunos do 12º ano
2- João Eduardo Gouveia, Esc. Sec. Rui Bebiano (Esc. Sec. Herculano
Olimpíadas Nacionais 1999 José Falcão, Coimbra, 3- Pedro Tiago Carvalho, Lisboa), Rui Meleiro (Esc.
Decorreram no passado dia 26 de Batista, Esc. Sec. Prof. Herculano de Sec. Emídio Navarro, Viseu), João
Junho, no Departamento de Física da Carvalho, Lisboa, 4- Fernando José Cardeiro (Esc. Sec. D. Pedro V, Lisboa),
Faculdade de Ciências da Universidade Abegão, Esc. Sec. Gabriel Pereira, Évora, Pedro Miranda (Esc. Sec. José Sara-
de Lisboa, as Olimpíadas Nacionais de 5- Marta Maria Varela, Esc. Sec. do mago, Lisboa) e José Miguel Santos
Física. Nesta prova concorreram as três Lumiar, Lisboa, e José Pedro Farinha, (Esc. Sec. Latino Coelho, Lamego),
equipas do escalão A vencedoras da Esc. Sec. Jaime Moniz, Funchal (ex-
etapa regional e no escalão B os oito æquo); 7- Pedro Miguel Caldes, Esc.
melhores classificados nesta etapa, em Sec. Gabriel Pereira, Évora, 8- Ângelo
cada região. Gabriel Cardoso, Esc. Sec. Bernardino
Na prova teórica do escalão A foi Machado, Figueira da Foz.
proposto um problema sobre um Os vencedores do escalão B e ainda
instrumento de precisão e, na parte os 9º e 10º classificados, João Vide
experimental, investigou-se o custo Barbosa (Esc. Sec. António Sérgio, V. N.
energético de aquecer e evaporar uma de Gaia) e André Nuno Carvalho Souto
certa quantidade de água. A prova (Esc. Sec. Infante D. Henrique, Porto),
teórica do escalão B desenvolveu-se em encontram-se pré-seleccionados para
torno de uma questão de mecânica de integrar a equipa olímpica que irá
A equipa olímpica portuguesa
corpos celestes e, na prova participar nas competições inter-
experimental, os alunos mediram a nacionais do próximo ano, a IPhO- e ainda pelos “team-leaders” José
distância entre duas espiras 2000 que decorrerá em Leicester (Reino António Paixão e Manuel Fiolhais.
consecutivas de um CD, que funcionou Unido) e as Olimpíadas Ibero- Rui Bebiano obteve uma menção
como rede de difracção de um laser. Americanas de Física, que terão lugar honrosa, sendo esta a primeira vez
Os enunciados de todas as provas em Jaca (Espanha) e onde Portugal que um estudante português é
estão disponíveis através da Internet irá participar pela primeira vez. Esta premiado numa Olimpíada Interna-
(spf.pt/dsul/olimpiadas.html). “selecção olímpica” terá, à semelhança cional de Física.
Durante a realização das provas, o dos anos anteriores, uma preparação A prova teórica foi constituída por três
Dr. António Vallera, do Departamento que decorrerá durante o próximo ano problemas: o primeiro tratava um
de Física da Faculdade de Ciências lectivo, e que conta com a colaboração assunto de Termodinâmica, com alguns
da Universidade de Lisboa (FCUL), de professores da Universidade de afloramentos de Física Moderna; o
proferiu uma conferência para os Coimbra e dos professores orientadores segundo, de Electromagnetismo, andou
professores acompanhantes sobre dos alunos, a designar pelas escolas em torno do campo de indução
“Colaboração Universidade-Escolas no onde os alunos frequentarão o 12º ano. magnética criado por um fio infinito,
desenvolvimento de experiências de Esta preparação tem em vista cobrir dobrado em V, percorrido por uma

32 Gazeta de Física
notícias
notícias olimpíadas de
notícias
física

corrente estacionária; na terceira A organização da IPhO promoveu uma classificação de 41,5 num total de
questão pedia-se para analisar o visitas a locais de interesse turístico, 50 pontos. Este estudante obteve
movimento de um satélite enviado ao entre os quais Veneza, e aos também a melhor classificação na
planeta Júpiter e envolvia, sobretudo, Laboratórios Nacionais de Legnaro. Aí prova experimental. A melhor prova
conhecimentos sobre o movimento de pudémos observar, entre outros, os teórica foi realizada por um estudante
uma partícula num campo de forças equipamentos utilizados nas espanhol.
central. experiências de detecção de ondas No ano 2000 a competição terá lugar
Na questão experimental estudava-se gravitacionais. em Jaca (Espanha), estando prevista,
um pêndulo de torsão de momento Na cerimónia de encerramento, que como já se referiu, a participação de
de inércia variável. Contamos contou com a presença do prémio Portugal com uma equipa de quatro
apresentar na Internet, na página Nobel italiano Carlo Rubia, foi elementos, a seleccionar por entre os
da SPF, os enunciados de todas oficialmente anunciado que a XXXI estudantes apurados nas Olimpíadas de
as questões bem como de propostas IPhO decorrerá em Leicester (Reino Física de 1999.
de resolução (todos os textos em Unido), em Julho de 2000.
português).
O facto de este ano a IPhO se realizar
mais tarde do que o habitual tornou
possível propiciar aos nossos Olimpíadas
estudantes uma preparação suple- Ibero-Americanas de Física
mentar de quatro dias antes da partida Teve lugar de 20 a 24 de Setembro em
para Itália e já depois de terem Ochomogo (Costa Rica) a IV Olimpíada
realizados os exames do 12º ano. Ibero-Americana de Física onde
Uma tal preparação intensiva Portugal participou, pela primeira vez,
é absolutamente necessária, já que com o estatuto de observador. Esta
as matérias sobre as quais incide competição, cujas edições anteriores
a prova olímpica vai muito para além tiveram como países anfitriões a
do programa de Física do ensino Colômbia, a Venezuela e o México,
secundário. Em anos anteriores esta pretende promover a Física entre os
preparação decorreu antes ou, por jovens da América Latina, Portugal e
vezes, durante o período de exames, Espanha e estreitar a cooperação entre
o que lhe retirou eficácia. Este ano, estes países no domínio da divulgação
o próprio calendário terá contribuído e ensino da Física.
para uma melhoria significativa nos Participaram este ano na competição
resultados dos nossos estudantes, 13 países de um total de 22 que
sendo certo que o principal mérito formam a comunidade de países ibero-
dessa melhoria vai sobretudo para -americanos. A representação de
o esforço desenvolvido ao longo do Portugal ficou a cargo do Dr. José
ano pelos próprios alunos, mas António Paixão.
também para o trabalho empenhado Tal como na IPhO, há duas provas —
dos professores orientadores e para uma de índole teórica e outra expe-
a escola que apoiou cada um dos rimental. O programa de Física também
alunos, e para os docentes do é idêntico ao da IPhO, mas as questões
Departamento de Física da Uni- apresentadas nas Olimpíadas Ibero-
Rui Bebiano que obteve uma menção honrosa na
versidade de Coimbra (Adriano Lima, Americanas têm, geralmente, um grau
XXX IPhO
Pedro Alberto, Lucília Brito, de dificuldade menor.
Francisco Gil, Décio Martins) que Nas Olimpíadas Ibero-Americanas
colaboraram com os “team leaders” podem participar alunos do ensino
na preparação suplementar. secundário, sendo a idade máxima dos
Registe-se ainda que Rui Meleiro estudantes de 18 anos. A competição é
ficou a 0,8 ponto (em 50) da individual, sendo cada país repre-
menção honrosa e João Cardeiro e sentado por uma equipa de, no
Pedro Miranda a dois pontos. máximo, quatro estudantes.
O vencedor absoluto da XXX IPhO O vencedor da competição deste ano
foi um estudante russo. foi um estudante argentino que obteve

Gazeta de Física 33
publicações

exigem qualquer protecção ocular, descrevem-se os seus


vários momentos e a respectiva observação com binóculos
comuns. Há um capítulo dedicado à fotografia de eclipses
que contém numerosos conselhos práticos e tabelas,
mostrando que fotografar um eclipse é mais fácil do que
parece.
A única parte “desactualizável” desta obra é o capítulo 6, que
trata especificamente do eclipse que ocorreu em 11 de Agosto
último. Mas a obra manterá a sua utilidade, pois continuará
a haver eclipses, como é óbvio, e este livro menciona (no
capítulo 7) todos os que vão ocorrer até ao ano 2010, sem
esquecer os locais de onde serão visíveis e as correspondentes
magnitudes.
Eclipse do Sol de 11 de Agosto de 1999 A obra termina com uma secção de informações úteis,
incluindo endereços na Internet para os leitores que queiram
saber mais, além da correspondente bibliografia com
O guia dos eclipses indicações explícitas de leitura. Como bónus o leitor
Num pequeno volume de 140 páginas, editado pela Gradiva, encontrará uns óculos seguros para observação dos eclipses
quatro conhecidos astrónomos amadores expõem, de forma do Sol a olho nu e uma cartolina negra perfurada para a
clara e muito acessível, o essencial sobre os eclipses. A projecção da imagem do Sol numa cartolina branca, também
experiência dos autores e a fluência da escrita fazem da incluída. O facto de o Ministério da Ciência e da Tecnologia
leitura de “Eclipses” um verdadeiro prazer. Trata-se de um ter subsidiado esta obra permitiu um preço de capa
guia prático para a observação e fotografia dos eclipses, extremamente atractivo (1000$00).
acessível a qualquer pessoa, que cumpre plenamente os A obra perfeita não existe e um livro sem gralhas também
objectivos propostos na nota introdutória. não. Depois de ter sido criticado pelas gralhas que havia na
A equipa de autores aproveita bem a sinergia resultante de primeira edição dos “Principia Mathematica”, Newton
diferentes experiências. Nuno Crato é professor de retorquiu que, depois de os seus detractores as terem
Matemática e Estatística no “New Jersey Institute of apontado, ele próprio tinha encontrado mais de duzentas.
Technology”, nos EUA, e escreve regularmente sobre ciência Porém, “Eclipses” é uma obra quase sem gralhas, e quem
no jornal “Expresso”. António Magalhães, médico nunca as cometeu que atire a primeira pedra. A definição de
oftalmologista, foi presidente da Associação Portuguesa de dioptria (p. 47) e algumas imprecisões nas figuras das pp. 49
Astrónomos Amadores (APAA) e é um observador activo. e 103 serão certamente corrigidas em próximas edições. A
António Cidadão, professor da Faculdade de Medicina de indicação de alguns acidentes da topografia lunar (p. 73) para
Lisboa e membro da APAA, dedica-se há vários anos à referir a evolução dos eclipses da Lua seria valorizada com um
astrofotografia de objectos do Sistema Solar. Pedro Ré, actual mapa simples que ajudasse o leitor menos conhecedor a
presidente da APAA, é biólogo marinho e interessa-se pela identificar esses mesmos acidentes.
fotografia de objectos do céu profundo há mais de duas Estes reparos ligeiros não desmerecem de modo algum brilho
décadas. As páginas que os dois últimos autores têm na da obra e a sua clara utilidade. É indiscutivelmente um bom
Internet mostram bem o nível dos seus trabalhos, que têm livro, indispensável na biblioteca pessoal de todos os que se
projecção internacional e mereceram publicação em revistas interessam por estes fenómenos.
como a “Sky & Telescope”, a “Astronomy” e outras. Todas as
fotografias que ilustram o livro, incluindo as da capa, são Guilherme de Almeida
destes dois autores, acompanhadas por desenhos claros e Colégio Militar, Lisboa
elucidativos de Sérgio Magalhães.
Prefaciada por Manuel Nunes Marques, Director do “Eclipses”
Observatório Astronómico de Lisboa, a obra está organizada Nuno Crato, António Magalhães,
em oito capítulos. Começa por descrever os eclipses através António Cidadão e Pedro Ré
da história, mencionando algumas peripécias curiosas, Gradiva, Lisboa, 1999
seguindo-se uma abordagem simples da mecânica destes
fenómenos e das condições para a sua ocorrência. Nos
eclipses do Sol dá-se especial destaque à protecção dos olhos,
“equipamento” insubstituível dos observadores, indicando as
precauções a ter, a escolha de filtros adequados e os vários
métodos de observação; no caso dos eclipses da Lua, que não

34 Gazeta de Física
livros
livros ee multimedia
multimedia
livros livros e multimedia
e multimedia

Ciência: uma designação imprópria


O professor de Física e divulgador científico Dr. António
Manuel Baptista (muitos recordam os seus programas na
televisão e na rádio!) reuniu em “Ciência na Crista das Ondas”
(SPB Editores, Lisboa, 1994) e neste volume mais recente
(saído do mesmo prelo) muitos dos seus textos sobre ciência,
sempre bem informados e escritos, aqui e ali polémicos. Para
dar um “sabor” do conteúdo, trancrevemos, com a devida
vénia, um extracto do último capítulo, “Ciência, um nome
impróprio para filosofia experimental”:

“(...) O autor não se sente feliz por William Whewell ter criado
a palavra cientista para qualificar o praticante de uma
actividade que todos pareciam aceitar se chamasse Ciência
(...). Bem melhor teria sido adoptar a designação, que tão “Ciência, a Anatomia do Maravilhoso”
bem Newton justificou, e que foi anunciada por Francis António Manuel Baptista
Bacon, de Filosofia Experimental. Com efeito, muitos dos SPB Editores, Lisboa, 1998
desencontros, que levam até a acrimoniosas discussões,
gravitam em torno da ambiguidade do significado da palavra
Ciência com uma ganga milenária profundamente incrustada.
Permito-me assim sugerir uma prova que julgo pelo menos
servir para acertar agulhas nesta navegação entre palavras
Obras editadas
que é qualquer discurso. Consiste, onde se encontrem as
palavras Ciência ou Cientista, na sua substituição por
A partir deste número procederemos à menção, sem
Filosofia Experimental e Filósofo Experimental, respecti-
prejuízo de eventuais notas críticas mais desenvolvidas
vamente. O efeito, por vezes, é quase mágico e, outras vezes,
a publicar posteriormente, dos livros editados que
introduz uma pausa reflexiva de que só pode beneficiar a
chegarem à redacção da “Gazeta de Física”.
consistência do discurso.
Muitos autores gravíssimos, como diria António Vieira, entre
Eis uma selecção de obras de Física e de Ciência em
eles eminentes matemáticos, falam de ciência matemática.
geral publicadas desde 1998:
Mas quando assim for leiamos ou escutemos filosofia
experimental matemática e talvez já não pareça tão estranho
porque defendemos que a Matemática (não estamos a referir
. “Perfil da Investigação Científica em Portugal”,
Ministério da Ciência e Tecnologia, Fundação para a
a Matemática Aplicada, claro) não é uma ciência. Façamos a
Ciência e Tecnologia”, Carlos Matos Ferreira (Coord.),
prova mais vezes: quando se falar em ciência política ou
Observatório das Ciências e Tecnologias, 1998.
ciência social ouçamos filosofia experimental, política ou filo-
sofia experimental social; em vez de ciência linguística,
. “Introdução à Relatividade Restrita”, João Manuel
Resina Rodrigues, IST Press, 1998.
filosofia experimental linguística; em vez de psicologia
científica, filosofia experimental psicológica, etc. O que nos
. “Por que não são Negros os Buracos Negros”, Robert
M. Hazen e Maxine Singer, Dinalivro, 1998.
pareceria se ouvíssemos referir o cientista Sigmund Freud
como o filósofo experimental Sigmund Freud? Mesmo quando
. “Fé de Físico!”, Louis Leprince-Ringuet,
Gráfica de Coimbra, 1998.
dizemos filosofia da Ciência deveríamos ter presente que nos
. “Visões”, Michio Kaku, Bizâncio, 1998.
estamos a referir a filosofia da Filosofia Experimental. Se
alguns se atrevem mesmo a falar de ciência metafísica, se
. “O Universo de Carl Sagan”, Yervant Terzian e
Elisabeth Bilson, Universidade de Aveiro/Gradiva, 1998.
ouvíssemos falar de filosofia experimental metafísica, todos
estremeceríamos, principalmente, acreditamos, os
. “Imposturas Intelectuais”,
Alan Sokal e Jean Bricmont, Gradiva, 1999.
metafísicos... Não estamos, nos exemplos indicados (por
exemplo, quando falámos de psicologia científica), que se
. “Perguntem ao Tio Alberto”,
Russell Stannard, Edições 70, 1999.
poderiam multiplicar, a propor o teste como absolutamente
negando qualquer carácter científico à actividade referida
. “A Natureza e os Gregos e Ciência e Humanismo”,
Erwin Schroedinger, Edições 70, 1999.
mas a indicar que possivelmente muito do que se lhe refere
como “científico” não tem jus a este adjectivo. E já não
. “Respostas da Ciência”, John Brockman e Katinka
Matson, Círculo de Leitores, 1999.
falamos da astrologia científica, ou parapsicologia científica,
ou de quaisquer outras perversões e abusos insultantes.”
C. F.

Gazeta de Física 35
livros
livros ee multimedia
multimedia
livros livros e multimedia
e multimedia

Com a evolução tecnológica actual, as


duas coisas vão ficar necessariamente
associadas. Na Europa, os novos
produtos serão cada vez mais ligados à
tecnologia e, sem ela, os comerciantes
deixarão de ter que vender”.
E mais adiante:
“Cada vez estou mais convencido que a
existência mesmo da nossa espécie vai
depender da capacidade dos jovens das SETI procura extraterrestres
próximas gerações para resolver os O programa SETI (Search for
problemas gigantescos com os quais Extraterestrial Intelligence) pediu a
vão estar confrontados. São aqueles ajuda de 100 000 voluntários para
que vão agora para a escola primária analisar sinais que confirmem (ou não)
que deverão corrigir os erros feitos que há vida nos outros planetas. O
pelas gerações anteriores. A utilização programa que realiza o trabalho é
do método científico será indis- cedido gratuitamente pelo SETI, via
pensável. É por isso que penso que o Internet, e põe-se automaticamente em
ensino das Ciências e, em particular, o funcionamento quando o colaborador
Dois olhares sobre o nosso país da Física, terá que ser revisto. É preciso tem o seu computador pessoal em
Tudo pode acontecer quando dois encorajar a cultura científica desde “stand by” (tal qual um “screen saver”).
físicos se encontram, e sobretudo pequenino”. A resposta excedeu as expectativas:
quando a distância geográfica e os actualmente mais de 400 000 utiliza-
referenciais geracionais e culturais são C. P. dores ajudam o projecto, dos quais
tão vincadamente distintos. E o cerca de 5000 em Portugal.
resultado desse encontro pode ser, por “Diálogos sobre Portugal”
exemplo, um livro. Este livro. Manuel Paiva e Mariana Pereira Ver http://www.seti.planetary.org ou
Manuel Paiva é professor na Universi- Livros e Leituras, Lisboa, 1998 http://setiathome.ssl.berkeley.edu
dade de Bruxelas, Bélgica, há mais de
30 anos. Mariana Pereira prepara o
doutoramento em Filadélfia, EUA. Quis
o acaso que os respectivos percursos se
cruzassem algures em terras
portuguesas. E assim surgiram estes
diálogos, desdobrados e traduzidos em
inúmeros olhares específicos sobre
aspectos distintos da condição de ser
português. Constituem igualmente
uma reflexão cruzada sobre
experiências, vivências, sentidos e
emoções pessoais, expressos numa
linguagem directa e despojada, que
sensibilizou Macário Correia, presidente
da Câmara de Tavira, autor do prefácio
da obra.
De entre as inúmeras e sugestivas
reflexões que são objecto de comunhão
entre os dois autores, permitimo-nos
seleccionar duas.
“— Mas qual é a contradição em ser
bom comerciante e bom cientista?
— Em geral, o comerciante procura o
benefício imediato. O cientista vê as
coisas numa perspectiva a longo prazo.

36 Gazeta de Física
opinião
Promoções e Concursos
Augusto Barroso*
As universidades em Portugal gozam de autonomia
consagrada na Constituição da República. Contudo,
a esta solenidade no plano dos princípios corresponde
uma prática pouco autonómica. Desde logo, o acto mais
importante da vida da universidade, a escolha dos seus
professores, está balizado por um diploma legal, esteja habilitado com o título académico de agregado.
designado por estatuto da carreira docente, negociado Concordo com esta exigência e também concordo com
entre o Estado e os sindicatos sem que a instituição quadros com um número de lugares pré-determinado.
universidade tivesse tido qualquer interferência. Apesar As chamadas carreiras circulares são incompatíveis com
da tradição, não estou convencido de que terá de ser uma carreira cuja hierarquia deve corresponder a níveis
sempre assim. Antes pelo contrário: a realidade muda-se. progressivamente mais exigentes de competência
Por isso, é tempo de abrir um debate sobre estes assuntos. científica. Pelo contrário, esta exigência progressiva
É o que vou procurar fazer aqui. implica uma carreira em pirâmide, como forma de
Pelo menos no âmbito dos maiores departamentos garantir uma saudável competição entre vários
de Física das nossas universidades, é um dado adquirido, candidatos.
que a contratação se faz, pelo menos, para o lugar de Contudo, estou em desacordo com a prática actual porque
professor auxiliar. Está assim definitivamente afastado, ela não permite uma distinção entre promoção dos
salvo em condições excepcionais que podemos considerar professores de um determinado departamento e recruta-
em vias de extinção, a contratação de assistentes para mento de novos professores. Quanto ao recrutamento, ele
funções docentes. Por esta via, fica assim resolvido deveria ser efectuado por concurso aberto exclusivamente
o problema da passagem automática dos assistentes a candidatos exteriores ao departamento. Estes concursos
a professores auxiliares. Falta agora abordar de uma poderiam ser abertos para qualquer das três categorias
forma cientificamente correcta, isto é, de uma forma que de professores e corresponderiam à implementação da
garanta a defesa dos interesses da instituição política de desenvolvimento do departamento.
universitária, a permanência na carreira e a promoção. Se é necessário um professor para reforçar ou iniciar uma
Quanto à permanência na carreira, designada dada área, então deve procurar-se contratar o melhor
habitualmente por nomeação definitiva, o sistema vigente candidato que se consiga atrair. Este candidato deverá
deveria ser revisto. Actualmente, após um primeiro vir do exterior, já que a promoção a uma posição mais
quinquénio como professor auxiliar, o professor elabora elevada na hierarquia de um professor já existente no
um relatório sobre a sua actividade que submete departamento não introduzirá, obviamente, qualquer
à apreciação do conselho científico da sua faculdade. alteração qualitativa no departamento.
Este órgão nomeia dois professores para efectuarem um Por outro lado, parece-me imprescindível que, na
parecer sobre o relatório que é depois votado por todos universidade, também exista uma política de promoção
os professores. Infelizmente, esta democraticidade está do seu pessoal docente. Em qualquer instituição, uma
na origem de uma grande irresponsabilidade. Diria política de gestão de recursos humanos passa pela
mesmo que a irresponsabilidade cresce na razão directa implementação de um esquema de promoções que
do número de votantes, já que na sua maioria não tem premeie os melhores. Sem este esquema, a instituição
nem competência científica na área do candidato nem arrisca-se a perder os seus melhores quadros ou, pior
interesse directo no resultado da apreciação. Talvez fosse ainda, arrisca-se a que se instale um clima que não
razoável encurtar o período probatório de cinco para três incentive o esforço e a iniciativa. Tal é ainda mais grave
anos e transferir a decisão para um júri de cinco a sete em instituições, como são presentemente as universidades
membros nomeados pelo conselho científico. portuguesas, onde a política de remunerações está ligada
à função e não ao desempenho.
Perder os melhores
Quanto à progressão na carreira, ela é actualmente Proposta “delicada”
efectuada por concurso público para professor associado Como fazer então as promoções? Atribuir a sua
e para professor catedrático, abertos sempre que exista competência a um júri formado por todos os professores
uma vaga nos respectivos quadros. Acresce ainda que, catedráticos de um determinado departamento mais
para concorrer a catedrático, se exige que o candidato outros professores catedráticos ou especialistas exteriores

Gazeta de Física 37
Promoções
opinião e Concurso

cartas
opinião opinião

em número igual a pelo menos 50 por cento dos membros


internos ao departamento.
É claro que, existindo esta dicotomia entre concurso e Lufada de ar fresco
promoção, falta saber em que condições se poderia optar
por uma ou por outra modalidade em caso de ocorrência
de uma vaga. Estou consciente que este seria o ponto
mais delicado da alteração que defendo. Por um lado, é Acabo de receber o último número da Gazeta de Física
preciso assegurar que as universidades se renovem e que (Vol. 22, Fasc. 2), que muito apreciei. Só de folhear a
esta renovação se faça com uma percentagem de revista, senti vontade de dizer que gostei francamente
elementos vindos do exterior. Por outro lado, é necessário do novo figurino. O conteúdo vem na linha da qualidade
garantir que a carreira seja suficientemente dinâmica para anterior, mas há assinaláveis acrescentos de informação
ser estimulante. Acresce que, entre nós, o corpo docente e um sentido de humor que registo e saúdo. Parabéns
das universidades já sofre de uma excessiva falta de por esta lufada de ar fresco. Que não vos esmoreçam o
mobilidade. Há, portanto, que ser cauteloso e não entusiasmo e o dinamismo revelados.
introduzir medidas que venham reforçar este “inbreeding”. Um outro facto que muito me agradou, afectivamente,
Um esquema possível seria exigir que, em cada quatro foi verificar que os 25 anos da Sociedade Portuguesa de
vagas de associado, uma fosse obrigatoriamente posta a Física (SPF) não foram esquecidos, e vão mesmo ser
concurso exterior e que, em cada três vagas de comemorados com uma conferência nacional. Foi
catedrático, uma fosse obrigatoriamente preenchida por praticado até o acto de justiça de lembrar os nomes dos
concurso externo. colegas que integraram os primeiros corpos gerentes
Não tenho a pretensão nem de ter encontrado a solução nacionais (triénio 1995-1978), o que é digno de realce,
única para este problema nem sequer de ter esgotado a sabendo-se como se sabe que a memória dos homens
análise das suas várias implicações. O que pretendo é nem sempre é dada ao cultivo saudável do passado.
iniciar nestas páginas o debate deste assunto. Já o vi Neste aspecto, porém, afigura-se-me ter havido uma
debatido, em privado, várias vezes e algumas das teses falha. A páginas 4 e 32 é mencionada a comissão
que apresentei já foram defendidas por outros colegas. organizadora da Sociedade Portuguesa de Física
Têm agora a palavra. (comissão pró-SPF) — ao assinalar-se o acto fundador que
A Sociedade Portuguesa de Física também deve ser um foi a assinatura da escritura de constituição da Sociedade
forum onde estes assuntos profissionais são abordados. em 24 de Abril de 1974 —, mas não houve a mesma
Evidentemente, as opiniões expressas são pessoais e não gentileza de recordar a sua constituição, o que teria sido,
comprometem a direcção da sociedade. a meu ver, igualmente justo.
Convém não esquecer que, a anteceder o grupo dos
iniciadores, houve um grupo de pré-iniciadores que
*Departamento de Física da Universidade de Lisboa desbravou um longo caminho, em condições delicadas.
barroso@alf1.cii.fc.ul.pt Embora ninguém seja bom juiz em causa própria, posso
assegurar-lhe, Senhor Director, com conhecimento de
(Subtítulos da responsabilidade da redacção) causa, que o trabalho desenvolvido pela comissão pró-
SPF ao longo de quatro anos (Fevereiro de 1971 a
Janeiro de 1975) — desde que o Núcleo de Física de
Lisboa da Sociedade Portuguesa de Química e Física
iniciou o processo de autonomização associativa dos
físicos portugueses até à realização da primeira
Assembleia Geral da SPF em Coimbra, a que tive a honra
Errata de presidir — não foi isento de escolhos.

A data mencionada na capa da última “Gazeta” saiu errada, pois a edição


em causa corresponde ao trimestre Abril-Junho e não ao período Julho-
Agosto. Na página 24, em vez de Hélder Coelho deve ser Hélder Crespo. Eduardo J. C. Martinho
Na página 25, nas notícias da Física em Portugal, está incorrecto o nome (Instituto Tecnológico e Nuclear, Sacavém)
do padrinho no doutoramento “honoris causa” de Johannes Los. Trata-se
do Dr. Augusto Moutinho, da Universidade Nova de Lisboa, e não Augusto
Miranda.
Na página 26, o endereço de “Ciência a Brincar” (e não “Ciência e
Brincar”) é http://nautilus.fis.uc.pt/~spf/projectos.html.
Também na página 34, o endereço electrónico de Manuel Fiolhais é
tmanuel@teor.fis.uc.pt, e não o que o foi publicado.

38 Gazeta de Física

Você também pode gostar