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LEGISLAÇÃO
PENAL ESPECIAL

Professor: Geibson Rezende


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1. Crimes Hediondos – Lei n. 8.072/90

1.1 Rol dos Crimes Hediondos.

• Como adotamos o critério legal, são hediondos somente os crimes elencados no art. 1º
da Lei 8.072/90. Por essa razão, não se fala, por exemplo, em hediondez na hipótese de
homicídio do Presidente da República, pois o art. 29 da Lei 7.170/83 não integra o rol.

• São hediondos os seguintes delitos:

– homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio,


ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2º, I, II, III, IV, V, VI e
VII);

– lesão corporal dolosa de natureza gravíssima (art. 129, § 2º) e lesão corporal seguida de
morte (art. 129, § 3º), quando praticadas contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e
144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança
Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou
parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição;

– latrocínio (art. 157, § 3º, in fine);

– extorsão qualificada pela morte (art. 158, § 2º);

– extorsão mediante sequestro e na forma qualificada (art. 159, caput, e §§ lº, 2º e 3º);

– estupro (art. 213, caput e §§ 1º e 2º);

– estupro de vulnerável (art. 217-A, caput e §§ 1º, 2º, 3º e 4º);

– epidemia com resultado morte (art. 267, § 1º);

– falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins


terapêuticos ou medicinais (art. 273, caput e § 1º, § 1º-A e § 1º-B);

– favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou


adolescente ou de vulnerável (art. 218-B, caput, e §§ 1º e 2º);

– genocídio (Lei 2.889/56).

• Infelizmente, o rol dos crimes hediondos está entre aqueles assuntos que devem ser
memorizados. Em prova, dificilmente será questionado se um crime “X” é o não hediondo. No
entanto, é possível que a banca pergunte a respeito de prazos de prisão temporária ou de
progressão de regime na hipótese de determinado delito, diferenciados em crimes hediondos.

• Fique esperto: a tentativa não afasta a hediondez! Portanto, na hipótese de tentativa de


estupro ou de homicídio qualificado, por exemplo, o crime permanecerá hediondo, devendo ser
aplicada a Lei 8.072/90.

• As “pegadinhas” em relação ao homicídio na Lei de Crimes Hediondos são sempre as


mesmas. Questionarão se é possível a existência de um grupo de extermínio composto por uma
única pessoa – a redação do art. 1º, inciso I, pode fazer com que o leitor chegue a tal conclusão.
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A resposta é não. O que o dispositivo quis dizer: não é preciso que todos os integrantes do grupo
de extermínio participem da execução do homicídio para o reconhecimento de sua existência
ou de sua hediondez.

• Há divergência quanto ao número mínimo de integrantes de um grupo de extermínio. A


Lei 8.072/90 não diz, mas boa parte da doutrina entende que a formação é a mesma da
associação criminosa (CP, art. 288): três ou mais pessoas.

• Não confunda grupo de extermínio com concurso de pessoas. Se Caio, Tício e Mévio
decidem matar João, a hipótese será de homicídio em concurso de pessoas, e não de grupo de
extermínio. Por outro lado, se o trio decide matar torcedores de determinado time, estará
caracterizado o grupo de extermínio. Explico: a principal característica do homicídio em
atividade típica de grupo de extermínio é a impessoalidade. A vítima é assassinada em razão de
alguma característica especial (ex.: ser mendigo), e não por ser “A” ou “B”. A sua identidade é
irrelevante para o homicida.

• Em Direito, há exceção para tudo. No entanto, em relação às qualificadoras do


homicídio, fique esperto: todas elas tornam o crime hediondo.

• No § 1º do art. 121 do CP está previsto o intitulado homicídio privilegiado – na verdade,


não é privilégio, mas causa de diminuição de pena -, hipótese em que o agente mata “impelido
por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em
seguida a injusta provocação da vítima”. Não é crime hediondo, pois não está no rol do art. 1º
da Lei 8.072/90.

• Todavia, há uma situação que pode causar confusão: a do homicídio qualificado-


privilegiado. Explico: O § 2º do art. 121 do CP possui qualificadoras de natureza objetiva (incisos
III e IV) e subjetiva (I, II, V e VI). O homicídio privilegiado é compatível com as qualificadoras de
natureza objetiva (ex.: o pai que mata o estuprador da filha com o emprego de veneno). Neste
caso, o homicídio será considerado, ao mesmo tempo, qualificado e privilegiado. Surge, então,
a dúvida: ele será hediondo? A resposta é não. A razão: em primeiro lugar, não há previsão no
art. 1º da Lei 8.072/90. Ademais, não seria coerente, em um mesmo contexto, diminuir a pena
e impor os malefícios da Lei dos Crimes Hediondos.

• Agora, imagine a seguinte situação: Tício, agindo com vontade de matar por motivo
torpe – logo, qualificado -, dispara tiros contra Mévio. No entanto, por erro na execução, atinge
Caio, que vem a falecer. Pergunto: o fato de Tício atingir pessoa diversa da pretendida afasta a
hediondez do crime? E se Tício confundisse as vítimas, e, ao invés de atirar em seu inimigo,
matasse o seu irmão gêmeo? Nas duas hipóteses, o homicídio será hediondo. Isso porque, tanto
na hipótese de “aberratio ictus” (CP, art. 73) quanto na de “erro sobre a pessoa” (CP, art. 20, §
3º), leva-se em consideração a vítima pretendida, e não a efetivamente atingida. Logo, se o
homicídio foi praticado por motivo torpe (ou presente outra qualificadora), ele será hediondo,
ainda que o agente não mate a vítima desejada, mas pessoa diversa.

• Em 2009, o CP passou a contar com o § 3º em seu art. 158 (extorsão), com a seguinte
redação: “Se o crime é cometido mediante a restrição da liberdade da vítima, e essa condição é
necessária para a obtenção da vantagem econômica, a pena é de reclusão, de 6 (seis) a 12 (doze)
anos, além da multa; se resulta lesão corporal grave ou morte, aplicam-se as penas previstas no
art. 159, §§ 2º e 3º, respectivamente.”. Trata-se do intitulado “sequestro relâmpago”, que, por
razões inexplicáveis, não foi incluído ao rol de crimes hediondos, ainda que ocorra a morte da
vítima. Alguns autores entendem que o delito seria hediondo em razão da remissão que o
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dispositivo faz ao art. 159, §§ 2º e 3º, mas o raciocínio não deve prevalecer, pois, como já dito,
o critério adotado para que um crime seja considerado hediondo é o legal. Ou seja, se um delito
estiver no rol do art. 1º da Lei 8.072/90, é hediondo. Senão, não.

1.2 Crimes hediondos e equiparados: vedações e prazos.

• São equiparados aos crimes hediondos o tráfico de drogas, o terrorismo e a tortura.


Significa dizer que a Lei 8.072/90 é aplicável a eles, exceto quanto ao que lei própria dispuser de
outra forma. Por isso, as disposições da Lei 11.343/06 (Lei de Drogas) e da Lei 9.455/97 (Lei de
Tortura) devem prevalecer quando em conflito com a Lei de Crimes Hediondos (princípio da
especialidade), que deve funcionar como norma geral.

• Os crimes hediondos e os equiparados são insuscetíveis de anistia, graça, indulto e


fiança.

• Perceba que o que a Lei 8.072/90 veda, em seu art. 2º, II, é a fiança, e não a liberdade
provisória. Portanto, é possível que o acusado por um crime hediondo aguarde o desfecho da
ação penal solto. O que não é possível, no entanto, é que a liberdade seja condicionada ao
pagamento de fiança, por expressa vedação legal, mas o juiz não está impedido de impor outra
das medidas cautelares do art. 319 do CPP.

• No art. 2º, § 1º, a Lei 8.072/90 afirma que o condenado por crime hediondo iniciará o
cumprimento da pena necessariamente em regime fechado, pouco importando o “quantum” de
pena fixado. Todavia, o STF, ao julgar o HC 111.840/ES, declarou, em controle difuso, a
inconstitucionalidade do dispositivo, e entendeu que o condenado por crime hediondo pode
iniciar o cumprimento da pena em regime diverso (aberto ou semiaberto). Significa dizer que o
dispositivo permanece em pleno vigor, mas tem sido afastado pelos Tribunais Superiores. O STJ
tem seguido o entendimento, como é possível constatar no HC 306.352/SP, publicado no dia 24
de fevereiro de 2015.

• A progressão de regime em crimes hediondos se dá com 2/5 (dois quintos), se primário


o condenado, ou 3/5 (três quintos), se reincidente. É importante que o leitor memorize as
frações, pois são cobradas em provas.

• Sobre a progressão, veja recente julgado do STJ: “A progressão de regime para os


condenados por tráfico de entorpecentes e drogas afins dar-se-á, se o sentenciado for
reincidente, após o cumprimento de 3/5 da pena, ainda que a reincidência não seja específica
em crime hediondo ou equiparado.” (Informativo n. 554/15).

• Em relação à prisão temporária, os prazos na Lei 8.072/90 são diferenciados. Em regra,


a prisão temporária pode ser decretada por 5 (cinco) dias, prorrogáveis por mais 5 (cinco) dias.
Tratando-se, no entanto, de crime hediondo, o prazo é de 30 (trinta) dias, prorrogável por igual
período, em caso de extrema e comprovada necessidade.

• A Lei 8.072/90, em seu art. 2º, § 3º, transmite a ideia de que, proferida a sentença
condenatória, ainda que não tenha ocorrido o trânsito em julgado, o acusado deverá, em regra,
ser preso, ainda que recorra da decisão – “Em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá
fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade.”. Entretanto, o fato de estar sendo
acusado por um crime de maior gravidade não retira do réu garantias constitucionais a todos
garantidas, como a presunção de inocência ou de não culpabilidade. Portanto, se o acusado
permaneceu solto até a sentença condenatória, só será possível a decretação da prisão
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preventiva se presentes os requisitos do art. 312 do CPP, senão, ele deverá permanecer solto,
não podendo o juiz vincular o conhecimento do recurso ao recolhimento à prisão.

2. Lei de Execução Penal – Lei n. 7.210/84

2.1 Do objeto e da aplicação da LEP.

• Para a compreensão da Lei de Execução Penal, é necessário que alguns conceitos sejam
previamente conhecidos. Em primeiro lugar, é preciso ter em mente que, na esfera criminal, é
possível que alguém seja preso cautelarmente, quando ainda não exista sentença condenatória
transitada em julgado. Nesta hipótese, apesar de a pessoa ser inocente – afinal, não foi
condenada -, a restrição de sua liberdade é essencial para a defesa de interesses maiores, como
a ordem pública, na prisão preventiva. Por isso, fala-se em “cautela”, sinônimo de cuidado. Há
algo a ser preservado e o único meio de proteção é a prisão desse indivíduo, intitulado preso
provisório. Há três prisões cautelares: a prisão em flagrante, regulada nos artigos 301/310 do
CPP, a prisão preventiva, prevista nos artigos 311/316, também do CPP, e a prisão temporária,
da Lei 7.960/89.

• Além das prisões cautelares, há a prisão decorrente de sentença penal condenatória


transitada em julgado, hipótese em que já não se fala em prisão como cautela, mas como sanção
pela infração penal praticada. Em seus artigos 1º e 2º, parágrafo único, a Lei 7.210/84 afirma
expressamente o seu alcance tanto aos presos condenados quanto aos presos provisórios.
Portanto, estão abrangidas todas as prisões vistas anteriormente, de natureza cautelar, e a
prisão decorrente de sentença condenatória transitada em julgado. No entanto, veja a ressalva
a seguir.

• Atualmente, ninguém permanece preso em razão de prisão em flagrante. Explico: após


a voz de prisão (CPP, art. 301), deve ser lavrado um Auto de Prisão em Flagrante, e, em até 24
(vinte e quatro) horas após a realização da prisão, o auto deve ser encaminhado ao juiz
competente (CPP, art. 306, § 1º), que decidirá pela decretação da prisão preventiva (se
presentes os requisitos do art. 312 do CPP), pela concessão de liberdade provisória (se ausentes
os requisitos mencionados anteriormente) ou pelo relaxamento da prisão em flagrante, quando
ilegal, conforme art. 310 do CPP. Ou seja, o máximo que alguém pode permanecer preso em
razão de flagrante é por 24 (vinte e quatro) horas, que é o prazo para a lavratura do APF e o seu
encaminhamento ao juiz. Dessa forma, a LEP não seria, em regra, aplicável ao preso provisório
em razão de flagrante.

• Quanto ao preso estrangeiro que cumpre pena no Brasil, é claro que a LEP é aplicável à
execução de sua pena. Não há motivo para distinção, afinal, a CF estende a ele, em seu art. 5º,
os direitos fundamentais reservados aos brasileiros. Mas, e se o preso estiver em situação
irregular no país? Sobre o tema, assim se manifestou o STJ, no Informativo n. 535/14: “O fato
de estrangeiro estar em situação irregular no país, por si só, não é motivo suficiente para
inviabilizar os benefícios da execução penal. Isso porque a condição humana da pessoa
estrangeira submetida a pena no Brasil é protegida constitucionalmente e no âmbito dos
direitos humanos. Com efeito, esses são aplicáveis não só às relações internacionais, mas a todo
o ordenamento jurídico interno, principalmente às normas de direito penal e processual penal,
por incorporarem princípios que definem os direitos e garantias fundamentais.” (HC 274.249-
SP, Relatora Marilza Maynard - Desembargadora convocada do TJ-SE -, julgado em 4/2/2014).

• No art. 1º, a LEP afirma que os seus regramentos também são aplicáveis aos internados.
Entenda: na hipótese de inimputabilidade por doença mental ou desenvolvimento mental
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incompleto (CP, art. 26) na época da ação ou omissão criminosa, o réu não é condenado, mas
absolvido. No entanto, a ele é aplicada a intitulada medida de segurança, que consiste em
internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro
estabelecimento adequado, ou em sujeição a tratamento ambulatorial. Como, de certa forma,
ele está sendo punido, fala-se em absolvição imprópria, e, caso a internação lhe seja imposta, a
lei o considerará “internado”, sujeito ao que a LEP dispõe por expressa previsão em seu art. 1º.
No entanto, cuidado: o menor de dezoito anos também é inimputável, mas a ele não é aplicável
a LEP na hipótese de ato infracional.

• O art. 2º da LEP possui a seguinte redação: “A jurisdição penal dos Juízes ou Tribunais
da Justiça ordinária, em todo o Território Nacional, será exercida, no processo de execução, na
conformidade desta Lei e do Código de Processo Penal”. Na prática, o que o dispositivo que dizer
é que a atuação do Poder Judiciário não está limitada ao processo de conhecimento, mas
também à execução penal. Em consequência disso, em execução, incidem todos os princípios
da ação penal que gerou a condenação, a exemplo da ampla defesa, do contraditório, do devido
processo legal, da publicidade etc.

• A respeito da competência, alguns pontos importantes: a Lei 7.210/84 é aplicável aos


condenados pelas Justiças Eleitoral e Militar (jurisdição especial), como expressamente prevê o
art. 2º, parágrafo único, e não somente aos condenados da Justiça Comum. No entanto, em sua
prova será questionado o seguinte: e se um condenado pela Justiça Federal cumpre pena em
um presídio estadual, a quem competirá julgar pedidos relacionados à execução Penal? Justiça
Estadual? Justiça Federal? A resposta está no Verbete n. 192 da Súmula do STJ: “Compete ao
Juízo das Execuções Penais do Estado a Execução das penas impostas a sentenciados pela Justiça
Federal, Militar ou Eleitoral, quando recolhidos a estabelecimentos sujeitos a Administração
Estadual.”. Ou seja, se o presídio é estadual, os pedidos devem ser endereçados à Justiça
Estadual, pouco importando o fato de a sentença condenatória ser oriunda da Justiça Federal, e
vice-versa, na hipótese em que um condenado pela Justiça Estadual cumpre pena em um
presídio federal.

• Por fim, quanto ao objeto, a LEP assim dispõe em seu art. 1º: “A execução penal tem por
objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para
a harmônica integração social do condenado e do internado.”. Perceba que a lei é expressa em
dizer que o objetivo da execução da pena é a reintegração à sociedade daquele punido por
sanção penal. Ademais, a execução visa a efetivação do que dispõe a sentença, como se dá em
outras esferas do Direito. O dispositivo fala, ainda, em decisão criminal, em referência a decisões
interlocutórias proferidas durante a execução (ex.: decisão que determina a progressão de
regime).

2.2 Da permanência de direitos não atingidos pela sentença ou pela Lei.

• O art. 3º da LEP possui a seguinte redação: “Ao condenado e ao internado serão


assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei.”. A redação é clara: o
preso, provisório ou definitivo, mantém todos os direitos dos demais cidadãos, exceto aqueles
privados por força de lei e pela sentença condenatória. Alguns direitos que podem ser privados
são mais evidentes, como a restrição da liberdade de ir e vir, na hipótese de sentença
condenatória que impõe o regime fechado para o cumprimento de pena. Outros, no entanto,
podem gerar dúvidas – e são exatamente os que cairão em sua prova. Veremos alguns exemplos
a seguir.
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• A Constituição Federal, em seu art. 5º, XII, assim dispõe: “é inviolável o sigilo da
correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas,
salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para
fins de investigação criminal ou instrução processual penal”. Quanto à interceptação das
comunicações telefônicas, não há o que se falar, afinal, ao preso não é assegurado acesso a
telefones. No entanto, há algum tempo, o STF enfrentou a seguinte questão: o preso tem direito
à inviolabilidade do sigilo da correspondência? A resposta é afirmativa, mas com ressalva: “A
administração penitenciária, com fundamento em razões de segurança pública, de disciplina
prisional ou de preservação da ordem jurídica, pode, sempre excepcionalmente, e desde que
respeitada a norma inscrita no art. 41, parágrafo único, da lei 7.210/84, proceder a
interceptação da correspondência remetida pelos sentenciados, eis que a cláusula tutelar da
inviolabilidade do sigilo epistolar não pode constituir instrumento de salvaguarda de práticas
ilícitas.” (HC 70814/SP).

• No art. 41 da LEP, estão elencados os direitos do preso – não farei a transcrição para
que este material não seja cópia da lei, mas peço ao leitor para que faça a leitura do dispositivo.
No parágrafo único do mesmo dispositivo, há a previsão de restrição, pelo diretor do
estabelecimento prisional, dos seguintes direitos do preso: a) à proporcionalidade na
distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação; b) à visitação; c) ao contato
com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de
informação que não comprometam a moral e os bons costumes. O porquê deste parágrafo: caso
caia em prova algum questionamento acerca de necessidade de decisão judicial para que o
preso tenha algum direito restringido dentre aqueles do dispositivo mencionado, perceba que
a LEP legitima o diretor do presídio a impor as privações sem prévia manifestação judicial.

• É direito do preso a entrevista pessoal e reservada com o advogado (art. 41, IX). Em um
determinado presídio, a administração exigiu que a conversa fosse feita por meio de interfone,
sem qualquer interferência na comunicação. O advogado entendeu, no entanto, que a vedação
de comunicação direta, sem ser por meio eletrônico, violaria o direito de entrevista, e impetrou
HC questionando a imposição. O STJ assim se manifestou sobre o assunto: “1. Conforme
atestado pela autoridade administrativa competente, ao paciente foi assegurada a sua
entrevista de forma reservada e pessoal com o seu causídico constituído, cuja comunicação foi
estabelecida por meio de interfone, livre de interferência de qualquer agente biológico, ou seja,
respeitando-se a privacidade e sigilo que são inerentes ao exercício da advocacia. 2. E, ainda que
assim não fosse, depreende-se que o paciente entrevistou-se reservada e pessoalmente com o
seu causídico por ocasião da realização do seu interrogatório, circunstância que afasta do
alegado constrangimento ilegal. Precedentes. 3. Ordem denegada.” (HC 130.894/SP).

• A Constituição Federal, em seu art. 15, III, impõe a suspensão dos direitos políticos na
hipótese de sentença criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos. E em
relação ao preso provisório, deve ser mantido o seu direito ao voto? A resposta é sim, pois não
há qualquer suspensão de direitos políticos em razão de decretação de prisão preventiva, por
exemplo.

2.3 Da classificação do condenado e a individualização da pena.

• Não seria possível a ressocialização do condenado se todos os presos fossem tratados


da mesma forma, sem distinção. Não falo, é claro, de regalias ilegais ou imorais, mas de respeito
à individualização da pena, de acordo com os antecedentes e a personalidade de cada
sentenciado. Portanto, é direito do preso que o Estado o conheça, que o identifique e o distinga
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do restante da população carcerária, para que sejam buscados os melhores meios para a sua
reintegração à sociedade através da imposição de pena. A classificação é realizada por uma
comissão, nos termos do art. 6º da LEP.

• Não por outro motivo, a Lei 13.167/15 alterou o art. 84 da LEP, devendo ser adotados
os seguintes critérios de separação de presos: “§ 1º Os presos provisórios ficarão separados de
acordo com os seguintes critérios: I - acusados pela prática de crimes hediondos ou equiparados;
II - acusados pela prática de crimes cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa; III -
acusados pela prática de outros crimes ou contravenções diversos dos apontados nos incisos I e
II. § 3º Os presos condenados ficarão separados de acordo com os seguintes critérios: I -
condenados pela prática de crimes hediondos ou equiparados; II - reincidentes condenados pela
prática de crimes cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa; III - primários condenados
pela prática de crimes cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa; IV - demais
condenados pela prática de outros crimes ou contravenções em situação diversa das previstas
nos incisos I, II e III. § 4º O preso que tiver sua integridade física, moral ou psicológica ameaçada
pela convivência com os demais presos ficará segregado em local próprio.”.

• Ademais, como a individualização é direito do condenado, é obrigatória a realização do


exame de classificação no início da execução penal. Nele, devem ser avaliados a personalidade
e os antecedentes do condenado, sua vida familiar e social, sua capacidade laborativa e demais
aspectos pessoais, e, tendo por base esse levantamento, uma Comissão Técnica de Classificação,
existente em cada unidade prisional, deve elaborar o “programa individualizador da pena
privativa de liberdade” (art. 6º), para que o preso cumpra a sua pena de forma satisfatória, tendo
em vista, sempre, a sua ressocialização.

• Não se pode confundir, no entanto, o exame de classificação, realizado no início da


execução da pena, com o criminológico, previsto no art. 8º da LEP. Enquanto naquele a análise
é mais genérica, e tem como objetivo a adoção da melhor forma de cumprimento da pena, no
exame criminológico ocorre a avaliação psicológica e psiquiátrica do condenado, voltada a
identificar a agressividade, a periculosidade, a maturidade, os vínculos afetivos, e, com base
nisso, pode-se concluir a respeito da possibilidade de sua volta à vida criminosa. Para o
condenado ao regime inicial fechado de cumprimento de pena, o exame criminológico é
obrigatório. Para o condenado ao regime semiaberto, no entanto, é facultativo, pois assim
dispõe o art. 8º, parágrafo único, embora muitos doutrinadores não concordem e entendam
pela obrigatoriedade em ambos os casos.

• Como o exame criminológico tem por objetivo a avaliação psicológica e psiquiátrica do


condenado, é indiscutível a sua importância no momento em que se avalia a possibilidade de
progressão de regime. No entanto, ele não é obrigatório para a concessão do benefício, mas
facultativo, como se extrai do art. 112 da LEP e de diversos julgados do STF, embora o magistrado
não esteja impedido de determinar a sua realização, desde que fundamentadamente.

2.4 Da identificação do perfil genético.

• A LEP, em seu art. 9º, determina a obrigatória identificação do perfil genético do


condenado em duas hipóteses: crimes dolosos com violência de natureza grave contra a pessoa
e em qualquer dos crimes hediondos (Lei 8.072/90, art. 1º). De constitucionalidade
questionável, embora não exista nenhum julgado reconhecendo a violação à Constituição, trata-
se de hipótese de identificação criminal, que deve ser realizada ainda que identificado civilmente
o condenado. A identificação se dá pela extração de DNA, e a técnica deve ser adequada e
indolor, e as informações devem ser armazenadas em banco de dados sigiloso.
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2.5 Da assistência ao preso.

• Para que seja possível a ressocialização, é essencial que o preso seja assistido em suas
necessidades. Por isso, o Estado está obrigado a fornecer, direta ou indiretamente, assistência
material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa. Ou seja, a ele, o preso, deve ser
fornecida estrutura, material e imaterial, para que volte a conviver em paz com a sociedade.
Contudo, de nada adiantaria a assistência durante o cárcere se, no momento da soltura,
houvesse o total desamparo. Por esse motivo, a LEP, em seu art. 10, parágrafo único, estende
aos egressos o direito à assistência, para que o processo de ressocialização tenha maior chance
de êxito e o preso não volte a delinquir. São considerados egressos: a) o liberado definitivo, pelo
prazo de 1 (um) ano a contar da saída do estabelecimento; b) o liberado condicional, durante o
período de prova.

• A LEP elenca expressamente as formas de assistência: “Art. 11. A assistência será: I -


material; II - à saúde; III -jurídica; IV - educacional; V - social; VI - religiosa.”. Embora a assistência,
como já dito, seja garantida ao preso e ao egresso, não vejo razão para que se assegure a quem
já se encontre em liberdade a assistência religiosa, afinal, ao recuperar o direito de ir, vir e ficar,
compete a cada um buscar, por seus próprios meios, os caminhos da fé. O mesmo não ocorre
com o recluso, que precisa de apoio do Estado para ter acesso à religião. Não por outro motivo,
a LEP determina que o estabelecimento, prisional ou de internação, deve oferecer local
apropriado para os cultos religiosos (art. 24, § 1º). Ademais, é permitido ao preso a posse de
livros de instrução religiosa. No entanto, o preso ou internado não pode ser obrigado a
frequentar os cultos religiosos, e a ausência de crença não pode pesar em seu desfavor em
hipótese alguma.

• Em respeito à dignidade da pessoa humana, o preso e o internado fazem jus à assistência


material, consistente em fornecimento de alimentação, vestuário e objetos de higiene pessoal.
Também integra a assistência material a manutenção de local apropriado para o cumprimento
da pena. Nada impede, no entanto, que o Estado utilize a mão-de-obra do próprio preso para a
prestação dessa assistência – por exemplo, o preso trabalhar na cozinha da unidade ou em
serviço de conservação da estrutura do prédio -, evitando, assim, a terceirização de serviços da
unidade prisional ou de internação. Contudo, a assistência material jamais poderá ser
condicionada à prestação desses serviços. Caso o preso trabalhe, terá direito à remição – a cada
três dias trabalhados, um dia de sua pena é descontado. Isso não significa, todavia, que fará jus
à remição por manter a sua cela limpa, pois se trata de dever a ele imposto (art. 39, IX).

• Ademais, deve ser assegurado ao preso a assistência à saúde. Embora, na prática, o


Estado deixe a desejar, é sua obrigação garantir que o condenado ou internado permaneça
saudável durante o tempo em que estiver sob sua custódia, devendo fornecer atendimento
médico, odontológico e farmacêutico. Caso a unidade prisional não possa fornecer o adequado
serviço de saúde, deve o preso ser encaminhado a estabelecimento de saúde que possua
estrutura suficiente para o tratamento. Ademais, é garantida a liberdade de contratar médico
de confiança pessoal do internado ou do submetido a tratamento ambulatorial, por seus
familiares ou dependentes, a fim de orientar e acompanhar o tratamento (art. 43). Nesta
hipótese, havendo divergências entre os médicos oficial e particular, serão elas resolvidas pelo
juiz da execução.

• Estando o condenado acometido por doença grave, é possível o seu recolhimento em


residência particular (art. 117, II). Embora a LEP autorize o benefício apenas ao preso em regime
aberto (117, “caput”), o STJ admitiu, em alguns julgados, a extensão ao preso em regime
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fechado: “1. Não se descura que esta Corte Superior, em casos excepcionais, tem admitido a
prisão domiciliar a condenados portadores de doenças graves, que estejam cumprindo pena em
regime fechado, desde que demonstrada a impossibilidade de receberem o tratamento
adequado no estabelecimento prisional. 2. No caso, indemonstrado o real estado de saúde do
Paciente, porque o mandado de prisão para o inicial cumprimento da pena ainda não foi
cumprido e o apenado não se submeteu aos exames médicos solicitados pelo Juízo das
Execuções, para comprovar a absoluta impossibilidade de tratamento dentro da unidade
prisional. Assim, o direito de recolhimento à prisão domiciliar não restou configurado. 3. Ordem
denegada.” (HC 212.526/DF). Também é possível a prisão domiciliar para o preso provisório
acometido de doença grave (CPP, art. 318, II).

• Por fim, ainda em relação à assistência à saúde, o Estado deve fornecer à presa gestante
acompanhamento médico, desde o pré-natal até o pós-parto, e esses cuidados devem ser
estendidos ao recém-nascido. Ademais, os estabelecimentos penais destinados a mulheres
serão dotados de berçário, onde as condenadas possam cuidar de seus filhos, inclusive
amamentá-los até, no mínimo, 6 (seis) meses de vida. Além disso, a unidade prisional deve
oferecer meios que permitam o contato da presidiária com seu filho até, ao menos, os 7 (sete)
anos de idade, nos termos do art. 89, “caput”.

• A Constituição Federal assegura assistência jurídica integral e gratuita aos que


comprovarem insuficiência de recursos. Da mesma forma, a LEP, de forma expressa, em seu art.
15, impõe assistência jurídica aos presos ou internados que não possuam condição para
constituir advogado. Isso não significa, no entanto, que a assistência não será fornecida a quem
possui condições financeiras mas se nega a constituir advogado particular, afinal, o direito à
ampla defesa não pode ser afastado em hipótese alguma. Como já comentado anteriormente,
a execução penal é procedimento judicial, e todos os princípios aplicáveis ao processo de
conhecimento também são a ela devidos, sob pena de nulidade na hipótese de inobservância.
Em regra, a assistência jurídica será prestada pela Defensoria Pública, e, excepcionalmente, por
defensor dativo, onde a instituição não prestar atendimento.

• Como meio de ressocialização, o preso tem direito à assistência educacional. De inegável


importância para a formação de qualquer pessoa, e por ser direito de todos (CF, art. 205), o
estudo é utilizado, inclusive, para fins de remição de pena (art. 126). Ademais, para estimular
ainda mais o preso a estudar, além da remição, a LEP autoriza a sua saída temporária, quando
em regime semiaberto, para frequentar curso supletivo profissionalizante, bem como de
instrução do ensino médio ou superior (art. 122, II). Embora não esteja obrigado a estudar, a
frequência a cursos profissionalizantes pode pesar na concessão de benefícios. A título de
exemplo, para a concessão de livramento condicional, o juiz deve observar se o preso possui
“aptidão para prover à própria subsistência mediante trabalho honesto” (CP, art. 83, III).
Portanto, o fato de estar estudando é elemento indicador à ressocialização do condenado.

• Preocupado em também garantir a profissionalização das presidiárias, a LEP determina


que a mulher condenada tem direito ao ensino profissional adequado à sua condição. Caso a
unidade prisional não possa oferecer as atividades educacionais, pode a Administração Pública
firmar convênio com entidades públicas ou particulares, que instalem escolas ou ofereçam
cursos especializados.

• O assistente social é profissional de imensurável valor para a ressocialização do preso.


Aquele que comete um delito não está integrado à sociedade como as demais pessoas – afinal,
quem pratica um crime demonstra personalidade egoísta, pois viola bem jurídico alheio em
11

proveito próprio, e, após um tempo preso, esse distanciamento social é ainda maior. Por isso,
além de assistência material, à saúde e educacional, é necessário que o Estado crie uma “ponte”
entre o condenado e a sociedade, para que seja possível a sua reintegração, e isso se dá pela
assistência social. Não por outro motivo, os assistentes sociais devem obrigatoriamente integrar
as Comissões Técnicas de Classificação, vistas anteriormente (veja o art. 7º da LEP).

• A Constituição, em seu art. 5º, VI, assegura o livre exercício de culto religioso como
garantia fundamental. Ao preso ou internado, deve ser mantido o acesso à crença que quiser,
devendo o estabelecimento prisional fornecer local apropriado para o exercício de práticas
religiosas (art. 24, § 1º). Da mesma forma, é garantido o direito de não possuir qualquer crença,
escolha que não pode ser utilizada contra ele em exame criminológico.

• Inicialmente, vimos que a assistência deve ser estendida ao egresso, pois, para que seja
efetivo, o processo de ressocialização deve ter continuidade mesmo após o cárcere. Para a LEP,
são egressos: a) o liberado definitivo, pelo prazo de 1 (um) ano a contar da saída do
estabelecimento; b) o liberado condicional, durante o período de prova. Além de assistência
social, o egresso faz jus à assistência material. Tanto o é que, em seu art. 25, II, a LEP assegura o
direito a alojamento e alimentação, pelo período de 2 (dois) meses, após deixar o cárcere. No
entanto, esse suporte deve se dar de forma excepcional. Se necessário, o prazo pode ser
prorrogado por uma única vez, desde que demonstrado que o egresso tem se esforçado para
conseguir um emprego. O Estado deve auxiliar nessa busca do egresso por atividade
remunerada.

• No art. 26 da LEP está a figura do patronato, que tem como função prestar assistência
aos albergados e aos egressos. O patronato, órgão da execução penal, pode ser público ou
particular, e são suas incumbências: a) orientar os condenados à pena restritiva de direitos; b)
fiscalizar o cumprimento das penas de prestação de serviço à comunidade e de limitação de fim
de semana; c) colaborar na fiscalização do cumprimento das condições da suspensão e do
livramento condicional.

2.6 Do trabalho.

• Em razão de sua função ressocializadora, o trabalho, que consiste em atividade


desempenhada pelo preso dentro ou fora do estabelecimento prisional, consiste em obrigação
a ele imposta. No entanto, ao ler “obrigação”, o leitor deve se questionar: a Constituição não
veda a pena de trabalhos forçados? Como é possível que a Constituição proíba o trabalho
forçado mas a LEP considere o trabalho como obrigação? Explico: o preso não pode, por meio
de castigos físicos, ser obrigado a trabalhar. Ademais, não está obrigado a trabalhar sem que
exista benefício ou remuneração em contrapartida. Nestas duas hipóteses, teríamos o trabalho
forçado, vedado pela Constituição. No entanto, por estar o preso obrigado a trabalhar, a sua
recusa indevida ao trabalho configura falta grave (art. 50, VI), mas nada mais pode ser feito em
seu desfavor. Quanto ao condenado político, ele não está obrigado ao trabalho (art. 200).

• O trabalho do preso deve ser obrigatoriamente remunerado, não podendo o valor ser
inferior a ¾ (três quartos) do salário-mínimo. No entanto, as suas atividades laborais não são
regidas pelas CLT – a LEP expressamente afirma que o trabalho do preso não está sujeito à
Consolidação das Leis do Trabalho. Portanto, não há o que se falar em 13º ou gozo de férias.
Isso não significa, contudo, que o preso não tenha direito a condições dignas de trabalho, como
qualquer outro trabalhador. A título de exemplo, não faz jus ao pagamento de hora-extra, mas
não pode ser forçado a trabalhar em jornada de trabalho desumana. Na hipótese de acidente
12

de trabalho, a indenização deve ser pleiteada em jurisdição comum, e não na Justiça do


Trabalho.

• A cada três dias trabalhados, um dia da pena é descontado por força do instituto da
remição. Dessa forma, enquanto exerce a atividade, além de contraprestação financeira, o
trabalhador preso tem sua pena reduzida, ainda que o trabalho seja uma obrigação a ele
imposta. No entanto, só devem ser contabilizados os dias efetivamente trabalhados para fins de
remição, não havendo o que se falar em desconto durante o repouso semanal. Como já
explicado, o trabalho do preso não é regido pela CLT. Entretanto, na hipótese de acidente de
trabalho, estando incapacitado de voltar à atividade, o preso faz jus à remição, embora não
esteja efetivamente trabalhando. O STJ assim esclarece: “Somente o preso que fique
impossibilitado, por acidente, de prosseguir no trabalho ou nos estudos continuará a beneficiar-
se com a remição, nos termos do § 4º do art. 126 da Lei de Execução Penal. Aquele que nem
sequer iniciara o trabalho para a remição, mesmo que não tenha capacidade laborativa em razão
de sua invalidez, não pode obter o benefício de maneira fictícia.” (HC 261.514/SP, julgado em
19/08/2014).

• O trabalho exercido pelo preso pode ser interno, no interior da unidade prisional, ou
externo. Como já explicado, o trabalho é obrigação imposta ao preso, e a sua recusa indevida é
causa de falta grave. Em relação à obrigação, uma importante ressalva: o preso provisório não
está obrigado a trabalhar, mas, caso queira exercer alguma atividade laborativa, deve ser
sempre interna. Seja qual for a natureza do trabalho, interna ou externa, deve ser sempre
remunerada, mas não é aplicável a CLT. No entanto, a seguinte questão pode ser exigida em sua
prova: o preso em regime aberto que exerce atividade externa pode ser empregado nos termos
da CLT? Ou a vedação à CLT, prevista no §2º, do art. 28, da LEP, é aplicável a presos em qualquer
regime? Na jurisprudência, prevalece o entendimento de que o trabalho externo prestado por
condenado em regime aberto não configura o trabalho prisional, devendo, sim, ser regido pela
CLT, como qualquer outra relação de trabalho. Da mesma forma, há julgados que reconhecem
a relação de emprego, nos termos da CLT, na hipótese de preso em regime semiaberto que
exerce atividade laborativa externa. Contudo, em relação ao preso em regime fechado, o
trabalho jamais poderá ser regido pela CLT, seja interno ou externo, e, quanto aos demais
regimes, quando interno o trabalho, a CLT também será afastada.

• Com o pagamento recebido, deve o preso indenizar o dano causado pelo crime, garantir
assistência à sua família, ressarcir o Estado pelas despesas com a sua manutenção e pagar
pequenas despesas pessoais. O restante deve ser depositado em caderneta de poupança, que
será entregue ao condenado quando posto em liberdade (art. 29, §2º). Na hipótese de o
trabalho consistir em prestação de serviço à comunidade decorrente de substituição de pena
privativa de liberdade por restritiva de direitos, não haverá remuneração.

• Como já vimos, o trabalho pode ser externo ou interno. O trabalho interno, obrigatório,
é aquele realizado no próprio estabelecimento prisional, e será atribuído ao preso levando-se
em consideração suas aptidões e capacidade. O trabalho não precisa ser necessariamente
braçal, afinal, não se trata de punição – nada impede que um profissional da saúde exerça o seu
ofício na enfermaria do estabelecimento. Esqueça a imagem do homem preso a uma bola de
ferro, em uniforme listrado e quebrando pedras. Por isso, o exame de classificação inicial é
importante, pois é nele em que será avaliada a capacidade laborativa do preso. Ademais, o
serviço não precisa ser relacionado à conservação da unidade prisional, podendo consistir na
produção de bens ou produtos, que serão preferencialmente vendidos a particulares, e, caso
isso não seja possível, à Administração Pública (art. 35).
13

• Por mais que o trabalho interno não seja regido pela CLT, o preso não deve ser
submetido a jornadas de trabalho excessivas. Por isso, a jornada normal de trabalho não será
inferior a 6 (seis) e nem superior a 8 (oito) horas diárias, com descanso aos sábados e feriados.
No entanto, o descanso não é contado para fins de remição. A LEP, todavia, excepciona, e afirma
que a jornada poderá ultrapassar o período máximo de 8 (oito) horas. Neste caso, como não se
fala em hora-extra, o preso será recompensado com a contabilização de mais um dia de trabalho
para a remição – a cada 3 (três) dias, desconta-se 1 (um) dia da pena. Os maiores de 60 (sessenta)
também estão obrigados a trabalhar, assim como os deficientes físicos. Contudo, o serviço deve
ser adequado às condições físicas dessas pessoas.

• Quanto à hora extraordinária, uma observação deve ser feita: a remição leva em
consideração dia trabalhado, e não hora. Como comentado, o excesso, além do limite de 8 (oito)
horas, deve ser considerado como um novo dia de trabalho. Isso não significa, no entanto, que,
caso o preso trabalhe 9 (nove) horas, uma hora além do limite, um dia cheio de trabalho será
considerado. Neste caso, a hora a mais será considerada exatamente como hora a mais, como
fração de dia trabalhado, e o preso deverá trabalhar, no mínimo, outras 5 (cinco) horas para
completar mais um dia de trabalho – lembre-se que a jornada mínima para a remição é de 6
(seis) horas. Nesse sentido, STJ: “1. O recorrido trabalhou, de fato, prestando um serviço
essencial à estrutura do estabelecimento prisional, laborando além da carga horária prevista em
lei, fazendo-se necessário que se lhe conceda pretendida remição de pena, até por tratar-se de
direito subjetivo público. 2. Se o condenado desempenhar atividade laboral fora do limite
máximo da jornada de trabalho (8 horas diárias), o período excedente deverá ser computado
para fins de remição de pena, considerando-se cada 6 (seis) horas extras realizadas como 1 (um)
dia de trabalho. Precedentes.” (REsp 1064934/RS).

• O trabalho externo é aquele realizado fora da prisão. Com frequência, pergunta-se em


prova se é possível para o preso em regime fechado. A resposta é afirmativa, mas somente em
serviço ou obras públicas realizadas por órgãos da Administração Direta ou Indireta, ou
entidades privadas, desde que tomadas as cautelas contra a fuga e em favor da disciplina (art.
36). No entanto, deve ser hipótese excepcional. O ideal é que a Administração Pública forneça
meios para que o preso realize o serviço no interior do estabelecimento prisional.

• Por questões de segurança, o limite máximo do número de presos será de 10% (dez por
cento) do total de empregados na obra. O trabalho, é claro, deve ser remunerado, na forma
como já explicado em linhas anteriores.

• No filme “Um Sonho de Liberdade”, o diretor do estabelecimento utiliza mão-de-obra


de presos em prol de pessoas jurídicas com fins lucrativos. A ideia é simples: baixo custo de
produção, por não existir contraprestação financeira aos trabalhadores, e margem de lucro mais
alta. Para que isso não ocorra na vida real, em nosso país, a LEP impõe que a prestação de
trabalho à entidade privada depende do consentimento expresso do preso, e, na hipótese de
recusa, não há o que se falar em falta grave. O preso não pode ser utilizado como mão-de-obra
de baixo custo e livre de obrigações trabalhistas por empresas privadas.

• A permissão de trabalho externo ao preso em regime fechado depende de alguns


requisitos de ordem objetiva e subjetiva. Os requisitos de natureza subjetiva são: a) a aptidão
para a realização do serviço; b) a disciplina, avaliada segundo o seu comportamento no
estabelecimento prisional; c) a responsabilidade, baseada no bom desempenho em atividades
no estabelecimento prisional. A LEP traz um único requisito objetivo: o preso deve ter cumprido,
no mínimo, 1/6 (um sexto) da pena. A exigência temporal é lógica: para o legislador, é o tempo
14

mínimo para que se avalie a disciplina e a responsabilidade, dois dos requisitos subjetivos. A
autorização para o trabalho externo cabe à direção do presídio, não sendo necessária decisão
judicial (art. 36).

• E se, mesmo presentes os requisitos subjetivos e objetivos, o Estado não puder garantir
a vigilância do preso em regime fechado em trabalho externo? Para o STJ, “A permissão para
trabalho externo, aos reeducandos do regime fechado de cumprimento de pena, está
subordinada à capacidade e à disponibilidade de vigilância do Poder Público, considerada a
possibilidade de fuga, e, ainda, à fiscalização estatal, no exercício do poder disciplinar sobre os
apenados em cumprimento de pena.” (AgRg no AREsp 492982/MG). Por mais injusto que
pareça, pois se trata de benefício negado por inoperância estatal, a jurisprudência tem
entendido que, nessas hipóteses, o trabalho externo não pode ser autorizado.

• O benefício do trabalho externo será revogado quando o preso: a) pratica fato definido
como crime. Não é preciso que o preso seja processado e condenado para a revogação; b)
comete e é punido por falta grave. Neste caso, a revogação deve ser precedida do procedimento
para averiguação do ocorrido, respeitado o contraditório; c) tem comportamento inadequado
no trabalho que lhe foi designado. A responsabilidade e a disciplina são requisitos subjetivos do
benefício. Caso inexistam ou deixem de existir posteriormente, a autorização para o trabalho
externo deve ser revogada.

2.6 Dos deveres e dos direitos do preso.

• Para que seja viável a ressocialização, a LEP elenca uma série de deveres inerentes ao
preso (veja o art. 39). O rol está baseado em submissão ao que a lei impõe, por sentença ou não,
e à boa convivência com as pessoas que o rodeiam enquanto cumpre a pena. A violação de
algum dos deveres pode fazer com que o preso sofra sanções disciplinares. Além disso, como a
análise comportamental é levada em consideração durante toda a execução, a oposição aos
deveres pode causar a não concessão ou a revogação de benefícios já concedidos. Os deveres
também são aplicáveis aos presos provisórios, exceto, é claro, aqueles decorrentes de sentença
penal condenatória transitada em julgado, a exemplo da indenização à vítima (art. 39, VII).

• Além de deveres, o preso tem direitos. Em seu art. 41, em rol exemplificativo, a LEP traz
uma porção deles. Alguns são óbvios, como o direito à alimentação e vestuário. Outros, nem
tanto, e são exatamente os que serão exigidos em sua prova, como o direito à Previdência Social
(art. 41, III). Sobre o tema, há muita celeuma em torno do auxílio-reclusão, um suposto prêmio
ao preso. No entanto, vale frisar que o auxílio só é devido quando a pessoa presa era,
anteriormente à prisão, contribuinte da Previdência Social. Não existe carência para requerer o
benefício. Por isso, a partir do momento em que passou a contribuir, ocorrendo a prisão do
segurado por condenação ao regime fechado ou semiaberto, pode o dependente requerer o
benefício.

• O preso provisório ou definitivo tem direito à proteção contra qualquer forma de


sensacionalismo (inciso VIII). Como já vimos, o preso só é privado de direitos em razão de
expressa ordem legal ou por determinação oriunda de sentença ou de decisão judicial. Não há,
em nossa legislação, a previsão de perda das garantias à integridade moral, à honra e à imagem,
todas de origem constitucional. Portanto, as chacotas em programas televisivos e as prisões
sensacionalistas são vedadas e os seus responsáveis devem ser punidos. Na prática, no entanto,
sabemos que é comum essa forma de violência. Não por outro motivo, o STF editou a Súmula
Vinculante n. 11, que possui o seguinte teor: “Só é lícito o uso de algemas em casos de
resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por
15

parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de


responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou
do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.”.

• O direito à visita também conta com previsão expressa (inciso X). O preso tem direito a
ser visitado pelo cônjuge, companheiro, parentes e amigos, em dias determinados. Embora a lei
fale em “companheira”, é claro que a presa também faz jus à visita do companheiro do sexo
masculino. Não seria justo pensar de forma diversa. Apesar de se tratar de direito, pode o diretor
do estabelecimento, por ato motivado, suspendê-lo ou restringi-lo – por exemplo, por questão
de segurança. Quanto à visita íntima, não há qualquer previsão legal, e a sua concessão se dá a
critério da administração do estabelecimento prisional. Em relação ao preso em Regime
Disciplinar Diferenciado (RDD), o direito de visita está restrito a duas pessoas por semana, sem
contar as crianças, com duração de duas horas (art. 52, III).

• Também é direito do preso o chamamento nominal, ou seja, o direito de ser chamado


pelo nome, e não por um número ou outra forma impessoal. Ademais, é garantido o contato
com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de
informação que não comprometam a moral e os bons costumes. Quanto à inviolabilidade da
correspondência, vimos, em momento anterior, ser possível a abertura de cartas enviadas ou
recebidas pelo preso, independentemente de decisão judicial. Em relação aos telefones
celulares, não há dúvida quanto à vedação. No entanto, pergunto: o preso surpreendido com
um desses aparelhos, no interior do estabelecimento prisional, pratica algum crime? A resposta
é não, por falta de previsão legal, mas a conduta configura falta grave. Por outro lado, se o
diretor do presídio ou outro agente público do estabelecimento deixarem de vedar o acesso do
preso à comunicação externa, aplicar-se-á o disposto no art. 319-A do CP (prevaricação
imprópria).

2.7 Das faltas disciplinares.

• Em respeito ao princípio da legalidade, não haverá falta e nem sanção disciplinar sem
expressa e anterior previsão legal ou regulamentar. Não poderia ser diferente, afinal, trata-se
de punição imposta pelo Estado ao indivíduo. As faltas podem ser leves, médias e graves, sendo
estas previstas na LEP e as duas primeiras em legislação estadual. Muito se discute sobre a
possibilidade de a administração carcerária impor, em regulamento, faltas e sanções. Quanto às
faltas graves, como só podem ser estipuladas em legislação federal, não há o que discutir.
Todavia, em relação às faltas médias e leves, a LEP autoriza a criação por “legislação local”, e há
quem entenda que a expressão alcançaria regulamentos administrativos. Para boa parte da
doutrina, entrementes, prevalece o entendimento de que administração carcerária não pode
regulamentar sobre o assunto.

• As sanções não podem colocar em perigo a integridade física e moral do condenado, o


que é óbvio, em respeito à dignidade da pessoa humana. Por isso, é vedado o uso de “solitária”
ou de “cela escura”, compartimento que, além do isolamento e da restrição da liberdade, impõe
ao preso intenso sofrimento psicológico. Isso não significa, no entanto, que o preso não possa
ser colocado em cela individual – esta, aliás, é expressamente prevista no art. 52, II, que regula
o RDD. Também são vedadas sanções coletivas. Explico: no âmbito do Direito Penal, é vedada a
responsabilidade penal objetiva. Por isso, para a imposição de sanção disciplinar, é preciso
demonstrar que o preso efetivamente esteve envolvido na prática da conduta a ser punida.
Imagine que a administração carcerária descubra um telefone celular no interior de uma cela.
Se identificado o dono do equipamento, é possível puni-lo. Caso contrário, ninguém deve ser
16

punido, não sendo possível a punição de todos da cela, com base na certeza de que a conduta
fora praticada por um ou mais dos presos reclusos naquele compartimento.

• São consideradas graves as seguintes faltas, quando praticadas por preso condenado à
pena privativa de liberdade: a) incitar ou participar de movimento para subverter a ordem ou a
disciplina; b) fugir; c) possuir, indevidamente, instrumento capaz de ofender a integridade física
de outrem; d) provocar acidente de trabalho; e) descumprir, no regime aberto, as condições
impostas; f) inobservar os deveres inerente aos presos; g) ter em sua posse, utilizar ou fornecer
aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com
o ambiente externo. É importante ressaltar que o rol do art. 50 é taxativo, sendo vedada
qualquer analogia “in malam partem”. Também é possível a prática de falta grave pelo
condenado à pena restritiva de direitos (veja o art. 51).

• Para a aplicação de sanção disciplinar por falta grave, deve ser assegurado ao preso o
direito ao contraditório e à ampla defesa, sob pena de nulidade. Contudo, questiona-se: é
imprescindível a instauração de procedimento administrativo, no âmbito da administração
carcerária, para que o preso se manifeste em defesa? Ou o procedimento administrativo pode
ser suprido por audiência de justificação da falta grave perante o juízo da execução? Para que o
tema fique mais claro, entenda: o poder disciplinar, no âmbito da execução, é exercido pela
autoridade administrativa a quem se sujeite o condenado. Portanto, cabe ao diretor do
estabelecimento prisional apurar a conduta faltosa do detento, assim como realizar a subsunção
do fato à norma legal, ou seja, verificar se a conduta corresponde a uma falta leve, média ou
grave, e aplicar eventual sanção. Contudo, a prática de falta grave gera algumas sanções que só
podem ser aplicadas pelo juiz da execução, a exemplo da regressão de regime (art. 118, I), da
revogação de saída temporária (art. 125), da perda de dias remidos (art. 127) e da conversão de
pena restritiva de direitos em privativa de liberdade (art. 181, § 1º, d, e § 2º). Por isso, a LEP
determina que, na hipótese de falta grave, o diretor do estabelecimento deve representar ao
juiz da execução, para que, eventualmente, sejam aplicadas as sanções de sua competência. O
juiz, então, para a regressão do regime, realizará uma audiência de justificação, para que o preso
possa se manifestar sobre a suposta falta grave (art. 118, § 1º). Volto, então, ao questionamento
inicial: se o preso teve a oportunidade de se defender em juízo, na audiência de justificação, é
dispensável o procedimento administrativo? O STJ, no REsp 1.378.557/RS, entendeu pela
imprescindibilidade. Quanto à necessidade de defesa técnica, a Súmula Vinculante n. 5 é clara
ao afirmar que a “falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar
não ofende a Constituição”. Ademais, atenção: pune-se a tentativa de falta com a sanção
correspondente à falta consumada.

• Qual é o prazo prescricional para a apuração e sanção de falta grave? Como a LEP não
regula o tema, assim disciplina o STJ: “A jurisprudência deste eg. Superior Tribunal de Justiça
consolidou-se no sentido de que o prazo prescricional para apuração de falta disciplinar grave
praticada no curso da execução penal é o previsto no art. 109, inciso VI, do Código Penal, com a
redação dada pela Lei nº 12.234/2010, tendo em vista a inexistência de dispositivo legal
específico sobre a matéria. Desse modo, tem-se que o prazo prescricional para apuração de falta
disciplinar é de 3 (três) anos para fatos ocorridos após a alteração dada pela Lei n. 12.234, de 5
de maio de 2010, ou 2 (dois) anos se a falta tiver ocorrido antes desta data. No presente caso, a
prática da falta grave se deu em 25/11/2009, ou seja, antes da entrada em vigor da Lei n.
12.234/2010, devendo, portanto, ser observado o prazo prescricional de 2 (dois) anos. Com
efeito, a decisão homologatória do processo disciplinar ocorreu somente em 22/8/2012, ou seja,
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quando já transcorrido prazo superior a dois anos, sendo imperioso reconhecer a prescrição da
falta disciplinar objeto da impetração.” (HC 295974/SP).

• São sanções disciplinares: a) advertência verbal; b) repreensão; c) suspensão ou


restrição de direitos (veja o art. 41, parágrafo único); d) isolamento na própria cela ou em local
adequado, nos estabelecimentos que possuam alojamento coletivo; e) inclusão no regime
disciplinar diferenciado.

2.8 Do Regime Disciplinar Diferenciado (RDD).

• Em entrevista, um conhecido traficante equiparou o RDD ao inferno. De fato, trata-se


de forma mais rigorosa de imposição do regime fechado, mas não um quarto regime, como
alguns sustentam. Introduzido pela Lei 10.792/2003, o Regime Disciplinar Diferenciado tem as
seguintes características: a) a duração máxima é de 360 (trezentos e sessenta) dias, sem prejuízo
de repetição da sanção por nova falta grave de mesma espécie, até o limite de 1/6 (um sexto)
da pena aplicada; b) recolhimento em cela individual; c) visitas semanais de duas pessoas, sem
contar as crianças, com duração de duas horas; d) saída diária da cela por 2 (duas) horas diárias
para banho de sol. O RDD é decretado por decisão judicial, e são necessárias as prévias
manifestações do MP e da defesa (STJ, HC 89.935/BA e art. 54, § 2º).

• De acordo com a LEP, em seu art. 52, o RDD será aplicável ao preso, provisório ou
condenado, que pratica fato previsto como crime doloso e que ocasione subversão da ordem
ou disciplina internas. Os requisitos são cumulativos, não ensejando o RDD a existência isolada
de um ou outro. Ademais, também é possível a sua decretação a presos provisórios ou
condenados, brasileiros ou estrangeiros, que apresentem alto risco à ordem e à segurança do
estabelecimento penal ou da sociedade, ou quando existirem fundadas suspeitas de
envolvimento ou de participação em organização criminosa.

2.9 Dos estabelecimentos penais.

• Os estabelecimentos penais são destinados ao condenado (regime fechado, semiaberto


e aberto), ao internado (medida de segurança), ao preso provisório e ao egresso. Em relação ao
último, o único estabelecimento imaginável é aquele do art. 25, II, da LEP. Por segurança, a
mulher e o maior de 60 (sessenta) anos devem ser recolhidos separadamente dos demais
presos. Além disso, devem ficar separados os presos provisórios e condenados por sentença
transitada em julgado. Também devem ser separados presos primários e reincidentes.

• Ademais, os presos devem ser separados de acordo com os seguintes critérios (art. 84):
“§ 1º Os presos provisórios ficarão separados de acordo com os seguintes critérios: I - acusados
pela prática de crimes hediondos ou equiparados; II - acusados pela prática de crimes cometidos
com violência ou grave ameaça à pessoa; III - acusados pela prática de outros crimes ou
contravenções diversos dos apontados nos incisos I e II. § 3º Os presos condenados ficarão
separados de acordo com os seguintes critérios: I - condenados pela prática de crimes hediondos
ou equiparados; II - reincidentes condenados pela prática de crimes cometidos com violência ou
grave ameaça à pessoa; III - primários condenados pela prática de crimes cometidos com
violência ou grave ameaça à pessoa; IV - demais condenados pela prática de outros crimes ou
contravenções em situação diversa das previstas nos incisos I, II e III. § 4º O preso que tiver sua
integridade física, moral ou psicológica ameaçada pela convivência com os demais presos ficará
segregado em local próprio.”.
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• Em regra, a pena deve ser cumprida onde o crime foi praticado e o réu condenado. No
entanto, é possível a transferência do preso para local diverso, para que, por exemplo, para que
fique mais próximo de sua família. Contudo, a segurança pública deve prevalecer em relação aos
interesses pessoais do preso. Veja o seguinte julgado: “Muito embora a Lei de Execução Penal
assegure ao preso o direito de cumprir sua reprimenda em local que lhe permita contato com
seus familiares e amigos, tal garantia não é absoluta, podendo o Juízo das Execuções, de maneira
fundamentada, indeferir o pleito se constatar ausência de condições para o acolhimento no
estabelecimento prisional pretendido ou a necessidade de submeter o condenado a regime
disciplinar diferenciado.” (AgRg no RHC 46314/MS). Portanto, é possível que o preso seja
transferido de sua cidade, onde vive sua família, para outro estado, desde que isso ocorra por
razões de segurança pública – por exemplo, a transferência de um presídio estadual no Rio de
Janeiro para o presídio federal de Rondônia.

• Apesar de estar em desuso, a LEP utiliza o termo penitenciária para denominar o


estabelecimento voltado ao cumprimento do regime fechado. Presídio é expressão sinônima.
Para o regime semiaberto, o Estado deve manter colônia agrícola, industrial ou similar. Na
prática, contudo, é comum inexistir vaga em local adequado para o cumprimento da pena em
regime semiaberto. Nesta hipótese, o que fazer? Deve o preso aguardar em regime fechado até
que a oportunidade apareça? É claro que não! Não seria justo a ele transferir a responsabilidade
por um mal causado por inoperância estatal. É o posicionamento do STJ: “É assente nesta Corte
o entendimento que, em caso de falta de vagas em estabelecimento prisional adequado ao
cumprimento da pena no regime semiaberto, deve-se conceder ao apenado, em caráter
excepcional, o cumprimento da pena em regime aberto, ou, na falta de vaga em casa de
albergado, em regime domiciliar, até o surgimento de vagas no regime apropriado.” (RHC
52321/SP). Para os presos em regime aberto, o Estado deve fornecer a intitulada “casa do
albergado”. No entanto, como o estabelecimento está presente em poucas localidades, o preso
em regime aberto acaba por cumprir sua pena em prisão domiciliar. O que era para ser exceção,
aplicável somente nas hipóteses do art. 117 da LEP, passou a ser regra. Há, ainda, as
denominadas “cadeias públicas”, destinadas a presos provisórios. Como já visto anteriormente,
a LEP determina a separação de presos condenados por decisão transitada em julgado daqueles
que estão presos cautelarmente.

2.10 Das penas privativas de liberdade.

• Há dois instrumentos importantes que devem ser conhecidos pelo leitor: o mandado de
prisão e o alvará de soltura. É por meio deles que o juiz fará cumprir a sua ordem de prisão ou
de soltura de determinada pessoa. Em regra, uma prisão só poderá ser efetuada mediante a
expedição do respectivo mandado, exceto na prisão em flagrante. Quanto à soltura, também só
é possível mediante a expedição de alvará, salvo hipóteses excepcionais, a exemplo do término
do prazo de prisão temporária. Esta exposição foi necessária para a compreensão dos parágrafos
a seguir.

• Transitada em julgado a sentença condenatória, estando o condenado solto, deve o juiz


expedir mandado de prisão para o seu recolhimento. Somente após efetuada a prisão, deve ser
expedida, pelo juiz, a guia de recolhimento para a execução da pena. Uma cópia da guia e das
peças que a acompanham deve ser encaminhada à autoridade administrativa onde o condenado
está preso. Caso o condenado já se encontre preso por força de prisão preventiva, a guia deve
ser expedida imediatamente após o trânsito em julgado.
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• Agora, imagine a seguinte situação: o réu permanece preso, preventivamente, até a


prolação da sentença condenatória. Como sabemos, a prisão preventiva é aplicada nos moldes
do regime fechado. Não conformado com a sentença, ele apela, mas permanece preso
cautelarmente, em prisão preventiva, enquanto é decidido o seu recurso. No entanto, com base
na pena a ele imposta, e levando-se em consideração o tempo que está preso, percebe-se ser
possível a progressão imediata de regime, do fechado para o semiaberto. Mas, como ainda
houve o trânsito em julgado da sentença condenatória, não há como falar em execução penal e
seus benefícios. Percebeu a injustiça? O réu, pelo tempo em que se encontra preso
preventivamente, faz jus a regime menos gravoso, como o semiaberto, mas, por ter recorrido
da sentença, permanece preso cautelarmente, em regime equivalente ao fechado. Melhor seria,
então, não ter recorrido e permitido o trânsito em julgado, para gozo imediato de regime menos
gravoso. A situação é ainda pior na hipótese em que o réu é condenado, em sentença, ao regime
semiaberto ou aberto, mas permanece preso preventivamente, em regime fechado – ou seja,
regime mais gravoso do que aquele a ser cumprido em sua condenação. Para que isso não
ocorra, é possível a execução provisória da pena, mediante guia de recolhimento, desde que o
réu esteja preso, como ocorre na execução definitiva. Nesse sentido, o verbete n. 716 da Súmula
do STF: “Admite-se a progressão de regime de cumprimento da pena ou a aplicação imediata de
regime menos severo nela determinada, antes do trânsito em julgado da sentença
condenatória.”. Não por outro motivo, a Lei 12.736/12 promoveu a inclusão do parágrafo
segundo ao art. 387 do CPP, com a seguinte redação: “Art. 387. O juiz, ao proferir sentença
condenatória: § 2º O tempo de prisão provisória, de prisão administrativa ou de internação, no
Brasil ou no estrangeiro, será computado para fins de determinação do regime inicial de pena
privativa de liberdade.”. Portanto, o próprio juiz sentenciante deve impor o regime inicial
levando em consideração o tempo de prisão provisória, e, estando o réu preso por tempo
suficiente para a progressão de regime, a execução provisória deve ser realizada para que se
reconheça o benefício. Por derradeiro, uma observação em relação à execução provisória: se o
réu estiver solto, em liberdade provisória, não há razão para a sua aplicação, pois o réu não está
sofrendo restrição em sua liberdade. Ademais, extinta a pena por qualquer motivo, o preso deve
ser colocado imediatamente em liberdade, mediante expedição, pelo juiz, de alvará de soltura.

• O art. 108 da LEP traz previsão frequentemente exigida em provas: “O condenado a


quem sobrevier doença mental será internado em Hospital de Custódia e Tratamento
Psiquiátrico.”. Perceba que não se trata de inimputável a quem se impõe medida de segurança
em “absolvição imprópria”. Na hipótese do dispositivo, o imputável, condenado pela prática de
um crime, após o fato delituoso, passa a sofrer de doença mental. Não seria correto mandá-lo
para uma prisão durante o período de enfermidade. Por isso, a LEP determina o seu
encaminhamento, na condição de internado, a tratamento. Isso não significa, no entanto, que a
sua pena privativa de liberdade será convertida em medida de segurança. A sentença
condenatória permanece incólume, e, quando curado, o internado volta à condição de preso.
Mas, e se a doença for de natureza permanente? Neste caso, aplica-se o disposto no art. 183:
“Quando, no curso da execução da pena privativa de liberdade, sobrevier doença mental ou
perturbação da saúde mental, o Juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público, da
Defensoria Pública ou da autoridade administrativa, poderá determinar a substituição da pena
por medida de segurança.”.

• O juiz, na sentença condenatória, deve impor o regime de cumprimento da pena


privativa de liberdade, que pode ser fechado, semiaberto ou aberto. Conforme previsão
expressa do CP (art. 33, § 2º), o juiz levará em consideração para a fixação de regime o
"quantum" de pena aplicada. Se condenado o réu a mais de 8 (oito) anos, o regime inicial deve
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ser o fechado. Se não for reincidente, sendo a pena superior a 4 (quatro) anos e não excedendo
8 (oito) anos, o regime inicial deve ser o semiaberto. Por fim, se não reincidente, e sendo a pena
igual ou inferior a 4 (quatro) anos, o regime inicial deve ser o aberto. A Lei dos Crimes Hediondos
(Lei 8.072/90), em seu art. 2º, § 1º, prevê que a condenação por crime hediondo impõe
necessariamente o regime inicial fechado, pouco importando a pena aplicada. Todavia, o STF,
ao julgar o HC 111.840/ES, considerou inconstitucional o dispositivo. Portanto, é possível regime
inicial diverso do fechado aos crimes hediondos e equiparados, devendo o juiz levar em
consideração, para a escolha do regime, o que dispõe o art. 33, § 2º, do CP.

• Na hipótese de mais de uma condenação por crimes diversos, em um mesmo processo


ou não, deve o juiz da execução penal somar ou unificar o total das penas para a imposição do
regime adequado. A título de exemplo, se condenado o réu a 3 (três) anos, o regime inicial
adequado seria o aberto (CP, art. 33, § 2º, “c”), desde que não reincidente. Contudo, se
reconhecido o concurso material (CP, art. 69) com outro delito, cuja pena também seja de 3
(três) anos, o total será de 6 (seis) anos, e o regime aberto já não será adequado, devendo o juiz
da execução impor o regime semiaberto (CP, art. 33, § 2º, “b”). Ademais, é possível a unificação
das penas. Exemplo: o réu possui uma dezena de condenações por furto. Se reconhecido o
concurso material e somadas as penas, o regime inicial seria fechado, pois o “quantum” seria
superior a 8 (oito) anos (a pena mínima do furto é de um ano). No entanto, se reconhecida a
continuidade delitiva, deve o juiz aplicar a pena de um único furto, majorada de 1/6 (um sexto)
a 2/3 (dois terços). Considerando que a pena mínima do furto é de 1 (um) ano, jamais chegaria
ao “quantum” suficiente para o regime semiaberto ou fechado, devendo o juiz impor o regime
aberto. Ademais, se, durante a execução de uma pena, sobrevier uma nova condenação, esta
pena ainda não cumprida é somada ao restante da pena já cumprida pela condenação anterior,
e, se for o caso, o juiz modifica o regime para que se adeque ao “quantum” da somatória.
Exemplo: o condenado cumpriu 8 (oito) anos de uma pena de 10 (dez). Portanto, restam mais 2
(dois) anos. Ocorrendo uma nova condenação a 6 (seis) anos, ocorrerá a soma com os 2 (dois)
anos restantes, e não com os 10 (dez) iniciais.

• Em regra, a progressão de regime se dá com 1/6 (um sexto) do cumprimento da pena,


seja o condenado primário ou reincidente. No entanto, se a condenação for por crime hediondo,
os prazos são outros: cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e
de 3/5 (três quintos), se reincidente. Quanto ao cálculo, atenção: iniciada a execução em regime
fechado, para a próxima progressão, do semiaberto para o aberto, leva-se em consideração o
“quantum” de pena cumprido até aquele momento, e não o total inicial. Exemplo: a pena inicial
era de 6 (seis) anos, e o condenado é reincidente. Cumprido 1/6 (um sexto) da pena, ou seja, 1
(um) ano, o condenado progride, restando mais 5 (cinco) anos de pena. Para a próxima
progressão, do semiaberto para o aberto, o cálculo deve ser sobre o restante de pena, e não
sobre os 6 (seis) anos iniciais. Ademais, além do lapso temporal, a LEP traz um requisito
subjetivo: para progredir, o condenado deve ostentar bom comportamento. Portanto, o
cumprimento da fração de 1/6 (um sexto) da pena, ou de 2 e 3/5 (dois e três quintos) nos crimes
hediondos, não faz com que o condenado automaticamente progrida. Nos crimes contra a
administração pública (art. 312 e seguintes do CP), a progressão está condicionada a mais um
requisito: a reparação do dano que causou ou a devolução do produto do ilícito praticado, com
os acréscimos legais.

• Questão frequente em prova é a da progressão “per saltum”. Explico: surgiu o


questionamento sobre a possibilidade de alguém saltar regimes - por exemplo, do fechado para
o aberto, sem passagem pelo semiaberto. Como a LEP nada diz a respeito, coube à
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jurisprudência decidir a celeuma, e o STJ, após reiteradas decisões, editou a súmula n. 491: “É
inadmissível a chamada progressão per saltum de regime prisional.”.

• O tempo de progressão volta a correr do zero caso o condenado pratique falta grave.
Portanto, se estava próximo de cumprir 1/6 (um sexto), se praticada falta grave, a contagem
recomeçará, e o condenado terá de cumprir mais 1/6 (um sexto) da pena restante para
progredir. Aliás, seja qual for o instituto, deve-se levar em consideração sempre o quanto o
condenado deve, seja o total, se no início do cumprimento, ou o restante, se já cumprida parte
da pena. Isso porque, pena cumprida é pena extinta. Em uma pena de 10 (dez) anos, se o
condenado já cumpriu 1 (um), a dívida dele será de 9 (nove) anos, e nunca mais os 10 (dez),
salvo, é claro, se praticar novo delito, hipótese em que a nova pena será somada à anterior.
Além disso, a prática de falta grave é causa de regressão, vista a seguir.

• A regressão é a transferência do preso de um regime menos gravoso para um mais


gravoso – por exemplo, do semiaberto para o fechado. Ocorre quando o condenado: a) pratica
fato definido como crime doloso ou falta grave: como a LEP fala em “fato definido como crime”,
não é necessário o trânsito em julgado da sentença condenatória pelo novo delito para a
regressão. A prática de crime culposo ou de contravenção penal não causa a regressão, pois a
LEP fala em “crime doloso”. Nesta primeira hipótese, no entanto, a regressão não é automática,
e ao preso deve ser dado o direito de defesa; b) sofre condenação, por crime anterior, cuja pena,
somada ao restante da pena em execução, torne incabível o regime: é a situação em que o
condenado está em regime semiaberto ou aberto, mas sobrevém sentença condenatória que,
com a sua pena, somada à pena do crime anterior, faz com que regime gravoso seja mais
adequado. Exemplo: o condenado está em regime semiaberto em razão de uma condenação de
5 (cinco) anos. Posteriormente, é condenado a mais 5 (cinco) anos. Como a soma das penas
alcança 10 (dez) anos, o regime semiaberto não é adequado, devendo o preso regredir para o
fechado.

• Voltando ao cálculo, uma questão importante: como vimos, em crimes comuns, a


progressão se dá com 1/6 (um sexto). Nos hediondos, com 2/5 (dois quintos), se primário, ou
3/5 (três quintos), se reincidente. No entanto, como fica o cálculo quando somadas as penas de
um crime comum e de um crime hediondo? Por exemplo: o preso é condenado por roubo
simples, que é comum, e por estupro, que é hediondo. Qual fração será adotada para a
progressão? Um sexto? Dois quintos? O STJ esclarece o assunto: “Esta Corte possui orientação
no sentido de que na execução simultânea de condenação por delito comum e outro hediondo,
ainda que reconhecido o concurso material, formal ou mesmo a continuidade delitiva, é legítima
a pretensão de elaboração de cálculo diferenciado para fins de verificação dos benefícios penais,
não devendo ser aplicada qualquer outra interpretação que possa ser desfavorável ao paciente.”
(HC 272405/RJ). Ou seja, primeiro, o condenado cumprirá os 2/5 (dois quintos) ou 3/5 (três
quintos) do crime hediondo. Encerrado o cumprimento da fração, deve cumprir mais 1/6 (um
sexto) do crime comum, e, só após o cumprimento das duas frações, poderá requerer a
progressão.

• O art. 117 da LEP trata do PAD, ou prisão albergue domiciliar. Trata-se de hipótese em
que o condenado que cumpre pena em regime aberto é recolhido em prisão domiciliar, e não
em casa de albergado, como impõe a legislação como regra. O benefício é possível: a) ao
condenado maior de 70 (setenta) anos; b) ao condenado acometido de doença grave; c) à
condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental; d) à condenada gestante. Na prática,
contudo, o benefício tem sido estendido a outros presos em razão da inexistência de casas de
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albergados ou por falta de vagas em tais instituições. Quanto ao preso provisório, é possível o
recolhimento domiciliar nas hipóteses do art. 317 do CPP.

• Em hipóteses excepcionais, pode o preso deixar o estabelecimento penitenciário. No


entanto, não se pode confundir a permissão de saída, regulada nos artigos 120 e 121 da LEP,
com o benefício da saída temporária, previsto nos artigos 122 a 125. Na permissão de saída, o
condenado que cumpre pena em regime fechado ou semiaberto e o preso provisório tem direito
a sair, desde que escoltados, nas seguintes hipóteses: a) falecimento ou doença grave do
cônjuge, companheira, ascendente, descendente ou irmão; b) necessidade de tratamento
médico, quando não houver tratamento adequado na unidade prisional. Perceba que não se
trata de benefício – prova disso é que não há qualquer requisito subjetivo, como bom
comportamento, ou requisito objetivo, como tempo de cumprimento de pena. Ademais, não há
qualquer efeito em sua pena. A autorização é dada pelo diretor do estabelecimento, não sendo
necessária a manifestação do juiz.

• Por outro lado, a saída temporária é benefício, e, como tal, tem alguns requisitos para a
sua concessão. São eles: a) comportamento adequado; b) cumprimento mínimo de 1/6 (um
sexto) da pena, se o condenado for primário, e 1/4 (um quarto), se reincidente; c)
compatibilidade do benefício com os objetivos da pena. O benefício só pode ser concedido ao
preso em regime semiaberto, e depende de autorização judicial. A saída temporária tem por
objetivo a ressocialização do condenado, e será concedida para os seguintes fins: a) visita à
família; b) frequência a curso supletivo profissionalizante, bem como de instrução do ensino
médio ou superior, na Comarca do Juízo da Execução; c) participação em atividades que
concorram para o retorno ao convívio social. A saída temporária pode ser concedida pelo prazo
de até 7 (sete) dias, podendo ser renovada 4 (quatro) vezes ao ano. Em se tratando de curso,
entretanto, o prazo pode ser diferenciado, sendo possível, até mesmo, a saída temporária diária
durante o período letivo. Ademais, as saídas devem ser autorizadas em intervalos mínimos de
45 (quarenta e cinco) dias – logo, se concedida em um mês, não pode ser novamente permitida
no mês seguinte. Por fim, se praticado fato definido como crime ou se punido o condenado por
falta grave, bem como se desatendidas as condições do benefício impostas pelo juiz, ou se baixo
o aproveitamento do curso, o benefício deve ser revogado.

• Outro importante benefício previsto na LEP é o instituto da remição, que se dá quando


o condenado que cumpre pena nos regimes fechado ou semiaberto, por meio de trabalho ou
estudo, consegue a redução de sua pena. A contagem se dá da seguinte forma: a) a cada 3 (três)
dias trabalhados, 1 (um) é descontado. Como já vimos, a jornada de trabalho do preso deve ser
de 6 (seis) até 8 (oito) horas diárias. Caso ultrapasse o limite, as horas a mais serão utilizadas em
outro dia de trabalho – por exemplo, se o preso trabalhar 12 (doze) horas em um dia, e sendo a
sua jornada de 6 (seis) horas, as horas constituirão dois dias trabalhados, faltando apenas mais
um para a remição. Isso se dá de forma excepcional, pois, em regra, para a remição, são
considerados dias de trabalho, e não horas. Contudo, não seria justo fazer com que o preso
trabalhasse além de sua jornada sem qualquer contraprestação. A remição também pode se dar
pelo estudo, que pode ser presencial ou a distância: a cada 12 (doze) horas de frequência
escolar, divididas em 3 (três) dias, 1 (um) dia da pena é descontado. Diferentemente da primeira
hipótese, a remição por estudo é calculada com base em horas, e não em dias cheios. O preso
em regime aberto não faz jus à remição pelo trabalho, mas é possível o desconto de sua pena
pelo estudo (art. 126, § 6º).

• E se o preso trabalhar e também estudar, como é feita a remição? Desde que sejam
compatíveis os horários – por exemplo, 6 (seis) horas de trabalho e 4 (quatro) de estudo diárias
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-, a remição se dará tanto pelo trabalho quanto pelo estudo, separadamente. Seria um
verdadeiro desestímulo ao preso a escolha de um ou outro. Caso consiga concluir o ensino
fundamental, médio ou superior durante o cumprimento da pena, o tempo de remição será
acrescido de 1/3 (um terço). Ou seja, se estudadas efetivamente 960 (novecentos e sessenta
horas), quando concluído o curso, serão acrescidas mais 320 (trezentos e vinte). Trata-se de
verdadeira e justa premiação ao preso que se dedicou ao estudo. Ademais, caso o preso fique
impossibilitado, por acidente, de prosseguir no trabalho ou nos estudos continuará a beneficiar-
se com a remição. No entanto, atenção: a incapacidade deve ocorrer quando o preso já trabalhe
ou estude. Caso não tenha iniciado essas atividades e se acidente, e em razão disso fique
impossibilitado de trabalhar ou de estudar, não fará jus à remição.

• Um tema com grande probabilidade de cair em prova é a perda dos dias remidos na
hipótese de punição por falta grave. Pela antiga redação do art. 127, nesta hipótese, o preso
perderia todos os dias remidos, pouco importando o tempo trabalhado ou de estudo, o que não
é justo. Por isso, em 2011, o dispositivo foi alterado, e, pela redação atual, no caso de falta grave,
o preso pode perder até 1/3 (um terço) dos dias remidos. Como o dispositivo fala em “até”, a
fixação do “quantum” fica a critério do juiz, nos seguintes termos: “No que respeita ao quantum
a ser fixado pelo juízo das execuções penais, devem ser levados em conta os critérios
estabelecidos no art. 57 da novel legislação, quais sejam: ‘a natureza, os motivos, as
circunstâncias e as consequências do fato, bem como a pessoa do faltoso e seu tempo de prisão’,
cabendo ao juiz certa discricionariedade.” (HC 297.154/SP).

• Para finalizar, três julgados recentes sobre a remição: a) “Reconhecida falta grave, a
perda de até 1/3 do tempo remido (art. 127 da LEP) pode alcançar dias de trabalho anteriores à
infração disciplinar e que ainda não tenham sido declarados pelo juízo da execução no cômputo
da remição.” (Informativo n. 571 do STJ, de 23.10.2015); b) “A atividade de leitura pode ser
considerada para fins de remição de parte do tempo de execução da pena.” (Informativo n. 564
do STJ, de 22.6.2015); c) “É possível a remição de parte do tempo de execução da pena quando
o condenado, em regime fechado ou semiaberto, desempenha atividade laborativa
extramuros.” (Informativo n. 562 do STJ, de 19.5.2015).

3. Interceptação Telefônica – Lei n. 9.296/96

3.1 Introdução e conceitos gerais.

• A Lei de Interceptação Telefônica é, sem dúvida alguma, uma das mais cobradas em
concursos públicos – principalmente em provas do Ministério Público. A redação é de fácil
compreensão, e a leitura não tomará mais do que dez minutos. No entanto, há algumas
peculiaridades - a maioria oriunda de posicionamentos do STJ e do STF - que merecem atenção,
pois são exatamente os temas comumente presentes em questões.

• De antemão, algumas definições importantes: a) interceptação telefônica: é a captação


da comunicação telefônica alheia por um terceiro, sem que os interlocutores saibam disso. “A”
e “B” conversam enquanto “C” escuta, sem que os dois primeiros saibam; b) escuta telefônica:
também é a interceptação da comunicação telefônica por um terceiro, mas com uma diferença:
um dos interlocutores sabe; c) gravação clandestina: é a gravação da conversa por um dos
interlocutores, sem a presença de um terceiro, e sem que a outra parte saiba. Ex.: “A” grava a
sua conversa telefônica com “B”, sem que este saiba. Para a lei de interceptação telefônica,
importam apenas a interceptação e a escuta.
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• A interceptação telefônica – direi apenas interceptação, mas leia-se interceptação e


escuta – tem como objetivo a produção de prova em investigação criminal e em instrução
processual penal. Acompanhando o progresso tecnológico, a lei fala em “comunicações
telefônicas de qualquer natureza”. Ora, e não poderia ser diferente. Caso contrário, criminosos
poderiam manter a comunicação por SMS ou Whatsapp, sem que nada pudesse ser feito para
interceptar a troca de mensagens. No art. 1º, parágrafo único, a lei estende a sua aplicação à
interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática. Portanto, e-
mail e chat também podem ser interceptados.

• Seja qual for a natureza da comunicação, a interceptação deve ser sempre precedida de
autorização judicial que a autorize. Caso a interceptação seja realizada sem autorização, e,
posteriormente, o juiz a autorize, não haverá o que se falar em convalidação. Portanto, a
autorização deve ser obrigatoriamente prévia, sem exceção. Nem mesmo a autorização
posterior de um dos interlocutores legitima a interceptação. Nesse sentido, STJ: “Não é válida a
interceptação telefônica realizada sem prévia autorização judicial, ainda que haja posterior
consentimento de um dos interlocutores para ser tratada como escuta telefônica e utilizada
como prova em processo penal.” (STJ, HC 161.053/SP). Neste julgado, o STJ considerou que a
escuta telefônica não está abrangida pela Lei 9.296/96. A questão, todavia, é polêmica em sede
doutrinária.

• Ponto relevante é a questão da quebra do sigilo telefônico, não regulada pela Lei
9.296/96, que não pode ser confundida com a interceptação telefônica. Enquanto, na
interceptação, quem intercepta tem acesso ao teor da conversa, na quebra do sigilo a única
informação a que se tem acesso é o registro de ligações efetuadas e recebidas. Outra importante
utilidade da quebra do sigilo é a identificação do local em que o aparelho telefônico se
encontrava em determinado horário. Contudo, não há acesso ao teor das conversas – as
companhias telefônicas não podem gravar as conversas realizadas entre os seus clientes.

• Quanto ao momento da interceptação, a decretação é viável tanto na investigação


criminal quanto durante o curso da instrução penal. Perceba que a Lei 9.296/96, em seu artigo
1º, fala em “investigação criminal”, e não em inquérito policial. Portanto, não é necessária a
instauração deste para que o juiz possa autorizar a interceptação. E nem deveria, afinal, o
inquérito é prescindível até mesmo para a propositura de ação penal. A lei, no entanto, exige a
existência de investigação, que pode ou não ser realizada pela polícia – pode ser que a
investigação seja feita, por exemplo, pelo MP.

3.2 Requisitos para a concessão da interceptação.

• Por ser medida de extrema gravidade, a interceptação tem alguns requisitos para a sua
concessão: a) indícios razoáveis de autoria ou participação em infração penal; b)
imprescindibilidade da medida; c) o fato investigado deve constituir crime punido com reclusão.
Se o leitor fizer a leitura do art. 2º, não entenderá as três exigências anteriores. No entanto,
perceba que apenas transformei as hipóteses em que a interceptação é vedada em requisitos
positivos de admissibilidade.

• Quanto ao primeiro requisito, indícios razoáveis de autoria ou de participação em


infração penal, entenda: a interceptação telefônica é medida extremamente gravosa, pois
flexibiliza garantia presente na Constituição Federal, em seu art. 5º, como cláusula pétrea. Por
isso, para a sua decretação, é essencial que exista alguma evidência de que aquela pessoa a ser
investigada praticou ou participou de algum delito – fala-se em “fumus comissi delicti”, ou
fumaça de cometimento do delito. Portanto, a interceptação jamais será o “pontapé inicial” de
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uma investigação. Em julgados, o leitor encontrará a intitulada “interceptação de prospecção”,


ou seja, a interceptação sem indícios de autoria, realizada para a descoberta eventual de um
delito. Evidentemente, com base em tudo o que foi dito, não é aceita.

• Outro requisito é a imprescindibilidade da interceptação. Em seu art. 2º, II, a Lei


9.296/96 afirma que a interceptação não será permitida quando “a prova puder ser feita por
outros meios disponíveis”. Como já dito, a interceptação é extremamente gravosa, pois viola
diretamente a intimidade de alguém, em inegável ataque às garantias constitucionais. Por isso,
a sua autorização só será possível quando a prova não puder ser produzida por outro meio. Se
for possível alcançar elemento informativo de autoria de um delito por outro meio, a exemplo
da prova testemunhal ou pericial, ou por meio de medidas cautelares, como a busca e
apreensão, não haverá razão para a decretação da interceptação. Portanto, tenha em mente: a
interceptação deve ser medida de “ultima ratio”, quando os demais meios não forem
suficientes.

• Por fim, há um terceiro requisito: para a decretação da interceptação, o crime deve ser
punido com reclusão. Portanto, não é possível, por exemplo, a investigação do crime de ameaça,
previsto no art. 147 do CP, que prevê em seu preceito secundário pena de detenção, de um a
seis meses. Por outro lado, é possível a interceptação para a investigação de um homicídio, pois
a pena é de reclusão, de seis a vinte anos. No entanto, é preciso ter cuidado com a hipótese de
“serendipidade”, tema frequente em questões sobre a interceptação telefônica.

3.3 Da serendipidade.

• Imagine a seguinte situação: o juiz autoriza a interceptação telefônica para a


investigação do crime “A”, punido com reclusão. No entanto, durante o procedimento,
descobre-se que o investigado ou outra pessoa praticou o crime “B”, punido com detenção.
Nesta hipótese, a interceptação poderá ser utilizada para a apuração do crime “B” ou o terceiro
que inicialmente não estava sendo investigado? No exemplo, houve a descoberta acidental,
fortuita, da prática de outro delito, e é exatamente o que a jurisprudência tem intitulado
serendipidade. Sobre a aceitação do instituto, veja o seguinte julgado: “A descoberta de fatos
novos advindos do monitoramento judicialmente autorizado pode resultar na identificação de
pessoas inicialmente não relacionadas no pedido da medida probatória, mas que possuem
estreita ligação com o objeto da investigação. Tal circunstância não invalida a utilização das
provas colhidas contra esses terceiros (Fenômeno da Serendipidade).” (STJ, RHC 28794/RJ).
Voltando à pergunta inicial: sim, a interceptação poderá ser utilizada para a investigação
criminal do crime punido com detenção, descoberto durante a realização do procedimento para
a investigação de crime com pena de reclusão.

• Ainda sobre a serendipidade: “As comunicações telefônicas do investigado legalmente


interceptadas podem ser utilizadas para formação de prova em desfavor do outro interlocutor,
ainda que este seja advogado do investigado. A interceptação telefônica, por óbvio, abrange a
participação de quaisquer dos interlocutores. Ilógico e irracional seria admitir que a prova
colhida contra o interlocutor que recebeu ou originou chamadas para a linha legalmente
interceptada é ilegal. No mais, não é porque o advogado defendia o investigado que sua
comunicação com ele foi interceptada, mas tão somente porque era um dos interlocutores.”
(RMS 33.677/SP).

3.4 Da prova emprestada.


26

• Além disso, é possível a utilização de interceptação produzida, para a investigação de


crime, em procedimento administrativo? Para o STJ, sim: “É possível utilizar, em processo
administrativo disciplinar, na qualidade de ‘prova emprestada’, a interceptação telefônica
produzida em ação penal, desde que devidamente autorizada pelo juízo criminal e com
observância das diretrizes da Lei 9.296/1996.” (MS 16.146/DF).

3.5 Da necessidade de decisão judicial e prerrogativa de foro.

• A interceptação telefônica deverá sempre ser precedida de autorização judicial, sem


exceção. Se realizada a interceptação sem autorização e, posteriormente, decisão judicial a
permitir, não haverá o que se falar em convalidação. A prova é ilícita, de forma imutável. Mas,
e se a interceptação for feita por quem tem o registro, em seu nome, da linha telefônica? É
necessária a autorização judicial? A resposta é sim, afinal, o que se tutela na Lei 9.296/96 não é
a titularidade da linha, mas o sigilo das comunicações e a intimidade dos interlocutores.

• Na hipótese de autoridade com prerrogativa de foro, o pedido de interceptação deve


ser deslocado para a autoridade competente. No Informativo 742, o STF trouxe o seguinte caso:
“Na espécie, no curso de investigação da polícia federal destinada a apurar delitos contra a
Administração Pública Federal, praticados por grupo de empresários, as interceptações
telefônicas, devidamente autorizadas por juízo de 1º grau, revelaram que delitos de outra
natureza estariam sendo praticados por grupo diverso, voltado à obtenção ilícita de lucros por
meio de contratação e execução de obras públicas em vários Estados-membros com fraude em
licitações. Diante do envolvimento de autoridades com prerrogativa de foro, determinara-se o
deslocamento do feito para o STJ, cuja relatora autorizara a interceptação telefônica e sua
prorrogação, o que culminara na indicação do paciente como envolvido em grupo criminoso. A
Turma destacou que decisão proferida no STJ, ao autorizar a interceptação telefônica, estaria
fundamentada ante a complexidade do esquema a envolver agentes públicos e políticos, aliada
à dificuldade em se colher provas tradicionais.” (HC 119.770/BA).

• Segundo o art. 3º da legislação em estudo, é possível a interceptação telefônica


decretada de ofício pelo juiz no curso das investigações ou da instrução processual. Entretanto,
levando-se em consideração a adoção do sistema acusatório em nossa Constituição (art. 129, I),
não há como permitir que o juiz o faça na fase investigatória, devendo ser provocado para a
decretação da medida nesta fase. Por outro lado, estando em curso a ação penal, pode o juiz
determinar a interceptação de ofício.

3.6 Do requerimento de interceptação.

• Ademais, podem requerer a interceptação a autoridade policial, durante a investigação


criminal, e o MP, tanto na investigação quanto no curso da ação em juízo. Como a Lei 9.296/96
nada fala a respeito, não é possível a interceptação a pedido da defesa - em relação a terceiro,
é claro -, para a formação de provas a ela favoráveis.

• O pedido em juízo e o procedimento de interceptação devem ser mantidos em segredo


de justiça, não devendo o investigado ser ouvido para se manifestar a respeito – o que é óbvio,
sob pena de frustração da medida. Entretanto, após a realização do procedimento, estando
devidamente instrumentalizado, o investigado tem direito ao que foi produzido, nos termos da
Súmula Vinculante n. 14: “É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo
aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por
órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.”.
27

3.7 Da degravação.

• Outra questão frequente em provas é a necessidade de degravação integral do que fora


produzido durante a interceptação. A degravação consiste na transcrição do conteúdo das
conversas feitas por telefone. Muitos sustentam ser direito da defesa a sua integralidade. O
posicionamento, no entanto, não parece adequado. Explico: imagine que, ao todo, foram
gravadas mil horas de conversas. Deste número, apenas vinte minutos interessam à investigação
e ao processo, sendo irrelevante o restante. Na denúncia, o MP acusou o réu somente com base
nesse pequeno período, sendo ignorado o restante. Teria razão para a transcrição de todas as
mil horas? Assim se manifestou o STJ sobre o assunto: “Não se mostra razoável exigir, sempre e
de modo irrestrito, a degravação integral das escutas telefônicas, haja vista o prazo de duração
da interceptação e o tempo razoável para dar-se início à instrução criminal, porquanto há
diversos casos em que, ante a complexidade dos fatos investigados, existem mais de mil horas
de gravações.” (HC 278794/SP). Entretanto, embora a degravação não precise ser integral, o
teor das gravações deve ser disponibilizado às partes.

3.8 Do prazo de duração.

• Quanto ao prazo de duração do procedimento, a Lei 9.296/96 assim dispõe: “Art. 5° A


decisão será fundamentada, sob pena de nulidade, indicando também a forma de execução da
diligência, que não poderá exceder o prazo de quinze dias, renovável por igual tempo uma vez
comprovada a indispensabilidade do meio de prova.”. Portanto, como está claro no dispositivo,
a interceptação pode ser autorizada por até 15 (quinze) dias, sendo possível a renovação por
igual tempo. No entanto, pergunto: quantas vezes poderá ser concedida a renovação? Uma vez?
Duas? A leitura descuidada do dispositivo pode fazer com que o leitor acredite ser possível uma
única vez. Contudo, a expressão “uma vez” deve ser compreendida como sinônima de
“enquanto”: a medida é renovável por igual tempo, enquanto comprovada a sua
indispensabilidade. Em resumo, a renovação da interceptação pode ser concedida
indefinidamente, desde que uma nova autorização seja dada a cada 15 (quinze) dias.

• Embora seja interessante, a Lei 9.296/96 não exige a gravação das conversas telefônicas
interceptadas. Em seu art. 6º, assim dispõe: “§ 1° No caso de a diligência possibilitar a gravação
da comunicação interceptada, será determinada a sua transcrição.”. Você deve estar se
perguntando: caso não grave, de que servirá a interceptação? Nesta hipótese, não vejo outra
solução senão a oitiva, como testemunha, de quem ouviu a comunicação. Evidentemente, o
valor probante será menor.

3.9 Do procedimento da interceptação.

• O procedimento de interceptação não precisa ser necessariamente realizado pela


autoridade policial. Imagine o seguinte exemplo: em determinada cidade, há a suspeita de
existência de uma organização criminosa composta por policiais. O MP, ao saber disso, passa a
realizar investigações, sendo necessária a interceptação telefônica contra os envolvidos. Nesta
hipótese, não haveria como a realização da interceptação pela polícia, sob pena de frustração
da investigação. Por isso, é possível que o procedimento seja realizado pelo próprio MP, desde
que, é claro, mediante autorização judicial. Nesse sentido: “Tratando-se de escutas telefônicas,
não se pode concluir do art. 6º da Lei n. 9.296/1996 que apenas a autoridade policial é
autorizada a proceder às interceptações. No entanto, esses atos de investigação não
comprometem ou reduzem as atribuições de índole funcional das autoridades policiais, a quem
sempre caberá a presidência do inquérito policial. Ademais, a eventual escuta e posterior
transcrição das interceptações pelos servidores do MP não anulam as provas, pois se trata de
28

mera divisão de tarefas dentro do próprio órgão, o que não retira dos promotores de justiça a
responsabilidade pela condução das diligências, conforme o art. 4º, V, da Res. n. 76/2009 do
CNMP.” (HC 244.554/SP). Para os procedimentos de interceptação de que trata a Lei 9.296/96,
a autoridade policial pode requisitar (exigir) serviços e técnicos especializados às
concessionárias de serviço público.

• Encerrado o procedimento de interceptação, a autoridade policial encaminhará o


resultado da interceptação ao juiz, acompanhado de auto circunstanciado, que deverá conter o
resumo das operações realizadas. As gravações que não interessarem à investigação ou à
instrução processual podem ser inutilizadas, mediante incidente próprio (art. 9º).

3.10 Do crime de interceptação de comunicações telefônicas ou de violação de segredo de


justiça sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei.

• Por derradeiro, a Lei 9.296/96 tipifica, em seu art. 10, a conduta de “realizar
interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo
da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei.”. Perceba, o crime
abrange todas as possíveis violações ao que dispõe a Lei de Interceptação Telefônica. Como já
falado em mais de um momento, a interceptação é medida grave. Portanto, é justa a punição
daquele que flexibiliza o direito à intimidade e ao sigilo das comunicações ilegalmente. Trata-se
de tipo penal misto alternativo. Portanto, se o agente praticar mais de uma conduta em um
mesmo contexto fático, um único crime será praticado. A pena cominada é de reclusão, de dois
a quatro anos, e multa

4. Prisão Temporária – Lei n. 7.960/89

4.1 Introdução

• Em regra, antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, ninguém pode


ser levado à prisão. Isso se dá em virtude do princípio da presunção de inocência ou de não
culpabilidade. No entanto, em situações excepcionais, é possível que um indivíduo inocente
tenha a sua liberdade restringida, quando interesse maiores, supra individuais, estão em jogo, e
a sua prisão se torna essencial. Para tais hipóteses, três prisões, de natureza cautelar, são
cabíveis: a) a prisão em flagrante: prevista no art. 301 e seguintes, tem como objetivos, entre
outros, evitar a consumação do crime ou o seu exaurimento, a fuga do suspeito e proteger a
integridade física de todos os envolvidos; b) a prisão preventiva: podendo ser decretada tanto
na fase de investigação criminal como durante a ação penal, tem como objetivo a garantia da
ordem pública e/ou da ordem econômica, também podendo ser decretada por necessidade da
instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal; c) prisão temporária: tem como
objetivo assegurar o êxito da investigação policial, na hipótese em que a liberdade do
investigado possa colocá-la em risco. Também é admissível quando o indiciado não tiver
residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade.
Como é modalidade de prisão voltada à investigação policial, não é possível a sua decretação
durante a ação penal.

4.2. Cabimento

• A prisão temporária é cabível em duas hipóteses: a) quando imprescindível para as


investigações do inquérito policial; b) quando o indicado não tiver residência fixa ou não
fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade. Estas duas situações são
taxativas, não podendo a prisão temporária ser decretada por outro motivo. Ademais, o
29

legislador preferiu limitar a temporária somente a alguns crimes. São eles: “a) homicídio doloso
(art. 121, caput, e seu § 2°); b) sequestro ou cárcere privado (art. 148, caput, e seus §§ 1° e 2°);
c) roubo (art. 157, caput, e seus §§ 1°, 2° e 3°); d) extorsão (art. 158, caput, e seus §§ 1° e 2°); e)
extorsão mediante sequestro (art. 159, caput, e seus §§ 1°, 2° e 3°); f) estupro (art. 213, caput,
e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único); g) atentado violento ao pudor (art.
214, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único); h) rapto violento (art.
219, e sua combinação com o art. 223 caput, e parágrafo único); i) epidemia com resultado de
morte (art. 267, § 1°); j) envenenamento de água potável ou substância alimentícia ou medicinal
qualificado pela morte (art. 270, caput, combinado com art. 285); l) quadrilha ou bando (art.
288), todos do Código Penal; m) genocídio (arts. 1°, 2° e 3° da Lei n° 2.889, de 1° de outubro de
1956), em qualquer de suas formas típicas; n) tráfico de drogas (art. 12 da Lei n° 6.368, de 21 de
outubro de 1976); o) crimes contra o sistema financeiro (Lei n° 7.492, de 16 de junho de 1986).”.
Como se trata de rol taxativo, caso um delito não se encontre no rol, a temporária não poderá
ser decretada.

• O leitor deve ter percebido, caso não tenha pulado a leitura do rol de delitos, que alguns
desses crimes foram modificados nos últimos anos. Quanto ao homicídio, apesar da recente
alteração promovida pela Lei n. 13.104/15, que criou a figura do feminicídio, nenhuma
relevância há para a prisão temporária, pois o art. 1º, III, “a”, da Lei 7.960/89, faz menção ao
parágrafo segundo do art. 121 do CP, estando incluídas, portanto, todas as qualificadoras,
inclusive as dos incisos VI e VII. Em relação à extorsão, o legislador não incluiu o “sequestro
relâmpago” ao rol, ainda que com resultado morte, previsto no art. 158, § 3º. Como ficou de
fora, não se pode falar em prisão temporária quando a prática deste crime. Ademais, a Lei
12.015/09 promoveu diversas modificações nos crimes de natureza sexual. O atentado violento
ao pudor (art. 214 do CP, revogado) passou a integrar o estupro, no art. 213, e a combinação
deste artigo com o antigo art. 223 deu espaço ao estupro de vulnerável, do art. 217-A. Destarte,
é cabível a prisão temporária tanto para o estupro de vulnerável quanto para o estupro. O rol
também faz menção ao rapto violento, antigamente previsto no art. 219 do CP, revogado pela
Lei n. 11.106/05. Atualmente, a conduta está prevista no art. 148, § 1º, V. Como não houve a
abolição do delito (“abolitio criminis”), mas a transferência para outro dispositivo, é possível a
decretação de temporária na hipótese de prática do crime do último dispositivo mencionado. O
dispositivo fala também em quadrilha ou bando. Entretanto, em 2013, a Lei 12.850 modificou o
art. 288 do CP, que passou a ser intitulado associação criminosa. Como não foi hipótese de
“abolitio criminis”, também é viável a decretação de prisão temporária se praticado o crime do
atual art. 288. Por fim, a Lei 7.960/89 faz expressa menção ao tráfico, mas com remissão à Lei
6.368/76, revogada pela Lei 11.343/06. Novamente, a mesma justificativa: não houve a extinção
do tráfico de drogas, mas a transferência para outro dispositivo, em lei nova, sendo possível a
decretação de temporária caso o agente tenha praticado o tráfico de drogas da atual legislação
que trata sobre o tema.

• Como se trata de medida extremamente gravosa, a prisão temporária exige fundadas


razões de autoria ou de participação do suspeito no crime objeto de investigação (“fumus
commissi delicti”). Caso o juiz a decrete sem elementos informativos suficientes de que a pessoa
a ser presa praticou ou participou do delito, a medida será ilegal, devendo ser relaxada.

• A prisão temporária deve ser decretada por representação da autoridade policial ou a


requerimento do MP, e jamais de ofício. Quando houver representação da autoridade policial,
o MP deve ser obrigatoriamente ouvido, sob pena de ilegalidade da prisão decretada. Quanto
ao querelante, como não há previsão legal, não é possível a decretação de prisão temporária
30

por ele requerida. Portanto, é vedada a medida em crimes de ação penal privada. Da decisão
que rejeita a decretação de temporária requerida pelo MP, cabe Recurso em Sentido Estrito
(CPP, art. 581, V) - o dispositivo fala em prisão preventiva, mas prevalece o entendimento de
que a prisão temporária também pode ser discutida em ReSE. Ademais, a decisão que decretar
a prisão temporária deverá ser fundamentado, como todas as decisões judiciais, e prolatada
dentro do prazo de 24 (vinte e quatro) horas, contadas a partir do recebimento da representação
ou do requerimento.

• A prisão temporária, nos crimes comuns, pode ser decretada pelo prazo de 5 (cinco)
dias, prorrogável, uma única vez, por igual período. Se hediondo ou equiparado o delito, o prazo
é de 30 (trinta) dias, também prorrogável por igual período, em caso de extrema e comprovada
necessidade. A prorrogação do prazo não pode ser automática, devendo sua imprescindibilidade
ser comprovada para a nova decretação. Além disso, é importante ressaltar que o prazo só
começa a correr da efetiva prisão, e não do dia em que é decretada a medida. Por fim, uma
observação: o juiz pode decretar a prisão temporária por prazo menor (três dias, por exemplo),
e, apesar de o dispositivo falar em “igual período” (art. 2º), nada impede que o juiz decrete dois
prazos diferenciados. Exemplo: inicialmente, a prisão temporária é decretada por 3 (três dias),
e, na renovação do prazo, o juiz a decreta por mais 5 (cinco) dias. Encerrado o prazo, o preso
deve ser imediatamente solto, independentemente de alvará de soltura.

5. Organizações Criminosas – Lei n. 12.850/2013

5.1 Conceito

• Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas


estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente,
com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a
prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que
sejam de caráter transnacional.

5.2 Crime de Organização Criminosa

• Previsto no art. 2º da Lei 12.850/13, que possui a seguinte redação: "Promover,


constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização
criminosa". A pena é de reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penas
correspondentes às demais infrações penais praticadas. Como se vê no dispositivo, o crime pode
ser praticado de 04 (quatro) formas: a) promover: fomentar, gerar; b) constituir: organizar,
compor; c) financiar: custear, dar suporte material; d) integrar: completar, juntar-se. Como se
trata de tipo penal misto alternativo, caso, em um mesmo contexto fático, o agente pratique
mais de um dos verbos, apenar um crime será cometido. Como se trata de crime permanente,
enquanto perdurar a associação, é possível a prisão em flagrante dos envolvidos (CPP, art. 303).
A consumação do delito independe da prática de crimes pela organização (crime formal). No
entanto, caso algum delito venha a ser praticado, os envolvidos devem responder pelo crime do
art. 2º em concurso com o outro delito (ex.: homicídio). A pena deve ser aumentada até a
metade se na atuação da organização criminosa houver emprego de arma de fogo.

• A lei também criminaliza a conduta de quem, de qualquer forma, embaraça a


investigação de infração penal que envolva organização criminosa (art. 2º, § 1º). A pena é a
mesma do delito visto anteriormente, de 3 (três) a 8 (oito) anos de reclusão, e multa. Impedir é
o mesmo que obstar, e a consumação do delito se dá com a efetiva cessação da investigação –
crime material. Por outro lado, embaraçar consiste em atrapalhar, perturbar, impor obstáculos,
31

e se consuma com a prática de qualquer ato voltado a tal fim, não sendo necessária a
interrupção da investigação – crime formal.

• Ademais, aos dois delitos anteriormente discutidos, são aplicáveis agravantes e causas
de aumento especiais previstas na Lei 12.850/13. No § 3º, há a seguinte previsão: “A pena é
agravada para quem exerce o comando, individual ou coletivo, da organização criminosa, ainda
que não pratique pessoalmente atos de execução.”. Como se trata de agravante, deve incidir na
segunda fase da dosimetria da pena, cabendo ao juiz definir o “quantum” de aumento, devendo,
no entanto, manter a pena entre o mínimo (três) e o máximo (8). No § 4º, há algumas causas de
aumento, que fazem com que a pena seja aumentada de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços).
Como se trata de majorante, aplicável na terceira fase da dosimetria, ao aplicá-las, o juiz pode
elevar a pena acima do máximo, que é de 8 (oito) anos. São elas: a) a participação de criança ou
adolescente na organização; b) o concurso de funcionário público, valendo-se a organização
criminosa dessa condição para a prática de infração penal; c) quando o produto ou proveito da
infração penal destinar-se, no todo ou em parte, ao exterior; d) quando a organização criminosa
mantém conexão com outras organizações criminosas independentes; e) quando as
circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade da organização.

• Em relação ao funcionário público envolvido integrante de organização criminosa, é


possível o seu afastamento cautelar do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da
remuneração, quando a medida se fizer necessária à investigação ou instrução processual. Caso
seja condenado, o envolvimento no delito ocasiona a perda do cargo, função, emprego ou
mandato eletivo e a interdição para o exercício de função ou cargo público pelo prazo de 8 (oito)
anos subsequentes ao cumprimento da pena.

5.3 Da investigação e dos meios de obtenção de prova.

• A Lei 12.850/13 prevê expressamente (art. 3º, I) a colaboração premiada como meio de
obtenção de prova. O procedimento consiste na oportunidade dada ao participante ou coautor
do fato delituoso de receber determinado benefício mediante a prestação de informações às
autoridades. Como possíveis benefícios àquele que colaborar com as investigações a lei prevê a
extinção da punibilidade (perdão judicial); a diminuição da pena de até 2/3 (dois terços) ou a
substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direito. No entanto, não basta
a voluntariedade em participar para que o delator goze dos benefícios, sendo necessário que se
alcance um dos seguintes resultados: a) a identificação dos demais coautores e partícipes da
organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas; b) a revelação da estrutura
hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa; c) a prevenção de infrações penais
decorrentes das atividades da organização criminosa; d) a recuperação total ou parcial do
produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa; e) a
localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.

• Outro meio de investigação é a ação controlada, que consiste em retardar a intervenção


policial ou administrativa relativa à ação praticada por organização criminosa ou a ela vinculada,
desde que mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize
no momento mais eficaz à formação de provas e obtenção de informações. Entenda: de acordo
com o art. 301 do CPP, as autoridades policiais e seus agentes estão obrigados a prender na
hipótese de flagrante delito. No entanto, iniciada a investigação de uma organização criminosa,
é interessante que eventuais prisões sejam reservadas para o momento oportuno, quando mais
envolvidos no crime forem identificados. Por isso, a Lei 12.850/13 permite de forma expressa o
retardamento de atos obrigatórios, para que seja preservada a investigação. O retardamento da
32

intervenção policial ou administrativa deve ser previamente comunicado ao juiz competente,


mas não depende de sua autorização. Se for o caso, contudo, ele poderá estabelecer os limites
do procedimento.

• Por fim, também é digna de menção a figura do agente infiltrado (art. 10). Nesta
hipótese, um integrante da polícia ingressa na organização e age como um dos criminosos,
ocultando sua identidade. Em regra, não é possível que um particular atue em tal condição. Por
expressa previsão legal, a infiltração deve ser “precedida de circunstanciada, motivada e sigilosa
autorização judicial, que estabelecerá seus limites”. A infiltração pode ser requerida pelo MP ou
solicitada pelo delegado de polícia - neste segundo caso, o MP deve ser ouvido. O procedimento
pode ser autorizado por até 6 (seis) meses, podendo ser prorrogado por mais tempo, desde que
comprovada a necessidade. Ademais, o agente deve concordar em participar da missão, não
podendo ser penalizado caso se recuse. Por fim, a dúvida mais comum sobre o assunto: o agente
deve ser responsabilizado por crimes praticados enquanto infiltrado na organização? A Lei
12.850/13 esclarece (art. 13, parágrafo único): “Não é punível, no âmbito da infiltração, a prática
de crime pelo agente infiltrado no curso da investigação, quando inexigível conduta diversa.”.

6. Lei de Drogas – Lei 11.343/06

6.1 Conceito de drogas.

• Para a incidência da lei em estudo, o que pode ser considerado droga? Cigarro? Cerveja?
Sertanejo universitário? Para que alguém seja punido com penas tão graves - no tráfico, a pena
é de 05 (cinco) a 15 (quinze) anos de reclusão -, é essencial que exista um rol bem delimitado
das substâncias consideradas como drogas. Por isso, em seu art. 66, a Lei de Drogas assim
dispõe: “Para fins do disposto no parágrafo único do art. 1º desta Lei, até que seja atualizada a
terminologia da lista mencionada no preceito, denominam-se drogas substâncias
entorpecentes, psicotrópicas, precursoras e outras sob controle especial, da Portaria SVS/MS no
344, de 12 de maio de 1998.”. Portanto, para que alguém responsabilizado por tráfico, a análise
do art. 33 deve ser feita em conjunto com a Portaria n. 344 SVS/MS.

• Dentre as substâncias da portaria, está o THC, ou Tetracanabinol, presente na maconha.


Caso uma substância seja retirada do rol, não haverá mais o que se falar em tráfico em relação
a ela. Foi o que aconteceu há alguns anos, quando o cloreto de etila, substância presente no
“lança-perfume”, foi excluído da lista. Imediatamente, quem estava preso por tráfico de “lança”,
pediu o reconhecimento da extinção da punibilidade por “abolitio criminis”, pois a conduta não
seria mais crime. Após muita discussão, o STJ e o STF entenderam não ter havido a exclusão do
cloreto do rol por vício no instrumento normativo utilizado. Veja: “Este Superior Tribunal de
Justiça já ‘firmou entendimento de que a Resolução n.º 104, de 6/12/2000, do Diretor-
Presidente da ANVISA, que teria excluído o cloreto de etila da lista de substâncias psicotrópicas
proibidas, não tendo sido referendada pela diretoria colegiada, constitui-se ato regulamentar
inválido, não ocorrendo, assim, abolitio criminis’ (HC 56.187/SP, Rel. Ministro PAULO GALLOTTI,
Sexta Turma, julgado em 24/10/2006, DJe 02/02/2009).” (HC 191023 / RS).

6.2 Dos crimes.

• O art. 28 da Lei 11.343/06 possui a seguinte redação: “Art. 28. Quem adquirir, guardar,
tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem
autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às
seguintes penas: I - advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação de serviços à
comunidade; III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.”.
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Popularmente intitulado “crime de uso de drogas”, quando, na verdade, o dispositivo nem traz
o verbo “usar”, trata-se de hipótese em que o agente porta drogas para consumo pessoal. O uso
de droga não é crime, seja por não ter previsão legal (atipicidade formal) ou em razão do
princípio da alteridade (atipicidade material). No entanto, na prática, é praticamente impossível
que o usuário não pratique uma das condutas do art. 28 para manter o seu vício.

• O crime do art. 28 pode ser praticado das seguintes formas: a) adquirir: é a obtenção da
droga, de forma gratuita ou onerosa; b) guardar: consiste em ter a droga sob o seu poder. Por
ser crime permanente, o agente pode ser preso em flagrante enquanto estiver guardando a
droga, mesmo que isso se prolongue por dias, semanas ou meses; c) ter em depósito: é a
manutenção da substância em estoque. Também é crime permanente; d) transportar: levar de
um lugar a outro. O agente pode ser preso a qualquer momento durante a transferência de um
lugar a outro; e) trazer consigo: ter a droga junto ao corpo ou em seu interior. Também é crime
permanente. Como se trata de tipo penal misto alternativo, a prática de mais de um verbo em
um mesmo contexto fático faz com que o agente pratique um único delito, e não vários.

• Se a quantidade de droga apreendida for ínfima, é possível o reconhecimento do


princípio da insignificância? Para o STJ, não: “1. Segundo entendimento desta Corte e do STF,
não incide o princípio da insignificância ao delito de posse de entorpecente para uso próprio,
pois é de perigo abstrato, contra a saúde pública, sendo, pois, irrelevante, para esse fim, a
pequena quantidade de substância apreendida.” (RHC 35072/DF). Embora respeite
entendimentos contrários, tenho de concordar com a posição dos Tribunais. Explico: como se
trata de porte de droga para consumo pessoal, em regra, a quantidade apreendida será
pequena. Portanto, se a baixa quantidade ocasionar o reconhecimento da atipicidade material
pela insignificância, a aplicabilidade do dispositivo será esvaziada. Além disso, a incidência do
princípio da insignificância é norteada por outros requisitos, ausentes na hipótese do art. 28: a)
a mínima ofensividade da conduta do agente; b) a nenhuma periculosidade social da ação; c) o
reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; d) a inexpressividade da lesão
jurídica provocada. No entanto, se o leitor pesquisar, encontrará julgados que entendem pela
incidência quando ínfima a quantidade de droga apreendida, mas não é o que prevalece.

• O porte de drogas para consumo pessoal traz em seu preceito secundário as seguintes
penas: a) advertência sobre os efeitos das drogas; b) prestação de serviços à comunidade; c)
medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. Como não há previsão
de pena de reclusão ou de detenção, muitos sustentam que o disposto no art. 28 não seria crime.
No entanto, não é o que prevalece. Para a maioria da doutrina e da jurisprudência, trata-se, sim,
de crime, mas despenalizado. Portanto, embora não seja possível a pena de prisão, é viável a
prisão em flagrante de quem é surpreendido portando droga para uso pessoal. Além disso, todos
os demais efeitos da prática de um delito devem ser suportados, como a reincidência.

• No parágrafo primeiro, o art. 28 traz a figura equiparada ao delito do “caput”: “Às


mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas
destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar
dependência física ou psíquica.”. Por isso, quem, por exemplo, tem um “pé de maconha” em
casa para consumo pessoal, não deve ser responsabilizado por tráfico, mas pelo crime do art.
28, § 1º.

• As punições previstas no art. 28, I e II (prestação de serviço e comparecimento a


programa ou curso), podem ser aplicadas pelo prazo máximo de 05 (cinco) meses. Na hipótese
de reincidência específica, o prazo máximo é de 10 (dez) meses. E se o condenado se recusar às
34

penas impostas, é possível a sua prisão? Ou seja, é viável a conversão em pena privativa de
liberdade? A resposta é não. Diante de recusa, o juiz tem duas alternativas para compelir o
condenado a cumprir as imposições da sentença: a admoestação verbal, que nada mais é do que
uma censura verbal, e multa. O prazo prescricional para a execução e a imposição das medidas
punitivas é de 2 (dois) anos.

• Apesar de a lei não utilizar a expressão, o art. 33 tipifica o crime de tráfico de drogas,
equiparado a hediondo pela Constituição. O art. 34, visto em linhas a seguir, também é
considerado tráfico de drogas. Há 18 (dezoito) formas de se praticar o crime do art. 33 da Lei
11.343/06: a) importar; b) exportar; c) remeter; d) preparar; e) produzir; f) fabricar; g) adquirir;
h) vender; i) expor à venda; j) oferecer; l) ter em depósito; m) transportar; n) trazer consigo; o)
guardar; p) prescrever; q) ministrar; r) entregar a consumo; s) fornecer drogas, ainda que
gratuitamente. Seja qual for a forma como se deu o delito, o STJ decidiu, em diversos julgados,
não ser possível a incidência do princípio da insignificância.

• Embora tenha transcrito o “ainda que gratuitamente” somente ao final, todos os outros
verbos podem ser cometidos gratuitamente, sem interesse em lucro, exceto, é claro, o “vender”
e o “expor à venda”, onde há evidente interesse mercenário. Todos os 18 (dezoito) verbos
configuram crime comum, que pode ser praticado por qualquer pessoa, exceto o “prescrever”,
conduta que só pode ser praticada por profissional habilitado a prescrever drogas (médico,
dentista etc.). Portanto, próprio. Ademais, caracterizam crime permanente as seguintes
hipóteses: expor à venda, ter em depósito, transportar, trazer consigo e guardar. Por isso, caso
o agente tenha em depósito, por anos, determinada quantidade de droga, a sua prisão poderá
ocorrer a qualquer momento, nos termos do art. 303 do CPP.

• Questão polêmica diz respeito ao flagrante preparado no tráfico de drogas. Ocorre o


flagrante preparado quando alguém induz ou instiga o indivíduo à prática de um crime, com o
intuito de efetuar a prisão em flagrante, mas toma todas as cautelas para que o crime não se
consume. Exemplo: para desmascarar um traficante, um policial disfarçado a ele se dirige e
oferece dinheiro para a compra de droga, e, no momento em que a negociação é concretizada,
a prisão em flagrante é efetuada. Nesta hipótese, o flagrante foi legal? Em relação ao verbo
“vender”, não, pois se trata de flagrante preparado, vedado em nosso ordenamento. Nesse
sentido, a Súmula 175 do STF: “Não há crime quando a preparação do flagrante pela polícia
torna impossível a sua consumação.”. No entanto, nada impede que a prisão em flagrante seja
efetuada pela prática de outro verbo do art. 33, a exemplo do “trazer consigo” – o traficante, no
exemplo, não foi instigado a trazer consigo a droga, conduta realizada por conta própria e
passível de flagrante, mas somente a vender.

• Não é típico o tráfico de drogas culposo, sendo punível somente a modalidade dolosa
do delito. Entretanto, pode ocorrer de o agente praticar um dos verbos do art. 33 por não saber
que a substância é droga – por exemplo, o caminhoneiro que transporta 100kg de cocaína
imaginando se tratar de farinha de trigo. Nesta hipótese, estamos diante de erro de tipo (CP,
art. 20), que, quando evitável, afasta o dolo e faz com que o agente responda a título de culpa,
mas, se inevitável, afasta o dolo e a culpa. Como já dito, não é típico o tráfico de drogas culposo,
e, por isso, ocorrendo o erro de tipo, o agente deve ser absolvido.

• O art. 33, §1º, também considera traficante de drogas quem: a) importa, exporta,
remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito,
transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo
com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado
35

à preparação de drogas; b) semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo


com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para
a preparação de drogas; c) utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade,
posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que
gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar,
para o tráfico ilícito de drogas. São os crimes equiparados ao tráfico, puníveis com as mesmas
sanções do “caput”: reclusão, de 05 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos)
a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

• Ademais, o art. 33, no parágrafo 2º, pune a intitulada participação no uso indevido de
drogas, que consiste em induzir (criar a ideia), instigar (estimular a ideia já existente) ou auxiliar
(dar suporte material) alguém ao uso indevido de droga. Em relação ao auxílio, atenção: se o
auxílio consistir em fornecer a droga, o crime será o do art. 33, “caput”, com penas mais altas.
Para que seja reconhecida a figura do parágrafo segundo, o auxílio deve ser o de fornecer meios
para que o usuário tenha acesso à droga. Por exemplo, emprestar dinheiro para que ele a
adquira. A indução, instigação ou auxílio devem ser voltados a alguém específico, determinado.
Ademais, o crime só se consuma com o efetivo uso da droga, e não com a mera prática dos
verbos nucleares.

• Por fim, o art. 33, § 3º, tipifica a conduta de oferecer droga, eventualmente e sem
objetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento, para juntos a consumirem. Assim como o
parágrafo segundo, também não configura delito equiparado a hediondo. Portanto, não incide
a Lei 8.072/90, que carrega uma série de malefícios: prazos de progressão de regime e de prisão
temporária superiores aos dos demais crimes, inafiançabilidade etc. O crime se consuma no
momento do oferecimento, pouco importando a aceitação ou não da droga. Caso seja aceita a
quem foi oferecida a droga, o seu crime (de quem aceita) será o do art. 28 da Lei 11.343/06.

• O art. 33 traz, em seu parágrafo quarto, a seguinte redação: “§ 4º Nos delitos definidos
no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços,
vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons
antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.”.
Embora, equivocadamente, a doutrina e a jurisprudência falem em tráfico privilegiado, trata-se,
em verdade, de causa de diminuição de pena, a ser sopesada na terceira fase de aplicação da
pena (sistema trifásico), e pode fazer com que a pena fique abaixo do mínimo legal. Portanto,
ao incidir a minorante, é possível que a pena do tráfico fique abaixo do limite mínimo, de 05
(cinco) anos. Ademais, atenção: atualmente, é possível a conversão da pena privativa de
liberdade em restritiva de direitos, pois o STF declarou inconstitucional o previsto no § 4º acerca
do tema. Além disso, o trecho está suspenso por força da Resolução n. 5, de 2012, do Senado.

• A grande polêmica a respeito do intitulado “tráfico privilegiado” diz respeito à


equiparação a hediondo do tráfico quando reconhecida a causa de diminuição de pena. Talvez
a discussão se dê em razão do homicídio qualificado-privilegiado, que não é considerado
hediondo (veja a explicação do tópico de n. 1 deste material, quando tratamos do tema). O STF,
no entanto, entende que a equiparação a hediondo é mantida, ainda que reconhecida a
minorante: “O tema atinente à ausência de hediondez do chamado tráfico privilegiado,
caracterizada pela aplicação da minorante do § 4º do artigo 33 da Lei n. 11.343/2006, foi afetado
ao Pleno (HC n. 110.884/MS), por isso que, pendente o exame da Questão no referido writ, cabe
adotar o entendimento que vem prevalecendo, no sentido de que ‘a minorante do art. 33, § 4º,
da Lei nº 11.343/2006, não retirou o caráter hediondo do crime de tráfico de entorpecentes,
limitando-se, por critérios de razoabilidade e proporcionalidade, a abrandar a pena do pequeno
36

e eventual traficante, em contrapartida com o grande e contumaz traficante, ao qual a Lei de


Drogas conferiu punição mais rigorosa que a prevista na lei anterior’ (HC 114.452-AgR/RS, Rel.
Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe de 08/11/2012).” (HC 121255/SP).

• Outra questão que gera muito debate é a possibilidade da incidência da minorante ao


tráfico de drogas praticado enquanto estava em vigor a Lei 6.368/76, antiga lei de drogas.
Explico: na antiga lei, o tráfico de drogas era punido com pena de reclusão, de 3 (três) a 15
(quinze) anos. No entanto, não havia causa de diminuição de pena equivalente à do § 4º do art.
33. Na atual redação do art. 33, a pena é de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos. Portanto, a Lei
11.343/06 é hipótese de "novatio legis in pejus", devendo prevalecer a lei anterior aos crimes
praticados durante a sua vigência, por força do princípio da ultratividade da lei mais benéfica.
Contudo, alguns doutrinadores passaram a sustentar que seria possível a incidência do § 4º, do
art. 33, da atual redação, ao tráfico de drogas da Lei 6.368/76. Ou seja, a união das duas leis para
beneficiar o réu. Com isso, a traficante poderia ser responsabilizado pela pena de 3 (três) anos
e ainda gozar da redução de pena de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços) da nova lei. O STJ, ao ser
questionado sobre o tema, entendeu pela impossibilidade da combinação, e, para sedimentar
seu entendimento, editou o verbete n. 501 de sua Súmula: “É cabível a aplicação retroativa da
Lei 11.343, desde que o resultado da incidência das suas disposições, na íntegra, seja mais
favorável ao réu do que o advindo da aplicação da Lei n. 6.368, sendo vedada a combinação de
leis.”. Destarte, o juiz, em um caso concreto, deverá aplicar a lei mais benéfica: a 6.368/73, sem
a causa de diminuição, ou a Lei 11.343/06, com a causa de diminuição, mas com pena mínima
mais alta, mas não combiná-las.

• No art. 34, a Lei de Drogas prevê o crime de “fabricar, adquirir, utilizar, transportar,
oferecer, vender, distribuir, entregar a qualquer título, possuir, guardar ou fornecer, ainda que
gratuitamente, maquinário, aparelho, instrumento ou qualquer objeto destinado à fabricação,
preparação, produção ou transformação de drogas, sem autorização ou em desacordo com
determinação legal ou regulamentar”. Embora, em regra, não sejam puníveis atos
preparatórios, o legislador decidiu punir aquele que mantém maquinário, aparelho, instrumento
ou qualquer outro objeto voltado à produção de drogas para o posterior tráfico, ainda que a
substância não seja encontrada. E se, em um mesmo contexto fático, o agente for surpreendido
traficando e também em posse de maquinário voltado à fabricação de drogas? Para o STJ, nesta
hipótese, o delito do art. 34 deve ser absorvido pelo art. 33, devendo o agente ser
responsabilizado somente pelo tráfico de drogas. Veja: “Responderá apenas pelo crime de
tráfico de drogas – e não pelo mencionado crime em concurso com o de posse de objetos e
maquinário para a fabricação de drogas, previsto no art. 34 da Lei 11.343/2006 – o agente que,
além de preparar para venda certa quantidade de drogas ilícitas em sua residência, mantiver,
no mesmo local, uma balança de precisão e um alicate de unha utilizados na preparação das
substâncias. De fato, o tráfico de maquinário visa proteger a saúde pública, ameaçada com a
possibilidade de a droga ser produzida, ou seja, tipifica-se conduta que pode ser considerada
como mero ato preparatório. Portanto, a prática do crime previsto no art. 33, caput, da Lei de
Drogas absorve o delito capitulado no art. 34 da mesma lei, desde que não fique caracterizada
a existência de contextos autônomos e coexistentes aptos a vulnerar o bem jurídico tutelado de
forma distinta. Na situação em análise, não há autonomia necessária a embasar a condenação
em ambos os tipos penais simultaneamente, sob pena de ‘bis in idem’.” (REsp 1.196.334/PR).
No entanto, o STJ, no mesmo informativo (n. 531/13), assim decidiu: “Responderá pelo crime
de tráfico de drogas – art. 33 da Lei 11.343/2006 – em concurso com o crime de posse de objetos
e maquinário para a fabricação de drogas – art. 34 da Lei 11.343/2006 – o agente que, além de
ter em depósito certa quantidade de drogas ilícitas em sua residência para fins de mercancia,
37

possuir, no mesmo local e em grande escala, objetos, maquinário e utensílios que constituam
laboratório utilizado para a produção, preparo, fabricação e transformação de drogas ilícitas em
grandes quantidades. Nessa situação, as circunstâncias fáticas demonstram verdadeira
autonomia das condutas e inviabilizam a incidência do princípio da consunção. Sabe-se que o
referido princípio tem aplicabilidade quando um dos crimes for o meio normal para a
preparação, execução ou mero exaurimento do delito visado pelo agente, situação que fará com
que este absorva aquele outro delito, desde que não ofendam bens jurídicos distintos. Dessa
forma, a depender do contexto em que os crimes foram praticados, será possível o
reconhecimento da absorção do delito previsto no art. 34 – que tipifica conduta que pode ser
considerada como mero ato preparatório – pelo crime previsto no art. 33. Contudo, para tanto,
é necessário que não fique caracterizada a existência de contextos autônomos e coexistentes
aptos a vulnerar o bem jurídico tutelado de forma distinta.” (AREsp 303.213/SP).

• No art. 35 está a figura da associação criminosa para fins de tráfico: “Associarem-se duas
ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos
nos artigos 33, caput e § 1º, e 34 desta Lei”. Como a redação é de 2006, muitos questionam se
o art. 35 não teria sido revogado pelo atual art. 288 do CPP, objeto da Lei 12.850/13, onde está
prevista a associação criminosa, em substituição à antiga quadrilha ou bando. No entanto, como
o CP é norma geral, o art. 35, especial, permanece em vigor. Na associação para fins de tráfico,
bastam 2 (duas) pessoas, enquanto na associação criminosa do art. 288 são exigidas, no mínimo,
3 (três). Para que seja reconhecida a associação, não é necessária a identificação de todos os
envolvidos – basta que seja provada a sua existência, ainda que somente um agente seja
identificado pelo envolvimento. Além disso, como se trata de crime formal, o delito se consuma
com a mera associação, não sendo exigida a efetiva prática do tráfico, que, se vier a ocorrer, fará
com que os envolvidos respondam pela associação (art. 35) em concurso material com o outro
delito praticado (art. 33, “caput” ou 1º, ou art. 34).

• O tema foi objeto de informativo recente do STJ (n. 568, de setembro de 2015): “O
condenado por associação para o tráfico (art. 35 da Lei 11.343/2006), caso não seja reincidente
específico, deve cumprir 2/3 da pena para fazer jus ao livramento condicional. Isso porque a
própria Lei 11.343/2006, no parágrafo único do art. 44, prevê requisito objetivo específico para
a concessão do livramento condicional ao delito de associação para o tráfico: "Os crimes
previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 a 37 desta Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis,
graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas
de direitos. Parágrafo único. Nos crimes previstos no caput deste artigo, dar-se-á o livramento
condicional após o cumprimento de dois terços da pena, vedada sua concessão ao reincidente
específico". Assim, em observância ao Princípio da Especialidade, aplica-se o disposto no art. 44,
parágrafo único, da Lei 11.343/2006 em detrimento dos incisos I e II do art. 83 do CP. Ressalte-
se que o lapso temporal de cumprimento de pena para obtenção do livramento condicional
quanto ao delito do art. 35 da Lei 11.343/2006 independe da análise do caráter hediondo do
crime. Precedentes citados: AgRg no REsp 1.484.138-MS, Sexta Turma, DJe de 15/6/2015; e HC
292.882-RJ, Sexta Turma, DJe de 18/8/2014.” (HC 311.656-RJ, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em
25/8/2015, DJe 2/9/2015).

• A Lei 11.343/06 também pune quem financia o tráfico de drogas, tanto nas hipóteses
do art. 33, “caput” e § 1º, quanto na do art. 34. Financiar é o mesmo que bancar, sustentar
despesas da traficância. Custear apresenta conceito próximo, e transmite a mesma ideia de
suporte material à prática do tráfico. Apesar de polêmico o tema, prevalece o entendimento de
que se trata de crime instantâneo, e não habitual, pois o art. 36 não exige a reiteração da prática,
38

bastando que seja praticada uma única vez. Ademais, como se trata de crime formal, a
consumação se dá no momento do financiamento ou custeio para fins de tráfico, sendo a efetiva
prática dos crimes previstos no art. 33, “caput” e § 1º”, e 34 mero exaurimento da conduta.

• Vimos que a associação criminosa para fins de tráfico é punida no art. 35 da Lei
11.343/06. O legislador foi além, e não se limitou a punir somente os integrantes da associação,
mas também seus informantes. Quando o assunto é cobrado em prova, as bancas utilizam o
exemplo do “fogueteiro”: “Não há diferença ontológica entre as expressões centrais de
contribuir de qualquer forma (Lei n. 6.368/1976) e colaborar como informante (contida no artigo
37 da Lei n. 11.343/2006). Isso porque o ‘fogueteiro’ é, sem dúvidas, um informante.” (HC
156656/RJ). Para a caracterização do crime, é essencial que a informação prestada pelo
informante seja relevante para a prática do tráfico de drogas. Caso contrário, o fato será atípico
por ausência de nexo de causalidade. Além disso, caso ele pertença à associação, ainda que a
sua função seja somente a de informar, o crime será o do art. 35. Por fim, O crime se consuma
no momento em que a informação chega ao destinatário. A tentativa é viável quando a
transmissão da informação se der por escrito, e houver a sua interceptação durante a
transmissão ao destinatário.

• A Lei 11.343/06 traz uma única hipótese de crime culposo, em seu art. 38, que possui a
seguinte redação: “Prescrever ou ministrar, culposamente, drogas, sem que delas necessite o
paciente, ou fazê-lo em doses excessivas ou em desacordo com determinação legal ou
regulamentar”. São três as formas de se praticar o crime: a) prescrever ou ministrar,
culposamente, drogas, sem que delas necessite o paciente; b) prescrever ou ministrar,
culposamente, drogas, em doses excessivas; c) prescrever ou ministrar, culposamente, drogas,
em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Trata-se de crime próprio, praticado
por quem, em razão de sua profissão, possa prescrever ou ministrar drogas (ex.: médicos).
Perceba que o que o delito pune é a prescrição equivocada da droga, e não a prescrição, em si,
que, se feita dentro da legalidade, configura fato atípico. E, para que não exista dúvida de que
se trata de crime próprio, o art. 38, em seu parágrafo único, prevê: “O juiz comunicará a
condenação ao Conselho Federal da categoria profissional a que pertença o agente.”.

• Por fim, um último delito, previsto no art. 39: “Conduzir embarcação ou aeronave após
o consumo de drogas, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem”. Como o dispositivo
trata somente de embarcação e aeronave, e sendo vedada a analogia “in malam partem”,
aquele que conduz veículo automotor sob o efeito de drogas não pratica o crime do artigo em
estudo. Entretanto, a conduta não fica impune, devendo ser aplicado o que dispõe o art. 306 do
CTB: “Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência
de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência”. Como se trata de
crime de perigo concreto, para a sua configuração, é essencial a demonstração de efetivo perigo
oferecido pela conduta. Logo, se demonstrado que, apesar do uso de droga, o condutor da
embarcação ou aeronave não sofreu qualquer perturbação em sua capacidade de guiar o meio
de transporte, o fato deve ser considerado atípico.

6.3 Disposições gerais.

• Na hipótese de prática dos crimes previstos nos artigos 33 a 37, a pena será aumentada
de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços) se: a) a natureza, a procedência da substância ou do
produto apreendido e as circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade do delito; b)
o agente praticar o crime prevalecendo-se de função pública ou no desempenho de missão de
educação, poder familiar, guarda ou vigilância; c) a infração tiver sido cometida nas
39

dependências ou imediações de estabelecimentos prisionais, de ensino ou hospitalares, de


sedes de entidades estudantis, sociais, culturais, recreativas, esportivas, ou beneficentes, de
locais de trabalho coletivo, de recintos onde se realizem espetáculos ou diversões de qualquer
natureza, de serviços de tratamento de dependentes de drogas ou de reinserção social, de
unidades militares ou policiais ou em transportes públicos; d) o crime tiver sido praticado com
violência, grave ameaça, emprego de arma de fogo, ou qualquer processo de intimidação difusa
ou coletiva; e) caracterizado o tráfico entre Estados da Federação ou entre estes e o Distrito
Federal; f) sua prática envolver ou visar a atingir criança ou adolescente ou a quem tenha, por
qualquer motivo, diminuída ou suprimida a capacidade de entendimento e determinação; g) o
agente financiar ou custear a prática do crime.

• A Lei 11.343/06 prevê expressamente a colaboração premiada, nos seguintes termos:


“Art. 41. O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o
processo criminal na identificação dos demais coautores ou partícipes do crime e na
recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida
de um terço a dois terços.”.

• De tempos em tempos, o legislador, no intuito de mostrar serviço à sociedade, modifica


a legislação penal para que seja vedada a concessão de liberdade provisória. Não demora, e o
STF declara a inconstitucionalidade do dispositivo – e com razão, afinal, a prisão preventiva só
pode ser decretada naquelas hipóteses do art. 312 do CPP. Estando ausentes os requisitos, deve
o réu responder ao processo em liberdade, pouco importando a gravidade em abstrato do
delito. No art. 44, a Lei de Drogas assim prevê: “Os crimes previstos nos artigos 33, caput e § 1º,
e 34 a 37 desta Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade
provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos.”. Embora exista
previsão expressa em lei, o STF entende que a vedação à liberdade provisória e à substituição
de pena privativa de liberdade por restritiva de direitos viola a Constituição.

• No art. 45, um ponto importante: é isento de pena o agente que, em razão da


dependência, ou sob o efeito, proveniente de caso fortuito ou força maior, de droga, era, ao
tempo da ação ou da omissão, qualquer que tenha sido a infração penal praticada, inteiramente
incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse
entendimento. Para a teoria tripartida, o crime é composto por fato típico, ilícito e culpável, e,
neste último substrato, reside a imputabilidade penal, que, quando ausente, faz com que o
crime deixe de existir. E, no art. 45, é exatamente o que temos: hipóteses de inimputabilidade e
de exclusão do próprio delito, devendo o acusado pelo delito ser absolvido, não obstante ser
possível a imposição de medida de segurança. Para a incidência do dispositivo, é essencial que
o agente, ao tempo dos fatos, seja inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito de sua
conduta ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Caso, no entanto, a sua
capacidade esteja apenas reduzida, não será considerado inimputável, mas a sua pena será
reduzida de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços).

6.4 Do procedimento penal.

• Assim como ocorre na Lei 12.850/13, que trata das organizações criminosas, a Lei de
Drogas também prevê a ação controlada e a infiltração de agente, nos seguintes termos: “art.
53. Em qualquer fase da persecução criminal relativa aos crimes previstos nesta Lei, são
permitidos, além dos previstos em lei, mediante autorização judicial e ouvido o Ministério
Público, os seguintes procedimentos investigatórios: I - a infiltração por agentes de polícia, em
tarefas de investigação, constituída pelos órgãos especializados pertinentes; II - a não-atuação
40

policial sobre os portadores de drogas, seus precursores químicos ou outros produtos utilizados
em sua produção, que se encontrem no território brasileiro, com a finalidade de identificar e
responsabilizar maior número de integrantes de operações de tráfico e distribuição, sem
prejuízo da ação penal cabível.”.

• Na lavratura do auto de prisão em flagrante, a Lei de Drogas (art. 50, § 1º) exige a
realização de laudo de constatação da droga para que se demonstre a materialidade do delito.
Quanto ao inquérito policial, o prazo para conclusão é diferenciado: nos crimes comuns, o prazo
é de 10 (dez) dias, se preso o indiciado, ou 30 (trinta), se solto. Para a investigação dos crimes
da Lei 11.343/06, no entanto, o inquérito policial será concluído no prazo de 30 (trinta) dias, se
o indiciado estiver preso, e de 90 (noventa) dias, quando solto. Este assunto é tema frequente
em provas.

• Oferecida a denúncia, antes do recebimento da inicial, o juiz deve notificar o denunciado


para que ofereça defesa prévia (art. 55), no prazo de 10 (dez) dias. Caso não a apresente, deve
ser nomeado defensor para que o faça. É preciso cuidado para não confundir esta peça com
aquela dos artigos 396 e 396-A do CPP, intitulada resposta à acusação. Na defesa prévia da lei
de drogas, não existente nos demais ritos aplicáveis aos crimes comuns (ex.: roubo, furto etc.),
o denunciado deve convencer o juiz a não receber a petição inicial, com fundamento no art. 395
do CPP: “Art. 395. A denúncia ou queixa será rejeitada quando: I - for manifestamente inepta;
II - faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; ou III - faltar justa
causa para o exercício da ação penal.”. Não se fala em absolvição, pois ainda não há ação penal
em trâmite – o termo inicial da ação é o recebimento da inicial. Em resposta à acusação,
entretanto, a denúncia já foi recebida, sendo possível falar, inclusive, em absolvição sumária,
nos termos do art. 397 do CPP.

• A grande polêmica no rito da Lei de Drogas gira em torno do interrogatório na audiência


de instrução e julgamento. Nos ritos do CPP, o preso deve ser necessariamente o último a ser
ouvido, após a vítima, testemunhas de acusação, de defesa e peritos, sob pena de nulidade do
ato judicial. A razão: garantir ao máximo o direito à ampla defesa, dando ao réu a oportunidade
de dar a última palavra. Na Lei de Drogas, contudo, o réu é o primeiro a falar, sem saber o que
as testemunhas dirão após a sua fala. Sem dúvida alguma, a ideia do legislador, ao assim dispor
no art. 57, foi tornar a defesa do acusado menos ampla – o que, em minha opinião, afronta
diretamente a Constituição. O STJ, ao enfrentar o assunto, entendeu pela legalidade do
dispositivo. Veja: “Não gera nulidade o fato de, no julgamento dos crimes previstos na Lei
11.343/2006, a oitiva do réu ocorrer antes da inquirição das testemunhas. Segundo regra
contida no art. 394, § 2º, do CPP, o procedimento comum será aplicado no julgamento de todos
os crimes, salvo disposições em contrário do próprio CPP ou de lei especial. Logo, se para o
julgamento dos delitos disciplinados na Lei 11.343/2006 há rito próprio (art. 57, da Lei
11.343/2006), no qual o interrogatório inaugura a audiência de instrução e julgamento, é de se
afastar o rito ordinário (art. 400 do CPP) nesses casos, em razão da especialidade. Precedentes
citados: HC 218.200-PR, Sexta Turma, DJe 29/8/2012; HC 138.876-DF, Quinta Turma, DJe
19/10/2011.” (HC 275.070-SP, julgado em 18/02/2014).

7. Estatuto do Desarmamento – Lei n. 10.826/03

7.1 Posse irregular de arma de fogo de uso permitido.

• Crime previsto no art. 12 da lei em estudo, que possui a seguinte redação: “Possuir ou
manter sob sua guarda arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, em desacordo
com determinação legal ou regulamentar, no interior de sua residência ou dependência desta,
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ou, ainda no seu local de trabalho, desde que seja o titular ou o responsável legal do
estabelecimento ou empresa”. A pena é de detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.

• Há duas formas de se praticar o delito: possuir (ter a posse, deter) e manter sob sua
guarda (conservar sob vigilância). Somente ocorrerá o crime se se tratar de arma de fogo,
munição ou acessório de uso permitido, conceito não descrito no dispositivo, sendo necessário
o seu complemento (norma penal em branco, portanto). O crime é comum, podendo ser
praticado por qualquer pessoa.

• O crime é praticado quando a arma de fogo, acessório ou munição de uso permitido, em


desacordo com determinação legal ou regulamentar, é mantida no interior da própria residência
do agente. Caso ele seja surpreendido com arma de uso permitido em residência alheia, o crime
será o de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido (art. 14). Os automóveis e demais meios
de transporte não estão abrangidos pelo conceito de residência, exceto naquelas hipóteses em
que realmente são utilizados como moradia (ex.: “motorhome”). O dispositivo ainda fala em
“dependência da residência”, a exemplo do quintal, da garagem etc.

• Recentemente, o dispositivo foi objeto do Informativo n. 570 do STJ: “A conduta do


agente de possuir, no interior de sua residência, armas de fogo e munições de uso permitido
com os respectivos registros vencidos pode configurar o crime previsto no art. 12 do Lei
10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento).”.

• O crime também pode ser praticado quando a arma de fogo, munição ou acessório são
mantidos no local de trabalho (ex.: o advogado que mantém um revólver calibre .38 em seu
escritório). Contudo, atenção para a ressalva: só estará configurado o crime do art. 12 se o
agente for o titular ou o responsável legal pelo estabelecimento ou empresa. No exemplo do
advogado, caso a arma seja mantida pela secretária, o crime será o de porte, do art. 14.

• O veículo automotor utilizado profissionalmente não pode, em regra, ser considerado


como local de trabalho para fins de aplicação do art. 12. Nesse sentido, STJ: “O veículo utilizado
profissionalmente não pode ser considerado ‘local de trabalho’ para tipificar a conduta como
posse de arma de fogo de uso permitido (art. 12 da Lei n. 10.826/2003). No caso, um motorista
de caminhão profissional foi parado durante fiscalização da Polícia Rodoviária Federal, quando
foram encontrados dentro do veículo um revólver e munições intactas. Denunciado por porte
ilegal de arma de fogo de uso permitido (art. 14 do Estatuto do Desarmamento), a conduta foi
desclassificada para posse irregular de arma de fogo de uso permitido (art. 12 do mesmo
diploma), reconhecendo-se, ainda, a abolitio criminis temporária. O entendimento foi reiterado
pelo tribunal de origem no julgamento da apelação. O Min. Relator registrou que a expressão
‘local de trabalho’ contida no art. 12 indica um lugar determinado, não móvel, conhecido, sem
alteração de endereço. Dessa forma, a referida expressão não pode abranger todo e qualquer
espaço por onde o caminhão transitar, pois tal circunstância está sim no âmbito da conduta
prevista como porte de arma de fogo.” (REsp 1.219.901/MG).

7.2 Omissão de cautela.

• É o crime do art. 13, que possui a seguinte redação: “Deixar de observar as cautelas
necessárias para impedir que menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa portadora de deficiência
mental se apodere de arma de fogo que esteja sob sua posse ou que seja de sua propriedade”.
Trata-se de crime omissivo próprio, consistente em deixar de fazer algo quando a lei exige uma
conduta ativa do agente. O sujeito ativo é o possuidor ou o proprietário da arma de fogo, pouco
importando se legalmente ou não. Portanto, crime próprio. Para a sua consumação, não se exige
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que algum mal venha a ser causado pela arma de fogo, como o disparo, a lesão corporal ou a
morte de alguém.

• No parágrafo único, o art. 13 traz a figura equiparada do delito de omissão de cautela:


“Nas mesmas penas incorrem o proprietário ou diretor responsável de empresa de segurança e
transporte de valores que deixarem de registrar ocorrência policial e de comunicar à Polícia
Federal perda, furto, roubo ou outras formas de extravio de arma de fogo, acessório ou munição
que estejam sob sua guarda, nas primeiras 24 (vinte quatro) horas depois de ocorrido o fato.”.

7.3 Porte ilegal de arma de fogo de uso restrito.

• Delito previsto no art. 14, consiste em portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em
depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter
sob guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem autorização
e em desacordo com determinação legal ou regulamentar. A pena é de reclusão, de 2 (dois) a 4
(quatro) anos, e multa. Assim como o art. 12, trata-se de norma penal em branco, pois o
dispositivo não elenca quais armas de fogo, munições e acessórios são de uso permitido.

• O dispositivo, em si, não é de difícil compreensão. No entanto, há uma infinidade de


julgamentos dos Tribunais Superiores sobre o assunto, e são exatamente eles que serão
cobrados em sua prova. Tendo isso em mente, vejamos alguns pontos controversos: a) violação
aos termos da guia de tráfego: “É típica (art. 14 da Lei 10.826/2003) a conduta do praticante de
tiro desportivo que transportava, municiada, arma de fogo de uso permitido em desacordo com
os termos de sua guia de tráfego, a qual autorizava apenas o transporte de arma desmuniciada.”
(STJ, RHC 34.579-RS); b) arma desmuniciada: “É pacífico, no âmbito desta Corte Superior, o
entendimento de que, para a configuração do tipo penal de porte ilegal de arma de fogo, é
irrelevante o fato de a arma estar desmuniciada, visto se tratar de delito de mera conduta ou de
perigo abstrato.” (STJ, AgRg no AREsp 603097/RO); c) arma de uso permitido com numeração
raspada: “Nos termos da jurisprudência deste Superior Tribunal, a supressão do número de
série, mesmo que seja de arma de uso permitido, restrito ou proibido, implica a condenação
pelo crime de posse ou porte ilegal de arma de fogo, estabelecido no art. 16, parágrafo único,
IV, do Estatuto do Desarmamento (Lei n. 10.826/2003).” (STJ, AgRg no REsp 1464773/SP); d)
arma não apreendida: “A apreensão da arma de fogo de uso permitido é dispensável para fins
de configuração do crime previsto no artigo 14 da Lei nº 10.826/2003, sempre que a efetiva
utilização da arma ilegalmente portada restar demonstrada por outros meios de prova.” (STJ,
HC 170543/CE); e) arma inapta a realizar disparos: “1. De acordo com o entendimento firmado
no âmbito da Sexta Turma, para se ter por configurada a tipicidade material do porte ilegal de
arma de fogo, necessária a comprovação da eficiência do instrumento, isto é, a sua
potencialidade lesiva. 2. No caso, a arma de fogo, apreendida e submetida a perícia, era inapta
à produção de disparos.” (STJ, HC 118773/RS).

• Em seu parágrafo único, o art. 14 prevê que “O crime previsto neste artigo é inafiançável,
salvo quando a arma de fogo estiver registrada em nome do agente.”. Por mais que o dispositivo
vede a fiança, não há o que se falar em inviabilidade de liberdade provisória. Como já vimos em
outros momentos, no estudo dos crimes hediondos e do tráfico de drogas, a vedação à
concessão de liberdade provisória é de inegável inconstitucionalidade, pois afronta o princípio
da presunção de não culpabilidade ou de inocência.

7.4 Disparo de arma de fogo.


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• O crime consiste em disparar arma de fogo ou acionar munição em lugar habitado ou


em suas adjacências, em via pública ou em direção a ela, desde que essa conduta não tenha
como finalidade a prática de outro crime. Se o crime for praticado em local deserto, não há razão
para a punição do agente, pois o objeto jurídico a ser tutelado é a segurança pública. No entanto,
em se tratando de local pouco habitado, o crime estará caracterizado, ainda que pequena a
probabilidade de que alguém seja atingido. O dispositivo fala expressamente em adjacências,
ou seja, local próximo ou vizinho à região habitada. Também ocorre o delito quando o disparo
da arma de fogo ou o acionamento da munição se dá em via pública (local acessível a todos, a
exemplo das ruas, estradas etc.) ou em direção a ela (ex.: o agente dispara de dentro de sua
residência contra a via pública). Quando o disparo se der para a prática de crime mais grave, a
exemplo do homicídio, será por este absorvido.

7.5 Posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito.

• Caso o leitor não tenha entendido o que difere o crime do art. 16 para aqueles dos
artigos 12 e 14, a explicação é simples: se a arma for de USO PERMITIDO, o agente pratica o
crime de posse ilegal de arma de fogo, quando mantida a arma em sua residência ou local de
trabalho, ou de porte ilegal, quando a arma estiver em qualquer outro lugar. No art. 16, o agente
tem a posse ou o porte de arma de fogo de USO RESTRITO. Novamente, estamos diante de
norma penal em branco, pois o art. 16 não diz quais armas são de uso restrito, devendo o
operador do Direto buscar o complemento em norma própria sobre o assunto. Assim dispõe o
art. 16: “Possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder,
ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob sua guarda ou ocultar
arma de fogo, acessório ou munição de uso proibido ou restrito, sem autorização e em
desacordo com determinação legal ou regulamentar”. A pena, evidentemente, é mais alta do
que a dos crimes dos artigos 12 e 14, visto que se trata de delito mais grave – a pena é de
reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.

• Também pratica o delito do artigo 16 quem: a) suprimir ou alterar marca, numeração


ou qualquer sinal de identificação de arma de fogo ou artefato; b) modificar as características
de arma de fogo, de forma a torná-la equivalente a arma de fogo de uso proibido ou restrito ou
para fins de dificultar ou de qualquer modo induzir a erro autoridade policial, perito ou juiz; c)
possuir, detiver, fabricar ou empregar artefato explosivo ou incendiário, sem autorização ou em
desacordo com determinação legal ou regulamentar; d) portar, possuir, adquirir, transportar ou
fornecer arma de fogo com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado,
suprimido ou adulterado; e) vender, entregar ou fornecer, ainda que gratuitamente, arma de
fogo, acessório, munição ou explosivo a criança ou adolescente; e f) produzir, recarregar ou
reciclar, sem autorização legal, ou adulterar, de qualquer forma, munição ou explosivo.

7.6 Comércio ilegal de arma de fogo.

• O crime, previsto no art. 18, consiste em adquirir, alugar, receber, transportar, conduzir,
ocultar, ter em depósito, desmontar, montar, remontar, adulterar, vender, expor à venda, ou
de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial
ou industrial, arma de fogo, acessório ou munição, sem autorização ou em desacordo com
determinação legal ou regulamentar. Como se trata de tipo penal misto alternativo, se, em um
mesmo contexto fático, o agente pratica mais de um dos verbos, apenas um crime será
praticado, e não vários, em concurso. Trata-se de crime próprio, que só pode ser praticado pelo
comerciante ou industrial. Como o dispositivo não traz as normas a serem seguidas para o
exercício do comércio e da indústria de armas de fogo, é necessária a consulta à legislação
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própria sobre o assunto. Por fim, equipara-se à atividade comercial ou industrial, para efeito do
art. 17, qualquer forma de prestação de serviços, fabricação ou comércio irregular ou
clandestino, inclusive o exercido em residência.

7.7 Tráfico internacional de arma de fogo.

• Crime previsto no art. 18 do Estatuto do Desarmamento, nada mais é do que


modalidade especial de contrabando. A conduta consiste em importar (fazer ingressar em
território nacional), exportar (enviar do território nacional ao estrangeiro) ou favorecer a
entrada ou saída (permitir a importação ou exportação). Trata-se de tipo penal misto
alternativo. Portanto, se, em um mesmo contexto fático, o agente pratica mais de um dos verbos
do dispositivo, apenas um crime é cometido. Por ser crime comum, pode ser praticado por
qualquer pessoa. A competência para julgar a ação penal é da Justiça Federal.

7.9 Causas de aumento.

• No comércio ilegal de arma de fogo e no tráfico internacional de arma de fogo, a pena


é aumentada se a arma de fogo, acessório ou munição forem de uso proibido ou restrito.
Ademais, nos crimes de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido, disparo de arma de fogo,
posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito, comércio ilegal de arma de fogo tráfico
internacional de arma de fogo, a pena é aumentada de metade se praticados por integrantes
dos órgãos elencados no art. 6º, por empregados de empresas de segurança privada e de
transporte de valores ou por desportistas com registro para o porte da arma de fogo. Em seu
art. 21, a Lei 10.826/03 veda a concessão de liberdade provisória para alguns dos delitos
discutidos anteriormente. Mas, como já explicado, trata-se de dispositivo de reconhecida
inconstitucionalidade.

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