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Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL

Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes – REDE LFG

Curso de Especialização Telepresencial e Virtual em Direito


Tributário

Disciplina

Sistema Constitucional Tributário: Princípios e


Imunidades
Aula 6
Índice
Leitura Facultativa 1 .....p. 01
Leitura Facultativa 2 .... p. 06
Leitura Facultativa 3 .... p. 10

LEITURA FACULTATIVA 1

TOMÁZ DE AQUINO RESENDE


Procurador de Justiça.
Coordenador do Centro de Apoio ao Terceiro Setor de Minas Gerais.

IMUNIDADE TRIBUTÁRIA E ISENÇÕES DE IMPOSTOS

Como citar este artigo:

RESENDE, Tomáz de Aquino. Imunidade Tributária e isenções de impostos.


Disponível em: http://www.fundata.org.br/Artigos%20-
%20Cefeis/artigo%20IMUNIDADE%20TRIBUT%C3%81RIA%20E%20ISEN%C3%87%C3
%95ES%20DE%20IMPOSTOS.htm. Material da 6ª aula da Disciplina Sistema
Constitucional Tributário: Princípios e Imunidades, ministrada no Curso de
Especialização Telepresencial e Virtual de Direito Tributário - UNISUL - REDE
LFG.
Primeiro, é necessário estabelecermos a diferença entre imunidade e isenção, vez que daí
tem decorrido inúmeros litígios e indevidas cobranças pelo estado às entidades sem fins
lucrativos. Sem divergência os mais importantes estudiosos do tema concluem e professami[1]
que imunidade é a renúncia fiscal ou vedação de cobrança de tributo estabelecida em sede
constitucional, ou seja, ainda que o termo utilizado na Constituição seja isenção, como é o
caso de contribuições para a previdência social (art. 195, § 7º), na verdade se trata de
imunidade. O que significa a vedação da cobrança de tais tributos mediante edição de leis
complementares ou ordinárias, muito menos, como sói acontecer nestas plagas, por portarias
ou ordens de serviços de órgãos burocráticos do Estado (v.g. Receita Federal, INAMPS, etc.).
Já a isenção é a dispensa de recolhimento de tributo que o Estado concede a determinadas
pessoas e em determinadas situações, através de leis infra-constitucionais. Neste caso,
havendo autorização legislativa, diante de determinadas condições, o Estado pode, ou não,
cobrar o tributo em um determinado período, ou não fazê-lo em outro, diferentemente da
imunidade, que é perene e só pode ser revogada ou modificada através de processo de
emenda à Constituição.
Necessário, também, que fique estabelecido o sentido e o alcance dessas renúncias do Estado
em favor de pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos.
Na verdade, quando o Estado, através do legislador constituinte estabelece as imunidades, ou
através do legislador ordinário concede as isenções, não está, como erroneamente alguns
entendem, fazendo nenhum favor ao particular. O raciocínio é outro, aliás o contrário. Quem
está favorecendo é o particular ao público, vez que realiza funções que suprem e em muitos
casos até substituem o que é dever do Estado.
Assim, injusto é tributar aquele que auxilia ao Estado, ou até mesmo o substitui, no
atendimento de serviços de interesse coletivo, como o fazem a maioria das pessoas jurídicas
de direito privado sem fins lucrativos, pois, o objetivo do tributo é justamente o de viabilizar
a prestação de tais serviços.
Aliás o particular tem feito melhor e a menor custo o atendimento à população no que tange
a direitos de todos e dever do Estado. Apenas para ilustrar, citamos o exemplo mencionado
pelo grande jurista e especialista em Direito Previdenciário Dr. Luiz Vicente Dutraii[2]:
Comprovou-se, através de pesquisa, que o custo por aluno na universidade pública gira em
torno dos R$17.000,00 anualmente, pagos com dinheiro do contribuinte e que o custo por
aluno na universidade particular fica em torno de R$5.400,00 por ano, ou seja, a escola
pública, onde normalmente estudam os que podem pagar, custa ao Erário três vezes mais do
que aquela onde a maioria dos alunos se sacrifica para pagar as mensalidades.
Diante de tais fatos, além de ser de extrema justiça a não cobrança de tributos, faria melhor
o Estado se, com o dinheiro público, no mínimo, concedesse bolsas de estudo nas
Universidades mantidas por pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos (que
também são públicas), estaria assim atendendo ao triplo das pessoas, ao invés de administrar
tão mal a escola estatal.
E, como exaustivamente já vimos, são tidas, pela legislação pátria, como organizações sociais
de fins não econômicos (ou não lucrativos) e de interesse coletivo: as associações e as
fundações regularmente constituídas.
Claríssimo ficou, também, que no Brasil não se permite a instituição de pessoa jurídica com
fins não econômicos para a administração de interesses individuais ou de interesse apenas
privado, v.g: administrar heranças em favor de herdeiros; administrar patrimônio em favor de
alguma família, etc.
Induvidoso então que, em nosso País, as associações e fundações só podem existir se tiverem
como objetivos ações que atendam à coletividade, ou ao interesse público.
A Lei Federal nº. 91 de 28 de agosto de 1935, que determina as regras pelas quais as
entidades sem fins lucrativos são declaradas de utilidade pública, bem como as leis da
Previdência Social (Lei 8.212/91, Dec. n°. 356/91, Dec. n°. 612/92 e Dec. n°. 752/93),

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estabelecem algumas condições para o recebimento dos títulos de utilidade pública e de
filantropia.
Inseridos em tais mandamentos, ou em outros deles decorrentes, estipulado é que não tendo
título de utilidade pública, ou de filantropia, não pode a pessoa jurídica gozar do direito às
imunidades. Ai o grande absurdo.
A Constituição Federal estabelece, com relação às imunidades de impostos sobre o patrimônio
renda e serviços, bem como com relação à contribuição patronal da previdência pública de
determinadas pessoas jurídicas sem fins lucrativos, o seguinte:
Artigo 150 - Sem prejuízo de outras garantias asseguradas aos contribuintes, é vedado à
União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
...
VI - Instituir impostos sobre:
...
c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das
entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e assistência social,
sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei (sem realces no original);
...
§ 4º. - As vedações expressas no inciso VI, alíneas b e c, compreendem somente o
patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das
entidades nela mencionadas.
Proibida constitucionalmente, portanto, a cobrança de impostos federais, estaduais e
municipais, das organizações civis sem fins lucrativos, definidas como entidades de
assistência social ou de educação, bem como das fundações instituídas por partidos políticos,
e que preencham os requisitos da lei.
Já o artigo 195 § 7º, preconiza: “São isentas de contribuição para a seguridade social as
entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em
lei”.
Já não existe mais discussão de que houve erro de redação neste dispositivo, quando utiliza a
expressão “isentas”, vez que a regra constitucional que estabelece renúncia fiscal se
denomina imunidade. Ou seja, não restam mais dúvidas de que as filantrópicas são imunes à
contribuição patronal da previdência pública.
O art. 146. da Constituição Federal em redação de clareza indiscutível, estabelece:
“Cabe à lei complementar:
I -....
II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;
III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente
sobre:...”
A Lei nº 5.172, de 25.10.1966, o Código Tributário Nacional, foi recepcionado pela
Constituição Federal de 1988, adquirindo status de lei complementar, a ela cabendo, não há
como divergir: “estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária” .
Portanto, os exigidos “requisitos da lei” são os estabelecidos no art. 14 do CTN., quais sejam:
I. não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer
título; (Redação dada pela LCP nº 104, de 10 de janeiro de 2001).

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II. aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus
objetivos institucionais;
III. manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de
formalidades capazes de assegurar sua exatidão.”
As imunidades tributárias, para serem reconhecidas, então, não necessitam de outros atos por
parte do Estado, tais como declaração de utilidade pública ou certificado de entidade
beneficente ou filantrópica, bastando a comprovação do preenchimento dos requisitos acima
mencionados. E só de tais requisitos, vez que, conforme temos repisado, não pode lei
ordinária ou lei de hierarquia inferior, ou simples atos administrativos, modificar o que a
Constituição e a Lei Complementar estabeleceram, como é o caso da cassação da imunidade
quando a entidade remunera seus dirigentes, o que, por qualquer ângulo que se analise, é
muito diferente de distribuição de rendas ou lucros.

QUAL É O ALCANCE DA IMUNIDADE? QUAIS TRIBUTOS ESTARIAM, EM RAZÃO DELA, IMUNES


AS ENTIDADES? QUAIS ENTIDADES SERIAM IMUNES?
A responder tais questões baseados na lição dos mestres e em princípios do direito, temos
difundido um raciocínio, que, embora possamos tê-lo como simplista, se afigura inconteste,
face aos elementos jurídicos retro-mencionados, e, especialmente calcados na regra jurídica
consagrada na alínea a, do inciso VI, do art. 150, da Constituição Federal que estabelece a
reciprocidade da não instituição de tributos entre os entes federativos, que é baseada no
princípio geral da isonomia, pelo qual devem as entidades sem fins lucrativos serem
equiparadas às entidades estatais que prestam o mesmo serviço, como se vê:

• o único motivo que pode autorizar o Estado em proceder a cobrança de tributos é o de,
com os recursos recolhidos, promover atividades que atendam às demandas de interesse
coletivo, ou seja, primária a idéia de que todo dinheiro recolhido ao Erário pela sociedade, a
ela deve retornar em forma de equipamentos e serviços de interesse geral.

• os motivos que levam os legisladores a concederem imunidades tributárias, sem qualquer


dúvida, são os de que as pessoas jurídicas beneficiárias de tais renúncias fiscais estarão
promovendo atividades de interesse da sociedade como um todo.
Assim, se considerarmos que as entidades sem fins econômicos e de interesse coletivo
(associações e fundações) prestam aqueles serviços que a própria constituição do estado
declarou que são direitos de todos e dever do mesmo estado, absurdo é querer impor a elas
qualquer tipo de tributação.
Tal raciocínio pode ser melhor compreendido com a seguinte comparação: Por força da maior
das leis de um País, sou obrigado a “descarregar com as mãos um caminhão de pedras”.
Juntam-se a mim outras pessoas, a me auxiliarem no árduo trabalho. Ora, o mínimo que eu
poderia/deveria fazer seria remunerá-las pelo serviço prestado. Ilógico, absurdo dos
absurdos, eventual pretensão minha, almejando receber de tais pessoas algum pagamento.
Assim, da mesma forma, sem qualquer sentido, querer cobrar (tributar) pessoas jurídicas de
direito privado que cuidam, sem visar fim econômico, de questões públicas de saúde,
educação, assistência social, meio ambiente, direitos do consumidor, etc., etc...(deveres do
Estado, a serem atendidos com recursos provenientes dos impostos).
Portando, nenhuma entidade de direito privado sem fins econômicos pode ser passível de,
sobre seus bens, serviços ou rendas ser instituído qualquer tipo de tributo (seja imposto,
contribuição ou taxa) por parte do Estado. E mais, quem administra pessoa jurídica sem fim
econômico (naturalmente de interesse coletivo) e está recolhendo tributo, sem pelo menos
questionar a licitude de tal pagamento junto ao Poder Judiciário, está, no mínimo,
administrando mal o que não lhe pertence.

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RESUMO

• renúncia fiscal com sede constitucional, independente do vocábulo que se utilize, é


imunidade. É, na verdade, a limitação constitucional ao poder de tributar, diferente de
isenção, que é uma concessão voluntária do Estado, em determinadas situações;

• a constituição é o ápice do sistema jurídico, sendo, os mandamentos nela contidos


modificados somente por emenda constitucional, e, em muitos casos, como os direitos sociais
(dentre eles a imunidade tributária) as regras não podem ser mudados;

• o art. 150, VI, c, proíbe que se instituam tributos sobre as entidades ali mencionadas e o
art. 195, § 7º, da Constituição Federal, diz respeito à imunidade das contribuições sociais
pelas entidades beneficentes de assistência social;

• as condições para o gozo de imunidades constitucionalmente estabelecidas só podem ser


tratadas em Lei Complementar à Constituição. Assim, qualquer limitação à referidas
imunidades só podem ocorrer mediante Lei Complementar;

• a única Lei Complementar que traz requisitos para o gozo das imunidades pelas referidas
entidades é o Código Tributário Nacional;

• qualquer restrição ou regulamentação do gozo das imunidades tributárias efetivado por


outra regulamentação que não Lei Complementar, padece de nulidade. É inválido. É
inconstitucional.

• não há que se falar em isenção das contribuições sociais para as entidades de assistência
social e muito menos condicioná-las a requisitos dispostos em instrumentos normativos
diversos da Lei Complementar (Código Tributário Nacional), pois se trata, conforme já foi
dito, de imunidade tributária.

[1]
RIOS, José Luiz de Gouvêia. III Seminário Nacional de Fundações. Belo Horizonte, 01 a 03 de
dezembro de 1998.
[2]
DUTRA, Luiz Vicente. III Seminário Nacional de Fundações. Belo Horizonte, 01 a 03 de
dezembro de 1998.

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Curso de Especialização Telepresencial e Virtual em Direito


Tributário

Disciplina

Sistema Constitucional Tributário: Princípios e


Imunidades
Aula 6
LEITURA FACULTATIVA 2

PEDRO LEMOS
Advogado em Florianópolis (SC).

A SUPRESSÃO DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA CONCEDIDA AOS CULTOS


RELIGIOSOS

Como citar este artigo:

LEMOS, Pedro. A supressão da imunidade tributária concedida aos cultos


religiosos. Disponível em:
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4179. Material da 6ª aula da
Disciplina Sistema Constitucional Tributário: Princípios e Imunidades,
ministrada no Curso de Especialização Telepresencial e Virtual de Direito
Tributário - UNISUL - REDE LFG.

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1. A imunidade tributária é uma forma de exoneração fiscal, de natureza constitucional, pela
qual o Estado fica proibido de instituir impostos sobre determinadas atividades. Nas palavras
de MISABEL DERZI, "a imunidade é forma qualificada de não-incidência que decorre da
supressão da competência impositiva sobre certos pressupostos na Constituição" ("Direito
Tributário, direito penal e tipo", RT, 1988, pág. 206).
Com a proclamação da República e a promulgação da Constituição de 1891, respaldando a
separação entre igreja e Estado, os privilégios de que gozavam as classes dominantes,
durante o período imperial, foram expurgados, incluindo as isenções fiscais concedidas à
nobreza e ao clero.
Aplicou-se, então, pela primeira vez no Brasil, o princípio da generalidade, corolário daquilo
que viria a ser chamado de "justiça fiscal" e pelo qual nenhum indivíduo, que pratique um
fato gerador tributado, poderá fugir à tributação (Deodato).
As exonerações fiscais, compreendendo as isenções e imunidades, passaram, então, a ser
exceções.
2. A situação mudou com o fim do Estado Novo. Amenizando os princípios republicanos, o
constituinte de 1946, tomado pelo forte espírito protecionista que se seguiu ao período
ditatorial, entendeu por bem conceder imunidade tributária para certas categorias e
atividades, incluindo, nestas, os cultos religiosos.
A benesse foi respaldada pelos textos constitucionais subseqüentes, sendo repetida, também,
pela Carta de 1988, que assim dispõe:
"Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União,
aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
VI – instituir impostos sobre:
(...)
b) templos de qualquer culto;
(...)
§4º. As vedações expressas no inciso VI, alíneas b e c, compreendem somente o patrimônio, a
renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas
relacionadas.
Conforme exposto no art. 34, §1º, dos ADCT, o dispositivo acima entrou em vigor com a
promulgação da Constituição, dispensando, por conseguinte, a edição de Lei Complementar.
3. Sem embargo, o Supremo Tribunal Federal vem dando ao referido dispositivo interpretação
por demais extensiva, chegando mesmo a decidir que "as entidades religiosas têm direito à
imunidade tributária sobre qualquer patrimônio, renda ou serviço relacionado, de forma
direta, à sua atividade essencial, mesmo que aluguem seus imóveis ou os mantenham
desocupados" (STF, RE 325822, Relator Min. Gilmar Mendes).
Considerando a subjetividade do termo "atividade essencial", os cultos religiosos estão, hoje,
autorizados a incluir, no âmbito da referida imunidade, praticamente todo o seu patrimônio,
a sua renda e os seus serviços.
4. Apresenta-se por demais ambíguo que o Estado brasileiro, formalmente laico desde 1891,
possa, atualmente, contribuir para a manutenção de cultos religiosos mediante a concessão
de benefícios fiscais, em detrimento de milhões de cidadãos, obrigados a destinar quatro
meses de trabalho ao ano para cumprir com suas obrigações tributárias.
Além de ofender o princípio da generalidade, tal imunidade afronta, também, o princípio da
solidariedade fiscal, contribuindo, conseqüentemente, para o agravamento do desequilíbrio
social. A dissonância entre a riqueza das religiões e a pobreza dos seus fiéis pede que aquelas

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sejam chamadas a contribuir para a manutenção da estrutura estatal, ajudando,
substancialmente, a equacionar a distribuição de renda entre os nacionais.
Tal dissonância assume maior relevância se considerarmos o fato de 12.492.403 brasileiros
terem declarado, ao Censo Demográfico de 2000, não possuírem vínculo religioso, cidadãos
estes que acabam, pela via indireta, custeando as atividades de cultos a que não pertencem,
pois são obrigados a cobrir o que aqueles deixam de recolher aos cofres públicos.
Cumpre observar, ainda, que diversos cultos religiosos possuem cultura manifestamente
discriminatória, violando direitos e garantias individuais assegurados pela Constituição
Federal. Com efeito, certas correntes religiosas condenam, ostensivamente, práticas sociais
inseridas no âmbito das liberdades constitucionais, como o homossexualismo, a expressão
artística e até mesmo a diversidade de crenças, além de boicotarem programas oficiais de
saúde pública, como o uso de preservativos e a doação de órgãos e tecidos.
Por fim, a falta de controle sobre o quantum arrecadado pelas instituições religiosas abre
espaço não apenas à evasão de divisas, mas, também, à lavagem de dinheiro. De fato, muitas
das religiões atuantes no Brasil possuem sede em outras nações, sendo que a ausência de
fiscalização sobre o numerário arrecadado pelas mesmas facilita a remessa ilícita de dinheiro
ao exterior .
5. Através da PEC 176-A/1993, o Congresso Nacional teve a oportunidade de discutir a
supressão da imunidade tributária dos cultos religiosos. O autor do projeto, deputado Eduardo
Jorge, assim fundamentou sua proposição:
"As imunidades tributárias que pretendemos suprimir decorrem, quase todas, da Constituição
de 1946. Poucas foram introduzidas em nosso Direito pela Constituição de 1988. Em 1946, saía
o país de um prolongado período ditatorial e os constituintes da época, sequiosos por
liberdade de pensamento, pensaram consegui-lo e garanti-lo através de normas
constitucionais. O que se viu, de lá para cá, ao atravessarmos um período negro da nossa
história, foi que os cuidados tomados pelo legislador constitucional não foram suficientes para
impedir a queda da democracia e a conseqüente perda das liberdades constitucionais. Além
disso, o constituinte de 1946 não poderia prever que medidas baixadas com a melhor das
intenções fossem utilizadas, anos mais tarde, para promover a evasão fiscal, abrigando-se à
sombra da Lei Maior uma série de contribuintes que nem de longe poderiam pleitear os
benefícios tributários concedidos pela Constituição. (...). Por último, caberia dizer que a
revogação dessas imunidades fortalece a posição daqueles que, como nós, pensam que todas
as camadas da sociedade devem contribuir para o fim comum, cada uma, é evidente, de
acordo com as suas possibilidades, que nossa Lei Magna chama de capacidade econômica".
A relatoria da Comissão de Constituição e Justiça, contudo, emitiu parecer contrário ao
projeto, sustentando, em apertada síntese, que: a) a extinção do benefício violaria o
princípio da liberdade religiosa (CF, art. 5º, VI); b) a fiscalização esbarraria no fanatismo
religioso de alguns servidores que poderiam prejudicar determinadas religiões.
Com a devida venia, tais argumentos não convencem.
Primeiro, porque a Constituição vigente estabelece outras tantas espécies de direitos e
garantias individuais, sem, contudo, conceder às instituições relacionadas qualquer benefício
fiscal. Assim, a liberdade de trabalho (CF, art. 5º, XIV) não impede a cobrança do imposto
sobre serviços; a liberdade de imprensa (CF, art. 5º, IX) não impede a cobrança de impostos
dos jornais e revistas; a liberdade de locomoção (CF, art. 5º, XV) não impede a cobrança de
IPVA e de pedágios nas rodovias nacionais; e assim por diante.
Segundo, porque o fanatismo religioso não é diferente de outros radicalismos culturais
presentes na sociedade brasileira, como a paixão pelos times de futebol, por exemplo.
Seguindo o pensamento da relatoria, qualquer clube esportivo poderia sustentar a
perseguição de fiscais associados à agremiação rival para obter o perdão de dívidas
tributárias. Ademais, a decisão do fiscal é recorrível, sendo que eventuais excessos poderiam
ser facilmente corrigidos.

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6. Observando-se a situação atual do Brasil, onde se discute o fim de privilégios tributários
para fortalecer a economia, a contribuição efetiva das instituições religiosas para a
manutenção do Estado deve, no mínimo, ser considerada pelos nossos dignos legisladores.
Para tanto, propomos a adoção das seguintes medidas, por ocasião da reforma tributária em
andamento no Congresso Nacional:
- a supressão da imunidade tributária concedida aos cultos religiosos, prevista no artigo 150,
VI, "b", da Constituição Federal de 1988;
- alternativamente: a) a substituição desta imunidade por uma autorização constitucional que
permita aos cultos religiosos instituírem contribuições, pagas diretamente e exclusivamente
pelos seus fiéis; b) a restrição desta imunidade aos impostos sobre o patrimônio, excluindo da
sua abrangência a tributação sobre a renda e serviços; c) excluir do rol de beneficiários da
referida imunidade as religiões que discriminam práticas sociais incluídas no âmbito das
liberdades constitucionais asseguradas aos cidadãos brasileiros.

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Tributário

Disciplina

Sistema Constitucional
Constitucional Tributário: Princípios e
Imunidades

Aula 6

LEITURA FACULTATIVA 3

HUGO DE BRITO MACHADO


Professor titular de Direito Tributário da UFC.
Presidente do Instituto Cearense de Estudos Tributários (ICET).
Juiz aposentado do Tribunal Regional Federal da 5ª Região

IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DO LIVRO ELETRÔNICO

Como citar este artigo:

MACHADO, Hugo de Brito. Imunidade tributária do livro eletrônico.


Disponível em: http http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1809.
Material da 6ª aula da Disciplina Sistema Constitucional Tributário:
Princípios e Imunidades, ministrada no Curso de Especialização
Telepresencial e Virtual de Direito Tributário - UNISUL - REDE LFG.

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"Das tabuinhas xilográficas para os tabletes de argila, dos rolos manuscritos aos volumes em
pergaminho e destes para os impressos em papel; dos estiletes para os pincéis e as penas de
pato, destas para as metálicas e para os tipos móveis, o livro chegava assim ao que até agora
é a sua última metamorfose técnica: a composição e impressão eletrônicas.
Paralelamente, das bibliotecas lenhosas e minerais para as da Antigüidade e da Idade Média,
dos catálogos em fichários de cartão para os catálogos informatizados, também as
bibliotecas estão acolhendo em número crescente o que Herbert Mitgang, do New York
Times, denominou em 1990 "O livro sem papel" (the paper-less book)".(1)

1. INTRODUÇÃO.
Questão de grande relevo é a de saber se a imunidade concedida pelo artigo 150, VI, "d", da
Constituição Federal de 1988 alcança os disquetes de computador e similares, cujo conteúdo
seja composto de arquivos de dados equivalentes ao conteúdo dos livros, também chamados
livros eletrônicos.
Nada obstante os disquetes e similares também possam ter conteúdo diverso, tais como
programas feitos sob encomenda ou em larga escala(2), o presente estudo tratará apenas dos
referidos livros eletrônicos.
O avanço tecnológico que presenciamos desde a promulgação da Constituição de 1988 foi
surpreendente. Referido progresso nos leva a crer que, cedo ou tarde, o livro eletrônico
predominará sobre a versão de papel. Tal fato empresta ainda mais relevo ao tema aqui
tratado.
Parte da doutrina tem se manifestado no sentido restritivo da norma imunizante, que não
alcançaria os livros feitos de outro material que não o papel(3), razão pela qual a questão
está a merecer esclarecimentos.
É o que se procura fazer por meio deste texto, na crença de estarmos contribuindo, ainda que
modestamente, para a edificação de um verdadeiro Estado de Direito Democrático, que o
Brasil pretende ser.

2. TESES RESTRITIVAS DA IMUNIDADE DO LIVRO.


OSWALDO OTHON DE PONTES SARAIVA FILHO, ilustre Consultor da União e Procurador da
Fazenda Nacional, em estudo de primorosa feitura e com muito boa argumentação, sustenta
que "a extensão, para conferir imunidade aos veículos de topo da atual tecnologia,
representaria uma integração analógica, que não é apropriada à espécie." (4) Para ele,
"talvez o constituinte não tenha pretendido estender a imunidade do livro, jornal e periódico
e do papel destinado a sua impressão para o cd-rom e o disquete com programas, as fitas
cassetes gravadas, etc., pelo fato de julgar que esses modernos meios de divulgação da
moderna tecnologia não requeressem tal benefício, pelo fato de serem, em regra,
consumidos apenas, por pessoas de melhor poder aquisitivo, olvidando a conveniência da
extensão da imunidade, em comento, para a difusão destes novos meios de veiculação de
idéias, conhecimento e informação." (5)
Em recente estudo, afirma ser "sensível aos argumentos de que a tendência é a disseminação
cada vez maior do uso dos veículos de multimídia, de modo que eles, cada vez mais,
convivem com os nossos tradicionais livros, jornais e periódicos, podendo mesmo chegar ao
ponto de substituir, completamente, as funções dos livros, jornais e periódicos amparados
pela norma constitucional do art. 150, VI, ´d´, mas aí haverá, certamente, emenda
constitucional adequada com o fito de conservar a liberdade de expressão de pensamento e
da transmissão de cultura e informação, sem a influência política," (6) RICARDO LOBO
TORRES, no mesmo sentido, afirma que "não guardando semelhança o texto do livro e o
hipertexto das redes de informática, descabe projetar para este a imunidade que protege
aquele." (7)

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Para ele, "Não se pode, consequentemente, comprometer o futuro da fiscalidade, fechando-
se a possibilidade de incidências tributárias pela extrapolação da vedação constitucional para
os produtos da cultura eletrônica." (8)
Quanto à possibilidade de se atender à intenção do constituinte, sustenta o ilustre Professor:
"Quando foi promulgada a Constituição de 1988, a tecnologia já estava suficientemente
desenvolvida para que o constituinte, se o desejasse, definisse a não incidência sobre a nova
media eletrônica. Se não o fez é que, a contrário sensu, preferiu restringir a imunidade aos
produtos impressos em papel." (9)
Não obstante o brilhantismo de seus defensores, as teses restritivas da imunidade do livro,
além de carregadas, data máxima vênia, de inescondível conteúdo autoritário,
consubstanciam equívocos e são por isto mesmo insubsistentes, como adiante será
demonstrado.

3. INTERPRETAÇÃO ADEQUADA DA NORMA IMUNIZANTE.


As teses restritivas da imunidade em questão, inobstante o respeito que de todos merecem os
seus autores, cometem o elementar pecado de cuidarem de norma da Constituição como se
de norma de lei ordinária se tratasse, adotando postura hermenêutica absolutamente
incompatível com o moderno constitucionalismo, que preconiza métodos próprios para a
interpretação constitucional.
Realmente, não se deve interpretar uma norma imunizante como se interpreta norma
instituidora de isenção. A norma imunizante de que se cuida foi encartada no texto
constitucional para a proteção de valor fundamental da humanidade, que é a liberdade de
expressão, sem a qual não se pode falar de democracia. Em vista disso, "deve ser atribuído o
sentido que maior eficácia lhe dê." (10)
A interpretação de norma constitucional sempre inspira cuidados. Atento ao princípio da
supremacia constitucional, não pode o intérprete esquecer que a Carta Magna alberga os
princípios fundamentais do Estado e que na interpretação de suas normas tais princípios
devem ser vistos como um conjunto incindível e não podem ser amesquinhados por força do
literalismo estéril que infelizmente ainda domina muitos juristas ilustres.

3.1 A HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL.


O ilustre Professor PAULO BONAVIDES, ao tratar dos métodos de interpretação da nova
hermenêutica, ensina que:
"A adaptação da Constituição à sua época preocupa de maneira constante o formulador da
nova concepção interpretativa, tanto que ao fator tempo atribui importância capital. Não é à
toa que ele assevera ‘viver o Direito Constitucional primia face numa específica problemática
de tempo.’ e que ‘a continuidade da Constituição somente é possível quando o passado e o
futuro se acham nela conjugados.’
A controvérsia acerca dos métodos no Direito Constitucional é, em última análise, segundo
Häberle, uma luta acerca do papel que deve caber ao tempo. A velha hermenêutica, pelo seu
caráter mais estático que dinâmico, deve ser vista como instrumento por excelência das
ideologias do ‘status quo’.
A interpretação concretista, por sua flexibilidade, pluralismo e abertura, mantém
escancaradas as janelas para o futuro e para as mudanças mediante as quais a Constituição
permanece estável na rota do progresso e das transformações incoercíveis, sem padecer
abalos estruturais, como os decorrentes de uma ação revolucionária atualizadora." (11)
Com efeito, em ordenamentos como o brasileiro, erguidos a partir de uma Constituição rígida,
papel ainda mais importante adquire a interpretação constitucional.

12
Diante de freqüentes mudanças na realidade, a norma constitucional começa a ter a cada dia
menor utilidade, se imobilizada por uma interpretação literal, e rapidamente se fará
necessária sua reforma, abrindo-se oportunidade para modificações indesejadas na norma
constitucional, com um conseqüente prejuízo para a segurança jurídica.
Por outro lado, se é certo que não devemos interpretar a norma constitucional segundo os
métodos da hermenêutica tradicional, induvidoso é que não se pode admitir a prevalência do
método, ou elemento literal, sabidamente de franciscana pobreza, e por isto mesmo
insuficiente, mesmo para a interpretação das normas infra constitucionais.
E na verdade só através de uma interpretação literal se pode conceber a limitação da
imunidade do art. 150, VI, "d", aos livros de papel. Os elementos histórico, sistêmico e
teleológico, cada um e todos conduzem ao resultado oposto.
Se utilizarmos o elemento histórico, considerando ser o livro eletrônico a mais moderna forma
de livro, inexistente ao tempo da promulgação da Constituição, ou pelo menos de existência
ainda não significativa àquela época, e que fatalmente substituirá a versão de papel,
inevitavelmente concluímos estar ele também abrangido pela imunidade.
Guiados pelo elemento sistêmico, verificamos que a regra imunizante deve estar em sintonia
com as demais normas da Constituição, especialmente com aquelas que consagram os direitos
e garantias fundamentais, vetores da interpretação de qualquer norma de nosso
ordenamento. E assim, inevitável será a conclusão de que a interpretação abrangente da
norma imunizante é a única forma de preservar tais garantias fundamentais.
Utilizando o elemento teleológico, atentando para a finalidade da norma imunizante,
concluímos que esta deve abranger inclusive outros meios de difusão do pensamento, e não
apenas o livro eletrônico, sob pena de ser tal norma amesquinhada por uma forma de
esclerose precoce que em breve a invalidará.
Portanto, mesmo utilizando a hermenêutica tradicional para interpretar a Carta Magna, vê-se
que apenas o elemento literal, responsável, sabemos todos, por verdadeiros absurdos quando
utilizado isoladamente, nos orienta no sentido de considerar imune apenas o livro, jornal e
periódico de papel.
De todo modo, mesmo sem apelar para outros aspectos da doutrina do moderno
constitucionalismo, a razão parece estar com AFONSO ARINOS, segundo o qual a técnica de
interpretação constitucional "é predominantemente finalística, isto é, tem em vista extrair
do texto aquela aplicação que mais se coadune com a eficácia social da lei constitucional.
Esta interpretação construtiva permite, em determinadas circunstâncias, verdadeiras
revisões do texto, sem que seja alterada a sua forma." (12)
Por isto mesmo é importante sabermos da finalidade da norma imunizante, para que se tenha
maior segurança no afirmar o seu alcance.

3.2 FINALIDADE DAS IMUNIDADES.


É sabido que o tributo possui outras funções que não a de mero instrumento de arrecadação.
Os impostos também podem ser utilizados pelo Poder Público para promover intervenção na
economia. É a denominada função extrafiscal do tributo.
Os impostos de importação e de exportação, embora propiciem receita significativa para o
Tesouro, são utilizados predominantemente com essa função. O IPI, outro clássico exemplo de
extrafiscalidade, incide com variadas alíquotas, dependendo da natureza e da essencialidade
do produto. Sobre produtos considerados essenciais, a alíquota é menor, chegando a zero.
Para produtos considerados supérfluos, ou de utilização inconveniente, como é o caso do
cigarro, e da água ardente ou cachaça, por exemplo, incide a alíquota mais elevada.
Isto mostra que o tributo pode dificultar ou até mesmo impedir totalmente a atividade
tributada. O poder de tributar, como já afirmou a Corte Suprema dos Estados Unidos, envolve

13
o poder de destruir. Nas palavras de PINTO FERREIRA, "O poder ilimitado de tributar significa
o poder de destruir a liberdade, uma vez que quem controla a segurança econômica do
homem também lhe controla a liberdade." (13) É fácil, assim, compreender a finalidade das
imunidades, que constituem limitação do poder de tributar.
Quando se cogita de imunidade, não se há de pensar em termos dos impostos hoje existentes.
A imunidade foi imaginada para proteger o objeto imune contra toda e qualquer forma de
imposto. Para excluir o imposto como instrumento de dominação estatal.
Se fosse instituído imposto altíssimo sobre templos de qualquer culto, sem efeito estaria o
direito ao livre exercício dos cultos religiosos, assegurado pelo art. 5.º, VI, CF/88. Caso não
fosse vedado à União, aos Estados e aos Municípios a instituição de impostos sobre o
patrimônio, a renda ou os serviços dos partidos políticos, restariam seriamente avariadas as
bases da democracia no País. Vedando a tributação recíproca entre União, Estados,
Municípios, a Constituição preserva o princípio federativo, evitando sofra este restrições
decorrentes de tributação, com a qual uma entidade politicamente forte poderia destruir
aquelas dotadas de menor poder político.
É fácil de se ver que a imunidade tem por fim impedir que, através do imposto, o Estado
tolha a liberdade, a democracia e a forma federativa, transformando em letra morta os
valores democráticos consagrados pela Constituição.
Tais imunidades, por isto mesmo, nem por emenda constitucional podem ser revogadas, vez
que o art. 60, §4.º, IV determina que não será sequer objeto de deliberação emenda
constitucional tendente a abolir a forma federativa de Estado e Direitos individuais.
Assim, tais imunidades somente diante de uma nova Constituição podem ser revogadas. É a
proteção máxima que o Direito pode oferecer, pois somente através de uma reconstrução
dele podem ser removidas.

3.3. FINALIDADE DA IMUNIZAÇÃO DO LIVRO.


Analisando especificamente a imunidade garantida pelo artigo 150, VI, "d", da Constituição de
1988, verificamos ser ela garantia à liberdade de expressão, por ser o livro um veículo de
divulgação de idéias, da livre manifestação do pensamento.
Com efeito, se fosse possível a tributação do livro, poderia o Estado instituir imposto
esmagador sobre o mesmo, tornando-o inacessível. Esvaziado estaria o princípio
constitucional da liberdade de manifestação do pensamento.
Barato o livro, mais viável fica a educação, a manifestação de idéias. A democracia como um
todo, pois, como ressaltou PONTES DE MIRANDA:
"Se falta liberdade de pensamento, todas as outras liberdades humanas estão sacrificadas,
desde os fundamentos. Foram os alicerces mesmos que cederam. Todo o edifício tem de ruir."
(14)

4. INSUBSISTÊNCIA DAS TESES RESTRITIVAS.


4.1 O Conceito de Livro.
Para verificarmos o alcance da imunidade do livro, faz-se necessário compreendermos o que é
um livro. Devemos, pois, chegar à sua essência: aquilo que, presente, faz da coisa um livro e,
retirado, faz com que a coisa deixe de ser livro.
Encontrada a essência, todo o resto será elemento acidental, que poderá perfeitamente ser
alterado sem que deixemos de ter um livro.

14
Para isso, é conveniente olharmos para trás, a fim de visualizar o livro no decorrer dos
tempos. Constataremos o que nunca se alterou, sendo, assim, essencial, e o que, com o
passar dos anos, foi modificado, sendo, portanto, acidental.
Inicialmente, escrevíamos, ou melhor, desenhávamos nas paredes de cavernas. Enormes
animais com flechas atravessadas simbolizavam uma caçada proveitosa.
Desenhos, todavia, não eram suficientes para representar todas as situações, além de
ocuparem muito espaço. Surgiu, então, a escrita. Não se sabe ao certo se a escrita surgiu
primeiro no Egito antigo ou na Mesopotâmia. O que nos interessa é que se escrevia em tábuas
de argila.
Tábuas de argila eram pesadas, e também volumosas. Este estudo, se escrito naquele suporte
físico, poderia estar pesando dezenas de quilos. Surgiram, assim, outros suportes físicos para
o livro: papiro, pergaminho, papel, etc.
Até a Idade Média, os livros eram manuscritos. Após Guttemberg, passaram s ser impressos.
Com o tempo, os livros passaram a ser como hoje ainda são por nós conhecidos.
Nos dias que em que vivemos, tendo em vista o que hoje é mais difundido, os dicionários
conceituam o livro como sendo "Reunião de folhas ou cadernos soltos, cosidos ou por
qualquer outra forma presos por um dos lados e enfeixados ou montados em capa flexível ou
rígida." (15)
Todavia, pergunta-se: na Roma antiga, por exemplo, os livros eram rolos de pergaminho, e
não cadernos cosidos e montados em capa flexível. Não seriam, então, livros? Caso fosse esta
a conclusão correta, surpreso ficaríamos em saber que Santo Tomás de Aquino nenhum livro
escreveu.
Por outro lado, um livro caixa, destinado a registrar a movimentação contábil de uma
empresa, vendido em branco, mas devidamente impresso com pautas e outros campos para
preenchimento, é uma reunião de folhas ou cadernos soltos, cosidos ou por qualquer outra
forma presos por um dos lados e enfeixados ou montados em capa flexível ou rígida. Porém é
evidente que referido livro caixa, assim como um livro de atas, não são livros para fins de
imunidade tributária, tanto que são tributados.
Admite-se, portanto, a restrição da imunidade, de forma a não serem abrangidos os livros de
ata, livros de ponto, etc.. É que estes não transmitem conhecimento, razão de ser da
imunidade. Possuem apenas forma que, para fins de imunidade tributária, não os torna livros.
Verifica-se não ser da essência do livro sua forma. A história é rica em exemplos de livros
elaborados dos mais diversos tipos de materiais (cascas de árvores, bambu, argila, papiro,
couro de animais, papel...). Do mesmo modo, verificamos que muitos outros objetos, não
obstante possuam a mesma forma do livro que hoje conhecemos, não são livros para fins de
imunidade tributária.
Sobre o tema, o Professor ROQUE ANTONIO CARRAZZA proferiu notável parecer, do qual
transcrevermos o seguinte trecho:
"O papel, apenas, foi, por largo tempo, o suporte material por excelência do livro, no sentido
considerado pela Constituição, para fins de imunidade: veículo de transmissão de idéias.
Inventado pelos chineses e trazido para a Europa nos fins da Idade Média, o papel, sendo
muito mais barato, veio a substituir, com vantagens, o papiro, dos antigos egípcios. Mas,
ninguém em sã consciência sustentará - mesmo nos dias que ora correm - que um papiro,
contendo idéias, não é um livro.
Muito bem, com a evolução dos tempos, surgiram outros suportes materiais para o livro. Hoje
temos livros informatizados. Mas, sempre livros, isto é, veículos de transmissão de idéias e,
nesta medida, amparados pela imunidade do art. 150, IV, "d", da CF." (16)

15
Assim, a mesma história que foi contada por meio dos desenhos nas paredes de uma caverna
hoje pode ser contada por meio de um CD-ROM, que, muito em breve, será substituído por
um outro meio mais eficiente e prático.
É evidente que alguma razão faz com que aconteça a passagem de um suporte físico para
outro. O homem não teria deixado de usar as tábuas de argila se o papiro não fosse mais leve
e funcional.
Certamente o livro impresso, com páginas numeradas, não teria substituído o rolo manuscrito
se, também, não fosse de melhor manuseio. Em suma síntese, não seriam substituídos os
suportes físicos se os que substituem não apresentassem inúmeras vantagens.
Desse modo, o livro eletrônico, além de ocupar espaço físico cada vez menor, ainda é de
pesquisa rápida e precisa, devido ao auxilio prestado pelo microcomputador na localização do
texto desejado, por exemplo.
Seu conteúdo é o mesmo dos velhos pergaminhos. A diferença está no modo como tal
conteúdo é organizado e apresentado. O velho pergaminho, que não possuía índice ou
números de páginas cedeu lugar ao livro de papel. Este último, nos dias que ora correm, cede
lugar ao livro eletrônico, que possibilita maior armazenamento, maior rapidez nas pesquisas,
etc.
São conhecidas de todos os que já se utilizaram de um livro eletrônico suas vantagens sobre
os tradicionais livros de papel. Não fosse assim, não haveria porque adotá-los.
Uma das inúmeras vantagens do livro eletrônico é o fato de este conter o texto como
hipertexto. Um clique de mouse em determinadas palavras leva o leitor a outras áreas do
texto, ou a ilustrações que demonstram o está escrito.
Graças ao hipertexto, caso o autor do livro faça uma referência, um simples clique de mouse
sobre tal palavra ou frase marcada é suficiente para que se abra uma outra janela contendo o
texto referido.
Se o texto trata de medidas provisórias, e o autor faz referência ao artigo 62 da Constituição
Federal, um simples clique sobre a palavra destacada faz com que o artigo da constituição
apareça na tela, para eventual verificação. Pode-se dizer que é uma evolução da nota de
rodapé.
Caso o livro verse sobre música, e em determinado trecho refira-se à 5.ª sinfonia de
Beethoven, um simples clique nessa citação é suficiente para que o computador toque um
trecho da música, tornando o estudo prático e proveitoso.
Note-se que o conteúdo permanece o mesmo. O hipertexto não passa de uma evolução
significativa da antiga nota de rodapé. O livro eletrônico é o livro de papel evoluído,
evidentemente, mas isso não altera em nada sua essência.
Assim, se os livros eletrônicos são a mais nova forma de livro, não configura integração por
analogia nem interpretação extensiva a tese que defende sua imunidade. A constituição
refere-se a livros, e livros eletrônicos são livros.
Restringir a imunidade constitucional aos livros de papel somente, por outro lado, é fazer
distinção onde o legislador não fez, prática condenada até pelos mais formalistas dos
hermenêutas.

4.2 A TRIBUTAÇÃO DOS PRODUTOS DE INFORMÁTICA.


Grande confusão é feita pelos juristas entre a informática e que através dela se veicula.
Desfeita essa confusão, a questão da tributação dos produtos de informática torna-se simples.
A informática é apenas instrumento. É meio. Não se pode questionar se disquetes e
similares são abrangidos pela norma imunizante do artigo 150, VI, "d", da CF/88. O que neles
está contido é que pode merecer referida imunidade, ou não.

16
Evidentemente um CD-ROM contendo um videojogo (v.g FIFA SOCCER 98) é diferente de um
outro contendo o Repertório IOB de Jurisprudência. O produto de informática, no caso, é
somente o meio através do qual se materializa um brinquedo ou um periódico. Em ambos os
casos, o meio físico não passa de um CD.
Não se pode discutir, portanto, a tributação de produtos de informática genericamente. O
que através do produto de informática é feito ou vendido é que deve ser objeto de análise
detalhada.
Se um grande jurista resolve responder consultas através da INTERNET, incidirá sobre tal
serviço o mesmo ISS que incidiria sobre a consulta oral ou escrita em papel. Não é pelo fato
de ser veiculado pela Internet que tal serviço torna-se imune, pois, na caso, o papel, o
disquete ou a Internet são meios através dos quais se veicula o produto da prestação de um
serviço.
Admitamos, ainda como exemplo, que uma gravadora decida, além de vender discos
convencionais nas lojas, vender as músicas pela Internet. No caso, o usuário faria a cópia do
arquivo contendo a música a partir do site da gravadora na Internet mediante o pagamento
de um preço. Este arquivo ficaria gravado no disco rígido de seu computador, e poderia ser
ouvido quantas vezes desejado. Sobre essa venda incidiria o mesmo imposto da venda
realizada no balcão da loja. Isso porque quando compramos um CD em um loja estamos
comprando o direito de ouvir as músicas nele contidas. O CD e a Internet, em ambos os casos,
apenas "conduzem" o real objeto da compra.
Da mesma forma, o livro pode ser disponibilizado em papel, em disquetes, em CD-ROM ou
através da Internet, sendo, independentemente do meio, imune.
Assim, constatamos não ser possível entender a imunidade como abrangente de todos os
produtos de informática. Pelo mesmo motivo que o papel abrangido pela imunidade é
somente aquele destinado à impressão do livro, o produto de informática imune é somente
aquele que constitui meio de materialização de livros, jornais e periódicos.
Não se deve, portanto, confundir software, de uma maneira geral, com livros eletrônicos, ou
seja, software cuja essência é um livro; sob pena de se tributar um livro ou de se imunizar o
que livro não é.
Portanto, os meios de gravação e disponibilização (disquetes, CD-ROM e similares) não
podem, de forma alguma, receber tratamento tributário indiscriminado. O tributo deve ser
aquele devido pelo conteúdo e não pela forma.
Pensamos, por isso, que a imunidade alcança também as operações com disquetes e similares
virgens destinados à gravação de livros eletrônicos. Os disquetes virgens equivalem, para
todos os efeitos, ao papel destinado à impressão dos livros, jornais e periódicos. São
instrumentos de transmissão do pensamento, de disseminação cultural, cujo desenvolvimento
não pode ficar vulnerável ao poder de tributar.

4.2 ANÁLISE DAS TESES RESTRITIVAS.


Equivocam-se os que afirmam que o livro eletrônico, por ser utilizado por aqueles que
possuem elevada capacidade contributiva, não está a merecer a imunidade tributária. A
imunidade em tela é geral, diz respeito a todo e qualquer imposto, e não tem por finalidade
apenas reduzir os custos dos bens imunes, como pode à primeira vista parecer. Ela tem por
fim proteger esses bens contra todo e qualquer imposto porque o imposto pode ser
instrumento de inviabilização do instrumento. Não se pode pensar no imposto que está, como
está, mas em um imposto que poderia ser criado até mesmo com o propósito de onerar
excessivamente esses bens e, assim, prejudicar a divulgação de idéias, a disseminação da
cultura. Por isto o constituinte, com a imunidade, protege a liberdade de expressão, pré-
excluindo qualquer imposto sobre os veículos que viabilizam essa liberdade.

17
Improcede, outrossim, a tese que nega a possibilidade de integração analógica. Pelo
contrário, a integração analógica é indispensável à efetividade da Constituição, e de sua
supremacia sobre as demais normas do ordenamento, inclusive aquelas que instituem os
impostos. Na tarefa de fazer efetiva a Constituição tem-se de considerar aquelas lacunas que
ENGISH qualifica como verdadeiras, e cujo não preenchimento conduz a um momento de
incongruência no sistema.
Ademais, como vimos, o livro eletrônico é a mais moderna forma de livro. Dessa forma, por
encaixar-se no conceito de livro, não configura analogia conceder-lhe o benefício da
imunidade.
Oswaldo Othon de Pontes Saraiva Filho, defensor de tese restritiva da norma imunizante, em
outra ocasião, ao escrever sobre a possibilidade de incidência da COFINS sobre operações com
imóveis, manifestou opinião defendendo a mutabilidade dos conceitos.
No seu entendimento, "hodiernamente, diante do surgimento das mega-metrópoles e da
renovação da indústria da construção civil, os conceitos jurídicos se modificaram, de modo
que as operações sobre imóveis não podem mais ser excluídas do regime jurídico dos atos do
comércio...." (17)
Afirma ainda o ilustre procurador que os artigos 194 e 195 da CF/88 "demonstram o escopo do
constituinte de que toda a sociedade financie a Seguridade Social, inclusive com as
contribuições dos empregadores sobre o faturamento." (18)
Como visto, o tributarista utiliza a interpretação histórico-evolutiva e a teleológica no escopo
de ampliar o âmbito de incidência da norma tributária. Nada obstante, de forma incoerente e
nada isonômica, assevera agora não serem adequados os mesmos métodos de exegese para
consagrar princípios constitucionais como o da liberdade de expressão e do pensamento,
abrigando o livro eletrônico na imunidade concedida pelo art. 150, VI, da CF/88.
Tomados os cuidados que devem ser dados às comparações, podemos afirmar que tal tese é
tão absurda quanto a de se interpretar a norma penal extensivamente apenas quando esta
prejudique o réu.
Devemos, no entanto, admitir que é realmente difícil a situação dos Procuradores da
Fazenda, obrigados a defender teses indefensáveis, e, algumas vezes, como as acima
apontadas, contraditórias, em defesa dos interesses cada vez mais ávidos do Poder Público.
Dentro dessa situação, cabe reconhecer o esforço desses juristas, que com boa argumentação
tornam aparentemente razoáveis teses absurdas.
De fato, não é admissível a utilização de interpretações extensivas para fazer incidir a norma
tributária sobre operações anteriormente não tributadas. Tal procedimento é evidentemente
contrário a todos os princípios de direito tributário. Todavia, ainda que isso fosse possível, o
que se admite somente para fins de argumentação, forçoso seria dar o mesmo tratamento às
normas imunizantes, sob pena de se esfacelar também o princípio do isonomia.
Com efeito, a Constituição consagrou princípios fundamentais que devem orientar a exegese
das demais normas do ordenamento, sob pena de violação da supremacia constitucional. Não
se concebe, portanto, que se interprete extensivamente em certas situações, para que o
tributo seja devido, e restritivamente em outras, amesquinhando o sentido do comando
Constitucional, para estiolar uma imunidade.
Negar essa imunidade é negar a supremacia constitucional, que não pode ser limitada pelo
literalismo hermenêutico, expressão de ultrapassado e canhestro formalismo jurídico. Tem-se
de considerar o elemento teleológico, ou finalístico, que nos indica ser a imunidade em
questão destinada a impedir funcione o tributo como instrumento contra a liberdade de
expressão e de informação, de transmissão de idéias e de disseminação cultural. Inadmissível
interpretação que impede a realização do princípio essencial albergado pela norma
imunizante, tolhendo sua função por uma forma de esclerose precoce, que se não harmoniza
com o moderno constitucionalismo no qual se tem preconizado métodos específicos para a

18
interpretação de normas da Constituição, em homenagem à sua supremacia no ordenamento
jurídico.
Tem inteira razão Lobo Torres, quando assevera ser "necessário que se afaste a banalização
do conceito de imunidade, que adviria do abandono dos valores jurídicos e éticos que a
fundamentam." (19) Não podemos, por isto mesmo, concordar com a distinção preconizada
pelo ilustre tributarista, entre cultura tipográfica e cultura eletrônica, para os fins da
imunidade em questão, porque não nos parece razoável sacrificar o valor liberdade,
prejudicando a liberdade de comunicação e expressão, nutrindo a preocupação em
"comprometer o futuro da fiscalidade, fechando-se a possibilidade de incidências tributárias
pela extrapolação da vedação constitucional para os produtos da cultura eletrônica;." (20)
Diante da inexorável tendência de substituição da cultura tipográfica, pela cultura eletrônica,
ou se entende a imunidade em sentido abrangente desta última, ou se deixa estiolar a norma
imunizante, que em breve restará inútil para a proteção dos valores mais caros da
humanidade.
A preocupação fiscalista não justifica, de nenhum modo, que se abra mão dos instrumentos
de proteção da liberdade de expressão, contra os ímpetos, cada vez maiores, do poder
tributário, até porque não faltarão ao Estado meios de suprir suas necessidades financeiras, e
certamente poderá fazê-lo, sem o sacrifício da liberdade de comunicação e de expressão.
Como já foi dito, cabe diferenciar, nos produtos de informática, seu conteúdo. Não são todos
os produtos de informática que estão albergados pela imunidade. Os meios eletrônicos, como
o nome está a dizer, são meios. Defende-se a imunidade do livro, seja qual for o meio em que
esteja sendo veiculado. Não tem qualquer consistência, portanto, o argumento de que "a
extrapolação da imunidade da cultura tipográfica para a cultura eletrônica significará deixar
de fora da tributação todos os produtos e serviços relacionados com os computadores..." (21)
É evidente, como já foi explicado alhures, que produtos e serviços relacionados com os
computadores poderão ter o mesmo tratamento tributário daqueles produtos e serviços
convencionais. Do mesmo modo, livros, jornais e periódicos relacionados com computadores
terão o mesmo tratamento tributário dos convencionais: a imunidade.
Admitir o tributo sobre os instrumentos de comunicação e de expressão do pensamento é
abrir caminho ao Estado autoritário, tal como admitir a censura. A tese de defesa da
fiscalidade, como a da defesa da moralidade, podem ser sedutoras sob certos aspectos, mas
no fundo escondem inaceitável proteção do autoritarismo.
O argumento de que o livro eletrônico é hipertexto, que difere do texto do livro impresso em
papel, é, também, improcedente. É natural que o modo como é organizado o texto do livro
eletrônico é diferente a fim de aproveitar as potencialidades do novo meio.
Como vimos anteriormente, descaberia mudar o suporte físico do livro se dessa mudança não
tirássemos nenhum proveito. O livro cosido, "encadernado", dividido em páginas numeradas,
facilitou demais a pesquisa. Para quem estudava através de rolos de pergaminho, encontrar o
texto desejado por meio de um índice, que indica a página, foi avanço incrível, mas que não
descaracterizou o seu conteúdo: o livro.
O hipertexto, assim, é a vantagem proporcionada pelos meios eletrônicos. O texto pode ser
entrado com maior rapidez e os temas relacionados podem ser obtidos através de um "clique
de mouse."
Pretender que o livro eletrônico não goze de imunidade pelo fato de não sofrer as limitações
do livro de papel é inconcebível. É evidente que o homem, durante todo o curso da história,
modificou o suporte físico do livro visando melhorá-lo.
Os rolos de pergaminho certamente eram muito melhores que as tábuas de argila. Os livros de
papel tradicionais certamente são muito mais fáceis de se consultar e guardar que aqueles
rolos de pergaminhos. O livro eletrônico, obviamente, é muito melhor de se consultar e
guardar que o livro tradicional, e seria incompreensível se não fosse assim.

19
Por outro lado, é certo que o constituinte de 1988 teve oportunidade de adotar redação
expressamente mais abrangente para a norma imunizante, e não o fez. Isto, porém, não quer
dizer que o intérprete da Constituição não possa adotar, para a mesma norma, a
interpretação mais adequada, tendo em vista a realidade de hoje. Realidade que já não é
aquela vivida pelo constituinte, pois nos últimos dez anos a evolução da tecnologia, no setor
de informática, tem sido simplesmente impressionante. Se em 1988 não se tinha motivos para
acreditar na rápida substituição do livro convencional pelos instrumentos e meios magnéticos,
hoje tal substituição mostra-se já evidente, embora o livro tradicional ainda não tenha
perdida sua notável importância.
A evolução, no setor da informática, é tão rápida, que o CD ainda nem ocupou espaços
significativos no mercado brasileiro e já está sendo substituído, com imensa vantagem, pelo
DVD, levando várias empresas a incluir drives especiais em alguns de seus micros, prevendo-
se que até o final de 1998 "esses drives terão substituído totalmente os de CD-ROM, que
serão, então, peças de museu." (INFO-Exame, Nº 12, dezembro/97, p.44).
Não pode, pois, o intérprete, deixar de considerar essa evolução. Nem esperar que o
legislador modifique o texto. O melhor caminho, sem dúvida, para que o Direito cumpra o seu
papel na sociedade, é a interpretação evolutiva.

5. LIVRO ELETRÔNICO E ISONOMIA


Além dos pontos a que já nos reportamos, ainda há ponto relevante da questão, apontado de
forma magistral pelo Prof. Roque Antonio Carrazza(22), que é o respeito ao princípio da
isonomia.
Os livros eletrônicos, por contarem os recursos da informática, possuem implementos que
facilitam sua compreensão por portadores de deficiências físicas ou mentais, bem como por
analfabetos e crianças de pouca idade.
Alguns livros eletrônicos(23) oferecem a possibilidade de, mediante "clique" em local
apropriado da tela do micro, o computador ler, em voz alta, o texto selecionado. Tal recurso
torna o livro acessível a cegos, analfabetos e a pessoas de idade avançada, que já não podem
ler. Já existem versões onde o computador é capaz de ler todo o conteúdo do texto, e isso já
é utilizado no auxílio à educação dessas pessoas.
Outras versões oferecem, através do hipertexto, a possibilidade de serem exibidas figuras ou
animações, acompanhadas de sons, a fim de facilitar o entendimento do texto escrito. Dessa
forma, uma criança que, ordinariamente, acharia entediante o estudo de determinada
disciplina, pode estudar com o auxílio de exemplos, figuras e sons, o que torna o aprendizado
agradável e prazeroso. O deficiente mental, com a ajuda de sons e imagens, pode melhor
compreender o texto, o que, no livro de papel, sem sombra de dúvida, seria muito mais
difícil.
Caso prevalecessem as teses restritivas da imunidade do livro, teríamos patente violação ao
princípio da isonomia, vez que cegos, deficientes, analfabetos e idosos arcariam com o ônus
tributário, enquanto pessoas alfabetizadas e com pleno desenvolvimento físico e mental
teriam acesso a livros baratos em virtude da imunidade.
Sobre o tema, notável é a lição do Professor ROQUE ANTONIO CARRAZZA:
"Uma pessoa alfabetizada, em perfeitas condições físicas e mentais, adquire uma Bíblia
convencional (isto é, impressa em papel) e não suporta no preço deste Livro Sagrado, o ônus
financeiro de nenhum imposto. É o que literalmente dispõe o art. 150, VI, d, da Constituição
Federal.
Já - se prevalecer a absurda e restritiva interpretação deste dispositivo constitucional - um
deficiente (analfabeto, cego, idoso, etc.), ao adquirir o mesmo Texto Sagrado, só que, agora,
adaptado a sua excepcional condição (por exemplo, uma Bíblia em vídeo), teria que suportar
a carga econômica dos impostos que a precitada alínea d profiga.

20
Um cego, por exemplo, será economicamente prejudicado justamente por ser cego." (24)
Como conclui o ilustre tributarista, no caso, há uma aplicação inversa do princípio da
igualdade, absolutamente inaceitável.
Dessa forma, a restrição da imunidade aos livros de papel importa, além de outros absurdos,
em tratamento profundamente desigual e injusto, vez que onera o acesso do conhecimento
por parte de cegos, analfabetos, crianças e idosos, bem como todo aquele que tenha qualquer
tipo de deficiência que lhe dificulte a leitura.

6. CONCLUSÕES.
Com base no que foi exposto neste estudo, chegamos às seguintes conclusões:
a) O disposto no artigo 150, VI, "d", aplica-se também aos livros contidos em CD-ROM,
disquetes, na internet, ou em qualquer outro suporte físico, pois:
a.1) A constituição deve ser interpretada a fim de se conceder máxima efetividade às suas
normas;
a.2) A constituição deve ser interpretada com o intuito de se adequar suas normas à nova
realidade, a fim de garantir sua rigidez e sua supremacia, sob pena de suas regras restarem
estioladas com o decorrer do tempo;
a.3) Mesmo que sejam utilizados os métodos tradicionais de hermenêutica, todos levam à
conclusão de que o livro eletrônico também é imune, com exceção da interpretação literal,
causadora de verdadeiros absurdos quando utilizada de forma isolada;
a.4) Sendo coisas distintas o livro e seu suporte físico, e sendo os Cds, disquetes e similares
apenas o mais novo suporte físico dos livros, mesmo utilizando a interpretação literal
concluímos ser o livro eletrônico imune, pois, literalmente, é um livro, houve uma evolução
no conceito de livro, e onde o legislador não distinguiu (livros...) não cabe ao intérprete
distinguir;
b) Da mesma forma como o papel destinado a impressão de livros, jornais e periódicos é
imune, também estão albergados pela imunidade os suportes físicos dos livros, jornais e
periódicos eletrônicos: (CDs, DVDs, disquetes, ou similares que sejam destinados em sua
gravação.)

NOTAS
1.
Wilson Martins, A palavra escrita – História do livro, da imprensa e da biblioteca,
Ática, São Paulo, 1996, p.261
2.
Sobre os disquetes e similares com conteúdo diverso do livro eletrônico, entende a
Primeira Turma do STJ incidir o ISS sobre programas feitos sob encomenda e o ICMS sobre
produtos disponíveis no mercado para aquisição de todos, tais como o Word 6 e o Windows.
(RESP n.º 123.022/RS, Rel. Min. José Delgado, in DJU de 27.10.97)
3.
SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes. Os CD-Roms e Disquetes com Programas
Gravados são Imunes ?, em Revista Dialética de Direito Tributário, nº 5. TORRES, Ricardo
Lobo, 5.º Simpósio Nacional IOB de Direito Tributário - Livro de Apoio. MORAES, Bernardo
Ribeiro, em palestra proferida no 6.º Simpósio IOB de Direito Tributário, São Paulo, 20 e 21 de
novembro de 1997.
4.
SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes. Os CD-Roms e Disquetes com Programas
Gravados são Imunes ?, em Revista Dialética de Direito Tributário, nº 5, p. 36.
5.
SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes, Ob. Cit. p. 36/37.

21
6.
SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes, A Não-Extensão da Imunidade aos
Chamados Livros, Jornais e Periódicos Eletrônicos, in Revista Dialética de Direito Tributário,
n.º 33, p. 138
7.
TORRES, Ricardo Lobo. Imunidade Tributária nos produtos de informática, Caderno do
5.º Simpósio Nacional IOB de Direito Tributário, livro de apoio, p. 95
8.
TORRES, Ricardo Lobo. Ob. cit., p. 98
9.
TORRES, Ricardo Lobo. Ob. cit., p. 99
10.
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional, Coimbra, Almedina, 1996, 6.ª Ed., p.
227
11.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, São Paulo, 1997, 7.ªEd, p. 471
12.
FRANCO, Afonso Arinos de Melo. Direito Constitucional, Teoria Constitucional, as
Constituições do Brasil, Rio de Janeiro, 1976, p. 116.
13.
FERREIRA, Pinto. Curso de Direito Constitucional, 8.ª Ed, 1998, Saraiva, São Paulo, p.
141
14.
MIRANDA, Pontes de, Comentários à Constituição de 1967, Tomo V, S. Paulo, Ed. RT,
2.ª ed., revista, 2.ª tir., 1974, pp. 155/6
15.
Dicionário Aurélio Buarque de Holanda Ferreira
16.
CARRAZZA, Roque Antonio. Importação de Bíblias em Fitas - sua Imunidade - Exegese
do art. 150, VI, d, da Constituição Federal, in Revista Dialética de Direito Tributário, n.º. 26,
p. 117.
17.
SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes. Cofins nas operações sobre imóveis , em
Revista Dialética de Direito Tributário, nº 1, p. 63.
18.
SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes. Cofins nas operações sobre imóveis, em
Revista Dialética de Direito Tributário, nº 1, p. 66
19.
Ricardo Lobo Torres, Ob. Cit., p.97.
20.
Ricardo Lobo Torres, Ob. Cit., p 98.
21.
Ricardo Lobo Torres, Ob. Cit., p 89.
22.
CARRAZZA, Roque Antonio. Importação de Bíblias em Fitas - sua Imunidade - Exegese
do art. 150, VI, d, da Constituição Federal, in Revista Dialética de Direito Tributário, n.º. 26.
23.
A Enciclopédia Animals, veiculada em CD-ROM, é exemplo de livro eletrônico que
oferece tal recurso.
24. CARRAZZA, Roque Antonio. Ob. Cit., pp. 137/8

i[1]
RIOS, José Luiz de Gouvêia. III Seminário Nacional de Fundações. Belo Horizonte, 01 a 03 de
dezembro de 1998.
ii[2]
DUTRA, Luiz Vicente. III Seminário Nacional de Fundações. Belo Horizonte, 01 a 03 de dezembro de
1998.

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