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Walter Benjamin, outro expoente, iria ligar-se aos frankfurteanos um pouco mais tarde
2
proposições formam assim os princípios gerais capazes de tornar mais completa a teoria
quanto menor seu número. A exigência fundamental dos sistemas teóricos tradicionais é a
de que todos os elementos sejam ligados de modo direto e não contraditório,
transformando-se em puro sistema matemático de signos. Embora um tal projeto possa
parecer demasiado exigente, o fato é que os sistemas assim construídos provaram-se
extremamente aptos à utilização operativa, isto é, sua aplicabilidade prática revelou-se
muito vasta.
Horkheimer admitiu a legitimidade e a validez de tal concepção de teoria ou
ciência, reconhecendo o quanto ela contribuiu para o controle técnico-instrumental da
natureza enquanto “força produtiva imediata” (Marx). Mas o reverso da moeda é
negativo. Para Horkheimer, o trabalho do especialista, dentro dos moldes da teoria
tradicional, realiza-se desvinculado dos demais, permanecendo alheio à conexão global
dos setores da produção. Nasce assim a aparência ideológica de uma autonomia dos
processos de trabalho, cuja direção deve ser deduzida da natureza interna de seu objeto. O
pensamento cientificista contenta-se com a organização da experiência, a qual se dá sobre
a base de determinadas atuações sociais, mas o que estas significam para o todo social
não entra nas categorias da “teoria tradicional”. Em outros termos, a teoria tradicional não
se ocupa da gênese social dos problemas, das situações reais nas quais a ciência é usada e
dos escopos para os quais é usada. Chega-se, assim, ao paradoxo de que a ciência
tradicional, exatamente porque pretende o maior rigor para que seus resultados alcancem
a maior aplicabilidade prática, acaba por se tornar mais abstrata e estranha à realidade
enquanto conexão mediatizada da práxis global de uma época. 2
Como expressão mais acabada da teoria tradicional, Horkheimer enfrentou-se com
o positivismo, por ele caracterizado como um tipo de razão subjetiva, formal e
instrumental, cujo único critério de verdade é seu valor operativo, ou seja, seu papel na
dominação do homem e da natureza. A razão positivista é aquela que realiza
completamente a tendência imanente de reduzir a diversidade do real a suas próprias
categorias, subsumindo todo não-idêntico à unidade do idêntico, como tal, operando
como pensamento identificante. Em todos os domínios a razão permite a comparação do
que é heterogêneo reduzindo-o a quantidades abstratas, substituindo a multiplicação
espontânea das coisas por sistemas de signos arbitrários que dão a conhecer essas coisas
somente na medida em que podem ser replicadas, fabricadas em modelo. Neste âmbito,
as palavras não são jamais usadas para expressar as qualidades das coisas e sim para
servir radicalmente na organização de um material do saber para aqueles que podem
dispor habitualmente dele. Por desenvolver-se apenas no campo da experiência possível,
ordenando os fenômenos conforme os meios construtivos, preferindo o estudo de
segmentos isolados e atomizados do real e recusando toda apreensão integradora que
inclua a vivência pessoal, “na via que os reconduz em direção à ciência moderna, os
homens renunciam ao sentido”.3
A consequência da razão que se submete aos fatos para melhor se apoderar dos
existentes (conforme a máxima de F. Bacon: “a natureza não se vence, se não quando se
lhe obedece”) é a coisificação e a automatização do próprio pensar, que tende a se fechar
naquilo que é efetuável à maneira maquinal: o cálculo.
2
Como no dito famoso de Heidegger, “A ciência não pensa” (in O que significa pensar), quer dizer, ela
conta, calcula, manipula, objetifica, sem que a dimensão ontológica, existencial, se abra para ela. Na
verdade, o desenvolvimento de nosso modelo técnico e industrial é conseqüência precisamente do
“esquecimento do ser” na trajetória da cultura ocidental.
3
M. Horkheimer e T. Adorno, O conceito de Aufklärung, p. 23
3
“Em vez de refletir em si mesma os diversos domínios do conhecimento, dos quais ela
é o fundamento produtor, a razão se torna estranha à sua própria significação,
confundindo-se com procedimentos formais que se limitam a organizar a ação prática
sobre o mundo”. 4
Dentro dessas coordenadas, a razão se desembaraça da reflexão sobre os fins e
torna-se incapaz de dizer que um sistema político ou econômico é irracional. Por cruel e
despótico que ele possa ser, contanto que funcione, a razão positivista o aceita e não deixa
ao homem outra escolha a não ser a resignação. Pois mesmo quando possui um interesse
universalista, desejando a emancipação social, o cientista tradicional é um especialista
que vê, como tal, esse interesse como algo exterior à sua atividade. Profissionalmente ele
se limita a tentar descortinar “o que é” (seja o que for: um efeito físico, um vírus, uma
oscilação econômica...) relegando seus desejos quanto ao que “deve ser” (valores,
princípios morais, éticos ou políticos...) a uma outra esfera da existência, aquela em que é
um cidadão qualquer e não um cientista.
Ora, contrariamente a este descolamento do contexto sócio-histórico característico
do pesquisador que coloca o mundo entre parênteses para se dedicar ao estudo molecular,
parte-extra-partes, de algum segmento da realidade isolada experimentalmente, a teoria
crítica, escreve Horkheimer, “nasce da consideração dos homens de tempos em tempos,
vivendo sob condições determinadas e que conservam sua própria vida com a ajuda dos
instrumentos de trabalho”. Repetindo W. Dilthey, Horkheimer reafirmou a diferença entre
a natureza não criada pelo homem e o mundo histórico humanamente criado. Se através
do estudo de segmentos isolados e atomizados a matéria morta da natureza permite uma
explicação do exterior, o mundo humano, vivo e inesgotável, requer uma compreensão
interna, uma apreensão integradora das formas de vivência.
A tomada em consideração de que a existência social age como determinante da
consciência não é uma noção nova, mas o propósito de Horkheimer com a teoria crítica
era o de fazer um diagnóstico de uma situação histórica incluindo-se o compromisso com
sua superação, isto é, a teoria crítica haveria que compor com a vivência na geração de
novas formas históricas de vida.5 Dito de outra maneira, ao opor a teoria crítica à razão
instrumental e subjetiva dos positivistas, Horkheimer não evidenciava somente uma
divergência de ordem teórica; para ele, como para os frankfurteanos em geral, o valor de
uma teoria dependia de sua relação com a práxis, o que significa que, para ser relevante,
uma teoria social tem que estar relacionada às questões nas quais, num dado momento
histórico, as forças sociais progressistas se engajam. A teoria crítica é, por assim dizer,
fundada epistemologicamente na necessidade de superar o dualismo tradicional entre o
cientista individual (produtor autônomo de conhecimento) e a totalidade da atividade
social que o rodeia: “A razão não pode ser transparente para consigo mesma enquanto os
homens agirem como membros de um organismo irracional”.6
No mesmo ensejo em se opõe à segmentação do saber, a teoria crítica, por
definição, haveria que ser também coletiva, um programa eminentemente interdisciplinar.
Contra a prática científica tradicional que consiste em recortar a totalidade em objetos
parciais e decompor os fenômenos complexos em meros aspectos a serem testados e
contados, ou seja, contra a especialização que segue esta parcialização, Horkheimer e
seus colegas colocaram como tarefa organizar investigações que unificassem filósofos,
sociólogos, economistas, historiadores e psicólogos em uma comunidade de trabalho
4
A. Lacroix, A razão, p. 107
5
Cf. M. Horkheimer, Filosofia e Teoria Crítica, p. 163
6
Horkheimer, Teoria Tradicional e Teoria Crítica, p. 208
4
permanente, para investigar questões filosóficas substantivas sobre o todo social com o
auxílio de métodos científicos.
Como primeiro objeto de investigação, Horkheimer propôs a questão sobre o nexo
entre a vida econômica da sociedade, a evolução psíquica dos indivíduos e as
transformações nos diversos âmbitos da cultura (os quais incluem não só os conteúdos da
ciência, da arte e da religião, mas também o direito, os costumes, as modas, a opinião
pública, práticas esportivas, modos de divertimento, estilos de vida e muitos outros).
Posteriormente esse questionamento econômico-psíquico-cultural foi melhor precisado
em um longo e exaustivo trabalho coletivo intitulado Estudos sobre Autoridade e família
(1936), escrito em Paris, onde fazem um diagnóstico da estabilidade social e cultural das
sociedades da época pondo em questão a capacidade das classes trabalhadoras em levar a
cabo as transformações sociais.
Embora nesse programa e nesse primeiro estudo sistemático a economia política
de extração marxista tivesse sempre um papel fundamental – para Horkheimer o
materialismo se definia por ser uma teoria econômica da sociedade – dada a urgência de
entender os mecanismos de sujeição psíquica às formas novas e totalitárias de autoridade,
a psicologia e a psicanálise ganharam também uma função de máxima importância. Na
visão de Horkheimer, a vida econômica e a vida psíquica condicionam-se reciprocamente
no âmbito da cultura (e enquanto linguagem), de modo que só tendo-se em conta essa
relação seria possível penetrar mecanismos de repressão e entrever potenciais de
emancipação.
A associação entre o vocabulário freudiano e as temáticas marxistas permitiu aos
frankfurteanos colocar questões inovadoras, incorporando fatores subjetivos (o desejo, o
sexo, o sonho, as pulsões...) à teorização mais geral acerca do desenvolvimento histórico
humano (como desenvolvimento humano na História: estruturas sociais, sistemas
produtivos, classes...). Essa aproximação da psicanálise renovou a tradição marxista: ao
invés de abordar a sociedade contemporânea colocando unicamente a atividade
econômica no centro da análise (abordagem infraestrutural), tornava-se preciso levar em
conta, principalmente, as estruturas de dominação ideológicas e culturais
(superestruturais).7
“Como é possível que a maioria da população pense e aja num sentido favorável ao
sistema que a oprime?”.8
Como ciência paradigmática da comunicação deformada, como doutrina do
funcionamento psíquico da ação irracional, a psicanálise haveria de servir ao estudo
dessa patologia – a servidão voluntária, o estado de minoridade psicológica
autoconsentida – ajudando a entender como a ideologia, preconizada por Marx, legitima
a exploração através da modelagem do aparelho psíquico individual. Perguntava-se:
através de quais mecanismos de interiorização (de identificação, de negação, etc) torna-se
possível que a maioria oprimida aceite docilmente sua opressão pela minoria?
As afinidades primiciais entre a psicanálise e o marxismo podem ser vislumbradas
numa frase famosa do “Dezoito Brumário”, um dos primeiros livros de Marx: “Os
homens fazem a sua própria história, mas não a fazem segundo sua livre vontade; não a
fazem sob circunstâncias de sua escolha, mas sob aquelas com que defrontam
diretamente, legadas e transmitidas pelo passado”. A perspectiva que liga Freud a Marx é
a da determinação heteronômica do comportamento do homem moderno, não apenas no
sentido dos “determinantes fisiológicos” mas num sentido essencialmente trágico.
Trágico no sentido em que a criatura volta-se contra o criador, ou seja, as formações
sociais (representações, instituições...), que são objetivações significativas da existência
(antropomorfismos, criações humanas), destacam-se da vida humana, e como que
ganhando vida própria, autonomizam-se, passam a impor-se aos humanos.
Em outras palavras, as forças que aniquilam o sujeito têm sua origem nele mesmo;
as formas que constituem a cultura e a sociedade (de que esse sujeito é originariamente
autor e portador), como formas acabadas (reificadas), reapresentam-se fechadas à
existência a que deveriam servir. Sendo assim, Estado e economia, como âmbitos da
existência social fortemente racionalizados, são percebidos enquanto regidos pela
dinâmica de automatismos que crescem sem parada, funcionando sempre mais segundo
uma lógica própria – um “princípio de calculabilidade” (Weber) - que prescinde da
coordenação comunicativa das ações. Tanto a administração pública quanto a empresa
capitalista seguem regras “de mercado” que parecem pairar acima da cabeça dos mortais.
O princípio da calculabilidade - “princípio por excelência da sociedade reificada”
(Lukács) -, como a expressão de uma racionalidade onipresente, funciona
independentemente dos atores envolvidos, sendo percebida por eles como algo externo e
coercitivo, uma realidade objetiva como uma ‘segunda natureza’ contra a qual se sentem
impotentes.9
Com essa constatação, os teóricos críticos observaram nas multidões a fabricação
de desejos e necessidades induzidos pelas lógicas de mercado, a imposição de formas
através de aparelhos ideológicos (escola, família, meios de comunicação...) que
determinam as escolhas, e entenderam que, para um trabalho de emancipação, seria
preciso atravessar uma fase de auto-consciência crítica, realizar um retorno a si como
“experiência do pensamento”, empreender uma atividade de auto-esclarecimento dos
próprios preconceitos para desfazer bloqueios, romper com os idola que constrangem a
vida. Este propósito terapêutico os frankfurteanos incorporaram de Marx e também,
evidentemente, da teoria freudiana, supondo-se em qualquer caso a possibilidade de
emancipação do desejo (no caso psicanalítico, a tomada de consciência em análise, no
caso do marxismo, a tomada de consciência como práxis revolucionária).
Uma vez tendo adotado a visada freudo-marxista os frankfurteanos não deixaram
de observar o peso e a força das representações sociais com que interpretamos nossos
8
S.P.Rouanet,Teoria Crítica e Psicanálise, p. 70
9
J. Souza (org.), A atualidade de Max Weber, Ed. UnB, 2000, p. 58.
6
10
Habermas cit. S.P.Rouanet, Teoria Crítica e Psicanálise, p 328
7
do pensamento crítico, “fazer ouvir a voz da contradição que vive nas coisas” e que, sem
a ação do pensamento, “triunfa muda”. Benjamin (in Passagens), por sua vez, se
empenhou em “despertar o potencial revolucionário adormecido nos farrapos e resíduos
do cotidiano”, “as energias revolucionárias que transparecem no antiquado”, seguro de
que “existe um saber ainda-não-consciente do ocorrido, cuja promoção tem a estrutura do
despertar”...
O conceito de racionalidade
Juntando Marx com Freud, os frankfurteanos se armaram dos meios teóricos com
que tematizar a totalidade sócio-histórica, como um preâmbulo para a proposição de uma
alternativa total à sociedade existente. Em conseqüência, escreveram sobre quase tudo:
sobre ética, estética, cinema, música, autoritarismo, capitalismo... além, claro, de
psicanálise e dos efeitos da repressão sexual. Junto às observações criticas e negativas (de
influência heideggeriana) feitas às “promessas não cumpridas da modernidade”, os
frankfurteanos se destacaram também pela grave desconfiança que manifestaram quanto
à racionalidade em geral.
A concepção de razão e de racionalidade em questão foi retomada de Max Weber,
no sentido em que este autor situava, como o fundamento do Ocidente moderno, como
aquilo que determina sua lógica específica no cenário do mundo, um processo de
racionalização tendente a impor-se, como “modo racional em finalidade”, sobre outros
modos racionais de vida - ético, estético, religioso, erótico ou qualquer outro... Racional,
para Weber, equivalia a toda ação baseada no cálculo, na adequação meios-fins, em que
se procura obter com um mínimo de dispêndio um máximo de efeitos desejados,
evitando-se ou minimizando–se os efeitos colaterais indesejados. Trata-se de uma
racionalidade formal no sentido em que não importam os conteúdos das idéias e dos
princípios que possam ser considerados racionais, mas a forma como essas idéias e
princípios serão utilizados para a obtenção de um fim qualquer. Assim como o trabalho e
a técnica utilizada são ferramentas para a transformação da Natureza, a razão desponta
como ferramenta para obtenção de um fim, estando implicada como tal no modo humano
de dominar a natureza, os homens, os próprios instintos e desejos humanos.
Esta racionalidade-ferramenta, relacionada em profundidade com o trabalho
humano e os processos produtivos, foi percebida por Weber como estando
institucionalizada na vida cotidiana, traduzindo-se, no plano econômico, na ação
calculada dos agentes econômicos (empresários, investidores...) e no plano do controle
político, como atuação competente da administração estatal (burocracia, serviço
público...). No dizer de Habermas (apud Weber)...
“Racionalização quer dizer, antes de mais nada, a ampliação dos setores sociais
submetidos a padrões de decisão racional. A isso corresponde a industrialização do
trabalho social, com a conseqüência de que os padrões da ação instrumental penetram
também outros domínios da vida (urbanização dos modos de viver, tecnicização dos
transportes e da comunicação). (...) A racionalização progressiva da sociedade está
ligada à industrialização do progresso científico e técnico. Na medida em que técnica e
ciência penetram os setores institucionais da sociedade, transformando por esse meio
as próprias instituições, as antigas legitimações se desmoronam. Secularização e
desencanto das imagens do mundo que orientam o agir, e de toda tradição cultural, são
a contrapartida de uma racionalidade crescente do agir social.”11
11
M. Weber, cit. J. Habermas, Técnica e ciência como ideologia, Col Os Pensadores, p. 313
8
12
Max Horkheimer, Eclipse da Razão, Ed. Centauro, p. 29
13
S.P. Rouanet, As razões do Iluminismo, p. 335
9
Ainda não. Depois dos frankfurtianos “de primeira geração”, aparecerá Jürgen
Habermas, como o último dos iluministas, para atualizar e continuar a teorização crítica,
para retomar o conceito de razão crítica e reafirmar sua possibilidade tanto no plano
teórico quanto no plano ético, sem descurar o plano político.
14
E. Fromm, A revolução da esperança
10
(ao lado do trabalho e da interação, como pensada por Hegel), para contrapor, ao modelo
dominante de razão monológica baseada na relação sujeito-objeto, um outro modelo de
razão, uma concepção de razão ampliada, baseada na intersubjetividade como relação
entre sujeitos (a razão comunicativa).
Para Habermas, a esfera da razão comunicativa é uma dimensão com potenciais
normativos reprimidos ou reservados que jamais se reduzem ao domínio instrumental,
podendo como tais ser liberados para reverter (ou compensar) a tendência à colonização
instrumental-cognitiva do mundo e da vida. Se a racionalidade instrumental radicada na
esfera sistêmica avança sobre as outras esferas da vida social, tendendo anexar segmentos
cada vez mais extensos do mundo vivido, unificando-os sob o peso dos imperativos
funcionais, paradoxalmente, essa racionalidade tem como condição mesma de
propagação, a heterogeneidade das dimensões do mundo vivido.
Em outras palavras, Habermas tomou em consideração o conceito de
racionalização para novamente bifurcá-lo, identificando duas racionalidades irredutíveis e
mutuamente dependentes, confiando que uma (a racionalidade do agir comunicativo)
possa ser operada de modo a limitar ou reequilibrar a preeminência da outra (a
racionalidade instrumental). Com isso, se desfez da noção de Razão como um valor
absoluto universal (a razão totalitária) para introduzir uma concepção dialógica (ou
comunicativa) da razão, admitindo o caráter processual da verdade.
O recurso à distinção trabalho-interação, como empregada por Habermas, visou
assegurar a importância do aprendizado desta dimensão comunicativa e normativa de par
com o desenvolvimento das forças produtivas que tendem a engolfá-la. Ou seja, a análise
habermasiana procura evitar a absorção do processo de racionalização das estruturas
normativas pelo processo de racionalização das forças produtivas realçando os poderes da
língua, valorizando o esforço comum da comunicação, destacando o “logos da língua”
como a força vinculante das pretensões que exigem justificação e que são reivindicadas
reciprocamente por ouvintes e falantes.
A concepção do agir comunicativo de Habermas presume a concepção também
hegeliana segundo a qual a experiência da consciência-de-si decorre da interação entre
sujeitos, isto é, “a identidade do Eu só é possível graças à identidade do outro que me
reconhece, identidade que, por seu turno, depende de meu próprio reconhecimento”. A
individuação só pode ser compreendida como um processo (dialógico, dialético...) de
socialização, como um processo em que desempenha papel fundamental a “luta pelo
reconhecimento recíproco”. Ou seja, presume a implicação, na comunicação lingüística,
de “um telos de entendimento recíproco”, uma pretensão de validade que se serve da
“força sem coação da fala argumentativa” e que pode ajudar a realizar o entendimento e
suscitar o consenso.
Para Habermas, portanto, além da razão instrumental, além dos imperativos da
economia e da administração, ainda existe razão – as razões do agir comunicativo como
uma vasta gama de atividades governadas pelo interesse e pelo acordo recíproco que
promovem a interação pelo gosto mesmo da interação (e não segundo um cálculo de
perdas e ganhos). Delas não se poderia dizer que se trata de atividades provadas de
regras, pois ao contrário, nelas operam princípios não-aparentes – valores, cotidianidades,
afetos, relações de estima...
“A esperança de Habermas, no plano político, situa-se em certas qualidades
intrinsecamente reversivas da esfera pública como âmbito do agir comunicativo. Aqui
nascem lutas locais em defesa de vários setores do mundo da vida e tendentes a
enriquecê-los e torná-los autônomos da colonização posta em ação pelo sistema. (...)
De maneira diversa dos francofurtenses, para Habermas o âmbito da cultura, dos
12
17
Franca D’Agostini, Analíticos e continentais, p. 496 e p. 501
18
Cf. F. D’Agostini, Analíticos e continentais, p. 479 e segs.
19
F. D’Agostini, Analíticos e continentais, p. 504
13
20
G. Lebrun, Morte ou metamorfose da opinião pública, in Passeios ao Léu, pp. 245-246
14
21
G. Lebrun, Morte ou metamorfose da opinião pública, in Passeios ao Léu, pp. 253-254