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Fruku, o príncipe-escravo

Exilado no Brasil como escravo, Fruku era venerado em segredo


Alberto da Costa e Silva
http://origin.guiadoestudante.abril.com.br/aventuras-historia/fruku-principe-escravo-433560.shtml Acesso em 29/09/2017

Por volta de 1750, desembarcou na Bahia um escravo a quem seu novo dono deu o nome de Jerônimo.
Para seu senhor, este Jerônimo era apenas um escravo como os outros, ainda que talvez mais altivo, difícil ou
capiongo. Já os fons (africanos provenientes do golfo da Guiné) que amargavam o cativeiro em Salvador o olhavam
com respeito e veneração, pois o rapazola era um príncipe daomeano chamado Fruku, filho (ou neto) do grande rei
Agaja. E muitos se curvavam à sua passagem, sempre que isso não chamasse a atenção dos brancos. Convinha que
se mantivesse em segredo a sua identidade.

Fruku havia sido vendido pelo rei Tegbesu, que desejara exilar para o outro lado do oceano quem
considerava um forte competidor político. Mas os fons da Bahia não podiam esquecer que ali tinham um
descendente do leopardo, pois de um leopardo (assim afirmavam as tradições) provinham os Agassuvis, a família
real do estado fon do Daomé. Seria mais do que uma impiedade, um crime contra os deuses, permitir que um
Agassuvi sofresse as humilhações e as violências a que estavam sujeitos os escravos. Juntando os seus tostões, os
patrícios de Fruku não devem, portanto, ter demorado em comprar-lhe a liberdade. Liberto, Jerônimo deixou-se
ficar em Salvador, já que não podia, sob pena de ser reescravizado, retornar ao Daomé.

Não se sabe de que vivia em Salvador. Talvez de trabalho alugado como a maioria dos demais libertos.
Não é impossível, porém, a ideia de que pudesse receber uma espécie de tributo dos fons, que se cotizariam para
sustentá-lo e ajudá-lo, assim, a suportar os rigores do degredo.

Os daomeanos não o perderam de vista. Ou porque o rei Tegbesu procurasse saber por onde andava
seu desafeto, ou porque dele dessem notícias os fons que trabalhavam nos navios que iam buscar escravos em
Ajudá, ou porque o próprio Fruku as enviasse aos seus partidários. É provável que os barcos negreiros funcionassem
como correio, já que as tripulações eram formadas em grande parte por africanos.

Em 1774, com a morte de Tegbesu, subiu ao trono Kpengla, que havia sido companheiro de infância
de Fruku. O novo rei apressou-se em mandar buscar no Brasil o amigo, o que se fez sem qualquer dificuldade, pois
se sabia exatamente onde ele se encontrava. Fruku regressou à terra com um novo nome, dom Jerônimo, a que se
ligou a alcunha de “o Brasileiro”. E, como era fluente em português e sabia como tratar os brancos, passou a exercer
uma das mais importantes funções públicas do reino: cuidar das transações com os estrangeiros no porto de Ajudá.

Os 24 anos de Salvador o haviam abrasileirado, abaianado. Buscou, por isso, unir-se aos comerciantes
portugueses e brasileiros que operavam naquele embarcadouro e aos ex-escravos que haviam retornado do Brasil.
Com o apoio deles e de boa parte do povo, concorreu à sucessão de Kpengla, quando este faleceu em 1789. Esteve
perto de vencer a disputa, mas perdeu-a para Agonglo. E desapareceu da história. Talvez tenha sido novamente
vendido, por preço ínfimo, já que estava velho, e para outro destino que não o Brasil. Talvez tenha ficado para
sempre em cárcere privado. Talvez lhe tenham dado morte, sem que a isso o houvessem condenado. Não era
permitido a ninguém, nem mesmo ao rei, derramar sangue de um Agassuvi, mas sabemos de princesas vencidas
que foram amarradas a árvores e lá deixadas a morrer de sede e fome e de um príncipe que foi lançado ao mar,
costurado numa rede.

A história de Fruku ou dom Jerônimo, “o Brasileiro”, é uma das muitas sobre como a escravização foi
utilizada como exílio político pelos povos africanos. E sobre o sonho de alguns africanos desterrados de refazer no
Brasil o reino perdido ou de sonhar com o retorno à África para reaver as posições que lhes tinham sido tiradas.
Nem todos vieram como escravos. Alguns foram exilados como homens livres e, no Brasil, sobreviveram no recato
e na modéstia das pequenas roças que receberam ou como soldados rasos nas tropas portuguesas.

Alguns realizaram o sonho do retorno. Outros tiveram de contentar-se a receber em segredo, no Brasil,
a homenagem de seus súditos, ou a disfarçar nos maracatus, nas congadas, nos reisados, que continuavam reis ao
se fingirem de reis.

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