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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO DE ARTES

LEONARDO DOS SANTOS ANTAN

REIS E PINTO:

AS LINGUAGENS MARGINAIS NOS DESFILES


DAS ESCOLAS DE SAMBA DOS ANOS 1980

RIO DE JANEIRO
2017
LEONARDO DOS SANTOS ANTAN

REIS E PINTO:
AS LINGUAGENS MARGINAIS NOS DESFI-
LES DAS ESCOLAS DE SAMBA DOS ANOS
1980

Trabalho de conclusão de curso apresen-


tado à Universidade do Estado do Rio de
Janeiro como requisito parcial para obten-
ção do título de Bacharel em História da
Arte.

Orientação: Prof. Dr. Marcelo Campos e


Prof. Dr. Felipe Ferreira

RIO DE JANEIRO
2017
LEONARDO DOS SANTOS ANTAN

REIS E PINTO:

As linguagens marginais nos desfiles das escolas


de samba dos anos 1980

Trabalho de conclusão de curso apresen-


tado à Universidade do Estado do Rio de
Janeiro como requisito parcial para obten-
ção do título de Bacharel em História da
Arte.

Aprovado em ____ de _____________ de ______

Banca Examinadora

________________________________________________________________

Prof. Dr. Marcelo Campos (orientador)


Professor Adjunto do Departamento de Teoria e História da Arte
Instituto de Artes da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (ART/UERJ)

________________________________________________________________

Prof. Dr. Felipe Ferreira (orientador)


Professor Adjunto do Departamento de Ensino de Arte e Cultura Popular do Instituto
de Artes da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (ART/UERJ)

________________________________________________________________

Prof. Dr. Leila Danziger


Professora Adjunto do Departamento de Teoria e História da Arte
Instituto de Artes da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (ART/UERJ)

RIO DE JANEIRO
2017
Às foliãs da minha vida, à águia
e ao beija-flor.
AGRADECIMENTOS

É com aquele misto de alegria e tristeza do fim de um ciclo, que destaco todo
meu sentimento de gratidão aos que contribuíram nesse percurso turbulento.
De início, agradeço a meu orientador Felipe Ferreira, cujo nome já estava desti-
nado desde a primeira aula na faculdade. Obrigado, pela acolhida e os ensinamentos,
responsável pelo traço que meu enredo tomou ao longo da graduação, exemplo de
dedicação e comprometimento acadêmico.
Na próxima ala, em lugar de destaque, a paciência e sabedoria do professor
Marcelo Campos, que me acolheu com a pesquisa já em andamento, abraçando meu
carnaval com entusiasmo e carinho. O meu mais sincero muito obrigado.
Para os docentes do IART-UERJ que me fizeram mergulhar profundamente no
universo das artes, de maneira intensa e apaixonado. Em especial, destaco a delica-
deza de Leila Danziger e a intensidade de Marisa Flórido, essenciais na minha forma-
ção de historiador da arte.
As minhas parceiras de jornadas, amigas, confidentes, verdadeiros faróis em
meio a escuridão de períodos difíceis. As minhas dionisíacas, Alice, Ana Elisa, Juliana,
Pacini, Rose e Clara. Evoé!
Para os amigos que compartilham a folia. Ao grupo Experteleza e aos amigos
que embarcaram comigo no Carnavalize, buscando revelar a história da folia assim
como esse trabalho. E para Fábio Fabato e Bárbara Pereira, por dividirem a paixão e
preciosas informações sobre nosso gênio dos cabelos ouriçados.
A Luiz Fernando Reis pela generosidade e saudade de antigos carnavais, você
se tornou um mestre da minha folia.
Ao meu namorado, Carlos Henrique, por todos os áudios gigantes, o ouvido sem-
pre receptivo para minha empolgação e loucura. Você foi um incentivador fundamen-
tal, obrigado pelo carinho.
Por fim, obrigado à toda minha família pelo apoio e compreensão às horas gas-
tas em frente ao computador. Para Zezé, a responsável por despertar em mim o amor
pelo carnaval e pela nossa Portela, você é a minha águia. E para Terezinha, in me-
morian, por amor devotado, a minha torcedora da Beija-Flor preferida.
Terminar a graduação em meio a esses tempos difíceis é missão de fé e na
esperança de dias melhores. Obrigado, UERJ, pelos encontros e afetos que você pro-
moveu nesses mais de quatro anos. #uerjresiste
Abro a cortina deste palco de ilusão
Reino da magia e da imaginação
Canto, comigo todo povo canta
E uma festa se levanta
Deste enredo que encanta
É prego, é pano, é paetê
Tudo começa pela mão do artesão (No barracão)
Carpinteiro, serralheiro, escultor e vidraceiro
Trabalhando em mutirão

As costureiras, bordadeiras
Verdadeiras operárias da folia
Viverão lindas baianas, belas damas
Exibindo a fantasia

E já se tem a visão
Da total dimensão
Da futura alegria
Ver a escola passar
É se gratificar, é ser rei por um dia
E, do sonho a realidade
Quanta dificuldade
Para se superar
Mais força de vontade
É arma na verdade
Que faz o sonho se realizar

Entra, canta, gira, roda


Que o barracão agora é teu (todo teu)
Carnaval é minha moda
Todo ano o rei sou eu

(Barracão, pregos, panos e paetês – Samba-enredo do Ar-


ranco de Engenho de Dentro de 1991, composto por Ca-
pelo, Edimar e Marcus Do Cavaco)
RESUMO

Investigar o papel do carnavalesco na produção de um desfile das escolas de sambas,


articulando seus hibridismos e contatos com a arte institucionalizada, é o principal
papel dessa pesquisa, já que, apesar de articular uma série de saberes artísticos di-
versos, as escolas de samba não fazem parte da história canônica da arte brasileira,
encaradas apenas no âmbito da cultura popular, uma vez que as noções de autoria
não entram em xeque ao analisar a sua produção. Nesse sentindo, os estudos sobre
autoria de Michel Foucault e Giorgio Agamben serviram de base para a investigação
da trajetória de dois nomes importantes para os desfiles das escolas de samba nos
anos 1980, colocados à margem de carnavalescos consagrados da folia: Luiz Fer-
nando Reis e Fernando Pinto. Ambos dialogaram com seu contexto social intima-
mente, dando respostas diferentes as mesmas demandas políticas. De um lado, Pinto
atualizou a Tropicália repensando uma noção de Brasil e seus signos tropicais, atra-
vés de uma crítica alegórica e celebratória. Do outro, Reis propôs obras conceituais,
precárias, panfletárias e políticas, na medida em que se apropriava de objetos cotidi-
anos e abusava de uma linguagem escrita, buscando uma conscientização popular.
Juntos, Reis e Pinto romperam a linguagem canônica do luxo estabelecido no imagi-
nário comum da festa, fixando-se através da marginalidade, articulando em meios ar-
tísticos diferentes processos percebidos na arte brasileira dos anos 1960 à 1980.

Palavras-chave: Arte. História da Arte Brasileira. Escola de Samba. Carnavalesco.


Cultura Marginal. Tropicália. Conceitualismo.
ABSTRACT

By articulating Carnival’s hybridisms and contacts with the institutionalized art, this
work intends to investigate the role of the carnival artist in the production of a samba
school parade. The samba schools, even though they articulate several different artis-
tic skills, are not inscribed in the canonical history of Brazilian art. Considered only
from the folk culture perspective, notions of authorship are not discussed in the analy-
sis of this Carnival production. Using the writings on authorship by Michel Foucault and
Giorgio Agamben, this paper disacuss the productions of two important carnival artists
of the 1980’s, Luiz Fernando Reis and Fernando Pinto, both marginalized in the history
of Carnival. They dialogued intimately with the social context of the time, giving differ-
ent answers to the same political demands. On one hand, Pinto updated the Tropicália
movement, rethinking the idea of some Brazilian nation through an allegorical and cel-
ebratory critique; on the other, Reis, by appropriating everyday objects and using the
written word, proposed conceptual, precarious, political and pamphleteering oeuvres
that sought to create critical awareness in the Brazilian population. Together, Pinto and
Reis broke with the traditional Carnival parades’ language of luxury and opulence,
making, through their marginality praxis, an articulation between the Carnival parades
and the artistic scenario from the 1960’s to the 1980’s in Brazil.

Keywords: Art. History of Brazilian Art. Samba schools. Carnival artist. Marginal cul-
ture. Tropicalism. Conceptualism.
ROTEIRO DE DESFILE

CONCENTRAÇÃO ................................................................................................... 8

1 ABRE-ALAS - O CARNAVALESCO COMO AUTOR ........................................... 11


Carro 1.1: Exaltando o negro pro mundo inteiro cantar............................................. 13
Ala 1.1.1: Onde viveu a Xica que manda .................................................................. 16
Ala 1.1.2: Yemanjá enriquecendo o visual ................................................................ 18
Carro 1.2: Na terra da encantaria, a arte do gênio João ........................................... 19
Carro 1.3: O domingo é de alegria ............................................................................ 22

2 SETOR: FERNANDO PINTO MARAVILHA - UM ZIRIGUIDUM TROPICALISTA 25


Carro 2.1: Encarar o Brasil de Frente ....................................................................... 26
Carro 2.2: Relíquias do Brasil.................................................................................... 32
Ala 2.2.1: Deixe nosso índio ter seu chão ................................................................. 37
Carro 2.3: Alegria, alegoria........................................................................................ 41
Ala 2.3.1: Vai a nave ao som do samba .................................................................... 44
Carro 2.4: Sou a Mocidade, sou independente, vou a qualquer lugar ....................... 46

3 SETOR: E POR FALAR EM CRÍTICA - A VOZ POLÍTICA DE LUIZ FERNANDO


REIS .......................................................................................................................... 49
Carro 3.1: Saudadeando o que sumiu do dia a dia ................................................... 52
Ala 3.1.1: Sorria, meu povo ....................................................................................... 56
Carro 3.2: Vote, cante, grite! É tempo de mudar! ..................................................... 59
Ala 3.2.1: Tem zoeira, hora de xepa é final de feira .................................................. 63
Carro 3.3: É isso aí vou caprichar, vou caprichar! ..................................................... 64
Carro 3.4: “Beijaflorização”: pontos de negociação ................................................... 67

APOTEOSE: AS LINGUAGENS MARGINAIS ......................................................... 73

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 77


8

CONCENTRAÇÃO

Os carros vão se iluminando na Presidente Vargas, os componentes vão che-


gando aos poucos, vestindo suas fantasias, devagar vão tomando seus lugares. A
grande coxia vai vendo o espetáculo se preparar para dobrar o “joelho” da Sapucaí e
adentrar no palco da festa.
O enredo desse ano presta uma homenagem à própria folia, voltando aos anos
de 1980, quando duas vozes brilhavam na festa. São eles Fernando Pinto e Luiz Fer-
nando Reis, juntos os dois responderam às demandas políticas de um período político
conturbado, chamado de redemocratização do Brasil, com duas produções visuais de
caráter opostos, mas muitas zonas de contato, articulam-se procedimentos da arte
canônica e se aproximando de diferentes vertentes da arte brasileira dos anos 60 a
80. Deste modo, eles inseriram as agremiações carnavalescas no campo da contes-
tação, através de enredos pautados na crítica política e social.
O desenvolvimento desse nosso enredo se baseia em traçar, nos diferentes se-
tores do desfile, uma panorama da carreira de cada um dos carnavalescos, desta-
cando sua importância para a folia e os colocando em diálogo com outros artistas do
cenário brasileiro do período.
Para chegar aos homenageados, é necessário realizar uma pequena volta no
tempo, como as escolas de samba costumam fazer. Não, não pretendemos recontar
a história da folia e chegar no Egito. Não precisamos ir tão longe. A abertura do espe-
táculo, traz na sua comissão de frente e abre-alas uma breve homenagem a carnava-
lescos importantes anteriores ou contemporâneos aos homenageados para entender
a construção de uma história da arte dos desfiles. Assim, o primeiro setor não tem
maiores enrolações, ele busca entender a fixação da figura do carnavalesco no âmbito
das escolas de samba, como um verdadeiro curador e diretor geral da festa. Enten-
dendo o processo em que isso se dá, as primeiras alas partem da chegada do grupo
de carnavalescos liderado por Fernando Pamplona, que teve na figura de Arlindo Ro-
drigues seu articulador estético. Entendendo a construção de uma estética da escola
de Pamplona, o enredo homenageia dois artistas escolhidos por atuarem contra a
estética hegemônica da festa proposta por Pamplona e Arlindo e seguida por seus
discípulos, sendo Joãosinho Trinta o principal dele.
9

Com esse desenvolvimento, o foco principal do enredo é entender o carnaval


como arte e a figura do carnavalesco como um autor, articulador de todas as lingua-
gens presentes na dinâmica dos desfiles carnavalescos. Compreendendo assim, os
desfiles das escolas de sambas como obras de artes, um campo de atuação especí-
fico da história da arte brasileira, com sua própria linguagem e uma série de elementos
a serem trabalhados, com diversas similaridades a processos da arte canônica.
Para entender a trajetória dos dois casos estudados, busca-se fazer um pano-
rama completo de sua trajetória. O material de pesquisa para o desenvolvimento do
enredo foi amplo, através da análise de vídeos, fotos e reportagens da época. Procu-
rou-se perceber a linguagem proposta em cada desfile, articulando deste modo sua
produção a artistas brasileiros do sistema institucionalizado, mostrando zonas de con-
tatos e uma genealogia destes nomes.
Seguindo pela Presidente Vargas, chamam a atenção as alas e carros do se-
gundo setor, em homenagem a Fernando Pinto, pela decoração tropical, com araras,
palmeiras, abacaxis e muitos índios. A obra do artista atualizou questões lançadas no
Tropicalismo, encarando a formação e os problemas do nosso país, articulando nos-
sas relíquias através da linguagem da alegoria. Nesse sentindo, a figura do índio é
destaque do setor. Seu contato com o “homem branco” parece fundamental na traje-
tória do carnavalesco como símbolo de contradições formadoras da ideia de nação
brasileira. O setor ainda não esquece o início da carreira do carnavalesco nos anos
1970, quando desenvolveu temas que não tratavam de personagens da história oficial,
mas ícones da cultura de massa, buscando elementos da cultura popular e da mídia.
Desta maneira, ele fixou uma outra transformação estética, baseado numa linguagem
kitsch e declaradamente brega, uma linguagem de um outro luxo, ligado à espetacu-
larização do teatro de revista.
O contraste para o próximo do setor do enredo chama atenção, já que agora
entra em cena Luiz Fernando Reis com alegorias e alas que não trazem nenhum luxo
ou beleza tradicional, já que a linguagem desse carnavalesco se estabelece a partir
de uma outra noção de belo, fora da hegemonia do luxo. Articulando elementos do dia
a dia, ele procuraria lançar uma linguagem panfletária, que tinha em seu desejo uma
tomada de consciência da população. Abusando de elementos da linguagem escrita,
articuladas numa estética precária que lembra a massificação de grandes protestos e
passeatas, ele buscaria um carnaval que pensava o seu contexto. Entretanto, a falta
de bons resultados em seus desfiles o fez estabelecer várias zonas de negociação,
10

negociando com a linguagem estabelecida do luxo e afastando-se de sua potência


inicial.
Reis e Pinto seriam os carnavalescos com a produção mais expressiva nos anos
1980, período em que esse personagem parece atingir um nível de maturidade artís-
tica após a chamada “revolução salgueirense” vinte anos antes. Na citada década,
diversos carnavalescos passearam por diversos estilos, marcando uma pluralidade de
formas de carnavais diferentes experimentadas por nomes variados. Tal diversidade
que nunca mais se repetiu na folia carioca.
Ao pensar essas duas produções, o enredo busca discutir a história da arte bra-
sileira articulada aos desfiles das escolas de samba. Assim, juntamos a cultura mar-
ginal brasileira dos anos 1970 aos desfiles, quando Luiz Fernando Reis e Fernando
Pinto criaram obras políticas, contestando tanto seu contexto social como a lingua-
gem, reforçando as noções de um país subdesenvolvido frente à luz do ultramoderno,
repensando o Brasil.
Os fogos estão explodindo no horizonte, o intérprete solta seu grito de guerra,
levantando a arquibancada do Setor 1. A sirene apita. Prepare-se, o desfile vai come-
çar.
11

1- ABRE-ALAS: O CARNAVALESCO COMO AUTOR

Carnaval. Sambódromo. Marquês de Sapucaí. Desfile das escolas de samba.


Arquibancada. Pista. Três mil componentes entre integrantes da bateria, comissão de
frente, alas e destaques das alegorias. Uma apresentação em cortejo que mistura as
mais diferentes expressões artísticas, como visuais, musicais, literárias e performáti-
cas. Dentro de grande massa que dá corpo a uma escola como definir um único autor
que sintetize e singularize esse processo? Há quem reivindique essa autoria?
Quase sempre limitada ao contexto da arte popular, a questão da autoria nas
escolas de samba é relativizada e, por vezes, ignorada. Apesar disso, a partir da dé-
cada de 1960, uma personagem protagonizou o centro das discussões acerca do pro-
cesso de estabelecimento das escolas de samba com uma manifestação artístico-
cultural: o carnavalesco. Dentre todos os agentes artísticos que se misturam na folia,
o carnavalesco se fixou como um tipo de diretor geral e unificador tanto no âmbito da
criação quanto na organização dos diversos profissionais envolvidos no espetáculo.
Uma espécie de soberano que legisla em todos os campos e os conceitualiza.
É extenso o debate em torno do papel de mediador1 que o carnavalesco ocupa
perante a organização (social, cultural, política) das escolas. Entretanto, boa parte dos
estudos realizados sobre carnaval se deu na área das ciências sociais, colocando em
questão processos muitos específicos. O estudo presente busca olhar para o tema
sob o prisma da História da Arte, analisando especificamente a relação que os carna-
valescos estabelecem com os campos artísticos e também perceber como eles alte-
ram os recursos de linguagem do pensamento artístico de seu momento. Num trânsito
entre a arte, institucionalizada ou não, a artesania e as artes da cena, este profissional
parece se colocar num entre-lugar, visto que não é tratado como Artista (com maiús-
cula) dentro do sistema da arte tradicional (a exceção de alguns nomes canônicos,
mesmo assim sem o patamar de outros Artistas consagrados), nem como artistas po-
pulares.
Traçando um panorama de figuras importantes nas transformações da festa,
busca-se entender sua produção dentro de um espaço de circulação muito particular.
Interessa-nos uma tentativa de olhar os desfiles carnavalescos a partir de uma lógica

1Segundo Santos (2009), o carnavalesco é uma espécie de mediador sociocultural, tendo que conciliar
as linguagens artísticas já consolidadas com a linguagem da escola de samba.
12

estabelecida na Arte Contemporânea, onde a apropriação e o deslocamento da cul-


tura popular e de massa influenciam a circulação e assimilação de objetos específicos
e com uma linguagem de símbolos próprios, neste caso, uma linguagem da escola de
samba.
Para entender a complexidade da formação do profissional e suas diversas mul-
tiplicidades, faremos um breve panorama histórico da função do carnavalesco enten-
dendo sua fixação como figura intermediária entre diferentes campos, compreendido
aqui a partir da entrada do grupo liderado por Fernando Pamplona no Acadêmicos do
Salgueiro2, pelos motivos que trataremos mais a diante. A partir de nomes importantes
no cenário do carnaval, procurar-se-á traçar uma rede rizomática que entende as fun-
ções que o carnavalesco foi assumindo ao longo do processo que levará o protago-
nismo absoluto na década de 1980. Pensando uma trajetória do profissional é possível
entender em que medida os casos estudados se inserem como ruptura e continuidade
na genealogia iniciada por Pamplona, responsável pela aproximação de diversos ar-
tistas e estudantes no ofício carnavalesco.
Para isso será colocado em debate a discussão acerca da noção de "autor" tra-
tada na contemporaneidade por nomes como Michel Foucault (2011) e Giorgio Agam-
ben (2007), buscando pensar que autor é esse, dentro da produção de um desfile de
escola de samba. Tais teóricos apontam para o desaparecimento da função, numa
relação que dialoga com o social, não sendo apenas um elemento discursivo e unifi-
cador. Foucault afirma que o "autor deve se apagar, ou ser apagado em proveito das
formas de discurso" (2011, p.36). Esse apagamento é percebido num desfile de escola
de samba, onde o carnavalesco parece se anular na Avenida. O autor seria o signo
da individualidade num carnaval muitas vezes conceituado como a festa da coletivi-
dade. Como destaca Agamben (2007), há sempre o gesto que categoriza, que ao se
anular instaura uma espécie de vazio que chama o público ao centro da discussão de
onde o autor se retira enquanto indivíduo, deixando aberto o diálogo entre público e
obra, que compreende a arte. Seria este, exatamente, o gesto onde se percebe um
carnavalesco. Ou um autor. Ou, ainda mais, um artista.

2 Compreendemos que a relação entre os criadores de carnaval e o mundo da arte é parte do processo
que busca civilizar o carnaval brasileiro já na primeira metade do século XIX, como destaca Ferreira
(2004). Optamos, entretanto, nesse trabalho por enfocar a figura do carnavalesco a partir da atuação
de Fernando Pamplona no Salgueiro, pelo ponto de virada que ele representa na historiografia carna-
valesca.
13

Carro 1.1: Exaltando o negro pro mundo inteiro cantar3

“Você tem vergonha de ser negro?”, indagou Fernando Pamplona ao ouvir de


um presidente de ala que a fantasia idealizada para o desfile do Salgueiro, em 1960,
não era bonita e elegante como as de reis europeus.
A frase faz parte de um diálogo transcrito na autobiografia do cenógrafo do The-
atro Municipal e professor da Academia de Belas Artes (PAMPLONA, 2013, p. 58). O
sambista em questão não estava satisfeito em sair como um dos guerreiros do Qui-
lombo do Palmares, enredo da agremiação na ocasião. No discurso, apresentado na
visão do carnavalesco, o presidente de ala acreditava que uma fantasia europeia de
capa e espada imporia mais respeito frente, não só ao júri, mas aos seus companhei-
ros de folia.
A resposta de Pamplona foi assertiva e incisiva, direto ao âmago da questão. Até
1960, algumas escolas de samba pareciam realmente não ter orgulho de ser manifes-
tações majoritariamente negras. Surgidas trinta anos antes4, elas se estabeleceram
sempre num lugar de negociação com a sociedade. E nesse processo entrou em vi-
gência a exigência de temas nacionais, sempre contando a história oficial, bem ao
sabor dos livros didáticos.5
Na historiografia da manifestação carnavalesca, a chegada de Fernando Pam-
plona é um grande e interessante ponto de virada em vários aspectos. Primeiro porque
o intelectual em questão é apenas um nome balizador desta transformação, mas não
o único. Ele é responsável pela composição de um grupo que realizou tais mudanças.
Já em seu primeiro ano, ele contou com o auxílio de Arlindo Rodrigues, também ce-
nógrafo do Municipal, além de alunos seus nos cursos da Escola de Belas Artes da
UFRJ6. O grupo foi responsável pela principal grande “virada” temática no âmbito das
agremiações, pela primeira vez foi levado para a Avenida um enredo exaltado uma

3 Samba-enredo da GRES São Clemente para 2015 composto por Leozinho Nunes, W. Machado, Hugo
Bruno, Diego Estrela, Ronni Costa e Victor Alves sobre o enredo em homenagem a Fernando Pam-
plona.
4 A histografia consagra como o primeiro concurso realizado entre as escolas, o realizado pelo jornal

Mundo Sportivo em 1932. (FERREIRA, 2004; BASTOS, 2010)


5 Ao contrário do que se pensou inicialmente, a exigência de temas nacionais partiu das próprias esco-

las e não de uma imposição autoritária do governo. A alternativa ia ao encontro dos ideais nacionalistas
do governo de Getúlio Vargas e ajudou a fixar a manifestação como uma dos expoentes da nação
(AUGRAS, 1998).
6 O grupo misturaria estudantes da EBA, como Maria Augusta, Rosa Magalhães e Lícia Lacerda, com

profissionais do Theatro Municipal, como Arlindo Rodrigues e Joãosinho Trinta. Todos esses profissio-
nais se destacariam à sua maneira, com características e personalidades artísticas distintas.
14

figura marginal negra, então desconhecida do grande público. Junto a este aspecto
dramatúrgico, soma-se a mudança visual, pois o grupo também ajudou a construir
toda uma estética negra com estampas e elementos de inspiração africanas, com in-
fluências hollywoodianas e da arte moderna.7 Foi neste processo, então inaugurado,
que o carnavalesco passa a ser individualizado como o autor/criador da escola de
samba. Não um autor como um elemento de discurso, mas um exercício em relação
a ele, como sintetiza Foucault (2011, p.14): “O nome do autor não está localizado no
estado civil dos homens (...) mas na ruptura que instaura em certo grupo de discursos
e seu modo singular de ser.”
O diálogo entre o professor acadêmico e o componente de ala salgueirense
marca, simbolicamente, a atuação do intelectual de esquerda como o mediador entre
o mundo da “alta cultura” e o da cultura popular. Trata-se de uma visão desmitificada
por Néstor Garcia Canclini (1998), resumida como a “encenação do popular”, onde as
“tradições” são ritualizadas para servir à legitimação daqueles que as elaboraram ou
delas se apropriaram. Algo estritamente construído e não preexistente como o imagi-
nário comum perpetua. A tensão do diálogo marca a resistência das comunidades em
assumir um novo discurso, imposto por alguém visto como “de fora” da comunidade.
Na construção de boa parte dos estudos carnavalescos, a chegada de alguém
alheio à comunidade é vista como um ponto de virada. Porém Pamplona não foi o
primeiro nome de outras áreas a colaborar com as agremiações. Um profissional cha-
mado “técnico” já era comum na primeira metade do século XX na produção dos ran-
chos e grandes sociedades.8 Já na primeira década dos desfiles das escolas de
samba, a inovadora Vizinha Faladeira contratou a dupla de cenógrafos Irmãos Garrido
para cuidar da parte visual da apresentação.9 Entretanto, Pamplona seria o primeiro
intelectual a se colocar devidamente em diálogo com a comunidade, cumprindo não
só os interesses dela, mas o seus enquanto artista e pensador. Podendo ser enten-
dido na lógica proposta por Foucault em seus conceitos de autoria como um “instau-
rador da discursividade”. O artista estabelecendo um “ato de instauração, em afastar

7 KIFFER e FERREIRA, 2015, p.68-69


8 GUIMARÃES, 1992. p.16-26
9A Vizinha Faladeira se estabelece como um ponto fora da curva nos primeiros anos das escolas de
samba, enquanto elas tentam se firmar baseadas no discurso da tradicionalidade. A Vizinha seria res-
ponsável por uma série de inovações que seriam criticadas pelas demais agremiações. Para saber
mais ler o artigo TURANO e FERREIRA, 2013.
15

os enunciados que não seriam pertinentes (...) e provenientes de outros tipos de dis-
cursividade.” (FOUCAULT, 2011, p.8)
Além do âmbito das comunidades, a década de 1960 é um momento de virada
para o entendimento da cultura popular, já que os intelectuais de esquerda deste pe-
ríodo assumem uma postura crítica em relação à arte popular e “engajada”, com tra-
ços populistas e nacionalistas (HOLLANDA, 2004, p. 22). O meio do carnaval ia exa-
tamente ao encontro desses ideais revolucionários. Pamplona era uma figura decla-
radamente de esquerda, frequentador do meio universitário onde ocorriam essas dis-
cussões, por ser professor da EBA e integrante da UNE, como ele mesmo declara em
sua biografia.
A valorização do negro nos enredos do Salgueiro “ensinaria” os salgueirenses a
terem orgulho de origem ancestral africana, como Pamplona assume em seu relato
pessoal (PAMPLONA, 2013, p. 59). Para a intelectualidade na década de 1960, a
negritude era um dos pontos de discussão. Um elemento para compreender esse pro-
cesso seria, por exemplo, o Teatro Experimental do Negro, que atuou de 1944 a 1961,
fundado e dirigido por Abdias Nascimento, no Rio de Janeiro, que propunha a repre-
sentatividade negra nas artes cênicas brasileiras, dando origem também ao jornal Qui-
lombo. Outro exemplo é o trabalho de Mercedes Baptista, primeira bailarina negra do
Municipal, que colocaria em evidências as questões raciais em seus trabalhos e atu-
aria junto ao grupo de carnavalescos do Salgueiro, na coreografia de algumas alas,
como veremos mais à frente. Fora do meio artístico, a criação da Associação Cultural
do Negro é também encontro de reinvindicação social de vários intelectuais, atuando
de 1954 e 1964.
Para além do contexto nacional, no mesmo período, eclodiu um momento de
independência africana. Só em 1960, cerca de dezessete colônias conquistaram sua
autonomia. Refletindo esse um processo de valorização da cultura do continente (SI-
MAS e FABATO, 2015, p. 30), por aqui o grupo de artistas salgueirenses ecoava esse
processo.
Já no cenário carnavalesco, no final dos anos 50, as fantasias de estética afri-
cana faziam sucesso nos bailes do carnaval, inspiradas em filmes hollywoodianos do
período (KIFFER e FERREIRA, 2015, p.69). O próprio Pamplona realiza, em 1958,
uma decoração para o baile do Theatro Municipal do Rio de Janeiro intitulado “Carna-
16

val afro-brasileiro’, demonstrando apreço pelo tema, colocando a tese de uma “revo-
lução isolada” em xeque, mostrando este processo como produto de diálogo das mais
diferentes tensões e interesses, entre os intelectuais e os membros das escolas.

Ala 1.1.1 Onde viveu a Xica que manda10

Figura 1: Isabel Valença interpreta sua emblemática Xica da Silva, em 1963. (Fonte O Globo)

“E quem é essa mulher?”, perguntou Pamplona ao ouvir a ideia de seu parceiro


Arlindo Rodrigues para o enredo de 1963 do Salgueiro.
A “mulher” em questão era Xica da Silva, considerada hoje uma personagem
feminina importante do período colonial, mas na época desconhecida. Após o já citado
desfile sobre Zumbi dos Palmares em 1960, Pamplona permaneceu na escola de
samba do bairro da Tijuca por mais um ano onde desenvolveu uma homenagem a
Aleijadinho, elevado ao patamar de ícone nacional pelos artistas da Semana de Arte
Moderna. Em 1962, Pamplona assumiu outros compromissos durante a folia deixando
seu companheiro de trabalho, Arlindo Rodrigues, como figura central do processo de
criação.
Pedindo conselhos ao amigo, Arlindo não recebe uma mensagem positiva de
Pamplona ao contar-lhe seus planos para o enredo sobre a escrava que virou aristo-
crata. Como mostra outro diálogo extraído da autobiografia já citada (PAMPLONA,
2013. p.82):
- Enredo de merda, Arlindo!

10Trecho do samba-enredo do GRES Acadêmicos do Salgueiro para 1963 composto por Noel Rosa de
Oliveira e Anescarzinho.
17

- Mas é negro, é de luta e de conquista social, tá na nossa linha e... É


bonito paca!”
- Pô, cara, tu quer fazer um negócio babaca faz, segura a barra porque
não estou nem aí, vou me mandar pra Alemanha. Tchau!
Contrariando a opinião do colega de criação, Arlindo seguiu com sua proposta e
levou sua Xica para a Avenida. Já passava das seis da manhã quando o Salgueiro
entrou na Presidente Vargas, com o emblemático samba composto por Anescarzinho
e Noel Rosa de Oliveira.

Figura 2: A corte da Xica da Silva dançando seu minueto coreografado por Mercedes Baptista.
(Fonte: O Globo)

Segundo Melo (MELO, 2016), a primeira alegoria retratava um chafariz. Logo


depois, a passista Paula do Salgueiro levantou o público com seu samba no pé. Não
demorou um grande cortejo de doze casais encantou a Candelária. Tratava-se da pri-
meira ala a apresentar uma coreografia (figura 2) na sua passagem pela Avenida,
passos marcados pela já citada Mercedes Baptista, que participaria ativamente das
transformações propostas pelo grupo, sobretudo, no que se refere ao processo de
teatralização dos cortejos carnavalescos. Logo após a corte da Xica da Silva, surgiu
a própria personagem, eternizada na representação de Isabel Valença, cuja imagem
se confunde com a figura histórica (figura 1). Com um figurino suntuoso assinado por
Arlindo, a destaque se tornou uma verdadeira alegoria, fixada como uma das primeiras
imagens marcantes da folia.11
Para além das outras apresentações já realizadas sob o comando do grupo, Xica
da Silva se tornava um elemento chave na compreensão dos rumos artísticos que os

11Para entender a constituição do imaginário da Xica da Silva através da trajetória de Isabel Valença,
ver MELO, 2016.
18

desfiles tomariam em amplos sentidos. Nesta apresentação, observarmos os elemen-


tos que se consolidariam na narrativa de uma escola de samba contemporânea.
Cenógrafo do Municipal, Arlindo traz toda a linguagem teatral para o cortejo car-
navalesco, transformando-o de fato numa ópera popular.12 O enredo passa a contar
uma narrativa com início, meio e fim, numa construção bem definida e de fácil deco-
dificação pelo público da época. O luxo, o esplendor, o requinte são marcas das fan-
tasias e alegorias apresentadas. A escola passa a ter roupas inspiradas no tempo em
que o enredo se passa, criando uma unidade narrativa literário-visual. Por fim, o uso
da ala coreografada afirmam o diálogo direto com as artes cênicas.
Como num teatro, Arlindo passa a ser o grande “diretor geral” da festa. Assu-
mindo a função de autor frente ao coletivo. Enquanto o presidente da escola de samba
assume a liderança comunitária, o carnavalesco se torna a liderança artística. Nota-
se nesse desfile o gesto do autor levantado pelo teórico: “a marca do autor está na
unicamente na singularidade da ausência”. (AGAMBEN, 2007, p.55) O signo da auto-
ria está, então, em pronunciar o enunciado, levantar a voz no meio do todo. Ao mesmo
tempo que o artista se anula na folia produzindo imagens marcantes como a “Corte
da Xica da Silva” e a própria personagem, há a percepção de uma amarração total do
espetáculo com uma unidade narrativa.

Ala 1.1.2 Yemanjá enriquecendo o visual13

Figura 3: O carro de Yemanjá no desfile do Salgueiro em 1969 (Fonte: Jornal Extra)

12Denominação comum para os desfiles das escolas de samba conhecida mais comumente a partir do
imaginário de Joãosinho Trinta, bailarino e diretor teatral do Municipal, que entendia os desfiles como
uma “ópera popular”, mas que já era utilizada por Jota Efegê em suas crônicas sobre os ranchos car-
navalescos.
13
Trecho do samba-enredo do GRES Império Serrano de 1982, composto por Beto Sem Braço e Aluísio
Machado.
19

Seis anos depois, sob o mesmo sol escaldante da Candelária, outra imagem
criada por Arlindo se eternizaria no imaginário carnavalesco revelando mais um capí-
tulo desse processo de revolução estética que colocaria o carnavalesco no centro da
produção. Segundo a narrativa de historiadores do carnaval (COSTA, 2003; MELO,
2016; BRUNO, 2014), já passava das nove da manhã quando uma escultura de três
metros de altura representando a deusa Yemanjá passou na concentração do desfile
da Acadêmicos do Salgueiro (figura 3), fazendo os cansados componentes se levan-
tarem maravilhados. Toda decorada com espelhos cortados em círculos, a represen-
tação da divindade foi elaborada pelo próprio Arlindo, trazendo pela primeira vez um
dos recursos visuais mais utilizados nos seus futuros trabalhos. Junto a escultura de
papel machê estavam presos fios de náilon com mais espelhos cortados que forma-
vam cascatas de luz refletindo os raios de sol.14
O efeito teria sido tão deslumbrante que a tecnologia fotográfica da época não
deu conta do efeito da alegoria. As fotos realizadas por um repórter da revista Man-
chete saíram borradas pelos reflexos causados pelos espelhos.
O episódio coloca mais uma vez o carnavalesco ao encontro das questões de
autoria suscitadas por Agamben: “o gesto com o qual foram fixadas parece subtraí-
las (a expressão) para sempre de toda possível apresentação, como se elas compa-
recessem na linguagem.” (AGAMBEN, 2007. p.59)
É do gesto de Arlindo e sua requintada produção visual, influenciada pela ceno-
grafia teatral, que nascem obras como a alegoria da Yemanjá e a emblemática Xica
da Silva. A singularidade da ausência, como diz o teórico, é perceptível no papel fun-
damental que o artista estabeleceu frente ao grupo iniciado por Pamplona. Enquanto
um se assume como uma liderança disposta a dialogar, o outro é responsável pelo
traço da principal virada estética que as escolas de samba passaram no século XX.
Além deles, Arlindo é o responsável direto por levar outro parceiro de Teatro
Municipal, que o ajudará na construção de sua Yemanjá e integrará o grupo de artis-
tas. Um baixinho maranhense, que chega ao Rio com o sonho de ser bailarino e que
assume a assinatura dos carnavais da vermelho e branco com a saída dos percurso-
res: Joãosinho Trinta.

14MELO, Gustavo. A iemanjá que iluminou a manhã de sol no carnaval do Salgueiro de 1969. Dispo-
nível em http://extra.globo.com/noticias/carnaval/carnaval-historico/a-iemanja-que-iluminou-manha-de-
sol-no-carnaval-do-salgueiro-de-1969-7242054.html
20

Carro 1.2: Na terra da encantaria, a arte do gênio João15

“No ‘Festa para um rei negro’, foram os dois que fizeram o carnaval, o Joãosinho
e a Maria Augusta, eu e Arlindo só assinamos”, assume Pamplona em seminário rea-
lizado em 2012.16
O carnaval em questão é o de 1971, penúltimo capítulo da história escrita pela
equipe comandada pela dupla de artistas do Municipal. O ano é simbólico em muitos
sentidos. Juntam-se ao coletivo de criadores, as futuras carnavalescas Rosa Maga-
lhães e Lícia Lacerda, outras grandes artistas reveladas no grupo que traduziria os
novos ideais das Belas-Artes para as escolas de samba. O enredo sobre a inusitada
visita de um rei africano à corte de Mauricio Nassau, em Pernambuco, surgiu de pes-
quisas universitárias de Maria Augusta.17
A fala do líder do grupo antecipa a importância dos dois futuros carnavalescos.
Com a virada de década, a dupla constituída pelo bailarino do Municipal e pela estu-
dante da EBA-UFRJ vai marcar mais uma série de transformações na linguagem das
escolas de samba. Os dois atuariam juntos no Salgueiro ainda em 1972, no último
desfile antes da saída de Pamplona e Arlindo, em homenagem à Mangueira, marcado
por um mau resultado.18 Em 1973, João e Maria Augusta assinariam sozinhos pela
primeira vez o singelo enredo “Eneida: amor e fantasia.” Nestes desfiles, os dois se-
guiam fazendo inovações que se tornariam comuns ao carnaval posteriormente, como
a inserção do isopor como material para muitos adereços e fantasias.
No ano seguinte, apenas Joãosinho permanece no Salgueiro, tomando para si o
centro de uma série de transformações que dariam prosseguimento a “revolução” ini-
ciada na década passada. Nessa discussão sobre a formação do carnavalesco en-
quanto o principal autor de uma escola, João surge como nome seminal pelas diversas

15Trecho do samba-enredo do GRES Beija-Flor de Nilópolis para o carnaval de 2012, composto por J.
Veloso, Adilson China, Carlinhos do Detran, Silvio Romai, Hugo Leal, Gilberto Oliveira, Samir Trindade,
Serginho Aguiar, JR Beija-Flor, Ricardo Lucena, Thiago Alves e Rômulo Presidente
16Seminário Finep tira o chapéu em homenagem a Joãosinho Trinta, realizado na sede da Finep, no
Rio de Janeiro, em 7 de novembro de 2012. Disponível em https://www.you-
tube.com/watch?v=TzQw_uWbISA
17Pesquisa que a artista desenvolveu para concorrer ao Prêmio Medalha da Escola de Belas Artes, o
que hoje equivaleria ao mestrado. (SANTOS, 2009)
18Na ocasião, o Salgueiro amargaria um então inconcebível quinto lugar, ficando atrás da GRES Im-
peratriz Leopoldinense com um desfile sobre a obra Martin Cererê. Era a primeira vez que as chamadas
“quatro grandes” (Portela, Salgueiro, Mangueira e Salgueiro) não se revezariam nas quatro primeiras
posições, como acontecia desde 1960.
21

inovações que realizou, algumas podem e devem ser relativizadas, mas não deixam
de ser fundamentais para entender o processo que levará à centralidade do carnava-
lesco na década de 1980. Joãosinho se torna uma figura midiática, popular e consa-
grada.

Figura 4: Uma alegoria de Joãosinho Trinta para o Salgueiro em 1974, já com


componentes em cima. (Fonte: google)

Em seu primeiro trabalho solo, realizado no Salgueiro em 1974, o artista questi-


onava a rigidez histórica dos enredos com o seu onírico “O Rei de França na Ilha da
Assombração” (figura 5), que misturava o Palácio de Versalhes com o Maranhão atra-
vés das lendas folclóricas, do rei Luís XIII e de pretas velhas. Essa ousadia se tornaria
uma das principais características do artista: a complexidade narrativa de seus enre-
dos, muitas vezes tratados em diferentes camadas de significação, misturando as
mais diversas civilizações e períodos de momentos históricos diferentes.
João permanece no Salgueiro por mais um ano onde é campeão novamente.
Após o sucesso, ele se muda para a então inexpressiva Beija-Flor de Nilópolis. Du-
rante os anos de 1970, o carnavalesco consegue a surpreendente marca de cinco
campeonatos seguidos, dominando metade da década. Os dois primeiros conquista-
dos no Salgueiro e os três últimos na Beija-Flor. Trata-se de um ponto de virada para
as agremiações em muitos sentidos, principalmente pela vitória da escola de Nilópolis,
até então sem grandes resultados alcançados.19
Durante estes carnavais, João Trinta propôs uma série de transformações cons-
truindo uma nova linguagem nas escolas, entre elas a verticalização das fantasias e

19A escola de Nilópolis é conhecida por ser a primeira escola a se tornar campeã quebrando a barreira
do que era chamado de as “quatros grandes”, que se dividiam entre os primeiros lugares nas primeiras
décadas com raras exceções, de 1960 a 1975, exclusivamente. A partir da porta aberta pela Beija-Flor,
outras escolas seguiram inovando sobre o comando de carnavalescos consagrados como Arlindo Ro-
drigues e Fernando Pinto, como a Mocidade Independente de Padre Miguel e a Imperatriz Leopoldi-
nense.
22

alegorias, com adereços de proporções cada vez maiores, e um luxo aparente prove-
niente de materiais baratos, como pratinhos de plásticos e ráfias, além de alegorias
com movimentos. Nesse processo, ele ainda interferiria em outros segmentos da agre-
miação, tirando o carnavalesco do lugar de criador puramente visual e realizando uma
inversão de valores com compositores e diretores. Ainda em 1974, junto com Laíla,
diretor de carnaval e harmonia e figura fundamental para a festa, os dois alteram o
samba-enredo composto por Zé Di e Malandro, buscando uma coesão entre o que
era cantado na obra musical e o visto nas alas e alegorias, criando uma unidade que
pudesse ser entendida em sequência narrativa. No ano seguinte, a dupla novamente
ousou com a primeira fusão entre dois samba-enredo de compositores diferentes num
só. Afirmando esse processo da valorização do visual em detrimento do samba, o que
foi muito criticado pelos “puristas” e ainda hoje permanece em voga.
Acalentando a discussão sobre autoria, Joãosinho foi alvo de algumas polêmicas
e apagamentos. Sua figura transita como um verdadeiro curador20, no sentido em que
alinhava diferentes profissionais de diferentes áreas para servir a um conceito maior,
o seu enredo. Ressignificando e se apropriando de diversos processos, um dos casos
mais conhecidos da mitologia criada em torno do carnavalesco, é que ele assinava
desenhos feitos por outros figurinistas, assumindo a autoria do desfile como um todo,
em detrimento das particularidades de sua equipe. Um desses personagens é o figu-
rinista Viriato Ferreira, elemento a ser destacado no processo de construção da “es-
tética Joãosinho Trinta”, mas que teve sua importância ocultada.
Entretanto, para além dos critérios de originalidade e autoria, Joãosinho Trinta
se consagra exatamente pela figura central que assume, criando toda uma mitologia
em torno de si próprio. Nesse sentido, o termo mitologia individual pode ajudar a en-
tender sua figura, onde a autoria antecede a obra.21 Joãosinho é considerado por mui-
tos como o mais importante carnavalesco da história e o mais conhecido e reverenci-
ado fora do âmbito da folia, ganhando, em alguns sentidos, status de artista. Diferente
de alguns nomes contemporâneos a ele e com papel tão fundamental quanto.

20 Nas palavras de Ferreira (2012, p. 198), ”uma escola de samba não [é] uma obra de arte no sentindo
tradicional, mas uma reunião de obras comparável a uma exposição, agregando diversas criações sob
um conceito unificador. O trabalho do carnavalesco equivale a uma espécie de curadoria propositiva,
aquela que sugere temas, materiais ou significados a partir de um sentindo inicial imaginado para a
mostra.”
21 Bourriad analisa isso em Formas de vida: a arte moderna e a invenção de si (2011).
23

Carro 1.3: O domingo é de alegria22

Os desfiles de Joãosinho surpreenderam pelo luxo, requinte e opulência visual,


mas desagradaram os mais conservadores. Paralela a esta revolução luxuosa, uma
outra se desenhou com caráter oposto, proposta pela antiga companheira de João no
Salgueiro. No mesmo ano em que o artista chegou à Beija-Flor, Maria Augusta Rodri-
gues começou a dar expediente na União da Ilha do Governador, escola recém-che-
gada ao grupo principal. Estudante da Escola de Belas-Artes, era filha de mãe folclo-
rista e tinha as manifestações “populares” como referências centrais da sua formação.
Na literatura carnavalesca, as definições não podem ser mais claras: era o “luxo
do brilho”, de João e a Beija-Flor, e o “luxo da cor”, de Augusta e a Ilha. A rivalidade
marcou a década de 1970 e foi a primeira grande reviravolta neste panorama do de-
senvolvimento da linguagem das escolas após as transformações de Pamplona e Ar-
lindo uma década antes. Se, no que diz respeito a enredos, Joãosinho propunha
viagens oníricas em camadas densas de narrativas, Augusta faria o movimento
oposto. Voltar-se-ia ao mais banal e cotidiano. O seminal “Domingo”, realizado em
1977, seria o grande divisor de águas, e uma espécie de desfile-manifesto do que se
tornou conhecido como estilo do “bom, bonito e barato”.

Figura 5: Algumas cenas simples e lúdicas do carnaval "Domingo", da União da Ilha em 1977, assinado
por Maria Augusta. (Fonte: O Globo)

A proposta, intitulada na época de abstrata, subvertia os enredos históricos de


rigidez acadêmica. A narrativa se desenvolveria de maneira a contar o que os habi-
tantes cariocas faziam em seu dia de folga, o domingo. O desfile se iniciou com uma

22Trecho do samba-enredo da União da Ilha para o carnaval de 1997, composto por Aurinho da Ilha,
Ademar Vinhais, Yone do Nascimento e Waldir da Vala
24

grande alegoria representando o sol e seguiu com surfistas, jogadores de futebol, ba-
nhistas, sambistas e religiosos. As fantasias eram simples e feitas de matérias leves,
sem buscar falsear requinte ou opulência. Chamava atenção o trabalho de cor e a
leveza com que os desfilantes flanaram pela avenida.
Num diálogo com o minimalismo e a arte povera, Augusta trazia para o sacrali-
zado desfile das escolas de samba, o mais banal e ordinário cotidiano, mas dotado de
singeleza. Não havia espetacularizações e teatralizações outras, além do próprio mo-
mento da apresentação, os objetos eram retratados em sua simplicidade e discursivi-
dade próprias. Pois contra o luxo de Joãosinho, a “arte povera” de Augusta era a “con-
vergência de vida e a arte rica, que prestava atenção em fatos e ações”23, desafiando
assim a ordem estabelecida das coisas e valorizando mais os processos cotidianos,
que buscava poesia nos próprios elementos discursivos 24, para Augusta, pranchas de
surfes, carrosséis e cartas do baralho.
O desfile seguinte, assinado pela artista na União da Ilha, confirmaria esse pro-
cesso. O místico “O amanhã” lidaria com a curiosidade humana em saber sobre o
futuro, mais uma vez apropriando-se de símbolos cotidianos num diálogo direto com
o público, sem o tom historicista que possuía a maioria dos enredos. Os sambas-
enredos da agremiação ajudariam o processo, se fixando no imaginário folião.
O embate Augusta e João marcaria os desejos de uma nova década para as
escolas. De um lado, a noção de espetáculo e o desejo de construir uma festa mais
ligada às artes “eruditas”, através do luxo e com a alcance de público amplo, tendo o
aspecto plástico como o principal. Do outro, uma visão ligada à simplicidade e ao pu-
rismo das escolas, como Augusta assume, ligada a espontaneidade e ao colorido das
artes “populares”, valorizando as qualidades musicais como fundamentais.
Juntos, esses dois pensamentos seriam pedras fundamentais a serem explora-
das pelos artistas da década seguinte, e consagrariam as escolas como evento da
grande massa e o carnavalesco como autor desse espetáculo. Deste cenário, desta-
caremos Fernando Pinto e Luiz Fernando Reis, já que cada um a seu modo, soube
cumprir as demandas sociais e políticas de seu tempo, respondendo à urgência da
criação artística e dialogando com processualidades já consagradas no âmbito da arte
institucionalizada.

23 ARCHER (2012: p.91) ao sintetizar as questões lançadas no movimento italiano.


24 Idem, p.93.
25

SETOR 2: FERNANDO PINTO MARAVILHA - UM ZIRIGUIDUM TRO-


PICALISTA

Um índio descerá de uma estrela colorida, bri-


lhante, de uma estrela que virá numa veloci-
dade estonteante e pousará no coração do
hemisfério sul. Na América, num claro ins-
tante. Depois de exterminada a última nação
indígena e o espírito dos pássaros das fontes
de água límpida. Mais avançado que a mais
avançada das mais avançadas das tecnolo-
gias.
(Um índio - Caetano Veloso)

Figura 6: índios andando de patins na Discoteca Saci, no


desfile Tupinicópolis em 1987. (Fonte: internet)

Os patins deslizam sobre o chão quadriculado de branco e preto, conduzidos por


estranhos índios punks. É calor, verão, manhã de sol forte no Rio de Janeiro, na Mar-
quês de Sapucaí. É a Discoteca Saci, onde índios também tocam heavy metal. É a
grande casa noturna de Tupinicópolis, a cidade indígena pós-marajoara, retrô-futu-
rista, símbolo do Tupi Power, onde, seus habitantes fazem compras no Shopping Boi-
tatá e Supermercado Casas da Onça, se hospedam no Palace Hotel Tupiniquim e vão
à Farmácia do Raoni. Para se divertir, opções não faltam como o Cine Marajoara, que
tem o épico Iracema II em cartaz, o Cassino Eldorado e até o Bordel da Uiara, com-
prando com a moeda guarani e sendo comandados pela Tupioca dos Poderes, onde
o Tupi-Cacique dá as ordens.
1987, Rio de Janeiro, Sambódromo da Marquês de Sapucaí, desfile das escolas
de samba do Rio de Janeiro. Que cidade era essa que o carnavalesco Fernando Pinto
fundava num cenário político conturbado pós-ditadura militar, que juntava índios com
signos do patriarcado? Como pode índios terem sua própria cidade? Seria Tupinicó-
polis o próprio símbolo da vitória anti-colonizadora ou o êxito máximo da imposição
estrangeira sobre os povos nativos? Que índios são esses que se perderam tanto de
si mesmo e foram dominados pelo outro? Eles não são mais índios, afinal, usam reló-
gios Rolex, óculos escuros e malas 007.
Apesar do estranhamento inicial, com a construção de sua “lendária cidade índia
do terceiro milênio”25, Fernando Pinto atualizaria uma série de discussões surgidas

25 Como definiria o próprio carnavalesco no texto da sinopse descrevendo o enredo em 1987.


26

quase vinte anos antes pelo momento tropicalista, articulando também questões-
chave em sua produção, tais como pensar o Brasil contemporâneo rearticulando os
signos tropicais através do uso alegórico do deboche e da ironia. De modo que, em
sua trajetória de dezesseis anos e quatorze desfiles assinados no grupo especial ca-
rioca, de 1971 a 1988, o artista pernambucano atualizaria questões tropicalistas que
foram repensadas e ressignificadas pelos intelectuais da década de 1970, no que se
convencionou chamar de “cultura marginal”.26
Além das escolas de samba, Fernando Pinto atuaria como diretor teatral, cenó-
grafo, figurinista e coreógrafo. Ao chegar de Pernambuco em 1969, instalar-se-ia no
icônico Solar da Fossa27 e durante os anos 1970, além do cenário teatral, seria res-
ponsável pela estética do grupo As Frenéticas, fazendo parte do coletivo Dzi Croquet-
tes e assinando a direção de shows e cenários de outros artistas como Elba Ramalho,
Simone, Chico Anysio e Ney Matogrosso. Fora do meio musical, ainda assinou as
decorações do baile de carnaval do Pão de Açúcar, entre 1979 e 1983.
Em entrevista, o artista assumiria sua herança artística:
De certa forma, sou filho estético da Tropicália, aquele movimento maldito
maravilhoso. Tropicália, para mim, é a curtição em cima de tudo e de todos.
Tropicália é o verdadeiro Brasil, o subterrâneo; o que todo mundo faz e nin-
guém mostra. (O GLOBO, 15/02/1980)
Em carnavais assinados em duas fases diferentes, a primeira delas no Império
Serrano e a segunda na Mocidade Independente de Padre Miguel, Pinto lidaria com
sintomas e processualidades levantadas pelo momento tropicalista e retrabalhados
pelos artistas das gerações seguintes, nos anos 1970 e 1980, das quais fez parte. No
presente trabalho serão discutidos três desses sintomas: as noções de brasilidade, os
signos tropicais e a linguagem alegórica.

Carro 2.1: Encarar o Brasil de frente

26 Segundo Coelho (2010), no contexto posterior à eclosão do movimento tropicalista em 1967, confi-
gurar-se-ia uma geração de artistas que optariam pela “marginalidade” na luta contra um sistema con-
trolado pelo governo ditatorial. No entendimento proposto, haveria uma diferença conceitual entre a
Tropicália e o tropicalismo musical, de modo que o primeiro seria uma reunião de questões e modos
de pensar percebido em diferentes obras do período e o segundo um movimento de fato, organizado
no âmbito musical.
27 Solar da Fossa seria uma espécie de pensão localizada em Botafogo que abrigaria uma série de
artistas e intelectuais nos anos 60 e 70. Por lá passariam nomes como Caetano Veloso, Gilberto Gil,
Paulinho da Viola, entre outros. O Globo, 18.02.1973.
27

Tropicália é a primeiríssima tentativa consciente, objetiva, de impor uma


imagem obviamente brasileira ao contexto atual da vanguarda e das mani-
festações em geral da arte nacional. (OITICICA, 1986, p.106)
Assim definiu Hélio Oiticica o penetrável “Tropicália” que sintomatizaria as ques-
tões do momento intitulado tropicalista a partir de seu trabalho. Esta seria a primeira
de uma série de obras que trariam questões semelhantes ao buscar repensar a cultura
brasileira a partir de 1967, evocando símbolos da nacionalidade estabelecida pelo
modernismo de modo irônico e festivo, ao mesmo passo em que afirmavam que aqui
era o “fim do mundo”.28
Contrapondo-se à dicotomia entre alienados e engajados, às canções de pro-
testo e à Jovem Guarda, a Tropicália surgiria como uma terceira via buscando encarar
as questões que formavam a cultura brasileira dos anos 1960, num desejo de univer-
salizar o Brasil, colocando-o na rota internacional.
Nas artes plásticas, Hélio Oiticica. Na música, o grupo liderado por Gil e Caetano.
No teatro, Zé Celso Martinez. No cinema, Glauber Rocha. No carnaval, Fernando
Pinto atualizaria essas questões anos depois, em 1980, em seu desfile “Tropicália
Maravilha”, para a Mocidade Independente de Padre Miguel, no qual articularia uma
série de ícones da Tropicália e da cultura brasileira, como ele bem define, numa es-
pécie de concepção própria da História do Brasil:
Se o enredo é "Tropicália Maravilha" é por que eu sou um pouco filho da
Tropicália. Quis fazer um enredo que brincasse com a natureza, a dança, a
música do Brasil. Que brincasse com o Brasil mesmo, enquanto país, mas
não de uma forma ufanista e sim a partir de um visão crítica. A tropicália é
exatamente isso: curtir muito, às vezes até chegando ao deboche, em cima
de tudo, do "Em que se plantando tudo dá", primeiro quadro do enredo até a
anistia, abertura, festival de partidos, elementos do último quadro, "Brasiléia
Desvairada". Esse quadro de encerramento, por sinal, é um deboche mesmo,
sério só no plano da realização, da confecção. "Brasiléia" é uma síntese de
tudo que desfilou antes. Uma síntese transformadora, é claro. A onça da des-
coberta do Brasil se multiplica nas “oncetes” e gatões do encerramento do
desfile. As índias representantes das mães da raça colonizada viram secre-
tárias de novos partidos políticos. (Folha de São Paulo, 08-02-80)
No discurso do carnavalesco sobre o enredo ficaria claro um caráter irônico, bei-
rando ao deboche, uma leitura anti-histórica de uma manifestação artístico-cultural
que se pretendia “séria”. A Tropicália, uma forma de pensar o Brasil, seria evocada
por ele como uma espécie de comentário muito pessoal ao “movimento”29 numa ten-

28 Trecho da canção “Marginália II”, de Gilberto Gil e Torquato Neto.


29
Não entendemos a Tropicália como um movimento unificado e organizado com proposições claras,
mas sim uma maneira de articular uma série de problemáticas que surgiram em convergência nos mais
28

tativa de atualizar o assunto para o período político-social de então à formação brasi-


leira, evidenciando nossos principais símbolos, tais como as obras entendidas como
tropicalistas. um processo que Hélio Oiticica definiria como reconhecer que a forma-
ção brasileira “é de uma falta de caráter incrível: diarreica; quem quiser construir (nin-
guém mais do que eu, “ama o Brasil”!) tem que ver isso e dissecar as tripas dessa
diarreia – mergulhar na merda. (OITICICA, 1973, p. 151)
Em “Tropicália Maravilha”, Fernando Pinto, que vinha de uma série de oito des-
files no Império Serrano30 entre altos e baixos, marcaria uma nova fase de sua produ-
ção, um ponto de virada, saindo de temas mais folclóricos e da cultura de massa para
um mergulho profundo na “merda” brasileira. Uma atitude não só tropicalista por ex-
celência, mas, principalmente, marginal e “desbundada”.
A narrativa proposta em setores ou
quadros se articularia com a própria alegoria
de um Brasil que se queria e não queria ser,
segundo a concepção de seu criador. Em
cada setor, o carnavalesco refletia sobre os
diferentes ícones formadores da cultura bra-
sileira, tais como nossos frutos (Em se plan-
Figura 7: Imagem de 1980, setor "Tudo que se
tando tudo dá), flora (O cravo brigou com a planta dá".
rosa por causa da margarida gostosa), fauna (As aves que aqui gorjeiam e as que não
gorjeiam) e colonizadores (Oropa, França e Bahia), índios (Ser ou não ser tupi até
morrer) e negros até chegar num quadro final apoteótico (Brasiléia desvairada), que
representaria o Brasil atual em seus signos como o futebol, Chacrinha, Carmen Mi-
randa e o cenário político. Alguns nomes marcariam claras referências ao movimento
modernista de 1922, base de todas as obras tropicalistas. Como “Ser ou não ser tupi
até morrer”, uma resposta à famosa frase do movimento antropófago de Oswald de
Andrade, com o acréscimo do “até morrer”. Além do “Oropa, França e Bahia” e “Bra-
siléia Desvairada”, lembrando a obra de Mário de Andrade.

diferentes trabalhos de uma mesma época e seguiram sendo como uma espécie de “conjunto de teo-
rias” constantemente atualizado sobre o Brasil. (COELHO, 2010)
30A trajetória de Fernando Pinto começaria em 1971 no Império Serrano com o enredo “Nordeste, seu
povo, sua glória, sua gente” seguindo interruptamente até 1976, num rápido retorno em 1978 com
carnaval considerado desastroso pela crítica. Seriam enredos sobre figuras da cultura de massa como
Carmen Miranda (72), Zaquia Jorge (75) e Oscarito (78), ou as questões de brasilidade, como Pindo-
rama (73), e folclóricas, como Dona Santa, Rainha do Maracatu (74) e divindades africanas (76).
29

Outra característica do desfile seria a forte crítica política. O setor sobre a fauna
brasileira intitulado de “Aves que aqui gorjeiam e as que não gorjeiam” faria uma clara
referência aos exilados políticos. Enquanto o último carro alegórico trazia composi-
ções femininas com as siglas de alguns partidos nacionais em meio a um enorme
letreiro onde se lia a palavra ANISTIA, com um fundo do Congresso Nacional tomado
por feijões e onças ferozes. No contexto da apresentação, vale lembrar a luta pela
anistia aprovada em 1979, na preparação do desfile.
Toda essa articulação, deixaria claro que “Tropicália Maravilha” marca, em mui-
tas camadas, a construção fantasmagórica de um Brasil que se apropria de uma dita
história oficial, mas mergulha em sua merda. É um processo muito parecido com a
encenação de “O Rei da Vela”, do Teatro Oficina em 1967, definida como “uma farsa
fantasmagórica que satirizava a pompa oficial, ridicularizava abertamente o ‘bom
gosto’ e se deleitava com o grotesco” (DUNN, 2009)
Esse jogo complexo entre o cafona, o kitsch e o grotesco é ainda mais tenso se
analisarmos o momento histórico dos desfiles das escolas de samba31 em que Fer-
nando Pinto atuou. Voltando ao primeiro capítulo, a chegada do grupo liderado por
Arlindo Rodrigues e Fernando Pamplona seria um processo semelhante ao da bossa
nova na música brasileira. Uma espécie de estetização e limpeza, onde uma estética
mais clássica se apropriaria de um discurso vindo do popular. A Tropicália traria de
volta o subterrâneo, como bem definiu Fernando Pinto. Um Brasil cafona e exagerado,
das chanchadas e das cantoras de rádio, que foi negado, na música, por João Gilberto
e Tom Jobim, e nos desfiles, pelos profissionais da Escola de Belas Artes. 32 Assim,
como Zé Celso e Caetano Veloso, Fernando Pinto trazia o exagero à tona nova-
mente.33 Era uma referência ao teatro de revista, estética que contribuiu para a for-
mação num primeiro momento, e a partir da chamada “revolução salgueirense” foi
colocada de escanteio.
Os comentários da crítica especializada para o desfile de 1980 tornariam essa
rejeição bem clara. Na mídia impressa, o jornal O Globo, de 20-02-80, no comentário

31Partindo da noção desse trabalho de compreender os desfiles como um microcosmos da História da


Arte brasileira, ao mesmo tempo pertencente a ela, mas autônomo, com suas próprias linguagens e
tensões.
32Não só os líderes da dita revolução salgueirense, mas seus herdeiros beberiam nessa fonte acade-
micista, como o próprio Arlindo Rodrigues, Joãosinho Trinta, Maria Augusta e Rosa Magalhães.
33 Favaretto (2007) denomina isso “procedimento cafona”.
30

pós-desfile, classificaria a apresentação como “cafonice assumida” ou “salada de fru-


tas”, enquanto no Jornal do Brasil do mesmo dia, a jornalista Maria Lúcia Rangel iro-
nizaria dizendo que “se sua tropicália maravilha fosse filmada poderia ser vista como
chanchada, mas pode ser chamada de revista sambada pelo GRES Mocidade Inde-
pendente - não empolgou”. Os comentários na transmissão televisiva da TV Globo
também não poupariam críticas. As avaliações do cenógrafo Mário Monteiro e Macedo
Miranda Filho taxariam o desfile de anacrônico, ressaltando que havia faltado o con-
teúdo político do movimento de 1960, afirmando que “o que tivemos aqui foi o tropical
e não tropicalismo”. Acusação questionável tendo em vista o engajamento político do
desfile, sobretudo no último setor, e o aspecto irônico claro com que os símbolos bra-
sileiros foram articulados no enredo através de um mergulho na merda de nossa con-
dição terceiro-mundista.
Outro desfile fundamental para entender a linguagem do artista pernambucano
é o levado pela Mocidade Independente, em 1988, no qual essas questões ligadas à
formação brasileira reapareceriam de
maneira mais notável. O enredo “Bye,
bye Brasil! Beijim! Beijim!” seria apre-
sentado na Avenida depois da morte
trágica do carnavalesco num acidente
de carro em novembro de 198734,
sendo finalizado por seus assistentes.
Figura 8: A Comissão de Frente de 1988 que trazia
negões vestidos de Xuxa. Realizado no ano da Assembleia Cons-
tituinte, o tema brincaria, segundo as palavras do próprio autor, com “o falso otimismo”
no pós-ditadura, constituindo-se em “uma espécie de neo-Aquarela, um brasil que
quase deu certo, um novo sistema de capitanias hereditárias e seus problemas”.35
Quando todo mundo falava em união, num momento de celebração, Pinto ia contra o
senso comum na proposição de um novo país. Na narrativa, seria declarada uma
constituinte independente que dividiria a nação “naufragada em sete Brasiléias encan-
tadas”36. Seriam elas: Amazônica, Praieira, Sertaneja, Maravilha, Pampa, Central e

34Fernando Pinto morreria dia 29 de novembro de 1987, num acidente de carro na Avenida Brasil
voltando da quadra da Mocidade Independente de Padre Miguel.
35 Entrevista de Fernando Pinto para o Jornal do Brasil em 25-5-1987.
36Trecho do samba-enredo da Mocidade para 1988 composto por João das Rosas, Ferreira e J. Mui-
nho.
31

Federal. O desfile apresentaria uma série de problemas nos quesitos avaliados, per-
dendo muito do apuro estético que Fernando havia apresentado um ano antes. Entre-
tanto, ao contrário de desfiles que comentaremos mais adiante, no primeiro setor em
“Beijim, Beijim”, Fernando partiria para uma crítica mais direta37, trazendo uma série
de alas e carros com os problemas atuais do país como a saúde, educação, a miséria,
todas representadas de maneiras bem literais e nada alegóricas, como ele fazia ante-
riormente. O caráter otimista e festivo de Fernando Pinto ao encarar o Brasil apresen-
tar-se-ia na parte em que ele descrevia as divisões propostas, baseadas em hábitos
culturais e características geográficas. Além de uma atualização das questões tropi-
calistas, esse caráter ufanista e hedonista também ia ao encontro do caráter festivo
da geração 80, conhecida pelo retorno à pintura, geração da qual Fernando fazia
parte.38
A abertura do desfile traria uma imagem forte, surgida da apropriação e ressig-
nificação da cultura de massa: os grandes “negões” da comissão de frente se vesti-
riam de Xuxa. Outro signo plástico marcante desse desfile seriam as baianas, ala im-
portante nos carnavais desenvolvidos
por Fernando na Mocidade pela forma
irônica e transgressora de suas fanta-
sias. Em 1984, ele substituira o turbante
por óculos escuros e perucas black-po-
wers coloridas, em 1985 as transfor-
mara em insetos espaciais e em 1987
trabalharia com tecidos de oncinhas.
Eram inovações e quebras de tradição
bem aceitas pelas componentes da ala,
Figura 9: as icônicas baianas de Fernando Pinto. Da
esquerda para direita, as nacionalistas de 88, as on- mas mal vistas pela crítica carnavalesca
cinhas de 87, os isentos espaciais de 85 e as muam-
beiras de perucas black em 84. de então. Fernando Pamplona, por
exemplo, taxaria como um “crime” à “tradição” da ala.

37 Analisando o momento dos desfiles, a perda do caráter alegórico de Fernando pode ter se dado por
influência do trabalho de Luiz Fernando Reis, que se fixaria como o carnavalesco da crítica mais “crua”,
o que voltaremos a abordar no último capítulo.
38Segundo Canongia (2010, p. 38), isso muito tinha a ver com o tropicalismo, numa “deglutição e
mixagem” de múltiplas referências, cuja irreverência norteou a composição de um quadro cultural dis-
seminado.
32

Em 1988, as baianas trariam um desenho mais tradicional, mas entrariam na


onda nacional ao portar a bandeira do Brasil em seus panos da costa e o congresso
em seus turbantes. O uso da bandeira nacional na obra de Fernando Pinto é outro
sintoma importante nesse aspecto do encarar o Brasil de frente. É bom lembrar que
durante o período ditatorial, a bandeira passou a ser um ícone fora de moda, símbolo
do poder do Estado e não de uma unidade de Nação. As cores verde e amarelo, além
de grandes bandeirões, são uma constante na produção de Fernando. Desde sua
passagem pelo Império Serrano, ele foi criticado por deixar as cores das escolas de
lado e abusar do verde e amarelo. Sobretudo em 1975, quando contou a vida da ve-
dete Zaquia Jorge. Outra imagem forte que usaria o símbolo pátrio aconteceria em
1985, quando a comissão de frente do enredo “Ziriguidum 2001” traria robozinhos fin-
cando a bandeira brasileira na lua. Essa atitude contribuiria, de alguma forma, para a
revalorização da bandeira no contexto do movimento das “Diretas-já”.

Ala 2.1.1: Bagulho bom é no terreiro do meu samba 39

Na mesma década de 1980, Gal Costa regravaria, em arranjo atualizado, “Baby”,


canção histórica de Caetano Veloso Veloso também gravada nos anos 1960 pelo
grupo Mutantes, onde se diz: “você precisa saber da piscina. Da margarina. Da Caro-
lina. Da gasolina”. Enquanto Haroldo Melodia40, seria mais direto ao anunciar para a
Sapucaí que a agremiação tinha “muamba, cordão de ouro, chapéu, anel de bamba.
Bagulho bom é no terreiro do meu samba” e que estava “baseado na ideia do papai”.
Tanto Gal como Haroldo estariam falando da sociedade de consumo de modos bem
parecidos, articulando um sintoma final para entender a forma como se encararia de
frente o problema nacional: a sociedade de consumo. O samba citado é do enredo
“Mamãe, eu quero Manaus”, de 1984, que contava a história do contrabando no Brasil
desde a chegada da Família Real Portuguesa até os tempos atuais. As duas passa-
gens claramente subversivas, com “bagulho bom” e “baseado”, reforçariam o já citado
tom irônico e ambíguo na linguagem tropicalista que se repetiria, estando presente em
músicas como a já citada “Baby”, além de “Alegria, Alegria”, “Geleia Geral” e “Parque
industrial”. Segundo Duun (2007, p.179), seria “um bom exemplo das ambiguidades

39Trecho do samba-enredo da Mocidade Independente para 1984, composto por Edson Show e
Romildo.
40
Icônico interprete do carnaval identificado com a União da Ilha e que teria rápida passagem pela
Mocidade em 1984
33

da música tropicalista, na qual a fronteira entre a sinceridade e o sarcasmo, a cumpli-


cidade e a crítica, muitas vezes não era clara." Ao processar imagens retiradas de
diversos meios, o carnavalesco também se aproximaria de processos trabalhados na
geração 80, que reinterpretou objetos da história da arte e da indústria num painel
celebratório, o que o aproximaria ainda mais do ofício da curadoria.
No desfile de 1984, Pinto articularia uma série de ready-mades do mundo global.
Um visual entendido como cafona e hiperbólico,
no limiar entre crítica e celebração, represen-
tando entre itens da perfumaria, bebidas alcoóli-
cas e as famosas sopas “Campbells” de Andy
Warhol. Vale lembrar que a sociedade brasileira
vivia uma explosão de consumo, fomentado pela
chegada dos produtos estrangeiros, via Para-
guai, no momento final da ditadura. As muambei-
ras, ou sacoleiras, eram figuras da sociedade de Figura 10: as sopas “Campbells” em meio a ou-
então e os carnavais da Mocidade eram banca- tros itens importados no desfile de 1984.
dos pelo bicheiro Castor de Andrade, figura polêmica e simbólica da contravenção
carioca. Seu patrocínio exerce importância para o trabalho de Fernando Pinto, uma
vez que seus carnavais são perceptivelmente caros, com grandes volumes e propor-
ções de matérias de alto valor, usados sem economias. Tal exuberância se vê, por
exemplo, no carro da caravela de Dom João VI, em 1984, destacado na transmissão
televisiva da Rede Globo por ser todo coberto de tecido lamê.
Outro desfile em que esse processo dúbio de tratar o capitalismo ficaria mais
claro, embora articulado de maneira distinta, é o já citado Tupinicópolis, onde o afas-
tamento da realidade da sociedade de consumo é atravessado por uma série de as-
sociações externas, através da figura do índio, que evidenciam, ao mesmo tempo,
crítica e celebração ao capitalismo.
Numa entrevista para o jornal O Globo, em 15-02-1980, sobre o enredo Tropicá-
lia Maravilha que traria pela primeira vez a imagem de um índio “aculturado” na obra
de Fernando, o carnavalesco comentava que a bateria estaria de relógio Rolex, pe-
ruca black e óculos escuros. Uma fantasia intitulada “tupi libertados”. Respondendo à
pergunta sobre o que diabos seriam esses “tupi libertados”? Fernando Pinto comenta,
de maneira irônica, bem ao seu tom, mas deixando no ar uma série de ambiguidades
34

tropicalistas: “Tupi libertados somos todos nós, principalmente os mestiços das esco-
las de samba. Somos todos índios; libertos em ternos, colonizados sem saber”.41

Carro 2.2: Relíquias do Brasil

Baila no ar a poesia, entre cascatas, palmeira, araçás e bananeiras. Yes, nós


temos bananas! E margaridas gostosas. Até para dar e vender. E quem não
dança não fala. Assiste a tudo e se cala, não vê no meio da sala. As relíquias
do Brasil: Doce mulata malvada. Taí Carmen Miranda-da-da. Viva a Banda-da-
da. Um LP de Sinatra. Zaquia Jorge, a vedete do subúrbio. Maracujá, mês de
abril. Dona Santa, Rainha do Maracatu. Santo barroco baiano. Oscarito, samba
e carnaval. Superpoder de paisano. Índios Urbanos. Formiplac e céu de anil.
Três destaques da Portela. Uma rainha de bateria da Mocidade. Carne-seca
na janela. Alguém que chora por mim. Um carnaval de verdade. Um carnaval
nas estrelas. Hospitaleira amizade. Camaleões Guerreiros. Brutalidade jar-
dim.42

Ao tentar “impor uma imagem obviamente brasileira”, Hélio Oiticica lançaria mão
dos mais famosos clichês da identidade nacional forjados pelo modernismo, através
da arte institucionalizada, por meio da música, do teatro e do cinema; processo no
qual as escolas de samba teriam papel fundamental, elevadas ao patamar de símbo-
los da nacionalidade. No mesmo contexto das escolas, acompanhando o projeto na-
cionalista do Governo Vargas, na década de 1940, o teatro de revista de Walter Pinto
e as chanchadas da Atlântida trariam também um Brasil alegre, carnavalizado e tropi-
cal. Juntos, esses três elementos se relacionariam trocando referências e influências,
sendo reforçado nas pinturas modernistas e na massificação do rádio e seus cantores.
Nas décadas de 1950 e 1960, toda essa construção passaria a ser negada e esterili-
zada de diversas maneiras e, logo em seguida, retornaria recodificada. Primeiro na
música, com o surgimento e sucesso meteórico da Bossa Nova e posteriormente das
canções de protesto, depois, no cinema, pela estética americana questionada pelo
naturalismo do Cinema Novo; nas artes plásticas, pela a chegada no abstracionismo
reelaborada pelo neo-concretismo; no carnaval, pela “consciência” intelectualizada do

41 O Globo de 15-2-1980.
42Articulação poética das músicas “Geleia geral” e “Marginália II” de Gilberto Gil e Torquato Neto; “Tro-
picália”, de Caetano Veloso e “Yes, nós temos bananas”, de Braguinha, com imagens da trajetória de
Fernando Pinto.
35

grupo de Fernando Pamplona e Arlindo Rodrigues reelaborada por Fernando Pinto e


Luiz Fernando Reis.
Todos os ícones de tropicalidade como condição de brasilidade, negados até
então, emergiriam do subterrâneo destas áreas com a música de Caetano Veloso,,
Tom Zé e Gilberto Gil, a visualidade de Rubens Gerchman e os desfiles de Fernando
Pinto, revisitados e reprocessados em diversas camadas na trajetória do carnavalesco
pernambucano. Primeiro, no aspecto mais óbvio, das frutas e faunas representadas
abundantemente em desfiles diversos, onde se destaca mais uma vez “Tropicália Ma-
ravilha”, com setores dedicados a estes signos representados em carros alegóricos e
uma visão debochada da flora brasileira a partir do título “O cravo brigou com a rosa
por causa da margarida gostosa”. Fernando Pinto explicaria que o setor marcaria uma
ode à margarida que devia ser valorizada em seu aspecto popular, em relação à mo-
narquia da rosa. Essa celebração irônica e divertida de uma imagem tropical esvazi-
ada poderia ser comparada às imagens coloridas e alegóricas de Glauco Rodrigues
e no forte subtexto das bananas de Luiz Henrique Amaral.
Além da fauna e da flora, outro signo de brasilidade resgatado do ostracismo
pelo movimento tropicalista foi a figura exótica de Carmen Miranda. A cantora luso-
brasileira seria o enredo do segundo carnaval da traje-
tória de Fernando Pinto, em 1972. O desfile “Alô, alô, taí
Carmen Miranda”, apresentado pelo Império Serrano, é
provavelmente o primeiro a abordar um ícone da cultura
de massa, conhecida no âmbito popular. Em depoi-
mento para O Globo, Fernando Pinto falaria do estra-
nhamento da escola pela escolha do tema e como con-
seguiu vencer as resistências internas.43 A apresenta-
ção do enredo seria para ele uma resposta ao sucesso
de “Festa para um rei negro”, do Salgueiro em 1971.
Figura 11: Leila Diniz interpre-
“Tratei de investigar por todos os ângulos do desfile”, tando Carmen Miranda na apre-
sentação de 1972.
afirmou para o Jornal do Brasil em 19-2-72.
A apresentação concebida pelo grupo de Pamplona se tornaria emblemática
pelo samba revolucionário de Zuzuca, que tinha um refrão curto e ritmado repetido a
exaltação, o popular “pega no ganzê, pega no ganzá”. O carnavalesco do Império

43 Edição de 15-02-1973.
36

Serrano, Fernando Pinto, articularia um samba-enredo com características parecidas,


inserindo-se num contexto que ainda não era domínio do carnavalesco44, a alteração
do samba-enredo, contribuindo para o lugar de centralidade que a figura tomaria pos-
teriormente. O samba de Maneco, Wilson e Heitor tinha uma curta letra que rompeu
com a linguagem tradicional ao usar a gíria “que grilo é esse?” e seria um dos fatores
para o sucesso da apresentação, premiada em várias categorias pelo recém-criado
Estandarte de Ouro.
No depoimento para O Globo, de 1973, escrito diretamente pelo carnavalesco,
ele fala sobre o processo de construção do enredo em que optaria por uma construção
não linear: “Sou uma pessoa muito ligado ao teatro e vejo o carnaval como o maior
espetáculo que a gente tem”. Várias reportagens nos jornais O Globo e Jornal do Bra-
sil, destacariam as referências do cinema e teatro na criação da apresentação. Neste
sentido, a ideia de curadoria pode ser ainda mais evidenciada, pois a construção de
uma narrativa abrigaria, assim, vários núcleos de um desfile, como o samba, a fanta-
sia, as baianas, etc. Numa das entrevistas, Fernando Pinto declararia que “preparou
tudo como se fosse para um palco normal de teatro de revista. Depois foi acrescen-
tando coisas, enchendo os vazios”.45
Essa visão do teatro de revista e também da chanchada seria uma linguagem
adotada por Fernando no sentido de valorização do popularesco, mal visto no carnaval
da época, como já dito, no contexto posterior à revolução de Pamplona. Se em Car-
men Miranda, uma série de fatores entre estética e samba garantiriam o sucesso da
apresentação, outros enredos da fase de Fernando no Império Serrano que beberiam
na mesma fonte seriam duramente criti-
cados como as homenagens à vedete
Zaquia Jorge, em 1975, ou ao ator Osca-
rito, em 1978. Na construção narrativa
dos dois, chamaria atenção esse pensa-
mento ligado ao teatro e ao cinema,
Figura 12: A alegoria de 1975 trazia uma composi- constituindo uma narrativa em esquetes
ção próxima do teatro de revista.

44 Se hoje a noção do carnavalesco como diretor-geral e interlocutor de todos os processos de um


desfile é amplamente difundida, em 1972, isso estaria começando a se solidificar a partir da chegada
do grupo de Pamplona quase uma década antes. Comumente, a primeira noção de um carnavalesco
interferindo no aspecto musical diretamente foi a fusão entre duas obras diferentes para o Salgueiro
em 1975, proposta por Joãozinho Trinta e Laíla.
45 Jornal do Brasil de 19-2-72
37

e não linear. A história de Zaquia, por exemplo, seria contada a partir de uma viagem
de trem da Central do Brasil até Madureira, onde ficava o teatro de revista da atriz. O
samba-enredo composto por Alvarese reforçaria essa visão: “Viagem, revista, aqua-
rela, o passado é presente e neste teatro-passarela, ela resplandece novamente.”
A análise de um dos principais teóricos da Tropicália, Celso Favaretto, destaca
essa “transformação do mau gosto em símbolo de contestação no domínio dos com-
portamentos, através do uso sistemático do deboche" (2007, p.122). Além de obras
tropicalistas já citadas, como a peça “O Rei da Vela”, o tema também apareceria em
artistas visuais como Rubens Gerchman e seu “Rei de Mau Gosto” e Nelson Leirner,
em “Altar de adoração a Roberto Carlos”, ambas de 1966, que articulavam o “mau
gosto”, o “popular” e o “brega” de maneira irônica. A articulação dissimulada desses
elementos, é para Scovino (2007), um capítulo da ironia na arte brasileira, sintetizado
por ele da seguinte forma:
Na década de 1960, podemos destacar na produção da arte brasileira, uma
série de artistas que usam a apropriação, quer de imagens extraídas dos
meios de comunicação de massa, quer de objetos retirados do cotidiano para
justapô-los ou inseri-los em outras situações por meio da colagem, fotocola-
gem e da assemblagem. (SCOVINO, 2007, p.112)

Ao lidar com essas questões, Fernando Pinto, ao mesmo tempo, se colocaria


como um dos nomes responsáveis pela espetacularização da festa na rivalidade entre
“tradição e vanguarda”. Papel atribuído mais comumente a João Trinta, mas que no
auge da ebulição da rivalidade teria como vilão os desfiles de Joãozinho e Fernando.
O pernambucano articularia, ao longo de sua trajetória, desfiles em que se destaca-
riam o uso excessivo dos adereços de mão, que ajudam nesse crescimento visual e
o aspecto escultórico dos carros, que ganhariam novas formas (ainda maiores) em
seus carnavais na década de 1980.

Ala 2.2.1: Deixe nosso índio ter seu chão46

Muito além da fruta, da fauna e da Carmen Miranda, o principal signo da brasili-


dade na trajetória de Fernando é, sem dúvida, a figura do índio tropical que exercia
verdadeiro fascínio sobre o artista, aparecendo na sua produção com especial desta-
que. Dos carnavais assinados pelo artista, foram três desfiles dedicados aos nativos

46Trecho do samba-enredo da Mocidade Independente de Padre Miguel para o ano de 1983, composto
por Adil, Dico da Viola, Paulinho Mocidade e Tiãozinho da Mocidade
38

brasileiros, o que se convencionou chamar de trilogia indígena por alguns historiado-


res do carnaval e que aparece declarada por Fernando numa edição do jornal O Globo
de fevereiro de 1987. A partir de uma análise mais generosa desse recorte específico,
percebe-se um certo nível de desenvolvimento e diferenças que marcaram uma es-
pécie de continuidade desses três enredos.
O primeiro deles, realizado em 1973, no Império Serrano, “Viagem encantada
Pindorama47 adentro” marcaria uma abordagem do Brasil antes da chegada coloniza-
dora. Apesar da comissão de frente representar navegantes portugueses, prevalece
a visão do nativo sobre o “descobrimento”, o que pode ser entendida como uma es-
pécie de alegoria de um Brasil distante visto como paraíso perfeito. A linguagem do
enredo teria um aspecto lúdico e onírico a partir da inserção das lendas e mitos indí-
genas que, traduzidos plasticamente, seriam reforçados com o uso de peixes voado-
res, um grande arco-íris e as caudas prateadas da Iara. O desfile conquistaria a se-
gunda posição, aclamado pela crítica e visto como verdadeiro vencedor daquele
ano.48
Dez anos depois, Fernando Pinto retornaria a questão indígena em sua volta à
Mocidade, após sua rápida passagem em 1980. Abandonando a proposta mais lúdica,
“Como era verde meu Xingu” pode ser lido como um grito de alerta à preservação
ambiental. O desfile seria dividido em vários quadros com momentos distintos, o pri-
meiro ato é o simbólico “Mocidade abraça o índio brasileiro”, o desfile seguiria mos-
trando os hábitos e as culturas indígenas antes da chegada do colonizador, a chegada
dos “invasores” e a revolta dos nativos contra eles. A presença do estrangeiro seria
tratada de maneira alegórica, marcando uma forte negação da história oficial ainda
apresentada por algumas escolas do período. O que pode ser facilmente entendido a
partir da letra do samba:
Quando o homem branco aqui chegou / Trazendo a cruel destruição / A feli-
cidade sucumbiu / Em nome da civilização / Mas mãe natureza / Revoltada
com a invasão / Os seus camaleões guerreiros / Com seus raios justiceiros /
Os caraíbas expulsarão / Deixe nossa mata sempre verde / Deixe o nosso
índio ter seu chão.

47“Pindorama” como lugar místico apareceria no manifesto antropófago de Oswald de Andrade no


famoso “matriarcado de Pindorama” e na música “Geleia Geral”, de Gil e Torquato Neto: “Pindorama,
país do futuro”.
48 Segundo opinião da crítica especializada nos jornais O Globo e Jornal do Brasil de fevereiro de 1973.
39

“Matazeza”, uma enorme ave dourada seria o signo escolhido para representar
a chegada portuguesa, articulado a uma série de ícones da sociedade de consumo
atuais. O limiar entre sedução e revolta não ficaria claro no último quadro, “Deu a louca
no Xingu”, onde, nas últimas alas, os índios se apropriavam dos itens urbanos e colo-
nizadores, numa deliciosa ambiguidade na parte final e apoteótica da trilogia.

Figura 13: Dois momentos diferentes do desfile de 1983, acima a abertura, e


abaixo a ave que marcava a chegada do colonizador.

Nos anos 70 e 80, além de Fernando Pinto, uma série de artistas refletiria sobre
o tema indígena. Seja de maneira alegórica, como Glauco Rodrigues, seja nas pintu-
ras hiper-realistas da série Xinguana, em 1975, do artista goiano Clóvis Iriguaray, que
também colocaria índios fora de seu lugar esperado ao representá-los vendo televi-
são, na biblioteca, bebendo Coca-Cola e até em roupas de astronauta. Um processo
que apareceria no tropicalismo também como uma maneira de "valorizar esse ‘primi-
tivo e nosso’ como elemento de subversão, inversão e transvalorização. A utopia an-
tropofágica reencontra no nosso passado primitivo todas as qualidades necessárias
ao presente." (BRENTES, 2007)
Sobretudo para o carnavalesco, a questão parece ser usar o índio como signo
popular de maneira subversiva. Estabelecendo uma crítica ao branco através do índio,
num jogo de relações que distancia o espectador do que está sendo falado. De modo
parecido ao que que Caetano Veloso termina a sua já citada canção “Um índio”:
E aquilo que nesse momento se revelará aos povos. Surpreenderá a todos
não por ser exótico, mas pelo fato de poder ter sempre estado oculto quando
terá sido o óbvio.
40

Esse caráter dúbio e crítico também apareceria no trabalho de Anna Bella Geiger
que, a partir de 1977, iniciaria a série “Brasil Nativo, Brasil Alienígena”, em que se
apropriaria de cartões indígenas que traziam a figura do nativo como símbolo de ex-
portação e ela mesma reproduziria as cenas marcando um contraste, entre “coloniza-
dor” e “colonizado”. Apesar dessa tendência alegórica, os índios de Fernando Pinto
não se distanciariam muito da fotografia de Claudia Andujar que, com a série Marca-
dos chamaria atenção para a dizimação da população indígena de maneira mais et-
nográfica. Documentos atuais da Comissão da Verdade revelam o massacre indígena
no período ditatorial, além do alerta pela demarcação das terras indígenas, em pauta
na época e até hoje. Ambos os assuntos eram previstos na obra do carnavalesco. Ao
levar para avenida o enredo Tupinicópolis, em 1987, como parte final da trilogia do
Tupi Power, o artista pernambucano deixaria claro tais questões com a alegoria da
construção de uma metrópole urbana fundada pelos índios. Onde, segundo as defini-
ções de seu próprio criador no texto da sinopse, “a cultura Tupiniquim falaria para o
mundo via Tupinicópolis”.
Definida como um carnaval de “ficção científica
tupiniquim”, o enredo surpreenderia com o seu último
carro alegórico, que apresentaria um “plot twister”
digno de roteiro hollywoodiano. O carro “O palácio do
lixo – Tupilurb” traria o lixo da cidade indígena com
os escombros do Cristo Redentor, do Elevador La-
cerda e do Monumento às Bandeiras, em São Paulo,
numa referência à cena clássica da versão original
de “Planeta dos Macacos” (1968) quando ao encon-
trarem os destroços da Estátua da Liberdade numa
praia, os protagonistas percebem que não estão em
Figura 14: O Cristo Redentor no Pa-
lácio do Lixo de Tupinicópolis, último outro planeta, como imaginavam, mas sim na própria
carro do desfile de 1987.
Terra do futuro. Os vestígios, o lixo e os mendigos
desse carro alegórico têm o mesmo sentido. Tupinicópolis não seria a possibilidade
de um Brasil, mas o seu futuro. Sua fundação marca a resposta de Fernando às ques-
tões levantadas pelos primeiros desfiles da trilogia. Dando como resposta final para o
problema colonial a expulsão do colonizador, após sua absorção antropofágica, como
41

sugerida por Oswald de Andrade e realizando um desejo proposto por Hélio Oiticica
em seus escritos:
Para a criação de uma verdadeira cultura brasileira, caraterística e forte, ex-
pressiva ao menos, essa herança maldita europeia e americana terá de ser
absorvida, antropofagicamente, pela negra e índia da nossa terra, que na ver-
dade são as únicas significativas, pois a maioria dos produtos da arte brasi-
leira é híbrida, intelectualizada ao extremo, vazia de significado próprio. (OI-
TICICA, 1986, p.108)
Tupinicópolis não confirmaria “a incompetência da América católica” cantada por
Caetano Veloso em “Podre Poderes”, mas fundaria uma resposta nova a ele e ao
Brasil de então. Afinal, “só a antropofagia nos une”.

Carro 2.3: Alegria, alegoria

Alegoria no universo da escola de samba é o nome usado para os carros-cená-


rios que compõem a linguagem e a estética dos desfiles. Enquanto na teoria da arte
pode se referir também a um conceito, um tipo de figura de linguagem, onde se diz
uma coisa querendo dizer outra, sendo discutida mais amplamente na modernidade
por Walter Benjamin. A relação entre alegoria e Tropicália já foi muito abordada, sendo
apontada inicialmente num dos principais críticos do movimento, Roberto Schwarz.
Mas seriam os estudos de Celso Favaretto que viraram canônicos sobre o assunto. A
partir deles, que analisaremos a alegoria na obra de Fernando Pinto. Sobretudo nos
seus dois desfiles mais reconhecidos, “Ziriguidum 2001” (1985) e “Tupinicópolis”
(1987), em que se tornaria muito forte o conceito alegórico na concepção da lingua-
gem do artista carnavalesco.
“Ziriguidum 2001 – Um Carnaval
nas Estrelas” foi realizado pela Moci-
dade Independente de Padre Miguel,
em 1985, e propunha literalmente um
desfile de escolas de samba no es-
paço sideral. A escola foi a campeã da-
quele ano com um dos desfiles mais

Figura 15: Um dos carros alegóricos do desfile de celebrados de Fernando Pinto, tor-
1985.
nando-se uma espécie de consagra-
ção definitiva do artista, pois apesar do título conquistado pelo desfile sobre Carmen
42

Miranda, em 1972, para crítica até então o carnavalesco se equilibraria entre bons e
maus momentos em sua carreira.
Muito foram os fatores para o sucesso absoluto da apresentação, principal-
mente, a junção do samba composto por Gibi, Tiãozinho e Arsênio com o visual de
Fernando, uma sinergia fundamental para o desfile carnavalesco. O enredo que tinha
o nome original de “Requebros imediatos de terceiro grau” já estava guardado pelo
carnavalesco há pelo menos cinco anos49 e articulava uma série de referências do
mundo da ficção cientifica cinematográfica, que seriam, junto com o teatro, os dois
principais universos onde Fernando buscaria suas inspirações.
Segundo a definição do próprio artista, “nos anos 2000, cada planeta do sistema
solar vai incorporar o espírito da festa brasileira e estará organizado o carnaval cós-
mico”.50 Resumindo o enredo, os noves planetas se juntariam a nove festas populares
brasileiras: Corsos dos mares da Lua, Pirilampo de Mercúrio, Rancho da primavera
de Vênus, Caboclinhos Marcianos, Boi-robô Saturno, Frevo Uraniano, Afoxé dos Fi-
lhos de Plutão, Júpiter e os fandangos siderais, Reisados de Netuno.
As construções alegóricas de 1985 e 1987 são muito aproximadas em vários
sentidos, como por exemplo, a noção de um “carnaval nas estrelas” e uma “cidade de
índio” que trazem consigo uma aparente simplicidade, sendo compreendidas facil-
mente por qualquer espectador, mas dotadas de várias camadas de significações
mais densas, deixando no ar uma profundidade a ser revelada.
Esse efeito contraditório trata da ambiguidade sempre ressaltada pelo momento
tropicalista e já explicitada por Oswald de Andrade, em seu manifesto antropófago,
como a floresta e a escola, ou o arcaico e o moderno. A cidade urbana de indígenas
traria essa “justaposição entre o ‘universo tropical’ e o universo urbano-industrial”
(DUNN, 2007, p.118). Onde o procedimento consistiria em submeter os arcaísmos
culturais à luz branca do ultramoderno, apresentando o resultado como uma alegoria
do Brasil.51 Ao levar o carnaval para as estrelas e os índios para a cidade grande,
Fernando novamente articula uma rede de contradições que coloca em diálogo muitas
camadas de significação. Na qual,

49 Jornal do Brasil, 19-01-85.


50 O Globo. 06-02-1985.
51 FAVARETO, 2007, p.113
43

o efeito crítico não provém da simples justaposição do arcaico e mo-


derno que poderiam conviver numa desordem mantida, mas do esti-
lhaçamento do painel que se vai montando; indicia-se constante-
mente que o carnaval é suspeito e que a carnavalização da música é
outra coisa, enquanto representa a representação. (FAVARETTO,
2007, p.67)

Em Tupinicópolis, a quantidade de informação de algumas alegorias, como o


Shopping Boitatá, advém dessa construção, mas também marca uma referência do
espectador como um flaneur que ao ser atravessado pela Tupinicópolis é atingido por
milhões de informações. Algo muito próximo da música “Alegria, Alegria”, de Caetano
Veloso, que retrata exatamente uma figura que flana pela cidade capitalista sendo
bombardeado de informações simultâneas. Tanto a experiência percebida na música,
quanto no desfile têm um quê alucinatório, o que seria uma outra característica da
concepção de alegoria.
A experiência de Ziriguidum e Tupinicópolis carregam algo de transcendental e
onírico, justapor conceitos tão distantes no imaginário comum. “Parece que estou so-
nhando”, dizia o próprio samba-enredo de 1987. São imagens fragmentadas e com
associações externas, como no “processo de deslocamento do sonho, onde o ouvinte
é remetido a algo remoto, advindo disso a estranheza das imagens tropicalistas".52 Os
desfiles tratam, como as canções tropicalistas, de um desenrolar de imagens, nasci-
das da justaposição e desejos coisificados, montando uma cena fantasmagórica.53 As
imagens podem ser entendidas como uma “descontinuidade da criação [...] evidenci-
ada pela novidade da representação do onírico artificializado pela ousadia do uso das
drogas ou sua consequente invenção de articulações plásticas lisérgicas.” (RODRI-
GUES, 2007, p.50)
Indo para o âmbito das escolas de samba, a atitude de levar os desfiles para as
estrelas era uma ironia de Fernando, pois ao longo de sua carreira ele sempre travou
uma briga com os tradicionalistas. Ao impor sua visão teatral e espetacularizada da
festa, entendida por ele como uma das maiores manifestações artísticas do mundo 54,
ele, visto até então como um dos grandes vilões de uma luta contra as ideias mais

52 Idem, p.126.
53 Idem, p.115.
54 Fernando Pinto assumiria um lugar de prestígio ao assinar uma coluna como convidado na edição
número 857 da revista Veja de 06-02-85, em que falaria do carnaval com um encontro único de diversas
formas de manifestações artísticas, reforçando seu desejo de se comunicar com a juventude.
44

tradicionalistas, marcaria uma atitude ousada e de certo modo de negação a esse


passado tão louvado ao levar o desfile para o espaço sideral.
Nos quesitos estéticos, Ziriguidum também marcaria uma revolução na lingua-
gem das escolas de samba ao apresentar o carro
alegórico “Nave Mãe”, que seria o primeiro carro aco-
plado da história55, marcando uma expansão do ta-
manho das alegorias e seu gigantismo, pois, com a
nova estrutura do Sambódromo, era necessário o re-
pensar as formas dos carros alegóricos. Em seus
desfiles de 85 e 87, isso ficou claro. Suas alegorias
ganhavam novos formatos e dimensões. Seu “abre-
alas”, nunca era composto de um carro só, mas de
uma profusão de elementos enfileirados formando
Figura 16: A alegoria que encerra o des- uma abertura imponente, volumosa e impactante
file de 1985, intitulada “Nave Mãe.”
para a escola. Em Tupinicópolis, são cinco carros e
em “Bye Bye Beijim Beijim” são 8 elementos de proporções enormes. Nas formas,
Fernando fugia do estilo “igreja barroca amontoada de arabescos” e das formas natu-
rais. As alegorias de Fernando são artificiais, abstratas, retas, o excesso de informa-
ções não provém do todo da forma, mas do acúmulo de muitas partes individuais como
as alegorias entulhadas de produtos do consumo, em 1984 e 1987. Carros como a
Discoteca Saci, o Cassino Eldorado e a Nave Mãe chamam a atenção por seus for-
matos vazados e arrojados, valorizando muito mais os destaques e composições.
Esse arranjo mais dinâmico viria, provavelmente, de uma visão futurista que se mos-
traria com uma espécie de fascínio para Fernando Pinto, e que se apresentaria mais
fortemente na segunda fase de sua carreira, de 1984 a 1988. Desejos bem sintetiza-
dos pelos compositores no samba-enredo de 85:
Desse mundo louco / De tudo um pouco / Eu vou levar pra 2001 / Avançar no
tempo / E nas estrela fazer meu Ziriguidum / Nos meus devaneios / Quero
viajar (...) Vai a nave ao som do samba. (...) Quero ser a pioneira / A erguer
minha bandeira / E plantar minha raiz.”56

55 Acoplado é quando vários chassis e carros diferentes são unidos formando um só.
56Trecho do samba-enredo da Mocidade Independente de Padre Miguel para o ano de 1985, composto
por Arsênio, Gibi e Tiãozinho da Mocidade.
45

Ala 2.3.1: Vai a nave ao som do samba57

Na coluna em que assinou para a revista Veja em fevereiro de 1985, ele decla-
rou várias referências entre a literatura e o cinema como Arthur Clark, Isaac Asimov,
Stanley Kubrick, os filmes da série Star Wars, Barbarela e Contatos Imediatos de Ter-
ceiro Grau. As referências a esses filmes são muito perceptíveis, como o estilo sen-
sual de Barbarela, interpretada por Jane Fonda em filme de 1968, que pode ser notado
nos figurinos das composições e passistas e mulatas de “Ziriguidum” e, principal-
mente, na icônica fantasia da rainha de bateria Monique Evans, com botas altas, ele-
mentos transpassados, brilhantes e prateados, que são misturados antropofagica-
mente ao visual das “chacretes” e vedetes brasileiras. Outra referência direta é a co-
missão de frente deste ano, 1985, que
traz robôs fincando a bandeira brasileira
na lua, versões abrasileiradas do R2-D2
da saga Star Wars.
O uso da cor prata seria outro sin-
toma desse fascínio pelo futuro. Na cons-
Figura 17: A Comissão de Frente com robôzi- trução dos filmes de ficção científica, o
nhos de 1985.
prateado se estabeleceu em um senso co-
mum como a “cor do futuro”. Na produção de Pinto, desde 1973, ainda no Império
Serrano, as caudas prateadas das iaras chamaram atenção dos críticos. Em 1974, ele
seria atacado ao contar a história de “Dona Santa, rainha do maracatu” só com o uso
de branco e prata, deixando de lado o tradicional verde do Império Serrano. Dois anos
depois, em “A lenda das sereias, rainhas do mar”, as entidades ligadas à água nas
religiões afro-brasileiras também seriam representadas pelo predomínio dessa cor
que explodiria de fato em 1985, obviamente, onde ela reinaria soberana.
Na produção do tropicalismo musical, a ideia de um futuro no sentido prático e
imaginário seria presente sobretudo na obra de Gilberto Gil, em canções como a icô-
nica “Expresso 2222”, “Dois Mil e Um”, “Cultura e Civilização” e “Cérebro Eletrônico”,
que buscariam lidar com o futuro no contraste com o presente.
Em Tupinicópolis, além do carro alegórico da Tupilurb, que marcaria o tempo
futuro onde a narrativa se passa, outro carro traria esse imaginário da ficção científica,

57 Idem
46

o elemento chamado “Tupi Cacique”, representando a liderança máxima da nação


indígena, organizado narrativamente no cortejo junto à passagem da Tupioca dos po-
deres, onde as três forças militares “tupinicopolitanas” seriam representadas pelos
carros do tatu guerreiro (exército), marreco bélico (marinha) e gaviavião (aeronáutica).
Plasticamente, “Tupi Cacique” seria um rosto indígena dourado atrás de numa tela de
computador e um teclado. A explicação da narração da transmissão da rede Globo o
definiria como “soberania e sabedoria de Tupinicópolis, o programador do grande cé-
rebro eletrônico tupiniquim, a Tupinformática.” De modo que com essa descrição, o
Tupi Cacique, não se configuraria como uma liderança real, mas sim uma espécie de
sistema central e operacional, o próprio “Cérebro Eletrônico” de Gil.
Além da produção para carnaval, Fernando daria pistas desse fascínio em sua
trajetória pelo circuito artístico carioca. Primeiro numa peça infantil escrita e dirigida
por ele, chamada “Roboneta: o planeta dos robôs”, e também nas decorações para o
baile carnavalesco do Morro da Urca, onde ele idealizaria um cenário batizado de
“Mundo da lua”, que segundo as ralas descrições do Jornal do Brasil, de 16 de feve-
reiro de 1983, traria esse futuro a partir do abuso do neon.

Ala 2.4: Sou a Mocidade, sou independente , vou a qualquer lugar58

Na coluna que assinou como convidado na revista Veja59, o carnavalesco assu-


miru que entenderia o carnaval como uma reunião de muitas linguagens artísticas, de
maneira que ele se configura como o maior espetáculo teatral-artístico do mundo. Esta
visão, explorando a festa muito além de seu lado puramente cultural, marcaria em
Fernando sua participação num processo artístico de seu tempo.Com vivência de te-
atro, Fernando Pinto articulou uma linguagem baseada no palco, tento atuado em di-
versas montagens de peças, como diretor, ator, coreógrafo, cenógrafo e figurinista.
A aceitação do trabalho do diretor no carnaval como arte seria marcada a partir
da apresentação de 1983. Se no resultado oficial, a Mocidade Independente chegaria
apenas em sexto lugar, a má posição não seria tão destacada pela crítica carnava-
lesca, mas revoltaria, surpreendentemente, a classe artística carioca. O desfile seria

58Trecho do samba-enredo da Mocidade Independente de Padre Miguel para 1985 composto por Gibi,
Tiãozinho e Arsênio.
59 Edição de número 857, publicada em 6-2-1985.
47

elogiado pelo importante teórico Frederico Morais, que teve atuação fundamental no
circuito artístico dos anos 1970, em sua coluna no jornal O Globo:
Extraordinário, usou o verde ultra concentrado como convinha a seu enredo.
E para transmitir a ideia de florestas, da natureza bruta, virgem, Fernando
Pinto precisou exceder-se e deu certo. No fundo, porém, e ironicamente, a
mesma visão caótica da cidade grande.

A repercussão renderia uma nota na coluna social do Jornal do Brasil, assinada


por Zózimo. No quadro intitulado “Obra de artista”, o jornalista comentaria a polêmica
do papel de liderança tomado por Morais, falando do desejo de articular eventos com
a obra de Fernando. O texto que hoje soa quase irônico é, provavelmente, dotado de
boas intenções, ao afirmar que a obra do carnavalesco “chega a ser comparado à
obra de um verdadeiro artista. Podendo figurar no acervo de qualquer colecionador
em igualdade com outras peças”. O último tópico destacaria ainda mais a ironia da
nota responsável pela má posição da agremiação a ser dada exatamente por um ar-
tista plástico, José Messias, que julgou alegorias e adereços.
O desejo de fazer uma exposição seria concretizado logo após o carnaval,
quando as alegorias e adereços do desfile de 1983 ganhariam de fato status de obje-
tos de arte ao serem expostos na Galeria César Arché em Ipanema, durante o mês
de março daquele ano. Após a inauguração, o mesmo Zózimo voltaria ao assunto
destacando o sucesso da mostra em suas notas jornalísticas, na edição do Jornal do
Brasil de 18-03-1983. A exibição das obras marcaria de maneira bem clara a circula-
ção de Fernando Pinto pelo universo da arte institucionalizada do seu tempo, não só
no teatro, mas nas artes visuais em geral.
Além desta exibição, outro marco da articulação de Fernando Pinto com o mundo
da arte seria sua atuação na decoração dos bailes do Pão de Açúcar, onde o carna-
valesco trabalharia temas pertinentes de seus interesses artísticos, como “No mundo
da lua”, em 83, e “Festa tupiniquim”, em 79. No contexto carioca da passagem dos
anos 70 para os 80, o evento se configuraria como o point da elite intelectual “desbu-
ndada” do período, espécie de metiê artístico organizado por Guilherme Araújo, em-
presário principal dos artistas tropicalistas no estouro do movimento.
No mesmo lugar, havia o famoso projeto “Noites Cariocas”, de Nelson Motta. A
agitação previa uma espécie de boate onde, além de dança, havia shows e exibição
de eventos. Em 1984, seria criado no lugar uma galeria de arte, na qual artistas expo-
riam obras especialmente pensadas para o local. Descrita pelo Jornal do Brasil, o título
48

da matéria seria simbólico: “Caretas não entrem; Arte de vanguarda no Pão de Açú-
car” e explicava que a iniciativa buscava uma aproximação de um público jovem, com
obras de site-specific e que propusessem obrigatoriamente uma participação com o
público. Artistas da geração que expuseram na lendária exposição “Como vai você,
geração 80?” e nomes já consagrados como Lygia Pape estavam na programação
que previa performances e ainda uma remontagem de “Tropicália”, de Hélio Oiticica.
Entre os artistas selecionados estavam Luciano Figueiredo, Denise Stoklos, XPTO,
Wally Salomão, Ricardo Basbaum, Alexandre Dacosta, João Saldanha, Valderedo Jr.,
Carlos Vergara e Fernando Pinto. Todos exibidos como artistas, sem hierarquias.
Tanto a participação nessa mostra quanto na exposição dos adereços de “Como
era verde meu Xingu” na galeria Cesar Arché, e os de “Ziriguidum”, no Estúdio Babi-
lônia, em Laranjeiras, marcariam a ampla circulação de Fernando Pinto entre o espaço
das escolas, entendidas pelo senso comum como meros produtos de uma “cultura
popular menor”, e o meio da arte institucionalizada. Outra exposição marcante de Fer-
nando, seria a escolha, após a sua morte, para suas peças inaugurarem a iniciativa
do “Museu do Samba”, na Praça da Apoteose nos primeiros anos do Sambódromo.60
Multifacetado, Fernando Pinto marcaria ainda o terreno na música. No ano em
que ficou afastado da produção do desfile da Mocidade Independente, entre 85 e 87,
gravaria um LP solo batizado “Estrelas”, com canções de MPB e samba, e participa-
ções das cantoras Joyce e Elba Ramalho. Isso sem citar sua atuação na cena teatral
e musical como diretor, coreógrafo, figurinista e cenógrafo, estabelecendo uma circu-
lação no metiê artístico “desbundado” e marginal dos anos 1980 e 1970.
Se a cultura marginal buscava ampliar seu alcance com o público, numa relação
direta e sem mediação, como resposta à tentativa de controle do governo militar, Fer-
nando Pinto encontraria sua atuação e seu veículo nas escolas de samba, dialogando
diretamente com as massas, configurando-se como um artista afinado a sua época.
Já para o carnaval, foi, paradoxalmente, o carnavalesco mais ligado ao seu tempo e
à sua geração de artistas visuais, e também mais à frente dele, contribuindo para a
espetacularização da festa, numa via outra além das “artes eruditas” do Municipal.
Fernando Pinto foi um dos carnavalescos com a maior circulação no sistema artístico,
não ligado às artes tradicionais e estabelecidas, mas ao cenário marginal que marcou
a formação cultural carioca, atualizando as questões lançadas pela Tropicália.

60 Matéria publica no jornal O Globo em abril de 1988.


49

3 SETOR: E POR FALAR EM CRÍTICA - A VOZ POLÍTICA DE LUIZ


FERNANDO REIS
“Vem do batuque meu povo / A alegria é geral / É a
nova caprichosos / Eterna irreverência do carnaval /
Tem canariquito e bumbum de fora / Amor, se ajoelhou
tem que rezar! / Capricha em seu papel, não vai que-
brar jamais / Quem comeu, comeu, quem não comeu,
não come mais.”
(Samba-enredo da Caprichosos de Pilares para 2012,
composto por Aurélio Proença, Paulo Apparício, Mauro
Speranza, Marcio do Swing e Marquinhos.”

Figura 18: O carnavalesco Luiz Fernando Reis em 1992. (Fonte: O


Globo)

A foto acima publicada em matéria do jornal O Globo, em 1992, marca bem a


relação entre Luiz Fernando Reis e a Caprichosos de Pilares no imaginário carnava-
lesco. Trata-se de uma entrevista com Luiz Fernando realizada por Marcelo de Melo,
com o título “O bom filho a casa torna”, marcando o esperado retorno do profissional,
nos anos 90, à escola que tinha lhe dado fama. O escrito “Caprichosos” com uma seta
apontada para o carnavalesco denuncia a relação intrínseca que ele e a escola esta-
beleceram em seus carnavais juntos. Falar de Luiz Fernando Reis é falar da trajetória
recente da Caprichosos de Pilares e vice-versa.
Ao longo da história das escolas, cada agremiação foi estabelecendo uma espé-
cie de identidade própria, principalmente após a passagem de carnavalescos impor-
tantes, que lhe emprestam seu estilo.61 Apesar de ser um fato comum, poucos casos
ficaram marcados para as duas partes como para Reis e Caprichosos. Mesmo com

61 Alguns exemplos famosos são a relação entre Fernando Pamplona e o Salgueiro, Joãosinho Trinta
e a Beija-Flor, Maria Augusta e a União da Ilha e, mais recentemente, Paulo Barros e a Unidos da
Tijuca.
50

uma trajetória média de seis carnavais juntos, ambos se tornariam sombras na car-
reira um do outro, sendo acompanhados por sua marca e “estilo.” Ao sair da escola
azul-e-branca de Pilares, o carnavalesco procurou estabelecer sua identidade em ou-
tras agremiações, mas sem o mesmo sucesso. Por outro lado, a Caprichosos ficou
sublinhada com a característica de escola da “crítica e irreverência”. Tal rótulo seria
tão forte no imaginário carnavalesco que faria os dois serem cobrados pela perda de
sua característica em outros carnavais, fixando definitivamente um estilo “Capricho-
sos-Luiz Fernando”.
Nos seus seis desfiles na escola de samba azul e branca de Pilares, o carnava-
lesco, que tem formação em Matemática, “saudadeou” o que sumiu do dia a dia, mos-
trou Brasis e “Brazis”, exaltou nobres sem coroas e feirantes que maldiziam a inflação.
Num retrato de um país em processo de redemocratização, escrevendo crônicas so-
ciais e criticando a política nacional, focando sua produção em temáticas absoluta-
mente contemporâneas da arte brasileira, explorando o real, apropriando-se de obje-
tos e memórias cotidianas para causar a reflexão do público, abusando da linguagem
escrita e se preocupando com a mensagem e não com a forma. Tais características
aproximariam muito a produção do carnavalesco a questões trabalhadas na Arte Con-
ceitual, surgida nos anos 60, e que ganharam outros sentidos no contexto sócio-polí-
tico das ditaduras latino-americano analisadas por Ramirez (2007). A autora sintetiza
que o conceitualismo
não pode ser considerado um estilo ou movimento. É, antes, uma estratégia
de antidiscursos (...) além disso a ênfase não é colocada nos processos “ar-
tísticos” mas sim em processos “estruturais” ou “ideáticos” específicos que
ultrapassam meras considerações perceptuais e/ou formais. (RAMIREZ,
2007, p.185)

No caso brasileiro, o crítico Frederico Morais reuniu, no início dos anos 70, em
torno de si uma série de artistas que se destacaram por uma postura radical. Criando
uma série de discursos onde se configuraram uma noção de “contra-arte”, Morais62
nos ajuda a compreender o caminho que a arte conceitual tomou por aqui. Para Morais
(1975), o artista não seria mais autor de obras, mas “propositor de situações ou apro-
priador de objetos e eventos nos quais não pode exercer continuamente seu controle”
sendo uma espécie de artista guerrilheiro, que trataria a arte como uma forma de em-

62 MORAIS, Frederico. O corpo é o motor da obra. In: Artes plásticas: Crise da Hora Atual, 1975
51

boscada, onde o “artista cria um estado permanente de tensão, uma expectativa cons-
tante. Tudo pode transformar-se em arte, mesmo o mais banal evento cotidiano.” (MO-
RAIS, 1975, p. 26)63
Aproximando a obra de artistas que serviram de bases para a formulação de
Morais64, de “arte de guerrilha”, ou “contra-arte”, à produção de Luiz Fernando Reis
pode ser percebida uma série de contatos e similaridades dos processos desses tra-
balhos, como a apropriação de objetos cotidianos, o signo escrito e uma “estética do
precário”. Marca-se no carnavalesco, uma linguagem pouco usual nos desfiles cario-
cas, que buscava outras escolhas artísticas para além do belo e da linguagem hege-
mônica do luxo65. Reis sintetiza essa questão em entrevista dada para o autor:
Sempre fazem opção no bonito, no clássico. Eu sempre me foquei muito no
enredo. Eu sempre me foquei no enredo, como base, o início, fundamento
geral. A maioria dos carnavalescos acha que cada alegoria é uma obra de
arte. Eu acho que alegoria é complemento de um trabalho geral. Tem gente
que pensa que a alegoria não precisa dizer muita coisa, o importante é que a
alegoria esteja bonita66.

Esse conceito diferente de belo, aliado a uma mensagem clara a ser passada,
com um desejo de conscientização, dariam o tom dos desfiles assinados por Reis que
o fariam da principal voz política nas escolas de samba no período da redemocratiza-
ção, instaurando uma série de modificações nos discursos dos desfiles durante esse
período.
Ao usar a escola de samba como meio de ecoar seu discurso, o carnavalesco
pareceu perceber o potencial político desta manifestação artístico-popular. Ao longo
de sua história, as agremiações sempre assumiram papel de negociadoras, poucas
vezes abordaram temas de caráter contestatório.67 No início dos anos 80, a crítica
contra o regime militar vigente começou a aparecer, mas de forma velada nos sambas
e enredos cantados.68 Luiz Fernando Reis se torna um nome importante pois é um

63 MORAIS, Frederico. O corpo é o motor da obra. In: Artes plásticas: Crise da Hora Atual, 1975, p.26
64 Onde se destacam nomes como Cildo Meirelles, Artur Bairro, Antônio Manuel, entre outros.
65Neste trabalho a linguagem do luxo é entendida como uma estética da escola de Pamplona e uma
série de outros artistas que reatualizariam o estilo cênico, barroco e luxuoso fundado por Fernando
Pamplona e Arlindo Rodrigues.
66 Depoimento inédito coletado no dia 14-09-14 no Rio de Janeiro.
67Desde seu surgimento na década de 1930, as agremiações nunca se estabeleceram como questio-
nadoras, mas sim como articuladoras das regras do jogo, cedendo e se impondo às demandas políticas
para serem aceitas socialmente. (FERREIRA, 2012; SIMAS, 2015; AUGRAS, 1998)
68 No início da década de 1980, alguns sambas como “Sonho de um sonho” e “Macobeba, o que dá pra
rir, dá pra chorar” fariam críticas ao governo ditatorial de maneira velada nos sambas.
52

dos primeiros a tratar destes temas abertamente, levando o grito das “Diretas já” que
ecoava na sociedade para seus desfiles, colocando a dialética carnaval-política no
campo da contestação. Tomando consciência do corpo social e político que é uma
escola de samba, composta por cerca de três mil componentes que ecoam numa só
voz o samba que está sendo cantado.

Carro 3.1: Saudadeando o que sumiu do dia a dia

Figura 19: A abertura do desfile da Caprichosos de Pilares em 1985 (Fonte: O Globo)

O bonde, o amolador de facas, o leite sem água, a gasolina barata são algumas
das imagens propostas por Luiz Fernando Reis em seu desfile mais emblemático. “E
por falar em saudade...”, de 1985, abusava de uma linguagem visual simples e colo-
rida, buscando a beleza na simplicidade através de elementos presentes no imaginá-
rio coletivo até hoje, num momento de reflexão da memória, não só social, mas espa-
cial. No mesmo ano, a Beija-Flor de Nilópolis, assinada por Joãosinho Trinta, cantava
a longínqua “Lapa de Adão e Eva”, enquanto Reis lançava um olhar de cronista sobre
o seu cotidiano, marcando a diferença do carnavalesco de Pilares para seus pares.
Ao relembrar o passado como fuga do presente, o carnavalesco lança um olhar irônico
e falsamente nostálgico. A ironia de louvar o passado está presente “nas formas de
enunciação não necessariamente deliberada, como efeito de colisão entre a lingua-
gem e a realidade quando a indução metafórica parece incongruente.” (SCOVINO,
2007, p.34)
O desejo de “apreender o real” é a primeira caraterística que surge ao se anali-
sarem os desfiles assinados pelo carnavalesco. Nesse sentindo, Reis sempre faz
questão de declarar discursivamente que busca se inserir no estilo iniciado por Maria
Augusta, na União na Ilha, nos anos 1970, que cantou domingos e amanhãs de forma
53

alegre, leve e colorida. Ao se filiar a essa genealogia, Reis marca seu gesto de auto-
ria69 inserindo a crítica política na linha temática cotidiana. O gesto de Reis é procurar
elementos banais e transmutá-los para o lugar sagrado do carnaval. Como ele mesmo
declara, “eu busco elementos cotidianos reconhecíveis, optando pelo popular ao invés
do bonito, criando uma forte comunicação.”70
Este olhar sobre o cotidiano estaria presente na trajetória do professor de mate-
mática desde seu primeiro desfile solo em 1982, na Caprichosos de Pilares. Já um
ano antes, quando integrou a comissão de carnaval da Unidos de Cabuçu, sugeriu um
enredo sobre a Feira Livre, por achá-la leve e colorida, porém a ideia não foi bem
aceita pela agremiação. Na azul-e-branca de Pilares, um ano depois, ele voltaria a
propor o tema, que foi aceito e intitulado então de “Moça bonita não paga”, mostrando
a feira-livre através da personagem Lili. Apesar do caráter inicial mais cronista, o des-
file ganharia tempero político a inserir uma menção ao preço dos alimentos: “Quando
passa por ali (Lá vai Lili) / Vai seguindo seu caminho / Mas seu semblante se modifica
/ A flor se fere no espinho / Da inflação que se agita”, que seria o primeiro samba-
enredo a citar a inflação que começava a atormentar o brasileiro após a crise do pe-
tróleo da década de 1970.71
A sinopse assinada pelo artista propunha uma viagem pelo mundo da feira livre
dividido em quatro partes: a venda de flores, ambulantes que traziam suas barraqui-
nhas ao longo da escola, depois os comerciantes de verduras, a terceira parte com
vendedores de frutas e a quarta na venda de peixes72, com destaque para uma per-
sonagem, a mulata Lili, a freguesa e a própria moça bonita do título do enredo, que
percorreria as barracas pechinchando em busca do melhor preço 73, responsável por
uma ponte para inserir o público no desfile, despertando um reconhecimento imediato.
As fantasias, composições simples e quase ordinárias, foram assinadas pelo figuri-
nista Flávio Tavares, que se tornou um “braço-direito” de Reis, enquanto este cuidava
dos aspectos gerais, como enredo e fantasia, Flávio completaria a estética de Reis
com figurinos de desenhos simples e com poucos volumes.

69 Retomando a AGAMBEN, 2007.


70 Depoimento inédito coletado pelo autor no dia 14-09-14 no Rio de Janeiro.
71 FABATO, SIMAS, 2015, p.56
72 Descrição encontrada no Jornal do Brasil de 24-2-82.
73 DATTOLI, 2015.
54

O uso destes signos ultrapassa inclusive suas representações cotidianas, pois


Luiz Fernando os ressignifica, trazendo à tona toda sua beleza e lirismo. Através deles
há uma problematização do real, o desejo de “transmitir uma mensagem e ao mesmo
tempo mudar, com esse processo, as condições que o observador se encontra”. (RA-
MIREZ, 2007, p.188) É uma visão que dialoga muito com o conceito de readymade,
criado por Duchamp, que busca em objetos simples e banais um novo belo e os muda
de contexto, num momento de reflexão,
perdendo bruscamente seu significado utilitário para se tornar provocador
de espaço, uma ideia movida pelo fluxo irônico que engendra questões so-
bre qual lugar o objeto (...) O readymade impõe-se como um espelho: objeto
que interroga sobre a nossa aparência, sobre o que somos ou o que deve-
ríamos (ou gostaríamos) de ser. (SCOVINO, 2007, p.63)

Para os estudos de Scovino (2007) sobre arte e ironia, o gesto de deslocamento


duchampiano é um ato irônico, de relocar e rearranjar posições sociais. Em carnavais
como “Saudade”, a ironia aparece também como forma de problematizar a autoridade
e o caráter sisudo de alguns enredos carnavalescos dentro um panorama de um mo-
mento político conturbado, reforçado pelos uso das imagens cotidianas. Desta ma-
neira, o carnavalesco “intervém sobre o significado original do objeto e enxerta outro,
por um movimento imprevisto, um desconcerto, quase piada”. (SCOVINO, 2007, p.64)
A acidez de seu humor opõe-se à banalidade do objeto, empregando-lhe originalidade
e direta comunicação com o público.
Ramirez (2007)m considera que o procedimento fundado pelo artista dadaísta
reinterpretava sua herança, tomando novas configurações na arte conceitual latino-
americana. Como “elemento integrante de estratégias de significação antidiscursivas
mais abrangentes, frequentemente efêmeras”, utilizando a noção de readymade como
um “pacote para comunicar ideias”.(RAMIREZ, 2007, p.188)
Desta maneira, obras de artistas como Cildo Meireles buscariam uma relação de
aproximação direta com o mundo cotidiano através da escolha desses objetos, aca-
bando por fazer da operação conceitualista um instrumento de “intervenção crítica
sobre o real". É o mesmo movimento percebido por Reis, que buscava uma ligação
direta com o público, o trazendo para dentro do desfile através do reconhecimento de
sua realidade e do deslocamento de fatos cotidianos para o enredo, que
implicava um questionamento das funções semióticas visuais do objeto a fim
de produzir significados relacionados com sua posição estrutural num circuito
ou contexto social mais amplo. Através dessa interação dialética com ele-
mentos do “real”, os artistas procuravam uma “proximidade participante” com
o espectador" (RAMIREZ, 2007, p.188)
55

A boa repercussão do desfile de 82 e o campeonato do grupo de acesso que


garantiu a ascensão para a principal divisão, fizeram Luiz Fernando seguir apostando
na mesma linha temática. Em 83, a cabrocha Lili voltaria como protagonista, mas
agora num passeio pela culinária brasileira. Nesse desfile, mais uma vez, além do
passeio por pratos típicos das regiões brasileiras, o carnavalesco inseriria a crítica ao
trazer uma alegoria com panelas vazias e estandartes com os dizeres "panela vazia,
barriga vazia, até quando?".
Além dos aspectos estéticos, o desfile ficaria marcado por uma queda na luz da
passarela, impedindo a agremiação de ser julgada. Com a categoria de hors-con-
cours, a azul-e-branco de Pilares continuou no grupo e voltou como convidada no
desfile das campeãs daquele ano. Além do resultado oficial, foi premiada com o Es-
tandarte de Ouro de escola revelação. A recepção deste desfile por parte da crítica
carnavalesca e do público marcaria duas posições diferentes. Se foi abraçada pelo
principal prêmio no meio (o Estandarte de Ouro), haveria um afirmando que a escola
não cumpria as expectativas de “um desfile de grupo especial”, dando ao apagão os
créditos pela permanência da escola.
Em reportagem sobre o desfile do Jornal do Brasil, de 12 de fevereiro de 1983,
Luiz Fernando Reis desqualificaria as críticas resumindo que "muita gente até hoje
não entendeu como o popular pode dar carnaval, mas, pessoalmente, acho que tudo
que vem do povo deve ser exaltado." Em outra matéria do mesmo veículo, semanas
antes do desfile, o carnavalesco explicaria a proposta da apresentação, estabelecida
sobre o tripé “popular, crítico e descontraído”. Explicitando que
popular é porque o tema fala do cotidiano de qualquer pessoa. O crítico, por
que carnaval não deve apenas alegrar, tem que ser usados para a educação
e a crítica e o descontraído porque procuro não cercear a movimentação dos
componentes. (JORNAL DO BRASIl, 16-1-83)

Essa auto declaração dos estilos da linguagem de Luiz Fernando Reis aparece-
ria novamente no ano seguinte, trabalhando esses signos cotidianos de maneira dife-
rente no enredo “A visita da nobreza do riso a Chico Rei num palco nem sempre ilu-
minado.” Na sinopse que apresentava o tema, o carnavalesco expõe ainda suas ideias
para a construção do enredo:
o desfile trará (...) a mesma marca de originalidade, colorido e criatividade,
seguindo o tripé: popular, crítico e descontraído. Popular na medida em que
é de fácil assimilação por parte do grande público; crítico por permitir lem-
branças ao nosso momento social, político e econômico, bem à maneira do
56

carnaval tradicional; e descontraído pelo farto colorido, variedade e leveza


das fantasias a serem apresentadas.74

Nesta passagem destaca-se o desejo de se colocar em diálogo com o especta-


dor, reforçando o momento social coletivo, através de elementos engraçados. Entendo
o uso de readymades como fruto de uma linguagem irônica, esse desejo de se comu-
nicar entre o dito e não dito marca um elemento linguístico fundamental em Reis. A
ironia aparece na produção do carnavalesco como “elemento satírico ao senso co-
mum”, adicionando deslocamentos dos sentidos originais das imagens cotidianas, em-
pregando-lhe originalidade. (SCOVINO, 2007, p.64) Deslocar o que já existe se torna
uma atitude mais ampla, incluindo, assuntos que “não dariam” carnaval. De outro, a
crueza de fantasias e adereços, Reis nos coloca frente a uma banalidade cotidiana,
reforçando seu desejo político.

Ala 3.1.1: Sorria, meu povo, sorria75

Figura 20: Abertura do desfile de 1984

As críticas ao uso da linguagem visual na apresentação de 1983 geraram para


a Caprichosos e para Reis o desafio de se firmar no primeiro grupo no ano seguinte,
acabando com as dúvidas de que só havia permanecido por causa do apagão. 76 O

74 Sinopse disponível em http://galeriadosamba.com.br/carnavais/caprichosos-de-pilares/1984/15/


75Trecho do samba-enredo da Caprichosos para 1984, composto por Almir de Araújo, Balinha, Mar-
quinho Lessa e Hércules.
76Valer ressaltar que aquele não era qualquer carnaval, já que o ano de 1984 marca o primeiro ano em
que os desfiles teriam seu palco definitivo, o Sambódromo, ideia de Amaury Jório e Darcy Ribeiro e
projeto de Oscar Niemeyer. Para comemorar isso, o campeonato na ocasião foi diferente. As escolas
foram classificadas pela dia de desfile e as três primeiras de cada dia voltaram a desfilar no Sábado
das Campeãs disputando um inédito “Supercampeonato”.
57

pomposo título de “A visita da nobreza do riso a Chico Rei num palco nem sempre
iluminado” trazia duas referências: a primeira, uma brincadeira com o enredo do
GRES Imperatriz Leopoldinense, “O Rei da Costa do Marfim visita Xica da Silva em
Diamantina” do consagrado carnavalesco Arlindo Rodrigues; e a segunda lembrando
a falha de luz, ambas no ano anterior, também parafraseando outro enredo da mesma
escola, só que de 1981, quando seu samba dizia “neste palco iluminado”. Esse título
é um excelente exemplo para entender a própria articulação de Luiz Fernando Reis
em oposição ao estilo da escola estética de Fernando Pamplona, mesmo que fazendo
isso em tom irônico, já que a ironia pode funcionar também como uma estratégia de
oposição para problematizar a autoridade. (SCOVINO, 2007)
Objetivamente, a narrativa do enredo propunha uma homenagem ao humorista
Chico Anysio, transformado-o em Chico-Rei,
na qual ele receberia a corte dos humoristas
brasileiros transformados em nobres para
saudarem-no.77 Nobreza que tinha direito até
mesmo ao seu bobo da corte, batizado de Mi-
las Fulam — nome ao contrário de Salim Maluf
— representado por uma escultura que trazia
uma mão no Congresso Nacional e outra em
Figura 21: O carro que trazia o personagem Mi-
um saco de dinheiro à frente de um muro onde las Fulam e clamava pelas direitas já. (Fonte:
site sambariocarnaval.)
uma pichação clamava pelas eleições diretas.
Atrás do muro, caricaturas de Leonel Brizola, Ulysses Guimarães e Tancredo Neves,
ironizando quem não se posicionava claramente em relação ao assunto (MELLO,
2015, p.203). A alegoria, apesar das pequenas dimensões, foi uma das principais cri-
ações de imagem da obra de Reis. O apelo político tão explícito e visualmente desta-
cado78sublinhava um contexto sócio-político conturbado, numa atitude política que ti-
rava as escolas de samba apenas do campo da assimilação.79

77O enredo brincava com personalidades do humor brasileiro os conferindo títulos de nobres, como
Baronesa Dercy, Dom Jô, Conde Otelo, dentre outros.
78Vale relembrar, como citado no capítulo 2, que Fernando Pinto teria um gesto parecido em 1980,
quando a última alegoria era tomada pela escrita de “Anistia”. As duas palavras de ordem que dialoga-
vam intimamente com seu contexto social ganhariam representações diversas de Reis e Pinto.
79 Vale lembrar que o desejo das escolas de samba pela negociação fez algumas agremiações levar
para a avenida enredos de caráter ufanista em apoio ao regime militar. A Beija-Flor de Nilópolis ganha-
ria a marca por estas apresentações, mas outras escolas como a Mangueira, Imperatriz, Jacarezinho
e a própria Caprichosos levariam enredos com esse viés (FABATO; SIMAS, 2015)
58

Além da emblemática alegoria, outra inserção política seria a presença de outros


membros da corte do humor, onde os comediantes do grupo Os Trapalhões viraram
os ministros da corte do riso, explicitada pelo texto da sinopse: “os Trapalhões serão
os três mosqueteiros trapalhões, os ministros do rei (qualquer semelhança terá sido
mera intenção)”.80 Hoje a ideia pode parecer simplista, mas no cenário da época mar-
cava uma importante atitude.
O desfile de 1984 é um dos mais importantes da carreira de Luiz Fernando Reis
pois consagra sua ascensão na Caprichosos de Pilares e no imaginário carnavalesco,
com um desfile leve, descontraído e político. O gesto de se dessacralizar os desfiles
com temas que se se ligavam ao cotidiano de maneira tão objetiva foi, entretanto,
criticado. Um gesto duchampiano aliado ao uso do humor, já que há uma intervenção
sobre o significado original do objeto, alia-se a outros significados por um movimento
imprevisto, um desconcerto, uma piada. (SCOVINO, 2007, p.51) Aproximando o pú-
blico a uma quebra de hierarquia, o riso marca uma falha do jogo de poder. Para
Bergson, “a sociedade vinga-se por meio dele das liberdades tomadas com ela. Ele
não atingiria o seu objetivo se não trouxesse a marca da simpatia e da bon-
dade”.(idem) É este gesto do riso que potencializa a comunicação do carnaval de Reis.
Diferentemente de outros carnavalescos, não há em Reis o desejo de um pen-
samento histórico e de epopeia.81 Reis se debruça sobre o banal, como elementos
cotidianos, e mesmo, ao trabalhar a História, faz isso com uma abordagem irônica.
Bons exemplos disso são os desfiles de 1998 e de 1994. No primeiro, assinado na
Imperatriz Leopoldinense, sobre piadas e anedotas, intitulado “Conta outra que essa
foi boa”, ironiza acontecimentos históricos como “piadas” contadas aos brasileiros. Já
em 1994, no seu retorno a Caprichosos, sobre a história da Avenida Rio Branco, foge
do que tinha tudo para ser um enredo histórico tornando-se uma crônica desde a es-
colha do título “Estou amando loucamente uma senhora de quase 90 anos”. Ao invés
da narrativa epopeica, os hábitos e costumes que percorreram a trajetória do logra-
douro foram lembrados.

80 Sinopse do enredo de 1984, disponível em http://galeriadosamba.com.br/carnavais/caprichosos-de-


pilares/1984/15/
81Estilo que, como vimos anteriormente, tem como fundação contemporânea a estética de Arlindo
Rodrigues, seguida principalmente por Joãosinho Trinta e Rosa Magalhães, que ajudariam a difundi-lo
para outros artistas da festa.
59

Ao trazer tantos elementos cotidianos, Luiz Fernando Reis se colocaria na lógica


da arte conceitual ao romper o conteúdo convencional de um desfile de escolas de
samba, colocando alegorias como autocrítica, usando a palavra como retorno às pró-
prias imagens, naquilo que poderíamos, com licença carnavalesca, chamar de tauto-
logia do desfile.. Se o carnaval é o momento de inversão social, onde pobres se tor-
nam reis, como defendia o barroco e luxuoso Joãosinho Trinta em seus carnavais
oníricos, Reis no lugar de transferir o público para um local distante naquele momento
de libertação, dirige um olhar de sonho para a própria vida, mostrando que a beleza
pode estar em qualquer lugar. Esta transgressão do real, como representação ideoló-
gica ou do espaço efetivo, marca um deslocamento, que se imiscuiria numa “espécie
diversa de organização social, onde os participantes tinham como o intuito produzir
uma obra que refletisse a realidade social mais ampla na qual a arte tem a sua exis-
tência.” (WOOD, 2001, p.75)

Carro 3.2 Vote, cante, grite! É tempo de mudar!82

“Yankees, go home!”, gravaria Cildo Meirelles em 1970, nas garrafas de Coca-


Cola em sua emblemática série “Inserções em Circuitos Ideológicas”. Anos mais tarde,
em 1986, Luiz Fernando Reis reescreveria a mensagem em seus “estandartes alegó-
ricos” num desfile contra o imperialismo americano. Os atos desses dois artistas, com
a mesma mensagem, marcavam, além da crítica, o desejo da arte conceitual em ofe-
recer uma ponte entre o verbal e o visual. O intuito de fazer o espectador entender
uma “mensagem”, um “grito de alerta”, é percebido nesses dois gestos similares e
com alcances diferentes. Se Cildo mira em um objeto de grande circulação, passando
a mensagem quase que clandestinamente, Luiz Fernando Reis busca atingir uma
grande massa através do alcance popular e midiático das escolas de samba. Atuação
que refletiria os ideais estabelecidos por Frederico Morais, nos quais "a arte teria en-
tão, como meta, quebrar a lógica do sistemas de objetos", tumultuando o cotidiano
com a "fabricação e o lançamento em circulação de objetos”. (MORAIS, 1975, p.24)
Esse desejo por uma conscientização popular é presente em diferentes entrevistas

82Trecho do samba-enredo da Caprichosos de Pilares de 1987 composto por Evandro Boia, Naldo do
Cavaco e Toninho 70.
60

que o carnavalesco dá ao longo de sua carreira, marcando a vontade de tomada cons-


ciência política por parte da população.
O desfile no qual esse tripé está inserido é o do enredo “Brazil com z não sere-
mos jamais, ou seremos?”, de 1986, que narrava a luta do personagem Canariquito
— uma mistura do canário com periquito — contra a águia americana símbolo do im-
perialismo, como bem sintetiza o samba:
Tudo bem, novamente popular / Um novo sol a brilhar / É isso aí vou caprichar
(eu falei) / Vou caprichar / Brasil, meu Brasil / Com S fica bem mais forte / No
Sul, no Centro, ou no Norte / Na voz do nosso povo / Ninguém vai me enganar
de novo / (...) / Não enfia o pau / Noutra bandeira / Vai, tira, tira / E bota a
nossa brasileira / Sou "canariquito" / Carioca a cantar / Águia não cala meu
bico / Meu ouvido não é penico / Meu Sam é de Sambar / (...) / Quem comeu,
comeu / Quem não comeu não come mais / Brazil com Z jamais.

No samba de Almir de Araújo, Balinha, Marquinho Lessa, Hercules e Carlinhos


de Pilares, o verso “um novo sol a brilhar” fazia referência ao fim definitivo da ditadura
civil-militar. A obra cantava ainda “tudo bem, nova mente popular”, mostrando como a
Caprichosos havia se fincado no imaginário popular por seus desfiles, celebrados pela
crítica carnavalesca e pelo público. Os dois refrãos traziam piadas de duplo sentindo,
animando e marcando a comunicação da escola. O restante da letra sintetiza a ideia
geral da narrativa de criticar nossos diversos colonizadores ao longo da História, co-
meçando pelos portugueses e chegando ao imperialismo americano. A sinopse co-
meçava apresentando o contexto histórico da época, narrando a morte de Tancredo
Neves e exaltando a personalidade que a escola tinha construído. O extenso texto
narrava as primeiras explorações do Brasil na época colonial. Em seguida, defendia a
cultura nacional em três quadros que passavam pelo aculturamento infantil, juvenil e
adulto. Os carros e alas traziam elementos das culturas americanas e brasileiras, nos
quais Luiz Fernando se utilizava de símbolos americanos para criticar a “invasão cul-
tural” e valorizar signos nacionais, como na ala do futebol que trazia os escudos de
times cariocas em trajes do futebol americano. Já no carro da colonização infantil,
personagens como a Mônica, a Emília e o Saci Pererê amarravam os americanos
Pato Donald e o cachorro Snoopy. No final, uma alegoria onde o Canariquito esma-
gava uma águia azul, vermelha e branca, buscando trazer esperança e valorizar a
cultural nacional. Uma imagem sobretudo política, que não trouxe a mesma comoção
61

popular dos outros desfiles, mas deixou sua mensagem forte.83 No âmbito carnava-
lesco, o desfile seria criticado por aumentar a dose crítica, perdendo a delicadeza e
humor de antes.84
Mesmo com a decepcionante apresentação de Pilares, 1986 marca um ano de
auge dos enredos críticos, destacando a importância e influência de Luiz Fernando
para o carnaval como um todo. Com a ditadura definitivamente abolida, várias escolas
investiram no tema, até mesmo as tradicionais, com estilos mais clássicos, como a
Portela. O comentário de Macedo Mirando Filho na transmissão na Globo mostra uma
visão contemporânea ao fato:
Esse carnaval vai deixar grandes lições e uma delas é que as escolas vão ter
que se preparar pra curtir saborosamente esses novos tempos de liberdade.
Em termos de carnaval, ela existe mesmo.

E seguiu inserindo a Caprichosos no contexto:


Agora uma escola como a Caprichosos que ano passado quando tudo ainda
era expectativa, quando tudo ainda era uma grande incógnita, veio com uma
sutileza deliciosa, um humor crítico extremamente saboroso. Esse ano dispa-
rou pelo caminho do fácil, do óbvio, até meio pretencioso. “Olha, você tem
que achar isso engraçado”.

O estabelecimento do campo da contestação, num contexto social conturbado,


faria as escolas negociarem para buscar atender a essas demandas. A Caprichosos
se fixa numa espécie de síntese desse período.
Neste contexto, o social e os estandartes alegóricos se tornam verdadeiros car-
tazes de passeatas e manifestações, presentes na maioria dos desfiles de Reis como

Figura 22: Diferentes "estandartes alegóricos" de desfiles de 84, 85, 86 e 88. (Fonte: Youtube)

83Mensagem tão forte que conseguiu atingir o objetivo desejado, já que uma embaixadora americana
deixou a Avenida revoltada com a apresentação da escola, o que é considerado um “prêmio” para o
carnavalesco.
84Apesar da escola ser premiada com Estandarte de Ouro de melhor enredo e Luiz Fernando Reis de
personalidade masculina.
62

palavras de ordem que descreviam o que era mostrado e ajudavam no entendimento


do que era narrado.
Nestes pequenos carros alegóricos, assim como em trabalhos da arte conceitual,
a apropriação da linguagem ultrapassa o simples signo plástico e contribui para a ati-
vação de novas e amplas significações da esfera artística, como uma metalinguagem.
Na arte contemporânea brasileira, este conceitualismo pode ser visto, por exemplo,
em “pinturas objetos” de Pedro Escosteguy e na emblemática marmita “Lute”, de Car-
los Zílio. Nos exemplos tanto do carnaval quanto da arte institucionalizada, a palavra
pode ocupar o lugar da própria matéria e evidenciar-se como única via de construção
do sentido conceitual, funcionando como acionadora de significação. Além disso, a
palavra atua como forte ferramenta, possuindo uma função proposicional e instrutiva
às vivências, em diversos níveis, do público com a proposta lançada. A presença da
linguagem opera não somente em sua potência visual, mas através de seu caráter
comunicativo, atuando de maneira a fornecer um espaço de interpenetração entre arte
e mundo utilizado pelo artista como elemento de articulação de sua proposta com a
realidade social.
É isso que Mari Carmen Ramírez (2007) destaca, quando afirma que na grande
maioria das práticas conceituais da América Latina torna-se perceptível o uso de lin-
guagem desprendida de seu “valor de uso puro” em favor de seu “valor de comunica-
ção”. Nessas circunstâncias, Ramirez informa que “a arte deixa de ser arte para se
tornar uma “experiência limite”, mais próxima da antropologia, da sociologia ou da
prática cultural”. No âmbito latino-americano, isto está muito presente na obra do co-
letivo argentino Tucuman Arde e sua série de proposições estéticas políticas, que tra-
ziam consigo “a utilização de teorias da comunicação e da informação por parte dos
artistas latino-americanos para investigar os mecanismos através dos quais os signi-
ficados são transmitidos ao observador”. (RAMIREZ, 2007, p.189) É o desejo de atu-
ação num contexto específico, onde:
o “trabalho” não quer mais ser um substantivo/objeto mas um verbo/processo,
provocando acuidade crítica (não somente física) do espectador no que con-
cerne às condições ideológicas dessa experiência. Nesse contexto, a garan-
tia de uma relação específica entre um trabalho de arte e o seu “site” não está
baseada na permanência física dessa relação, mas antes no reconhecimento
da sua impermanência móvel, para ser experimentada como uma situação
irrepetível e evanescente”. (KWON, 2008, p.171)
63

O lugar pensando para Kwon é uma reflexão não só espacial, mas também so-
cial, aqui comporado quanto os desfiles se notabilizam por esses dois sentidos. En-
tendendo que as obras das escolas de samba são produzidas para um lugar especí-
fico, que tem não só seu contexto social amplo, mas político e institucional. Reis, en-
tão, articula-se nessas duas camadas, produzindo múltiplos significados através de
caráter comunicativo, tanto socialmente como linguisticamente.
A necessidade da escrita é, como afirma Reis85, uma necessidade didática, de
sublinhar e reforçar alguns desejos comunicativos. O carnavalesco se orgulha de sua
comunicação direta com o público, subscrevendo a ideia de que a “ilusão de que a
transformação da obra de arte numa intervenção linguística e textual faria necessari-
amente aumentar o número de leitores, a politização da prática cultural”. (RAMIREZ,
2007, p.188) O uso da palavra escrita, como na arte política e conceitual, impulsiona
reações e reforça seu desejo de comunicação. No sentindo dessas palavras como
verdadeiros chamados de ordem, o samba de 1987, sobre a história de “maracutaias”
da política nacional, intensificaria o desejo de uma conscientização popular: “Vamos,
meu povo! Democracia é participar. Vote, canta, grite! É tempo de mudar”.

Ala 3.2.1: Tem zoeira, hora de xepa é final de feira86

Ampliando esse caráter comunicativo para além dos estandartes alegóricos, o


samba-enredo também pode ser entendido como linguagem de uso contestador. E
para os desfiles de Luiz Fernando Reis, eles têm caráter protagonista, o que nem
sempre é o caso. Os sambas da Caprichosos incorporaram o tom crítico proposto pelo
artista, usando de uma linguagem irreverente e fazendo uso de duplos sentidos e jar-
gões para se comunicarem diretamente. Isso estabeleceu uma interação intensa entre
o público e o corpo social-político da escola, provocando uma catarse coletiva que
serviu para os desfiles da escola serem bem avaliados dentro da historiografia carna-
valesca, mas apenas por isso, não pelas qualidades artísticas de Luiz Fernando.
Dois desfiles que servem de exemplo dessa comunicação seriam os de 1982 e
1985, ambos realizados sob o sol a pino. Em 82, com o tema freira-livre, um símbolo

85 Em depoimento inédito cedido ao autor em 14-09-2014.


86 Trecho do samba-enredo da Caprichosos de Pilares para 1982, composto por Ratinho.
64

da comunicação foram as verduras e frutas reais usadas para decorar os carros ale-
góricos que foram cedidas pelo sindicato dos feirantes e distribuídas ao público num
momento de interação desfilante-público. Já em 85, um problema técnico emudeceu
as caixas de som, fazendo o samba ser levado “na garganta” pelos seus componentes
e pelo espectadores, que evoluíam na arquibancada já vazia, indo de uma ponta a
outra. Os componentes também não demonstraram cansaço e desfilaram com anima-
ção, o que acabou escondendo os problemas que a escola teve durante o desfile,
quando três alegorias quebraram prejudicando a busca por um melhor resultado.
No caso de 1985, para o comentarista Haroldo Costa, na transmissão da Rede
Manchete, a sinergia público-espectador se dava exatamente pela junção dos escritos
no desfile com o samba da escola e o contexto do desfile, destacando muitas das
principais qualidades da dupla Caprichosos-Luiz Fernando:
o encontro da Caprichosos com o público não é somente através do refrão
do samba, é também por toda a conotação política que esse enredo propor-
cionou e que a escola está apresentando. Essa empatia com o público vem
exatamente dos carros, das legendas e palavras de ordem que a escola traz
ao longo do desfile. Esse grande encontro que com a escola e o público deve-
se sobretudo a isso.

Outro fato em comum nessas duas obras, foi o de que o samba causou transfor-
mações no desenvolvimento do enredo. Em 85, a parceria de Almir Araújo, Marqui-
nhos Lessa, Hércules Corrêa, Balinha e Carlinhos de Pilares criou o icônico refrão
“tem bumbum de fora para chuchu, qualquer dia é todo mundo nu” que fez sucesso
antes mesmo da apresentação da escola. A ideia não constava da concepção original
do enredo, nem da sinopse, sendo uma inserção dos compositores e que Luiz Fer-
nando Reis acatou e transformou em alegoria, assim como em 82, quando a cabrocha
Lili foi personagem que originalmente não passava de mera coadjuvante tornou-se
protagonista com a vitória do samba composto por Ratinho. Ambos os casos, fizeram
Reis reestruturar seu desfile por acreditar que, como ele mesmo explica, “quanto maior
a visualização do que está sendo cantando, melhor”, reforçando sua busca pelo diá-
logo imediato e reconhecível, mostrando-se como um artista aberto a contribuições
externas.

Carro 3.3: É isso aí vou caprichar, vou caprichar!87

87Trecho do samba-enredo da Caprichosos de Pilares para 1986, composto por Almir de Araújo, Bali-
nha, Marquinho Lessa, Hércules Correa e Carlinhos de Pilares
65

Essas palavras de ordem presentes nos desfiles de Luiz Fernando seriam o sin-
toma de outra grande característica de sua obra que, mais uma vez, o colocaria em
diálogo com a produção conceitual da “arte de guerrilha” ou “contra-arte” de Frederico
Morais. A estética do precário e do esculhambado.
Ao contrário do luxo estabelecido, Luiz Fernando Reis se interessaria em cons-
truir uma linguagem na contramão. Essa falta de apuro estético pode ser entendida
como parte de uma proposta, na qual, o foco não é o alcance visual das formas e
volumes a serem percebidos pelos espectadores. Ao contrário, as palavras de ordem
acrescentadas nesse visual poluído e quase “sujo” reforçam seu caráter político e co-
municador. É, de certa forma, um trabalho que precisa “sumir” em função de seu ca-
ráter narrativo e participativo.
Tanto na arte institucionalizada, quanto no carnaval, há uma rejeição desse ca-
ráter banal, ao invés da aura sacralizada da obra de arte. O texto “A desmaterialização
da arte” daria conta dessas questões:
uma arte altamente conceitual, como uma arte extremamente rejeitiva [re-
jective, no original] ou uma arte aparentemente feita do acaso, perturba de-
tratores porque não há “o suficiente para olhar”, ou ainda não o suficiente
do que eles estão acostumados a procurar." (LIPPARD; CHANDLER, 2013,
p.153)

Esse caráter “rejeitivo” seria fundamental para a construção de algumas obras


da dita “arte de guerrilha”, como uma forma de chocar o espectador e colocá-lo numa
posição desconfortável. Um bom exemplo de uma obra que lida com uma desacrali-
dade e o desejo de desestabilizar o público seria a série das trouxas ensanguentadas
de Artur Bairro, feitas em diversas situações, que consistiam em amarrados de supos-
tos dejetos humanos e seu abandono em lugares de grande circulação. Para Freitas,
esse trabalho nos fala da impossibilidade mesma de se recuperar, em cer-
tos casos, um único e permanente “objeto” como definidor da própria con-
cepção – fenomênica – de “obra”. E ao tocar nessa questão, Trouxas acaba
por aproximar o universo abstrato da estética moderna ao universo geopo-
lítico da cultura brasileira como problema ideológico – traço típico, aliás, da
dita “vanguarda guerrilheira”. (FREITAS, 2013, p.117)
66

O caráter experimental tanto da obra de Barrio como dos desfiles de Reis trazia
embutido seu discurso político em crítica à precariedade do terceiro mundo e do Brasil
como país subdesenvolvido. Nesse sentido, eles operam “um valor negativo e opres-
sor nessas imagens, uma contrapartida grotesca ao mundo desenvolvido e high-tech,
a confirmação inabalável de um partido ideológico”. (FREITAS, 2013, p.121) No caso
do carnavalesco, isso fica mais evidente tendo em contrapartida o caráter alegórico e
celebrador de Joãosinho Trinta e Fernando Pinto. O “mau-gosto” de Reis marcava
uma reposta ao precário e uma “resposta incivilizada a um mundo violento e repulsivo”
(idem, p.121), não uma alusão ao “cafona”, como em Fernando Pinto. Assim, Luiz
Fernando estabelece não só diferenças
conceituais a seus pares, mais de lin-
guagem e estética, num gesto de des-
materialização do carnaval na tentativa
“de organizar uma espécie de guerrilha
cultural contra o estado atual das coi-
sas, sublinhar as contradições e criar si-

Figura 23: Uma foto panorâmica do desfile de 1985


tuações onde as pessoas reencontrem
marca o caráter poluído e "precário" da estética de sua capacidade de produzir mudanças”.
Reis.
(idem, p.58)
Na mídia, escrita e falada, surgiriam comparações dos desfiles da Caprichosos
de Pilares como um “bloco”. Esse caráter coletivo e “de massa” é reforçado através
do desejo de Luiz Fernando em se comunicar com o povo, de massa (corpo de com-
ponentes da escola) para massa (público espectador). Esse aspecto, que tem como
principal sintoma a linguagem escrita presente em Reis, explicita "a ideia de desma-
terialização do objeto de arte e da sua substituição por uma proposta linguística e
analítica" (RAMIREZ, 2007), confirmando que a força estava mais em seu discurso do
que na visualidade. Nesse sentido é necessário reforçar que o
não visual não deve ser confundido com não visível; o foco conceitual pode
ser inteiramente oculto ou não ser importante para o sucesso ou fracasso
do trabalho. O conceito pode determinar os meios da produção sem afetar
o produto em si; arte conceitual não precisa comunicar seus conceitos.
(LIPPARD; CHANDLER, 2013, p.160)

No âmbito dos desfiles carnavalescos, para os jurados e a crítica especializada,


essa outra forma de estética não é tão potente como a do luxo e não seria garantia de
bons resultados sumindo paulatinamente no decorrer dos anos.
67

Carro 3.4: “Beija-florização”: pontos de negociação

Mesmo com uma grande aceitação e repercussão popular e crítica de seus des-
files da Caprichosos, a trajetória da escola com Luiz Fernando Reis não seria marcada
exatamente pelos bons resultados.88 O sucesso popular e midiático da agremiação
faria crescer um desejo por melhores colocações, o que resultaria uma cobrança com
a produção de Luiz Fernando Reis, que era solicitado a fazer um desfile “sério”, já que
seu estilo era visto como algo menor e “engraçadinho”, segundo versão do próprio
carnavalesco, não uma proposição artística como a dos nomes consagrados da folia.
Essa tensão ficaria evidente após o carnaval de 1987, que marcaria o afasta-
mento do carnavalesco. Nas matérias publicadas nos jornais O Globo e Jornal do
Brasil a expressão “beija-florização”, presente nos títulos das reportagens, sintetizaria
essa busca por se adequar à linguagem estética hegemônica, simbolizada pela Beija-
Flor de Joãosinho Trinta. Na busca por melhores resultados, a escola preferiu apostar
na lógica dominante ao invés de firmar sua identidade recém-construída.
Na matéria do Globo, intitulada “Caprichosos se beija-floriza e perde carnava-
lesco”, Reis declarou: “É verdade que a comunidade começou a exigir o título, mas
para a diretoria isso só poderia ser feito revestindo a escola de luxo e decidiram por
uma ‘beija-florização’.” Com as eleições gerais para cargos legislativos em 1986, Luiz
Fernando se candidataria a deputado, o que o acabou fazendo-o se afastar do barra-
cão e da produção do carnaval. Somando-se a isso a pressão por melhores resultados
para escola, Wany Araújo, discípulo do Joãosinho, foi chamado para assinar junto
com Luiz Fernando o carnaval da escola. Os dois se desentenderam várias vezes
durante a preparação, já que Wany tinha uma visão divergente a de Reis, fazendo,
segundo este, um trabalho “mais Beija-Flor”, perdendo a leitura prezada por Reis.
A partir da saída do carnavalesco, sua produção seria estabelecida por uma série
de tensões e pontos de negociações. Tanto ele quanto a agremiação ficariam carim-
bados pelo selo de “críticos e irreverentes”, sendo criticados quando não seguiam
essa linha. Mesmo que o enredo não tivesse nada a ver com essa proposta, as maté-
rias dos jornais reforçariam essa identidade. Neste sentindo, é interessante analisar o

88A escola sempre se classificaria em posições intermediárias, tendo como um de seus melhores re-
sultados um sexto lugar, em 1984, e um quinto, em 1985.
68

campo da “tradição” onde as escolas de samba se estabeleceram desde sua funda-


ção89 e onde ter uma “identidade” é fundamental. Esse processo é perceptível na cri-
ação da imagem criado pela dupla Reis-Caprichosos. Já no terceiro ano da dupla,
uma matéria do Jornal do Brasil em 24-2-84 explicitaria "Caprichosos mantém a tradi-
ção e critica tudo".
No campo dessas tradições estabelecidas, Luiz Fernando Reis sairia da Capri-
chosos, após o carnaval de 1987, para a escola de estilo completamente oposto ao
seu, a Imperatriz Leopoldinense90, que ele havia “criticado” em outros carnavais. Ele
desenvolve, então, o enredo “Conta outra que essa foi boa”, sobre as piadas e ane-
dotas. Apesar de belas imagens – como o abre-alas que trazia um grande trabalhador
segurando a nova constituição, retratando o momento político-social, e o carro da abo-
lição que apresentava a Princesa Isabel no alto se diluindo na representação de uma
favela – o resultado deste desencontro foi catastrófico no julgamento, a Imperatriz
ficou em último lugar, mas acabou não sendo rebaixada.91
Instruído a seguir a mesma linha de enredos na Imperatriz, a apresentação não
obteve o mesmo sucesso que as da agremiação de Pilares. Uma série de fatores
contribui para isso. Uma chuva antes do desfile prejudicou as alegorias e fantasias,
com isso a escola não se reconheceu nas roupas simples e passou desanimada, cri-
ando um desencontro, já que o estilo do artista pedia justamente o contrário. Sérgio
Cabral sintetizou a questão na transmissão da rede Globo:
O estilo do Luiz Fernando Reis é outro, ele não tem tanta preocupação com
o acabamento, mas sim com o total. Ele é o carnavalesco da sátira, da polí-
tica. E assim ele marcou sua presença na Caprichosos. De maneira que a
Imperatriz que nós estamos vendo não tem nada a ver com as outras Impe-
ratrizes que vimos em anos passados. (Transmissão dos desfiles de 1988
pela Globo)

89Desde seu surgimento na década de 1930, as escolas de samba já pregavam o discurso da tradici-
onalidade, afirmada pela sua ascentralidade negra e cultural. Reforçando-se, assim, os ideais moder-
nistas folclóricos.
90Campeã no início da década de 1980 com desfiles de Arlindo Rodrigues em estilo histórico e barroco,
a situação da agremiação estava complicada com a saída de seu patrono, que fez Reis ser contratado
para fazer um carnaval num estilo que o havia consagrado em Pilares.
91 A escola perdeu pontos preciosos em cronometragem, a fazendo entrar com um recurso na justiça
pela recuperação dos pontos. Aliado a isso, coube um processo de articulação do patrono da escola
para que a ação se cumprisse. No ano seguinte, a escola apresentou o emblemático “Liberdade! Liber-
dade! Abra as asas sobres nós” que narrou a epopeia da Proclamação da República no melhor estilo
histórico. O resultado foi um título disputado, mas que acabou por estigmatizar o desfile do ano anterior.
69

O ano de 19988 pode ter se tornado uma espécie de trauma para Luiz Fernando
Reis, pois a partir disso há um desejo nítido de obedecer às regras do jogo, clarifi-
cando uma busca por um “refinamento” de seu trabalho que se consolida no ano se-
guinte, quando assumiu o Salgueiro e, mais uma vez, a escola impôs suas caracterís-
ticas.
Famosa por seus temas africanos, a escola encomendou uma apresentação
neste universo temático. Em entrevista, o carnavalesco disse que foi avisado que ali
“não era a Caprichosos” e não cabia o colorido nem materiais baratos, mas o tradici-
onal vermelho e branco. Com esse carnaval, Luiz Fernando Reis assume uma outra
postura artística, já que ao invés de impor seu estilo, absorve o da escola. Num pro-
cesso oposto ao do desfile na Imperatriz.
Em 1989, no Salgueiro, o enredo “Templo negro em tempo de consciência negra”
fazia um passeio pelos enredos de temáticas negras que consagraram a escola. No
desenvolvimento, dividiu-se em dois quadros, o primeiro intitulado “Salgueiro – Tem-
plo Negro”, re-exaltando personagens históricos revelados pela agremiação na época
de Fernando Pamplona. Já o segundo, “Salgueiro em tempo de consciência negra”
exaltava a negritude e a abolição no contexto atual. O desfile contou com uma estética
mais ligada ao visual e dentro da linguagem hegemônica, mas mesmo assim acabou
abafado por desfiles antológicos.92
Mesmo com o bom desfile, Luiz Fernando Reis deixou a agremiação e assumiu
a Unidos da Tijuca, que lutava para se manter no grupo. O enredo foi mais uma vez
encomendando e fugia de uma pauta contestadora, Em entrevista ao Jornal do Brasil
de 25-2-90, Reis assumiria um desejo de dar uma pausa na linha: "Não há dúvidas
que prefiro temas críticos e satíricos, mas os enredos políticos entraram um pouco
num processo de desgaste."
“E Borel descobriu... navegar foi preciso”, enredo da Tijuca em 1990, reforçava
a busca por um estilo mais validado pelo julgamento, contando a história da coloniza-
ção portuguesa de maneira pacificada e didática. A escola apresentou-se com uma
plástica característica de Reis, com fantasias mais leves criadas por Flávio Tavares.
Apesar da tentativa, a agremiação terminando em 9º lugar.

92Junto à campeã Imperatriz havia ainda o imortal “Ratos e urubus larguem minha fantasia”, da Beija-
Flor, e o “Festa Profana” da União da Ilha, fazendo o Salgueiro amargar um quinto lugar, classificando-
se ainda atrás da Vila, campeã do ano anterior com “Kizomba”. A colocação gerou revolta na escola
que voltou no desfile das campeãs com a faixa, “Nem Melhor, nem pior. Apenas Roubado”.
70

A tensão em se manter fiel ao seu estilo e obedecer às cartilhas da estética he-


gemônica ficariam claras em 1992, em “Sou mais minha Ilha”, um passeio pelas ilhas
do mundo. O tema aparentemente simples ganhou um tratamento especial, típico do
carnavalesco. Tal como o “canariquito” em 1986, ele criou um personagem como fio
condutor, dessa vez batizado de “Insulano de Tal” que viajava por diversas ilhas do
planeta.
Sem seu principal parceiro, Flávio Tavares, que assinava sozinho um enredo no
Salgueiro, Luiz Fernando contratou José Félix como seu figurinista. O novo parceiro
não soube captar o estilo de Luiz Fernando, criando um grande descompasso no plás-
tica final. Pareciam duas escolas diferentes: uma nas fantasias luxuosas e bem-aca-
badas e outra nas alegorias simples e de fácil leitura. Bem observadas pela análise
feita pelo Jornal do Brasil em 4-3-92, que afirmou que a apresentação ficou "indefinida
entre a originalidade e o luxo, fazendo de seu bem amarradinho desfile uma sucessão
de altos e baixos.”
De qualquer forma, a agremiação não apresentou um desfile que a credenciasse
aos primeiros lugares, terminando na 11ª colocação. Com a Mocidade Independente
de Padre Miguel, de Renato Lage, conquistando seu bicampeonato, o carnaval já não
comportava mais aquele estilo simples e a críica política, principal inspiração de Reis,
que já não estava mais tão em pauta como anos atrás.
Em 1993, acontece o esperado retorno de Luiz Fernando para a agremiação de
Pilares. “Não existe pecado do lado de cá do Rebouças” fazia uma exaltação aos
suburbanos e seus hábitos. Um enredo “com a cara da escola” e do carnavalesco,
focando no aspecto mais cotidiano e popular, mas perdendo a força política. Na já
entrevista que o carnavalesco concedeu ao jornal O Globo, ficou a promessa de “res-
gatar a tradição de desfiles bem-humorados com um enredo popular, bem ao estilo
de Reis, um carnavalesco que não tem o costume de consultar uma vasta bibliografia
para conceber um desfile.” Apesar de se manter fiel às suas propostas, a matéria
afirmaria: "O desfile da Caprichosos ano que vem será descontraído, como nos velhos
tempos, mas haverá luxo, já que minha intenção não é disputar o sexto lugar", mar-
cando a busca por uma tentativa de enquadramento nos padrões dos jurados.
Além disso, uma polêmica no pré-carnaval fez a escola ganhar a mídia. O abre-
alas trazia a representação de um assalto e de uma prostituta, gerando indignação da
Riotur (empresa de turismo do Rio de Janeiro) que queria proibir o carro alegando que
aquilo mancharia a imagem da cidade. A arma então é trocada por um flor. Mas outra
71

alegoria foi alvo de censura, dessa vez um carro que falava dos surfistas de trem
populares na época. A Supervia (administradora do transporte) entrou com um recurso
e uma faixa sobre os riscos da prática teve que ser usada na alegoria. Mesmo com a
mídia espontânea gerada pelas alegorias, articulando ainda um incômodo ao trabalho
de Reis em articular elementos do cotidiano, mesmo os não “aprovados socialmente”,
a Caprichosos realizou um desfile inexpressivo e sem uma boa colocação.
O carnavalesco continuou em 1994, apresentando “Estou amando loucamente
uma senhora de quase noventa anos”, sobre a avenida Rio Branco. O título satirizava
uma série de comemorações promovidas pela prefeitura pelos noventa anos da via,
quando a marca só seria atingida anos depois. Com um caráter histórico, o enredo
passeava pelos momentos mais importante da antiga avenida Central e todos os seus
ícones, como o Theatro Municipal e extinto Palácio Monroe. Nos últimos setores,
houve uma tímida inserção política mos-
trando os protestos e manifestações ocorri-
dos na via, mas sem levantar bandeiras. A
escola fez um desfile sem surpresas, tanto
esteticamente como nos quesitos musicais.
O abre-alas trazia uma clara influência de
Renato Lage que se destacava pelo então
Figura 24: O abre-alas de 1994 marcava uma
influências dos títulos de Renato Lage. chamado estilo high-tech, mas as outras ale-
gorias passaram sem brilho. O resultado foi um décimo lugar.
Em suma, o segundo casamento entre a Caprichosos de Pilares e Luiz Fernando
Reis não teve o frescor de anos atrás. A revolução estética do luxo havia se consoli-
dado e já estava enraizada no imaginário carnavalesco. Além disso, o cenário sócio-
político, que o artista tanto gostava de destacar, não trazia grandes novidades com
uma democracia já estabelecida. Sendo assim, o carnavalesco se afasta mais uma
vez da agremiação azul-branca e no ano seguinte assina o que seria seu último car-
naval no grupo especial, agora na São Clemente, parceira da Caprichosos na aérea
crítica dos anos 80.93 O enredo “O que é, o que é, que não é mas será?” falava do
sonho de crescimento do país, em busca da estabilidade econômica. Como os tempos
haviam mudado, a crítica se transformou em apoio, a escola acabou rebaixada.

93Além da Caprichosos de Pilares, no contexto político dos anos 1980, a São Clemente seria outra
escola que se notabilizaria por enredos críticos, mas sem a repercussão e caráter comunicativo da
Caprichosos.
72

Assim como conclui Mari Carmen (2007), a força da arte conceitual acabou com
o que lhe deu pontapé inicial: a ditadura. O mesmo acontece com o trabalho de Luiz
Fernando, já que sem o cenário político fervilhante sua voz perdeu a potência e pairou
sem ecoar. Num cenário de início da década de 1990, que tinha Renato Lage cam-
peão pela Mocidade com desfiles tecnológicos, a contestação perdia o sentindo. O
trabalho do Reis se encontrava num meio do caminho problemático, pois já não tinha
a estética simples e comunicativa de antes nem se encontrava em pé de igualdade
das escolas que disputavam as primeiras posições. Ao procurar então se adaptar à
voz dominante, o carnavalesco se estagna em um entre-lugar problemático, acarre-
tando um fim de carreira problemático, no qual ele passeou pelos últimos lugares, fato
que contribuiu para seu esquecimento.
Entretanto, sua aproximação com os artistas conceituas o coloca como um dos
carnavalescos com maior personalidade artística e estética. Na trajetória de Reis,
nota-se o desejo de entender que “a arte conceitual foi um modo de ação guerrilheira
contra os poderes estabelecidos”. (WOOD, 2001, p.76)
Enquanto para o crítico Frederico Morais, o artista
passou a apropriar-se de objetos existentes, criando novamente "ready-ma-
des", transformando, retificando objetos que assim ganham novas funções e
são enriquecidos semanticamente com ideias e conceitos. E quanto mais a
arte confunde-se com a vida e com o cotidiano, mais precários são os mate-
riais e suportes, ruindo toda a ideia de arte." (MORAIS, 1975, p.24)
É nesse terreno da apropriação de objetos, do uso da linguagem escrita e da
estética do precário, que a produção de Reis se firmaria pela singularidade nos anos
de 1980 nas escolas de samba, aproximando-se da vida e ruindo com a ideia categó-
rica e sistematizada do carnaval capitalista. O fim pouco expressivo de sua carreira,
contrariando a explosão inicial, marca a dificuldade do carnaval de não absorver ou-
tras formas de estilos além dos luxuosos e barrocos. Se o julgamento funciona como
a legitimação de um trabalho, assim como os museus e galerias exercem esse papel
na arte institucionalizada, o júri não reforçou as qualidades artísticas das obras de
Reis, fazendo-o ser visto como uma produção menor e com menos qualidades do que
os desfiles que alcançaram as primeiras posições. Cobrado pelas agremiações em
busca de bons resultados, o carnavalesco não soube se adaptar às necessidades do
sistema sem perder suas principais qualidades, reforçando o caráter original de sua
produção nos anos 80, fixada através da marginalidade contestadora ao cânone car-
navalesco estabelecido.
73

Apoteose: as linguagens marginais

Em 21 de fevereiro de 1985, após os desfiles e a apuração daquele ano, o crítico


de arte Frederico Morais dedicaria sua coluna no jornal O Globo a fazer uma análise
das apresentações das escolas de samba. Com o título “Carnaval: volta ao passado
ou nostalgia do futuro?”, Morais destacaria a contradição temática dos dois destaques
principais daquele ano: “Ziriguidum 2001”, da Mocidade Independente, que fazia uma
viagem para o futuro, enquanto “E por falar em saudade...”, da Caprichosos de Pilares,
pegava o destino oposto. Para ele, o desejo de ir ou voltar no tempo revela, inicial-
mente, uma questão óbvia: a dificuldade de um momento atual conturbado, já que em
1985, o Brasil estava num processo de redemocratização feito a passos lentos, e, no
contexto econômico, a inflação ainda atordoava os cidadãos. O crítico destacaria que:
assim pelo menos, no carnaval, o melhor é esquecer. Se o presente está
difícil, vamos então nos refugiar no passado, ou no futuro. Utopia e nostal-
gia: as duas faces da mesma moeda. Uma coisa e outra estão muito próxi-
mas de nós: afinal, o passado é revivido com a mesma velocidade que nos
preparamos para o futuro. (O Globo, 21-2-85)

A crítica do autor estaria voltada ao fato saudosista, afirmando que “a saudade


é uma espécie de rotinas nos enredos, o futuro seria a grande novidade”. Frederico
Morais elogiaria nominalmente Fernando Pinto, “genial como sempre”.94 Além do car-
navalesco da Mocidade, Morais também destacaria as qualidades da obra de Joãosi-
nho Trinta. Ao criticar à Caprichosos de Pilares, ele não cita sequer o nome de Luiz
Fernando Reis, falando apenas o “autor do samba da Caprichosos de Pilares”, sem
dar os créditos.
Mesmo com um olhar generoso para as escolas, Frederico cairia num lugar co-
mum ao relegar o carnaval ao terreno da arte não institucionalizada. Apesar de ser
uma festa da coletividade, o gesto que marca um autor se tornaria fundamental ao
carnaval, sobretudo a partir da chegada do grupo liderado por Pamplona e Arlindo,
que instauram o carnavalesco como principal articulador artístico da festa. O autor-
carnavalesco lança um enunciado, como propõe Foucault, e tem no gesto a marca
característica de sua ausência, como nos termos de Agamben.
O grupo de carnavalescos que atuou no Salgueiro na década de 1960 seria res-
ponsável pelo estabelecimento de uma linguagem artística baseada no historicismo,

94 Vale lembrar que Frederico Morais havia bancado uma espécie de revolta na classe artística ao
elogiar em 1983 o desfile como era verde meu Xingu, como citado no capítulo 2.
74

no luxo e na teatralidade, incorporando elementos da cena “erudita” do Municipal. Já


nos anos 1970, Fernando Pinto começaria a incorporar outros elementos em sua obra.
Contra a historicidade dos temas de Arlindo e Joãosinho, ele traria para o palco per-
sonagens populares e da cultura massa, bebendo em outro tipo de teatro, o de revista.
Entretanto, sua produção mais expressiva se daria principalmente nos anos 1980,
quando dividiria atenção com outro Fernando, o Reis, que de seu lado atualizaria a
proposta cotidiana de Maria Augusta, acrescentando um sabor fortemente político.

Figura 25: A última alegoria de ‘Tropicália Maravilha”, em 1980, de Fernando Pinto e a ale-
goria da Caprichosos de Pilares em 1984, de Luiz Fernando Reis.

As alegorias de Fernando Pinto e Luiz Fernando Reis em 1980 e 1984 seriam


um bom exemplo para compreender a atuação de ambos no seu mesmo contexto,
através de suas proximidades e afastamentos. O signo escrito de caráter político mar-
caria a intenção de ambos em reverberar o contexto político-social no qual estavam
imersos. Há, nos dois casos, o desejo de repensar seu país e sua sociedade, de ir ao
encontro de seu público, potencializando o caráter político de uma escola através de
seu poder de fala e do alcance de público. Entretanto, os cenários propostos nos dois
carros alegóricos , o da Anistia e o das Diretas já, marcariam as diferenças desses
desejos. A “anistia” de Pinto surgiria de maneira grandiosa e alegórica em meio a um
congresso nacional composto por onças ferozes, feijões e “oncetes” dos partidos po-
líticos da época. Marcando sua necessidade de atualizar o momento tropicalista de
anos antes, Pinto faz usos dos signos tropicais aliados a imagens da cultura de massa,
num limiar entre ironia, deboche e celebração.
A ironia também estaria presente na obra de Reis, mas sua “Diretas” surgia
quase que clandestinamente, como uma pichação de muro, feita ilegalmente, de modo
quase invisível. Exacerbando seu caráter panfletário, Reis evidencia um visual pau-
tado pelo precário que busca a comunicação imediata. O personagem Milas Fulam e
75

as caricaturas de Tancredo Neves, Leonel Brizola e Ulysses Guimarães marcavam


sua apropriação de signos cotidianos outros, buscando “quebrar o gelo” da crítica
através do humor e da sátira.
O uso de objetos banais seria um processo comum às obras de Reis e Pinto,
mas destacariam outra proximidade marcada pela diferença. Enquanto Pinto os usava
de maneira alegórica e os distanciava através de associações externas, misturando
diferentes categorias de obras e objetos não hierarquicamente um desejo de apreen-
der o real, subsumir junto à festa. Na tentativa de se comunicar diretamente com o
público, dessacralizando o palco dos desfiles e apresentando o mais ordinário, através
de uma estética precária. Através de seus readymades, tanto Pinto quanto Reis bus-
cariam o mesmo sentindo crítico, mas um se afastaria, suspendendo seu sentido atra-
vés de outras associações e o outro os utilizaria para aproximar, para se comunicar
diretamente.
O gesto irônico dos dois autores também os aproximaria. Se para o carnavalesco
tropicalista tal gesto se articularia pelo dito e não dito, para Reis, era necessário sub-
linhar e reforçar o momento crítico vivido com palavras. O uso de símbolos através do
humor marcaria uma suspensão de hierarquias através do riso, um riso quase tenso
diante os tempos difíceis. A ironia em Fernando Pinto seria menos engraçada e mais
sugerida, juntando configurações e imagens quase díspares, marcando uma celebra-
ção dúbia, sarcástica, ácida, assim como as obras de cunho tropicalista
As características de ambos os carnavalescos, os colocariam em diálogos com
movimentos artísticos brasileiros da chamada cultura marginal. Um ligado as questões
tropicalistas e reatualizadas pela linguagem do desbunde e da irreverência, como o
Dzi Croquettes e as Frenéticas, dos qual Fernando Pinto fez parte. O outro, destacado
por uma postura mais radical e crua, tomada pela parte “engajada” da cultura, bati-
zada, também de arte de guerrilha, que retrabalhava as questões lançadas na arte
conceitual ao momento ditatorial, o que teria em Reis, diversos procedimentos e to-
ques de contato. Seriam as patrulhas ideológicas contra as patrulhas “odara” como se
discutiu no fim dos anos 1970.95
Com essas duas linguagens na disputa principal da folia, os anos 1980 marca-
riam uma pluralidade artística nunca vista nos desfiles das escolas de samba. Vinte

95Patrulhas ideológicas foi um termo cunhado por Cacá Diegues no fim dos anos 1970, marcando a
pressão dos “engajados” pela cobrança de necessidade política nas obras. Em oposição ao termo,
Caetano Veloso lançaria “ patrulha odara”, marcada pela irreverência e o desbunde.
76

anos após o lançamento de sua pedra fundamental, o carnavalesco estava estabele-


cido como figura central da festa. No contexto social, o período político conturbado
marcava a necessidade de uma tomada de posição. Nesse sentindo, o carnaval mar-
caria sua posição de campo de autonomia, pois enquanto a arte institucionalizada
vinha de décadas, com uma série de movimentos radicais e engajados, a produção
artística buscaria se distanciar da política com a chamada “volta da pintura”. Nos des-
files, marcar-se-ia uma posição de contestação nunca antes tomadas. Estabelecidas
culturalmente, com a construção do Sambódromo e a criação LIESA, as agremiações
se assumiram pela primeira vez no campo da contestação lançando sua voz política
e destemida, tendo os jurados como únicos algozes.
Assim, Reis e Pinto responderiam às demandas sociais de sua época, cada um
a seu jeito, num processo de construção de duas linguagens artísticas diferentes mas
que encontram pontos de interseção e distanciamentos. Os dois seriam, então, as
vozes mais políticas que o carnaval já teve. De um lado, a necessidade tropicalista de
atualizar símbolos nacionais, do outro, a utilização do precário e do sublinhamento
das questões políticos. Suas atuações marcariam um período de extrema riqueza ar-
tística para a festa carnavalesca. Atuando diretamente para influenciar um fechamento
de ouro dos anos 80, o desfile “Ratos e Urubus larguem minha fantasia”, presente
num grande imaginário popular, traria características bebidas na fonte desses dois
carnavalescos por Joãosinho Trinta.
A vitória de “Liberdade! Liberdade! Abra as sobre nós” neste mesmo ano, con-
tando a história oficial, marcaria a soberania dos estilos luxuosos sobre as estéticas
marginais e políticas, fazendo-as se extinguir completamente no decorrer dos anos
vindouros.
77

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Entrevista

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