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JOÃO PAULO MOSMAN DE SOUZA

A FLAUTA TRANSVERSAL ATRAVÉS DO TEMPO:


RELAÇÃO ENTRE O DESENVOLVIMENTO DO INSTRUMENTO E SEU
REPERTÓRIO

SÃO PAULO
2019
JOÃO PAULO MOSMAN DE SOUZA

A FLAUTA TRANSVERSAL ATRAVÉS DO TEMPO:


RELAÇÃO ENTRE O DESENVOLVIMENTO DO INSTRUMENTO E SEU
REPERTÓRIO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à


Escola Superior de Música da Faculdade
Cantareira para a obtenção do Título de
Bacharel em Música

Orientador: Prof. MSc. Guilherme Marques

SÃO PAULO
2019
Dedico este trabalho à memória de meus pais
Ilda e Paulo, que enquanto estiveram aqui
presentes não mediram esforços e me deram
apoio incondicional para que eu levasse os
estudos adiante e nunca se opuseram a minha
escolha pela música.

Homenageio também minha querida esposa,


Pollyana, figura de suma importância em minha
vida, que me ofereceu necessário e vital suporte
para que este trabalho fosse concluído.
AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus, por ter permitido despertar em mim o interesse pela
música e, segundo a minha fé, ter confiado a mim o dom de me expressar (e sobretudo louvá-
lo) através do meu instrumento.
Agradeço aos meus amados e saudosos pais por nunca haverem feito objeção a carreira
musical por mim escolhida, mesmo sem grandes perspectivas de retorno e realização material
sempre se preocuparam em primeiro lugar com a minha felicidade.
Não poderia deixar de agradecer profundamente minha amada esposa, por toda
compreensão, apoio, carinho e incentivo durante todo o tempo de maturação deste trabalho e
não só. Sua parceria e auxílio tem sido primordiais para que o desejo de fazer música permaneça
vivo em mim.
Consigno também minha gratidão ao Professor e amigo Rogério Zerlotti Wolf, por toda
paciência nestes anos e por desde o primeiro contato sempre ter me mostrado o caminho a ser
percorrido com humildade e galhardia.
Por fim, meus sinceros agradecimentos ao corpo docente e a coordenação da Escola
Superior de Música da Faculdade Integral Cantareira, em especial ao Prof. MSc. Guilherme
Marques por aceitar a tarefa de me orientar neste trabalho, mesmo em condições não usuais, e
ter contribuído com valiosos e acertados ensinamentos; e a Prof. MSc. Aída Machado,
coordenadora do curso, sempre disponível e disposta em auxiliar em todas as minhas demandas.
Tempora mutantur nos et mutamur in illis.
Os tempos mudam e nós mudamos com eles.
RESUMO

A música, assim como as demais artes, é uma linguagem em constante transformação.


Ao longo das eras, mudanças sociais; tecnológicas; econômicas e políticas fizeram com que a
forma que a música é produzida (no mais amplo espectro – composta, executada e vendida),
consumida e apreciada se modificasse. Os instrumentos musicais, veículos de comunicação
desta linguagem, não ficaram imunes a estas mudanças.
Este trabalho teve como objetivo verificar se existe alguma relação entre o
desenvolvimento do instrumento flauta transversal, sua popularidade e o tamanho (e
importância) do repertório solo para ele composto ao longo dos anos. A metodologia adotada
foi a pesquisa histórica, executada através da consulta à literatura sobre a flauta transversal
resultando em um relato narrativo descritivo da história da flauta através do tempo.

Palavras-chave: Flauta transversal, História da Música, História do Instrumento, Theobald


Boehm
ABSTRACT

Music, like the other arts, is a language in constant transformation. Throughout the
ages, social changes; technological development; economic and political transformations have
made the way that music is produced (in the broadest spectrum - composed, executed and
sold), consumed and appreciated have been changed. The musical instruments, comunication'
vehicles of this language, were not immune to these changes.
This work aimed to verify if there is any relationship between the development of the
transverse flute, its popularity and the size (and importance) of the solo repertoire for him
composed over the years. The methodology adopted was the historical research, carried out
through consultation with the literature on the transverse flute resulting in a descriptive
narrative of the history of the flute through time.

Keywords: Transverse Flute, Music History, History of the Instrument, Theobald Boehm
LISTA DE FIGURAS

Figura 1. Representação da flauta modelo Boehm com indicação das três partes. ............................. 13
TOFF, Nancy. The Flute Book: A Complete Guide for Students and Performers. Nova Iorque: Oxford
University Press, 2012.
Figura 2. Mecanismo da rolha do bocal. ............................................................................................... 14
TOFF, Nancy. The Flute Book: A Complete Guide for Students and Performers. Nova Iorque: Oxford
University Press, 2012.
Figura 3. Partes do bocal antes de serem unidas.................................................................................. 14
Disponível em:
<http://4.bp.blogspot.com/2xtkqfdkiqk/UBmDaHHzM5I/AAAAAAAAAj0/YXFdiLpb43Q/s1600/005.5.j
pg>. Acesso em: 04 jan. 2019.
Figura 4. Flauta transversal apresentada por Mersenne em seu Harmonie Universelle, 1637. 21
GALWAY, James. Flute. Londres: Kahn & Averill, 1990.
Figura 5. Cópia feita por Andreas Glatt de uma flauta de G. A. Rottenburgh de Bruxelas de cerca de
1760....................................................................................................................................................... 26
Disponível em: <http://www.oldflutes.com/im/glatt.jpg>. Acesso em: 04 mai. 2019.
Figura 6. Flauta de 8 chaves feita por Rudall & Rose, Londres, 1827. .................................................. 36
TOFF, Nancy. The Flute Book: A Complete Guide for Students and Performers. Nova Iorque: Oxford
University Press, 2012.
Figura 7. Sistema Boehm de 1831. ........................................................................................................ 45
TOFF, Nancy. The Flute Book: A Complete Guide for Students and Performers. Nova Iorque: Oxford
University Press, 2012.
Figura 8. Representação do Sistema Boehm de 1832........................................................................... 47
TOFF, Nancy. The Flute Book: A Complete Guide for Students and Performers. Nova Iorque: Oxford
University Press, 2012.
Figura 9. Alavanca B-Bb Boehm. ........................................................................................................... 50
TOFF, Nancy. The Flute Book: A Complete Guide for Students and Performers. Nova Iorque: Oxford
University Press, 2012.
Figura 10. Alavanca B-Bb Briccialdi. ...................................................................................................... 50
TOFF, Nancy. The Flute Book: A Complete Guide for Students and Performers. Nova Iorque: Oxford
University Press, 2012.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................................................... 10
A FLAUTA MODERNA .................................................................................................................... 12
AS ORIGENS DA FLAUTA .............................................................................................................. 16
As primeiras transversais ocidentais ............................................................................................. 20
Flauta doce vs flauta transversal ................................................................................................... 22
O TRAVERSO BARROCO ............................................................................................................... 24
CLASSICISMO: A FLAUTA DE MOZART ................................................................................... 31
ROMANTISMO E AS INOVAÇÕES DE BOEHM ........................................................................ 39
Boehm e sua revolução.................................................................................................................... 42
MODERNIDADE PÓS BOEHM ....................................................................................................... 58
CONCLUSÃO ..................................................................................................................................... 67
REFERÊNCIAS .................................................................................................................................. 69
BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................................. 70
10

INTRODUÇÃO

Instrumento, do latim Instrumentum: ferramenta, utensílio. De acordo com o dicionário,


a definição da palavra instrumento é: “Aparelho que serve para executar uma obra ou fazer uma
operação; ferramenta, utensílio, máquina [...] Todo objeto que serve para auxiliar ou levar a
efeito uma ação qualquer.”1. Logo, o instrumento musical, seja ele de sopro, cordas, percussão,
‘clássico’, ‘popular’, étnico ou folclórico, é o utensílio, a ferramenta do fazer musical. É por
meio do instrumento que o interprete leva a fim a realização daquilo que foi idealizado na mente
do compositor. O célebre Dicionário Musical Groove conceitua em seu verbete instrumento
musical como:
Veículo para explorar e expressar ideias e sentimentos musicais através do som.
Praticamente qualquer coisa que é usada para fazer sons pode ser empregada na
música, então o conceito de um instrumento musical abrange uma gama muito ampla
de coisas, incluindo, para propósitos deste dicionário, o corpo humano.
Convencionalmente, o termo refere-se a implementos especialmente projetados para
produzir sons, mas essa definição é inadequada porque objetos naturais inalterados,
bem como utensílios destinados a outras tarefas (hoje incluindo dispositivos de
comunicação eletrônica) foram usados musicalmente desde os tempos pré-históricos.
(Libin, 2019)2.

Não são raros os exemplos, ao longo da história, da utilização de instrumentos novos


e/ou inéditos, ou até mesmo inusitados, para possibilitar a emissão de um timbre ou de um efeito
sonoro existente – até aquele momento – apenas na imaginação daquele que compõe. Sem nos
alongarmos em demasia podemos citar como ilustrações dessas ocorrências o surgimento da
Tuba Wagneriana, idealizada por Richard Wagner para representar o motivo do Valhalla, salão
dos guerreiros mortos em combate, na ópera O Ouro do Reno, do ciclo O Anel do Nibelungo
ou a utilização do violinofone por Heitor Villa-Lobos para dar vida ao mítico canto do Uirapuru,
em seu poema sinfônico homônimo.
Resta-nos claro, portanto, que música e instrumento musical estabelecem uma relação
intrínseca de objetivo e meio, relação essa na maior parte do tempo indissociável, sendo a
música o objetivo e o instrumento o meio de alcançá-lo. O compositor quando opta por escrever
para o instrumento ‘x’ em detrimento de escrever para ‘y’, busca um resultado que só poderá
ser entregue em sua plenitude por ‘x’. Ainda que outros instrumentos possam executar a mesma

1
Instrumento. In: DICIO, Dicionário Online de Português. Porto: 7Graus, 2018. Disponível em:
https://www.dicio.com.br/instrumento/. Acesso em: 14/02/2019.
2
Libin, L. (2019). Grove Music Dictionary. Disponível em Oxford Music Online:
http://www.oxfordmusiconline.com/grovemusic/abstract/10.1093/gmo/9781561592630.001.0001/omo-
9781561592630-e-3000000097. Acesso em 15 de fevereiro de 2019.
11

música, o resultado não será o mesmo. Deste fenômeno resulta a valorização da orquestração,
do arranjo e da instrumentação, três nominativos para uma mesma habilidade: escolher, dentro
de uma ampla gama de possibilidades, quais combinações de instrumentos melhor expressam
determinada ideia musical.
Mesmo que a relação indissociável ocorra no sentido de que o objetivo é mais
importante do que o meio, isto é, o instrumento está a serviço da música, existem claros reflexos
no sentido inverso: ao escrever para determinado instrumento, o compositor deve levar em
consideração certas características particulares daquela ‘ferramenta de fazer música’.
É neste contexto que a flautista e historiadora Nancy Toff em seu best-seller The Flute
Book afirma que:
A história da música para a flauta e a história do próprio instrumento estão
intimamente relacionadas. Para o flautista moderno, portanto, a familiaridade com a
história do instrumento ajuda a entender como suas características físicas determinam
o conteúdo técnico e as características estilísticas da música. A partir de 1700
particularmente, o desenvolvimento estrutural e mecânico da flauta correlaciona-se de
perto com o desenvolvimento na composição musical e na prática da performance.
Não é preciso dizer que esta correlação não é mera coincidência. (TOFF, 2012, cap.
4, p. 1).3

Assim, o repertório composto para flauta, por exemplo, apresenta material


composicional com características inerentes às possibilidades de execução deste instrumento.
Estas características mudam durante o curso do tempo, em razão da alternância de correntes
estéticas, do desenvolvimento do instrumento e de sua construção e ainda do aprimoramento
dos instrumentistas.
Nos capítulos a seguir veremos no que se constitui a flauta transversal moderna, qual o
trajeto percorrido para que o instrumento atingisse o nível de desenvolvimento experimentado
atualmente, quem são os principais atores responsáveis por este desenvolvimento e como a
música escrita para flauta se transformou ao longo dos séculos.

3
A edição consultada como referência para este trabalho não utiliza paginação contínua, por esta razão as
citações a esta obra indicarão número de capítulo e página.
12

A FLAUTA MODERNA

O substantivo flauta presta-se a denominar uma ampla e variada gama de instrumentos


musicais de diversos formatos, tamanhos e materiais. A semelhança compartilhada por todos
eles é a maneira como o som é produzido: são instrumentos aerófonos, de sopro, de embocadura
livre, ou seja, seu som é emitido através do ar soprado diretamente no instrumento sem nenhum
tipo de bocal ou palheta e o som é produzido por meio da vibração do ar dentro do tubo do
instrumento. Desta infinidade de instrumentos, a chamada flauta transversa, transversal ou
ainda flauta transversal soprano, é aquela que se tornou mais difundida em todo o mundo, e será
objeto deste trabalho.
James Galway, flautista mundialmente aclamado, descreve o instrumento em seu livro
Flute, da seguinte maneira:
Essencialmente, a flauta é um tubo oco soprado, sem palheta, de tal forma que o ar
contido dentro dela vibra. Tudo o que deve ser dito nas páginas seguintes, todos os
refinamentos introduzidos no instrumento moderno, não alteram essa verdade
fundamental. Um tubo oco no qual o ar vibra é o que você e eu tocamos hoje. Mas,
através dos séculos e dos continentes, a flauta surgiu de formas muito diversas. Por
trás dessa variedade está o fato de que há mais de uma maneira de soprar a flauta para
produzir vibrações. O que todos as diversas maneiras têm em comum é que o fluxo
de ar é quebrado em uma borda afiada. [...] Nas flautas transversais, sobre as quais
estarei escrevendo principalmente, a característica essencial é um furo no lado do tubo
perto de uma das extremidades. O músico direciona a corrente de ar através do buraco,
a fim de fazê-la rebater na borda afiada do lado oposto e fazê-la vibrar. (GALWAY,
1990, p. 3-4).

Mas, se desejarmos ir além da descrição conceitual, podemos nos deparar com os


seguintes questionamentos: como é uma flauta? Quem a inventou? Apresentamos então
respostas encontradas na literatura que ajudam a mitigar esses questionamentos através de uma
descrição concreta do que é uma flauta.
Toff (2012) descreve a flauta moderna como um tubo cilíndrico, dividido em três partes
(cabeça, corpo e pé), com 66,80 cm de extensão (70,50cm para a flauta com o pé em Si) e 19
mm de diâmetro. O pé, a menor das três partes, tem habitualmente 3 ou 4 chaves e todas elas
são acionadas pelo dedo mínimo da mão direita. O pé mais comumente encontrado é
denominado pé em dó, com 3 chaves, que faz com que a nota mais grave a ser emitida pelo
instrumento seja equivalente em altura ao dó central do piano (dó3). Nos dias atuais o pé em si
(4 chaves, extensão partindo do si2) é bastante difundido, especialmente quando se trata de
instrumentos de nível dito profissional. Embora sejam extremamente raras, existem flautas com
pé em si bemol e ainda com pé em lá, isto é, com sua extensão alcançando até o si bemol2 ou
ainda o lá2 respectivamente.
13

Figura 1. Representação da flauta modelo Boehm com indicação das três partes.

O corpo, a parte do meio do instrumento, normalmente contém 13 furos/chaves e todas


são controladas (através do sistema de mecanismo criado por Theobald Boehm) por oito dedos:
todos os cinco dedos da mão esquerda mais indicador, médio e anelar da mão direita. O polegar
direito é utilizado apenas para equilibrar e apoiar a flauta. O posicionamento dos furos ao longo
do tubo é determinado através de cálculos acústicos. Teoricamente os furos devem ser tão
grandes quanto possível para melhorar as propriedades acústicas do instrumento; em algumas
flautas (principalmente nos primeiros exemplares a utilizarem o sistema Boehm) os furos têm
tamanhos diferentes, em outras (absolutamente após os estudos desenvolvidos por Albert
Cooper) os furos apresentam tamanhos exatamente iguais.
A função dos furos no tubo, sinteticamente, é possibilitar que um único tubo possa ter
tamanhos diversos, dependendo de quais furos são abertos e quais são fechados naquele
determinado momento. A esse respeito Galway diz:
Temos então um tubo oco capaz de produzir uma única nota. Imediatamente após esta
constatação vem outra descoberta: quanto mais curto o cano, mais alta [mais aguda]
a nota. [...] O avanço essencial era ter um tubo que produzisse várias notas cortando
buracos para os dedos, e que pudessem ser tampados quando não fossem necessários.
(GALWAY, 1990, p. 4).

Já a cabeça, algumas vezes também chamada de bocal, é constituída por um tubo que
muitas vezes apresenta um certo grau de conicidade e contém em uma de suas extremidades
uma coroa; uma tampa de metal (também decorativa) que serve para proteger o mecanismo de
afinação da cabeça. O mecanismo é formado por um parafuso, que permite ajustar o
cumprimento total do tubo do instrumento, assim permitindo que o músico faça pequenos
ajustes na afinação interna da flauta, e uma rolha (normalmente de cortiça) responsável por
vedar o tubo. Um pouco a diante se encontra o furo da embocadura, que em flautas de metal é
coberto por uma chapa curvada que recebe o nome de porta-lábios. A distância entre o centro
do furo da embocadura e o final da cortiça deve ser de 17,3 mm. O parafuso da coroa permite
que essa distância seja ajustada usando como guia uma marcação feita pelos fabricantes na
vareta de limpeza do instrumento.
14

Figura 2. Mecanismo da rolha do bocal.

A extremidade inferior da cabeça se conecta ao corpo através de um sistema de espiga-


soquete, onde o tubo da cabeça possuí a espiga (ou cavilha) que é inserida dentro do corpo
(soquete). A junção do corpo com o pé também se vale deste sistema, porém desta vez o corpo
usa-se da espiga enquanto o pé vale-se do soquete. Esta junção da cabeça ao corpo também
serve como recurso para regular a afinação do instrumento: quanto mais fechada a cabeça é
para dentro do corpo menor o cumprimento total do instrumento e mais alta a afinação,
diametralmente se abrimos o tubo, puxando a cabeça para fora do corpo, teremos um tubo mais
cumprido e uma afinação consequentemente mais baixa.
A parte mais importante da cabeça da flauta é o furo da embocadura que em flautas
feitas de metal é sobreposto por uma placa, curvada na direção do músico, chamada porta-
lábios. Entre o porta-lábios e o furo há uma outra peça denominada chaminé cuja função é, além
de fazer a junção entre o porta-lábios e o tubo, direcionar o ar soprado para dentro do
instrumento.

Figura 3. Partes do bocal antes de serem unidas.


15

O formato do furo pode variar bastante, indo desde uma forma oval alongada até a um
retângulo com cantos arredondados. De maneira geral, um formato oval produz maior resposta
no registro agudo enquanto o retângulo arredondado aumenta consideravelmente os graves.
Similarmente, um furo grande melhora o registro grave, enquanto um furo menor ajuda os
registros médio e agudo. Flautas profissionais comumente utilizam furos mais retangulares e
flautas voltadas a iniciantes furos arredondados. Já o porta-lábios é disponível em diferentes e
variadas possibilidades: mais ou menos plano, mais ou menos curvado (paralelo a curvatura do
tubo) e com saliências (chamadas de wing = asa) em ambos os lados. Essas saliências ajudariam
a direcionar de forma mais eficiente a coluna de ar para dentro do instrumento.
O som é produzido quando o flautista direciona a coluna de ar através do furo da
embocadura, então a coluna de ar é divida pela parede da chaminé sendo uma parte do ar
soprado levado para dentro do instrumento enquanto outra parte é desperdiçada. A velocidade,
o ângulo e o volume da corrente de ar vão determinar a qualidade do som, como também
influíram diretamente na afinação.
As flautas modernas são construídas tanto com metal quanto com madeira, sendo os
modelos feitos em metal aqueles de maior predominância. Os metais utilizados vão desde ligas
de cobre, zinco e níquel até metais nobres como prata, ouro e platina, em variados níveis de
pureza e muitas vezes também combinados (ligas de prata com ouro, prata com platina ou ainda
combinações dos três materiais). O material com o qual o instrumento é construindo influencia
determinantemente no timbre dos sons emitidos por aquele instrumento.
16

AS ORIGENS DA FLAUTA

Johann Joachim Quantz foi um flautista virtuoso, compositor proeminente e um dos


primeiros estudiosos da flauta a ter seu nome registrado na história. Publicou em 1752 um
extenso tratado sobre como tocar flauta e não só, mas também abordou inúmeros tópicos sobre
a prática musical da época, os diversos estilos e como se tornar um bom músico. Sobre a origem
das flautas transversais ele diz:
Não vou perder tempo aqui com contos fabulosos e incertos sobre a origem das flautas
tocadas transversalmente. Uma vez que não temos absolutamente nenhuma
informação sobre o assunto, é irrelevante que o rei frígio Midas ou outra pessoa as
tenha inventado. Da mesma forma, não posso determinar se a invenção foi sugerida
pela primeira vez por um vento que atingiu um ramo oco de um sabugueiro, quebrado
no topo, no qual a podridão fez uma pequena abertura no lado, ou se foi devido a
alguma outra circunstância. (QUANTZ, 2001, cap. 1, p. 1).4

Até algum tempo atrás as origens da flauta (seja ela de qual tipo for) eram objeto de
especulações, não podendo ser possível precisar onde ou como o instrumento surgiu. James
Galway indica, porém, que apesar de ser impossível precisar onde ocorreu o florescimento do
nosso instrumento, existem fortes indícios que isso se deu em mais de um lugar:
O que pode ser dito sem medo de errar é que cada cultura, cada país, cada parte do
mundo produziu flautas de um tipo ou outro, e geralmente de vários. Cave no
passado onde quer que seja e lá você encontrará alguém com uma flauta.
(GALWAY, 1990, p. 1).

Esta ausência de evidências foi, ao menos em partes, dirimida anos depois. Pesquisas
arqueológicas realizadas em diversos lugares do mundo lograram êxito em localizar exemplares
primitivos de flautas. O célebre musicólogo Paul Griffiths abre seu A Concise History of
Western Music com estes termos:
Alguém, sentado em uma caverna, faz furos em um osso cuja medula foi drenada,
levanta-o em direção a boca e sopra - em uma flauta. [...] Quase certamente começou
em Geissenklösterle, no sudoeste da Alemanha, e em Divje Babe, na Eslovênia - dois
lugares onde fragmentos de ossos ocos com furos inexplicáveis foram encontrados,
datados de 45.000 a 40.000 anos atrás, perto de quando nossa espécie chegou. Tão
logo estávamos aqui, provavelmente estávamos fazendo música. [...] Milhares de
gerações mais tarde (17.000-11.000 anos atrás), outras flautas de osso quebradas
representavam a música dos Magdalenianos, povo conhecido por suas pinturas em
cavernas no sul da França e da Espanha, cujos contemporâneos na costa leste do
Mediterrâneo estavam produzindo bullroarers (objetos girados em cordas) e
chocalhos. Flautas inteiras feitas de ossos de asas de Grou5 sobreviveram no vilarejo
neolítico de Jiahu, no centro da China, datadas de 9.000-8.000 anos atrás - uma em
condição boa o suficiente para ser tocada, e sugerir que seu criador soubesse colocar
os furos nos lugares corretos para produzir uma escala de seis notas cobrindo uma

4
A edição consultada como referência para este trabalho não utiliza paginação contínua, por esta razão as
citações a esta obra indicarão número de capítulo e página.
5
Nome popular das aves da família Gruidae. São pássaros grandes de pernas e pescoços alongados.
17

oitava, além disso, não podemos saber que música uma vez saiu dessas flautas.
(GRIFFITHS, 2006, p. 1-2).

A grande jornada desde estes exemplares de flautas primitivas feitos de ossos até os
ancestrais da flauta transversal durou dezenas de milênios. Neste lapso temporal, ao redor de
todo mundo, surgiram diversos tipos de flautas. Muitos destes tipos, embora sejam de certa
forma restritos a determinados grupos étnicos ou espaços geográficos, sobrevivem até os dias
atuais. Neste sentido diz Ardal Powell:
O instrumento que chamamos simplesmente de "flauta" pertence a uma família
grande, diversa e amplamente distribuída, que inclui qualquer objeto oco que possa
produzir som quando o músico sopra ar através de um buraco em sua superfície, ou
sobre uma borda interna, como em apitos e flautas doces. Músicos de todo o mundo
usam muitos tipos de flauta: flautas de vaso como a ocarina, flautas de duto como a
flauta doce e tipos de sopro na extremidade como a kena da América do Sul, bem
como as transversais como os bansuri do norte da Índia ou os di-zi da China. Apesar
desta variedade em escala global, a Europa e o Novo Mundo viram um único tipo
dominar na era moderna: um longo tubo segurado de lado, tendo um buraco (a
embocadura) perto de uma das extremidades para o músico produzir o som, bem como
um número de furos cobertos ou não pelos dedos ao longo do tubo para controlar o
tom. (POWELL, 2002, p. 1).

Não é preciso muito esforço para se dar conta do quanto o mundo e a civilização humana
modificaram-se e desenvolveram-se em todo este espaço de tempo. A própria flauta passou do
osso ao ouro, de uma origem completamente rudimentar ao mais alto refinamento. Neste
percurso, desde as primitivas flautas de Jiahu até o estabelecimento da flauta transversal como
o tipo de flauta predominante na música ocidental, atravessamos pré-história, idade antiga e
idade média. Neste interim civilizações do oriente médio e da Ásia perderam hegemonia e
dominância, dando lugar a civilização ocidental, nascida sob influência Grega e Romana.
O tipo de flauta predominante nestas civilizações precedentes ao mundo ocidental
(bizantinos, árabes e orientais) era aquele de tubo, tocado verticalmente, soprado em uma das
extremidades. Isto refletiu no inicio da música ocidental sendo o instrumento que nos dias atuais
chamamos de flauta doce o tipo de flauta mais popular à época. Talvez isto tenha se dado pela
simplicidade e aparente facilidade de execução do instrumento. Neste sentido pontua J. Galway:
Algo um pouco mais claro vem de outras partes do antigo Oriente Próximo, da
Suméria e do Egito, mas a maioria das informações é pictórica 6 e, portanto, não é tão
exata quanto se poderia desejar. Essas civilizações possuíam um tubo de cana, com
cerca de um metro de comprimento, sem buracos no começo, mas depois com três ou
quatro buracos; flautas enterradas em túmulos egípcios demonstram uma variedade
de três furos. O instrumento parece ter começado como uma ferramenta de pastoreio
e ter sido cooptado depois para o cerimonial religioso.
Os gregos parecem ter sido os primeiros a usar seis buracos para os dedos, de modo
que seus instrumentos pudessem tocar todas as notas do modo ou escala em que
estavam afinados. (GALWAY, 1990, p. 5).

6
Adjetivo; relativo a pintura, que se presta a ser representado visualmente.
18

Galway ainda acrescenta que a flauta era para pastores, aldeões e os incultos em geral,
as castas mais baixas da sociedade. O aulos, ancestral do oboé, era o instrumento que tinha
prestígio, e assim foi até a Idade Média, quando as flautas surgiram no norte da Europa. No
primeiro milênio da era cristã, a Europa estava atrasada em relação ao Império Bizantino e o
Oriente. A primeira flauta a rumar em direção ao Oeste foi o pipe7 simples, tocado com o tambor
que chegou à Europa na primeira metade do século XII. O pipe, uma flauta soprada na
extremidade da frente, tinha três orifícios para os dedos - dois na frente, e um na parte de trás
para o polegar - e era tocado com uma mão. A outra mão batia o ritmo no tambor. Quase que
ao mesmo tempo, duas outras variedades de flauta ganhavam epaço. O leste da Europa exportou
a flauta transversal para a Alemanha, onde se estabeleceu no século XII; no século XV, na
forma do pífaro tocado junto com um tambor, foi amplamente tocado tanto para fins militares
quanto para diversão. Enquanto isso, instrumentos do tipo flageolet estavam se movendo do sul
para o norte. Estas eram flautas de fenda, como a flauta doce, que no século XIV passou a ser
usada genericamente como uma melhoria em instrumentos semelhantes do passado.
Este tipo de flauta foi predominante na Europa por mais de 500 anos. Galway aponta
que duas de suas características podem ter contado para este longevo período de glória da
flauta doce:
Primeiro, numa era de música amadora, este era o instrumento ideal. Não tem
mecanismos para complicar as coisas; o executante não precisa aprender alguma
embocadura especial, ele simplesmente coloca o bocal entre os lábios e sopra. Em
segundo lugar, houve um apelo pela pureza calma de seu tom, que não variava
qualquer fosse o clima da música e não podia ser grandemente influenciado por
qualquer coisa que o executante fizesse. A simplicidade do som, aparentemente sem
harmônicos, parecia não ter nada a ver com o conhecimento, o mecanismo ou mesmo
à habilidade do músico. Há motivos para dizer que, enquanto a flauta é o mais natural
dos instrumentos, a flauta doce é a mais natural das flautas. (GALWAY, 1990, p. 11).

Embora saibamos como se deu a transição da flauta doce para a flauta transversal,
precisar como esta última foi introduzida no mundo ocidental seria trabalho demasiadamente
árduo e extenso. Ardal Powell utiliza-se de um considerável número de laudas na narrativa para
apontar como registros e vestígios da presença de flautas transversais surgiram na Europa.
Ainda que não haja nada muito concreto além de citações em poemas, pinturas, algumas
menções em correspondências e documentos, A. Powell (2002, p. 11) afirma: “Costuma-se
supor que algum tipo de flauta indiana se tornou conhecida em Bizâncio por volta do século X,
e foi então transmitida para a Europa”. Não deve ser coincidência que indianos (Krishna),

7
Não encontramos uma nomenclatura apropriada em português para este instrumento. A tradução literal do
termo Pipe é cano ou cachimbo.
19

egípcios (Osíris) e gregos – logo, Bizantinos (Pan, ou Athenas) atribuem a invenção da flauta a
seres mitológicos/deuses. Ainda de acordo com Powell (2002), durante esse período (séc. XII
até séc. XVII) flautas transversais foram surgindo nos lugares hoje chamados de Espanha,
França, Inglaterra e Itália, mas sobretudo, na Alemanha, provavelmente o único lugar onde as
transversais eram conhecidas antes do séc. IV.
Em seu trabalho, Powell (2002) diz que a julgar pela escassez de referências na literatura
e em pinturas no início do séc. XV, a flauta transversal aparenta ter caído em desuso por
aproximadamente 50 anos. Embora existam algumas menções a flautas em documentos
contemporâneos como relatos de celebrações e banquetes ou até mesmo uma encomenda a um
fabricante de instrumentos, a imprecisão na terminologia não permite precisar a que tipo de
flauta estes registros se referem, se a transversa ou algum tipo de flauta doce. Uma mudança
memorável, porém, viria a ocorrer colocando a flauta transversal em proeminência em toda
Europa durante as últimas décadas daquele século.
Em 1476, soldados suíços obtiveram vitórias esmagadoras nas batalhas de Grandson e
Morat contra o exército do Duque da Borgonha Carlos, o Temerário. Estas vitórias tiveram
grande importância na história da Europa e também na história do nosso instrumento. Após
estes combates os soldados suíços alcançaram uma aura de imbatíveis e sua fama se espalhou
por todo o continente. Essa reputação fez com que mercenários suíços fossem contratados por
diversos reinos, só Luis XI da França por exemplo, contava em 1481 com 6 mil desses
mercenários e é neste período que acontece a criação da famosa Guarda Suíça Papal. Mas o que
toda essa história de guerra tem a ver com flauta? Powell explica:
Testemunhas relataram que as tropas suíças marcharam precisamente no tempo, quase
como um corpo de balé mortal, ao ritmo de um pífaro e um tambor no centro de cada
formação. A notícia dessas novas técnicas de condução de guerras a pé correu o
continente no final do século XV. [...] Após mais vinte anos, mais de dois terços das
infantarias do continente adotaram a lança com ponta de aço e os aspectos da técnica
suíça, juntamente com os sinais de flauta e tambor que integram o seu uso. Primeiro
alemães e franceses, então forças espanholas e italianas copiaram as táticas suíças.
(POWELL, 2002, p. 27).

Após estes episódios e a disseminação da tática suíça (e de soldados suíços atuando


como mercenários em várias nações) o uso de flautas e tambores tornou-se parte permanente
da cultura de infantaria europeia. De acordo com Luca Verzulli (1999) a flauta já era um
instrumento popular comum nos cantões suíços no séc. XVI, como ainda é nos dias atuais.
Ainda segundo Verzulli, a flauta militar da renascença era bastante simples no que diz respeito
a forma e construção: um tubo cilíndrico com um furo por onde o músico soprava e seis furos
20

para os dedos. Não está claro para ele, porém, se este mesmo instrumento era usado pelos civis
ou se havia alguma outra variação.
Sobre a disseminação da técnica suíça de combate, Powell (2002, p. 27) afirma:
“Evidentemente, como os instrumentos e o estilo de tocar suíços não eram bem conhecidos em
outros lugares, outros exércitos nacionais que estavam aprendendo as novas técnicas
empregaram, num primeiro momento, os músicos suíços”. Com o passar do tempo essas
técnicas e práticas foram absorvidas a ponto de não ser mais necessário importar os soldados
helvéticos e a flauta foi tomando espaço nas práticas musicais locais, indo além do uso militar.

As primeiras transversais ocidentais

N. Toff descreve as primeiras flautas transversais do ocidente nos seguintes


termos:
A flauta transversal da idade média era construída de um único pedaço de madeira; de
forma cilíndrica e tinha pouco menos de 60 cm de comprimento, soava uma escala
primária de Ré maior. Era conhecido como pífaro e era usada, juntamente com um
pequeno tambor, para acompanhar as marchas de infantaria. (TOFF, 2012, cap. 4, p.
1).

Já o clérigo francês Thoinot Arbeau em seu Orchésographie, tratado sobre danças


renascentistas descreve o instrumento assim: “O que chamamos de pífaro é uma pequena flauta
transversal com seis furos, usada pelos alemães e suíços, e, como o calibre é muito estreito,
apenas da espessura de uma bala de pistola, tem uma nota estridente [i.e. afinação ou tom]”.
(ARBEAU, 1589 apud POWELL, 2002, p. 31).
Ainda que durante a renascença a música instrumental tenha alcançado uma identidade
distinta do seu papel anterior de acompanhamento ou ‘dobra’ de linhas vocais, a construção de
instrumentos continuou a seguir o modelo vocal. Assim, cada tipo de instrumento era feito em
uma variedade de tamanhos correspondentes aos vários tipos de voz: soprano, alto, tenor e
baixo. Nestes tempos as composições instrumentais eram escritas para consortes, isto é um
grupo formado por instrumentos do mesmo tipo, porém de variados tamanhos
(consequentemente afinações e tessituras diversas), como se fossem um coral instrumental.
Segundo Toff (2012), Martin Agricola em seu tratado Musica Instrumentalis Deudsch, de 1529,
apresentava um consorte formado por quatro flautas, denominadas Discantus, Altus, Tenor e
Bassus. Ainda de acordo com ela, o tratado Syntagma Musicum de Michael Praetorius,
publicado entre 1614 e 1620, foi o primeiro trabalho a reconhecer a família das flautas
transversais com valores musicais distintos da função militar do pífaro. As três flautas
21

demonstradas por Praetorius tinham extensão de duas oitavas e flautistas mais habilidosos
conseguiam emitir mais 4 notas adicionais, como de falset. O fato de ambos, Praetorius e
Agricola, serem alemães não deve ser interpretado como coincidência uma vez que a flauta
transversa se estabeleceu em primeiro lugar na Alemanha, após ter sido disseminada através
dos soldados suíços. Quantz afirma:
No entanto, é indubitável que em terras ocidentais os alemães foram os primeiros a
reviver, se não estabelecer, os princípios básicos da flauta transversal, bem como de
muitos outros instrumentos de sopro. Assim, os ingleses chamam o instrumento de
German flute [flauta alemã], e os franceses o designam de la flûte allemande.
(QUANTZ, 2001, cap. 1, p. 1).

Marin Mersenne publicou em 1637 um livro chamado Harmonie Universelle. Neste


trabalho Mersenne descreveu e representou em gravuras aquela que, segundo ele, era uma das
melhores flautas do mundo. Galway a descreve:
O instrumento tinha 59,56 centímetros de comprimento. O buraco da embocadura
ficava a de 8,13 centímetros da cabeça da flauta, 1,80 centímetros após o final da
rolha. Os orifícios dos dedos variavam em tamanho de 0,67 a 1,12 centímetros. Como
a flauta era afinada em D, as notas em outras tonalidades eram feitas com dedilhado
cruzado ou cobrindo os orifícios apenas parcialmente. Para estar dentro do alcance de
todos os tamanhos de mão, os buracos E e A tinham que ser cortados acima da sua
posição verdadeira, de modo que, para corrigir o som, eles foram feitos menores que
os outros buracos. Nesta flauta um bom músico poderia alcançar duas oitavas e meia
de escalas mais ou menos completamente cromáticas, mas essa faixa dependia do
gerenciamento da embocadura. [...] Claramente não era um instrumento a ser confiado
aos desajeitados, pouco habilidosos ou àqueles cuja entonação era menos que exata.
(GALWAY, 1990, p. 20).

Toff (2012, cap. 4, p. 2) acrescenta que Mersenne apresenta além desta aludida flauta
em D, uma outra em G e chama ambas de Flûtes d’Allemand. Ambas possuem 6 furos para os
dedos espaçados de maneira equidistantes em um tubo cilíndrico. Embora estas flautas não
tivessem chaves, Mersenne como se enxergasse o futuro, explica que a flauta poderia executar
escalas perfeitamente cromáticas com precisão através da adição de chaves. Ele até apresenta
um esboço de como tais chaves deveriam parecer. Todavia, somente após mais de 50 anos o
instrumento recebeu a primeira chave.

Figura 4. Flauta transversal apresentada por Mersenne em seu Harmonie Universelle, 1637.
22

Flauta doce vs flauta transversal

A transição da flauta doce para a flauta transversal foi gradual e muito tem a ver com o
tipo de música feito na época. Os dois tipos de flauta até se equivalerem por algum tempo
durante a passagem da renascença para o período barroco, com a predominância gradualmente
deixando a flauta doce e passando para a transversal ao longo dos anos. Sobre esta transição
Galway (1990, p. 14) diz: “O que fez a flauta doce finalmente sair de cena foi o
desenvolvimento da orquestra clássica no século XVIII. Para a orquestra, ao contrário dos
pequenos conjuntos, a flauta doce não estava bem equipada, talvez porque sua evolução tivesse
chegado ao fim”. O instrumento permanece o mesmo de meados de 1550 até os dias de hoje.
Ainda segundo Galway (p. 17) apenas alguns anos após a morte de Telemann, o compositor,
organista e poeta alemão C. F. D. Schubart escreveu o epitáfio da flauta doce: "Este instrumento
quase caiu em desuso devido ao seu som pequeno e sua extensão limitada". Seu
desaparecimento durou até o século XX, quando o fabricante de instrumentos inglês Arnold
Dolmetsch iniciou um movimento de redescoberta da música antiga. Enquanto isso, a flauta
transversal tinha mais do que tomado o lugar da flauta doce.
As orquestras de J.S. Bach, seja em Weimar, Köthen ou Leipzig, tinham a disposição
ambas flautas, doce e transversal, por isso ele sempre tomou o cuidado de indicar claramente
em suas partituras para qual tipo de flauta estava escrevendo. Os nominativos flauto e flûte-á-
bec queriam dizer flauta doce soprano; já a flauta transversal era denominada como flauto
traverso, flûte traversière ou ainda Traversflöte ou Querflöte. Segundo Galway (1990, p. 15):
“As flautas transversais são indicadas em suas partituras somente após sua visita a Dresden em
1730. A presunção é de que, na casa de ópera de lá, pela primeira vez ele ouviu a flauta ser
tocada de maneira que impressionasse”. Bach nunca escreveu para a flauta transversal e para
flauta doce juntas, provavelmente porque ambas eram tocadas pelos mesmos músicos. Assim
como Bach, Handel também escreveu para os dois tipos de flauta e especificava qual das duas
era a escolhida utilizando o termo German para designar a flauta transversal. Telemann foi o
último compositor a escrever extensivamente para a flauta doce. Galway diz:
Quase dois séculos antes da morte de Telemann, em 1599, para ser exato, uma palavra
profética foi dita sobre a flauta. Naquele ano, Thomas Morley publicou a primeira
música especificamente escrita para "consortes quebrados", isto é, grupos de
instrumentos diferentes, em vez de grupos do mesmo instrumento, em tamanhos
diferentes. A flauta, declarou este discriminador cavalheiro, combinava melhor com
cordas do que a flauta doce, ele escreveu então suas “Consort Lessons” em seis partes
para duas violas, três alaúdes de diferentes afinações e, de preferência, uma flauta.
Mas o domínio da flauta doce ainda era suficientemente forte para Morley permitir
que ela fosse um candidato alternativo para a sexta parte. (GALWAY, 1990, p. 18).
23

Para Toff (2012), embora ambas flautas coexistissem e a prática de compor para
instrumentações abertas, isto é, com múltiplas possibilidades e sem que o compositor indicasse
claramente qual instrumento deveria executar aquela música, fosse comum até 1741, a flauta
transversal barroca superou a flauta doce devido a virtude de suas características acústicas.
Neste sentido, ela pontua que a extensão da flauta transversal excedia a da flauta doce em ao
menos meia oitava, além disso a flauta transversal tinha maior facilidade no registro agudo, o
que lhe conferia maior agilidade. Além disso, a coluna de ar na flauta doce era embutida e,
portanto, inflexível enquanto a coluna de ar na flauta transversal é moldada através dos lábios
do flautista, extremamente flexíveis, fornecendo assim grande controle sobre a quantidade e a
direção do ar que entram no instrumento permitindo desta maneira sutis nuances nas cores do
som (timbres) além de domínio sobre a afinação e a dinâmica. Toff diz:
A transição da flauta doce para a flauta levou quase um século. A flauta transversal,
não surpreendentemente, em vista de sua invenção francesa, ocorreu primeiro na
França; a Alemanha foi a próxima, na virada do século XVIII. A flauta tornou-se
popular na Inglaterra somente após a ascensão de George I em 1714. De fato, a flauta
barroca deve sua frequente denominação "Flauta Alemã" à sua importação para a
Inglaterra nesta época pela Casa de Hanover. A flauta apareceu na Itália ainda mais
tarde, por volta de 1715, e levou mais de uma década para realmente ‘pegar’. (TOFF,
2012, cap. 14, p. 2).

O que é complementado por Galway:


No entanto, a flauta transversal era muito mais difícil de tocar. O flautista deve fazer
com seus lábios todas aquelas coisas que o bocal de uma flauta doce (bisel, janela,
duto) fazem automaticamente para quem a toca. Aquele que toca flauta doce pode ser
um músico superlativo, sua afinação absolutamente precisa, seu fraseado formulado
com elegância e eloquência, mas ele não pode aumentar as capacidades de expressão
do seu instrumento. Em contraste, a flauta tem uma gama de cores atraentes e
interessantes, dinâmicas poderosas e uma gama de tessitura que se estende desde um
sinistro som oco na parte inferior até um som feroz e cortante no topo. Enquanto a
flauta doce é monocromática, a flauta transversal é capaz de grande expressividade,
mas - e aí surge o ponto crítico - sua expressividade depende inteiramente da
habilidade do flautista. Com a ajuda de um ou dois flautistas habilidosos, os recursos
mais amplos e maior capacidade de expressividade finalmente fizeram a flauta ganhar
aceitação como instrumento orquestral e solo.
(GALWAY, 1990, p. 18-19).

A França ditava as modas culturais para o resto da Europa nos séculos XVII e XVIII,
então o fato de que a música de sopro em geral, e – cada vez mais – em particular a música para
flauta, era apreciada na corte francesa teve consequências importantes para músicos em toda
parte.
24

O TRAVERSO BARROCO

De acordo com Toff (2012, cap. 14, p. 2), no período barroco, a expressividade do novo
estilo monódico, com seus contrastes em dinâmica e ampliação da tessitura melódica, exigia
instrumentos cada vez mais flexíveis. A flauta doce tornou-se cada vez menos adequada, e a
flauta transversal, com seu som mais brilhante e alcance até a terceira oitava, acabou sendo
implantada. Segundo ela:
As primeiras flautas transversais barrocas, como suas antecessoras da Renascença,
tinham seis furos, espaçados no tubo da flauta em dois grupos com três furos cada.
Dentro de cada grupo, o furo mais baixo e, em alguns casos, o segundo, eram menores
que os demais para ajudar a compensar o espaçamento menor [do que deveria ser]
entre os furos. Esses buracos foram dispostos para corresponder à configuração das
mãos humanas, e não às especificações acústicas. Como resultado, a primeira e a
segunda oitava tendiam a ter afinação baixa. E o espaçamento excessivo entre o
terceiro e o quarto buracos tornou o F# especialmente difícil de produzir e, em alguns
casos, quase um semitom abaixo da altura correta. Era necessário, portanto, que os
flautistas recorressem ao desajeitado dedilhado de forquilha, isto é, dedilhar F com o
primeiro e o terceiro dedos da mão direita. (TOFF, 2012, cap. 14, p. 2).

A respeito dos furos na flauta barroca primitiva, Galway pontua:


Teoricamente, a perfuração de novos furos deveria aumentar a extensão do
instrumento, mas existem boas razões para não multiplicar desnecessariamente o
número de furos. O tamanho médio das mãos era uma limitação, o desejo de manter
o tom existente outro, a falta de vontade de ter que repensar todo o sistema de
dedilhado um terceiro. Apesar dessas limitações, em meados de 1660 a flauta ganhou
um novo orifício, localizado a meio caminho entre o orifício mais baixo e a
extremidade aberta do tubo. Sua finalidade era tocar o D# (e, claro, seus harmônicos),
anteriormente obtidos apenas por dedilhado cruzado, e nunca realmente claro e com
“voz cheia”. [...] O furo do D# era operado através de uma chave manipulada pelo
dedo mindinho da mão direita, era mantido aberto e fechado novamente por uma mola
acionada quando a chave fosse liberada. (GALWAY, 1990, p. 20-21).

A tarefa de redesenhar a flauta transversal barroca na virada dos séculos XVII para
XVIII é atribuída a família Hotteterre, em especial a Jacques-Martin, o mais proeminente
membro desta família de músicos, compositores e construtores Franceses. Por volta de 1700 as
flautas passaram a serem construídas com tubos em formato cônico, divididas em três partes
(cabeça, corpo e pé) e os furos para os dedos eram menores que aqueles descritos meio século
atrás por Mersenne. Galway (1990) afirma que os furos eram posicionados no tubo, como nas
flautas doce, de maneira que se adequassem e correspondessem as dimensões dos dedos de uma
mão considerada de tamanho médio. O uso de furos grandes permitia ao flautista corrigir sua
afinação dentro de limites bastante amplos, mas a qualidade das notas alteradas (bemóis e
sustenidos) feitas por dedilhado cruzado era muito duvidosa. Após a invenção da chave de D#,
os construtores começaram a reduzir o tamanho dos orifícios dos dedos, de modo que a afinação
fosse mais clara e precisa, mas eles ainda tinham um longo caminho a percorrer. Toff (2012)
25

aponta que a passagem do tubo cilíndrico para o cônico se deu com o objetivo de eliminar a
estridência habitual ao som dos instrumentos anteriores. Esta conicidade resultava também em
afinações predominantemente baixas, o que permitiu que os orifícios fossem colocados mais
próximos um dos outros, o que fez com que a digitação se tornasse mais natural e ergonômica.
Em termos acústicos, o tubo cônico evitava que as primeiras parciais da série harmônica fossem
reforçadas, resultando num som leve, tido até nos dias atuais como típico da tradição Francesa
de madeiras. O tubo cônico somado aos orifícios de menor diâmetro resultava num som mais
brilhante, contudo a tendência a desafinação para baixo ficava ainda mais evidente. Galway
aponta um outro fator que contribuía para a desafinação do instrumento, o material que era
utilizado para construí-lo:
Mas, apesar dos esforços dos construtores, a afinação da flauta permanecia incerta.
Um fator era o material da qual ela era feita. Nesta época, o material mais popular era
o buxo8, de aparência bonita e que produz um som suave e doce. O buxo, no entanto,
absorve prontamente a condensação, o que faz com que a madeira inche e põe a
afinação totalmente fora de ordem. Um material alternativo era o marfim, mas seu
toque e textura eram desagradáveis aos lábios dos músicos. (GALWAY, 1990, p. 21).

Ao longo do séc. XVIII algumas outras inovações foram experimentadas. Embora a


flauta com apenas uma chave tenha se tornado o padrão e permaneça até os tempos atuais como
sinônimo de flauta barroca, surgiram naquele período flautas com duas, três e até quatro chaves.
Houve também tentativas de estender a tessitura do instrumento no grave até o dó3. Todas essas
inovações, contudo, não vingaram devido aos crônicos problemas de afinação inerentes aos
instrumentos da época. A bem da verdade, grande parte destes problemas não ocorria apenas
por deficiência do instrumento, mas também por falta de habilidade dos músicos daquele tempo.
O fato de que não existia uma padronização de afinação (como atualmente utilizamos o lá3
afinado em 440hz) naqueles dias certamente contribuía para que a fama – a certo ponto
merecida – de desafinada da flauta crescesse. Cada cidade tocava em uma determinada
afinação, assim um instrumento que parecia estar afinado em um determinado lugar poderia
soar completamente fora de afinação poucos quilômetros distantes dali. Para tentar resolver este
inconveniente sem que os músicos devessem possuir vários instrumentos, cada um construído
em uma afinação – lá = 415hz; lá = 430hz; lá = 439hz, p. ex. – os construtores passaram a adotar
uma solução batizada em língua francesa como Corps de rechange que em tradução literal quer
dizer corpos de substituição. A porção mediana do instrumento (corpo) passou a ser dividida
em duas peças, uma concentrava os três furos da mão esquerda e a outra os furos da mão direita,

8
Buxus é um género botânico pertencente à família Buxaceae. É conhecida por buxo ou buxeiro. Produz
madeira de cor amarelada.
26

daí em diante cada flauta vinha com várias peças para a mão esquerda em tamanhos (e afinações
portanto) variados. Se o instrumentista precisasse tocar em uma afinação mais baixa era só
substituir a porção do corpo da mão esquerda por uma mais comprida, se a necessidade fosse
subir a afinação bastava recorrer a um corpo mais curto.

Figura 5. Cópia feita por Andreas Glatt de uma flauta de G. A. Rottenburgh de Bruxelas de cerca de 1760. Os vários corpos
centrais tocam em afinações lá=398, 404, 410, 415, 422, 430, e 435.

Esta solução, contudo, não resolveu completamente o problema uma vez que o
comprimento do tubo era aumentado de forma desproporcional gerando desequilíbrio entra as
oitavas e entre as notas da mão esquerda e as da direita. Toda vez que um corpo de tamanho
diferente era utilizado a posição da rolha de vedação do bocal deveria ser ajustada. Coube a
Quantz a solução definitiva: foi ele quem teve a ideia de configurar o sistema de espiga e
soquete de junção do bocal com o corpo da flauta de maneira onde o bocal pudesse ficar mais
para dentro (tubo menor – afinação mais alta) ou mais para fora (tubo maior – afinação mais
baixa) do corpo, eliminando assim a necessidade de vários corpos. Coube também a ele a
solução de montar a rolha de vedação do bocal em um sistema com parafuso, que facilitava o
ajuste da sua posição. Sobre este período Toff diz:
Apesar de sua pobre afinação, a flauta gozou de grande popularidade no século XVIII.
Uma sucessão de livros de instruções impressos, começando com o de Hotteterre em
1707, promoveu a popularidade do instrumento entre os amadores. Compositores
abasteceram esse mercado crescente com música cada vez mais difícil, de modo que
os defeitos do instrumento se tornaram progressivamente mais óbvios e incômodos.
Compositores e intérpretes ficaram desencantados. Alessandro Scarlatti teria dito:
"Não posso suportar os instrumentistas de sopro; todos eles sopram fora de afinação."
(TOFF, 2012, cap. 14, p. 5).

Sobre todas as transformações por quais a flauta passou no início do séc. XVIII, período
chamado de época de ouro da flauta barroca, Powell afirma:
Se compararmos uma flauta de 1700 com uma de cem anos antes, todos os seus
mecanismos essenciais de produção de som mudaram. O formato cilíndrico do
instrumento anterior tornou-se mais largo em uma extremidade do que na outra; o
novo instrumento é construído em várias seções, em vez de em uma única peça; sua
embocadura e seus furos sofreram alterações em suas formas e tamanhos, e são feitos
em tubos com paredes de maior espessura; e o novo instrumento tem uma chave para
o quinto dedo da mão direita, controlando um sétimo furo adicionado aos seis da flauta
do século XVI. Essas alterações no design das flautas ocorreram ao mesmo tempo em
que se alterou sua função primaria, juntamente com a dos outros instrumentos de sopro
de madeira, gradualmente mudaram de desempenhar um papel em um conjunto de
27

iguais para executar a nova música solo mais individualista. As mudanças afetaram
não apenas a construção de instrumentos, mas também as habilidades dos músicos
que os tocavam. (POWELL, 2002, p. 68).

Seguramente o indivíduo de maior prestígio à época foi Johann Joachin Quantz, além
de flautista virtuoso e compositor prolifico, Quantz desempenhou um papel importantíssimo
como pesquisador e pedagogo. Ele nos deixou cerca de 300 concertos, além de suítes, sonatas
e outras obras de música de câmara e seu célebre tratado de 1752, sobre como tocar flauta e ser
um bom músico figura até hoje como uma das melhores fontes de informação sobre o
instrumento e as práticas musicais daquele tempo. Neste sentido Galway afirma:
Musicalmente, Quantz estabeleceu um padrão de afinação precisa que nenhum de seus
contemporâneos conseguiu igualar. Estruturalmente, ele acrescentou outra chave à
flauta, inventou um diapasão para lidar com os problemas do tom e trouxe uma nova
precisão ao tamanho dos orifícios da boca e dos dedos. [...] Parece que Quantz
começou a fazer flautas pela simples razão de que as boas eram difíceis de encontrar.
[...] Sempre impecavelmente afinado, ele não fez melhorias no instrumento, o que
garantiria que menos flautistas conseguiriam também estarem perfeitamente afinados.
Aparentemente, ele considerava a habilidade do músico em compensar as deficiências
de seu instrumento como um fato da vida, um componente integral da arte de tocar,
que não deveria ser remediado por meios técnicos. [...] O essencial, ele acrescenta, é
um senso de afinação altamente desenvolvido, e para ganhar isso um flautista deve
aprender a fazer, ou pelo menos afinar, uma flauta por conta própria. (GALWAY,
1990, p. 25-29).

As flautas desta época tocavam uma extensão de duas oitavas, do ré3 até o ré5. Esta
escala podia ser em alguns casos, a depender primordialmente das habilidades do flautista e em
menor importância da qualidade da construção do instrumento, ser estendida até o lá5. O
instrumento tocava naturalmente uma escala diatônica de ré. Utilizando-se de dedilhados em
forquilha ou dedilhado cruzado era possível tocar uma escala mais ou menos cromática de ré3
até lá5, algumas notas como síb3, sol#3, sol#4, fá3 e fá4, porém, tinham notáveis problemas
com a afinação. As notas após o mi5 eram difíceis de emitir, sendo que o fá5 chegou até mesmo
a ser omitido em algumas tabelas de digitação elaboradas naqueles tempos, porque sua
execução era considerada impossível de ser feita. Embora o fá# estivesse longe da perfeição, as
tonalidades mais propícias as flautas eram Sol Maior e Ré Maior. Tonalidades com mais de 3
bemóis ou sustenidos eram consideradas difíceis e inadequadas para o instrumento.
Conforme discorremos anteriormente, apesar dos problemas sistémicos com a afinação
e a emissão de determinadas notas, e a incapacidade de tocar músicas escritas em todas as
tonalidades, a flauta gozava de grande popularidade dentre o povo. Este fato impelia os
compositores a escreverem, ainda que em alguns casos a contra gosto, mais e mais obras para
flauta. Apresentamos então uma lista com o repertório mais importante composto no período
barroco:
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Compositor Obras
Albinoni, Tomaso Giovanni (1671-1751) Concerto
Sonata op. 4, no. 6
Bach, Carl Philip Emanuel (1714-1788) Concerto Wq. 13
Concerto Wq. 22
Concertos Wq. 166-169
Sonatas Wq. 83-87
Sonatas Wq. 123-129
Sonatas Wq. 130-134
Bach, Johan Sebastian (1685-1750) Concerto BWV 1044
Concerto BWV 1056
Concerto Brandemburgues no. 2 BWV 1047
Concerto Brandemburgues no. 4 BWV 1049
Concerto Brandemburgues no. 5 BWV 1050
Oferenda Musical BWV 1079
Partita BWV 997
Partita BWV 1013
Sonata BWV 1020
Sonatas BWV 1030-32
Sonatas BWV 1033-35
Suíte BWV 1067
Blavet , Michel (1700-1768) Concerto
Duetos
Sonatas op. 2
Sonatas op. 3
Boismortier, Joseph Bodin de (1689-1755) Concertos op. 15
Concertos op. 28
Concertos op. 38
Sonatas op. 9
Sonatas op. 19
Sonatas op. 91
Corelli, Arcangelo (1653-1713) Sonatas op. 5
Couperin, François (1668-1733) Concerts Royaux
29

Nouveaux Concerts
Frederico II “O Grande” (1712-1786) Concertos no. 1-4
25 Sonatas
Galuppi, Baldassare (1706-1785) Concertos
Trio Sonata
Handel, George Frideric (1685-1759) Concerto Grosso op. 3 no. 3
Sonatas op. 1
Sonatas Fitzwilliam
Sonatas Halle
Trio Sonatas
Hotteterre, Jacques (1674-1763) L’art de prélude op. 7
Sonatas op. 3
Suítes op. 2
Suíte op. 4 no. 1
Suítes op. 5
La Barre, Michel de (1675-1744) Pièces op. 4
Sonatas op. 1
Leclair, Jeanmarie (1697-1764) Concerto op. 7 no. 3
Sonatas op. 1
Sonatas op. 2
Sonatas op. 9
Locatelli, Pietro Antonio (1695-1764) 12 Sonatas op. 2
Sonatas op. 4
Loeillet, Jean Baptiste “De Londres” Sonatas op. 1
(1680-1730) Sonatas op. 2
Sonatas op. 3
Sonatas op. 4
Loeillet, Jean Baptiste “De Gant” (1688- Sonatas op. 1
1720) Sonatas op. 2
Sonatas op. 3
Sonatas op. 4
Sonatas op. 5
Marais, Marin (1656-1728) Les Folies d’Espagne
30

Suítes em Trio
Marcello, Alessandro (1684-1750) La Cetra, 6 Concertos Grossos
Marcello, Benedetto (1686-1739) 12 Sonatas op. 2
Pergolesi, Giovanni Battista (1710-1736) Concerto no. 1 P. 33
Concerto no. 2 P. 34
Quantz, Johann Joachim (1697-1773) Caprichos
Concertos
Duetos
Quartetos
Solos
Sonatas
Trio Sonatas
Rameau, Jean Philippe (1683-1764) Pièces de clavecin in concerts
Scarlatti, Alessandro (1660-1725) 12 Sinfonias de Concerto Grosso
Sonatas
Suites
Tartini, Giuseppe (1692-1770) Concertos
6 Sonatas
Sonata em Lá maior
Telemann, Georg Philipp (1681-1767) Concertos
12 Fantasias
Quartetos
Sonatas
Sonatas Canônicas op. 5
Sonatas Metódicas
Suites
Trio Sonatas
Vivaldi, Antonio (1678-1741) Concertos
Concertos op. 10
Concertos de Câmara
Sonatas “Il Pastor Fido” op. 13
31

CLASSICISMO: A FLAUTA DE MOZART

Em uma carta endereçada a seu pai Leopold, datada de 14 de fevereiro de 1778, W. A.


Mozart relata sua insatisfação e descontentamento em precisar escrever para um instrumento
cujo qual ele não suportava. O instrumento em questão? A Flauta. Estas poucas linhas inseridas
ao meio de outros assuntos na missiva que Mozart enviara a seu pai foram mais do que
suficientes para estabelecer no imaginário coletivo que Wolfgang simplesmente não gostava
das flautas. Uma análise mais aprofundada do panorama da produção musical no classicismo,
do desenvolvimento da flauta naquele período e das mutações em relação a corrente estética
anterior (barroco) pode fornecer elementos suficientemente fortes para acreditarmos que a
resistência de Mozart não era exatamente com a flauta, mas sim com alguns dos flautistas e as
circunstâncias nas quais suas peças para flauta foram concebidas.
Durante a sua estadia em Mannheim, Mozart rapidamente tornou-se amigo dos solistas
da Orquestra da Corte, entre eles o célebre flautista Johann Baptist Wendling. Tido na mais alta
estima por seus contemporâneos, Wendling recebia o dobro do salário de seus colegas. Suas
atuações impressionaram até mesmo Frederico, o Grande da Prússia - ele mesmo um hábil
flautista, aluno de Quantz. Wendling apresentou Mozart ao rico flautista amador Ferdinand De
Jean, cirurgião da Companhia Holandesa das Índias Orientais. Em sua interminável busca por
autonomia financeira, Mozart frequentemente adaptava suas composições para se adequar a um
ambiente social ou musical particular. Além disso, seu rígido pai insistia que ele deveria aceitar
todas as comissões, não importando quão triviais ou mal pagas fossem. Quando De Jean
comissionou Mozart para escrever três concertos fáceis para flauta e quatro quartetos com
flauta, ele hesitantemente aceitou. Embora a aparente antipatia de Mozart pela flauta seja, na
melhor das hipóteses, circunstancial, sua intensa aversão por De Jean está bem documentada.
Pesou contra o médico-flautista o fato dele ter pago apenas metade do valor combinado pelo
trabalho, e a sua inabilidade com a flauta. Mozart nunca completou a encomenda, limitando-se
a escrever os quartetos e um concerto (K.313), e a adaptar um segundo (K.314) que já havia
sido escrito alguns meses antes para oboé em vez da flauta. Desta comissão feita por De Jean
também resultou o Andante (K.315) que é objeto de três teorias: seria um segundo movimento
alternativo ao Concerto no.1 (K.313), já que o adágio original teria sido considerado muito
difícil por De Jean; outra possibilidade é de que este seria na verdade o segundo movimento do
terceiro concerto encomendado, nunca levado a fim; ou ainda, o Andante teria sido composto
para Wendling, como agradecimento por ele ter intermediado a comissão de De Jean.
32

Durante este período, a flauta passava por constantes mudanças. Nem o som ou a
afinação do instrumento foram considerados particularmente adequados para o repertório solo
virtuoso. Não até que Mozart ouvisse as performances de Wendling, ele logo entendeu as
possibilidades da flauta e seu potencial inerente. Da mesma forma, ou ainda mais, Mozart ficou
impressionado com as virtuosidades do oboísta de Mannheim, Friedrich Ramm. O oboé sofrera
recentemente uma série de mudanças, como a flauta também vinha sofrendo. Essas melhorias
permitiram que os músicos estendessem o alcance do instrumento e, o mais importante, permitia
que eles tocassem o registro superior com maior clareza e intensidade robusta. Impressionado
pelo domínio técnico e arte expressiva do oboísta, Mozart rapidamente começou a trabalhar em
uma composição que destacava as habilidades excepcionais de Ramm, o Concerto K.314 que
viria depois a ser adaptado para flauta para atender a comissão de De Jean.
Sobre este período Toff afirma:
Os meados do século XVIII foi um período de transição para a flauta e para a música
como um todo. Foi uma época de grandes mudanças sociais, pois as cidades
substituíram as cortes e os lugares como centros de atividade musical. O compositor
profissional começou a depender de um público maior, através da participação em
concertos e da venda de partituras, para subsistência financeira. A ascensão da
orquestra sinfônica e do pianoforte inverteu os papéis proporcionais da flauta na
orquestra e na música de câmara. (TOFF, 2012, cap. 15, p. 1).

No que se refere a estética musical, o classicismo se distanciou do barroco em vários


aspectos. Diversos musicólogos apontam uma simplificação (ou até mesmo uma
primitivização) intencional da composição musical. Ao simplificar o conteúdo musical, os
compositores clássicos visavam aumentar e tornar mais acessível o imediatismo da expressão
emocional. O outro fator básico que diferencia a era clássica do barroco é o conceito difundido
de contraste. A construção de motivo único do barroco deu lugar a utilização de dois temas, uso
este consolidado na forma sonata. As longas linhas melódicas barrocas, derivadas desse motivo
principal central, deram lugar a frases curtas (normalmente, mas não exclusivamente, com
quatro compassos de duração), frequentemente repetidas. A dinâmica tornou-se ainda mais
diferenciada, e a articulação fornecia ainda outro tipo de contraste. A textura homofônica gera
contraste entre os agudos e os graves, que não haviam sido ouvidos nessa polaridade desde o
início do barroco, tendo sido obscurecidos nesse ínterim pela polifonia das vozes interiores. No
entanto, o princípio clássico do contraste foi incorporado principalmente através da forma
sonata, com sua dualidade temática; a diferenciação de exposição, desenvolvimento e
recapitulação; e a clara separação criada pela barra dupla e pelo ritornello. Todas essas
mudanças estilísticas resultaram num som mais leve e transparente (gêneros utilizando-se de
33

melodia e acompanhamento nunca estiveram tão em alta) que evidenciava exponencialmente


os problemas de afinação das flautas transversais.
No que se refere ao instrumento flauta, a era clássica engloba a evolução completa da
flauta do chamado sistema antigo (o traverso barroco). As três chaves acrescentadas em 1760
se estabeleceram nos últimos anos do século XVIII; logo depois mais duas foram adicionadas;
e em 1786 outras duas, até que a flauta tomou a forma de oito chaves que se tornou o padrão
do início do século XIX. Essas melhorias fizeram da flauta um instrumento totalmente
cromático, o que permitiu vários avanços musicais importantes: a figuração cromática em
passagens rápidas, a expansão do alcance na terceira oitava e o uso de tonalidades mais
distantes. Esses avanços equiparam o instrumento para seu novo e ampliado papel na orquestra
clássica. Estas novas chaves foram gradativamente adicionadas com o intuito de eliminar o uso
dos dedilhados cruzados já que a flauta sustentava a duvidosa honraria de possuir o pior e mais
complicado sistema de dedilhados entre os instrumentos das madeiras na época, porém a
aceitação num primeiro momento não foi positiva. Os velhos e conhecidos problemas de
afinação permaneciam lá. Segundo FITZGIBBON (1928), o compositor Luigi Cherubini teria
dito que: “A única coisa pior que uma flauta são duas”. Esta afirmação é atribuída por muitos
autores a Mozart.
A ideia de uma flauta com chaves ganhou forma em 1751, quando uma invenção
aparentemente francesa se materializou: a flauta baixo. Ainda pensando no antigo conceito de
Consortes a flauta baixo era afinada em Sol (soava uma quinta abaixo da flauta padrão – como
as flautas alto dos dias atuais) e, devido ao comprimento extra do tubo necessário para essa
afinação mais grave o uso de chaves fez-se obrigatório, uma vez que os furos ficaram em locais
e distâncias inalcançáveis para a maioria das mãos. Já na virada da década de 1750 para 60, três
construtores londrinos (Pietro Florio, Caleb Gedney e Richard Potter) começaram a adicionar
três novas chaves ao traverso para a emissão das notas G#, Bb e F♮ duas dessas novas chaves
eram controladas por dedos que até então não exerciam nenhuma função. Segundo TOFF:
A tecla G#, uma chave fechada situada longitudinalmente ao longo do lado da flauta,
controlava o orifício G# perfurado abaixo do orifício A no lado mais distante da
extremidade inferior do corpo médio-superior e era controlado pelo dedo mindinho
da mão esquerda. A chave Bb, também situada longitudinalmente no tubo, governava
um orifício perfurado no lado próximo do tubo abaixo do orifício B e era tocado pelo
polegar esquerdo. Não havia nenhum dedo livre para tocar a tecla F adicionada, então
o terceiro dedo da mão direita, que já cobria o buraco E, também operava uma chave
cruzada fechada para F natural, cujo orifício era perfurado na parte de trás do tubo
entre os furos E e F [...] As novas chaves tornaram a produção do fá5 totalmente
confiável; mais importante, a única nota cromática remanescente com dedilhado
cruzado na escala diatónica de D era dó natural, mas sua qualidade era aceitável.
Assim, as novas chaves deram aos compositores uma liberdade sem precedentes de
34

tonalidade e, portanto, maiores oportunidades de modulação harmônica, um avanço


evidente, por exemplo, nas obras de Haydn e Mozart. (TOFF, 2012 cap. 4 p. 10).

O que Galway complementa:


Em torno de 1770 a atenção voltou-se para a possibilidade de uma flauta padrão
[soprano] construída para fornecer uma escala cromática completa sem o
constrangimento do dedilhado cruzado, uma técnica que fazia muitas notas soarem
incertas. Furos foram abertos entre E e F# para dar um F♮; entre G e A para dar um
G#/Ab; e entre A e B para dar um A#/Bb. Com todas essas novas notas vieram novas
chaves. A única nota da escala que ainda exigia digitação cruzada era C. Chaves e
suas alavancas resolveram algumas coisas, mas também criaram novos problemas. A
cobertura dos buracos tinha que ser hermética ou a entonação se comprometia, e a
vedação das chaves continuou confundindo os fabricantes de flautas até a década de
1840. [...] Outra dificuldade era a montagem das chaves e alavancas no corpo da
flauta. A montaria tendia a se soltar e perder sua capacidade de resposta imediata aos
dedos. Flautistas de primeira linha podem muito bem ter decidido suportar os males
inerentes a flauta não reformada do que arriscar os perigos da nova tecnologia.
(GALWAY, 1992, p. 31).

A aceitação destas novas chaves contudo foi lenta e gradual. Alguns flautistas se
sentiram insultados; eles consideraram que a sugestão da necessidade de chaves refletia sobre
a capacidade técnica deles próprios. Lew Granom escreveu, em 1766, que a única razão para
adicionar mais chaves era uma tentativa de chamar mais a atenção do público para o
instrumento. Além disso, ele disse, elas não melhorariam a afinação:
Tocar afinado não depende tanto da flauta como depende do flautista; um Performer,
que tenha um bom ouvido, tocará afinado mesmo em um instrumento de pouca
qualidade, tão logo tenha percebido os seus defeitos; o que não é difícil de conceber,
uma vez que cada nota na flauta pode ser tocada tanto alta quanto baixa segundo à
vontade do artista. (GRANOM, 1766, p.10, apud TOFF, 2012, cap. 4, p. 11).

Conforme Galway afirma (1992, p. 31), os flautistas estavam céticos quanto à


confiabilidade mecânica das novas chaves. De fato, as molas frequentemente perdiam ação
tornando-se lentas e o fechamento dos furos ficava longe de ser hermético como necessário.
Por fim, os músicos se opuseram à mudança de dedilhado. Como resultado, eles usavam as
novas chaves apenas para trinados, grupetos ou outros ornamentos desajeitados, em vez de
melhorar a qualidade das notas produzidas por dedilhado cruzado, o propósito principal para o
qual as chaves foram projetadas. Por volta de 1790, no entanto, a flauta de quatro chaves tornou-
se o instrumento de escolha. Em 1774, apesar das objeções às três novas chaves, Florio, Gedney
e Potter reviveram a ideia do início do século XVIII do pé descente até o dó. Eles alongaram a
flauta em duas polegadas, e os dois novos orifícios perfurados no pé da flauta foram controlados
por chaves abertas operadas pelo quarto dedo da mão direita. E novamente a primeira reação
foi negativa. Escreveu W. N. James em 1846 (p. 3-4 apud TOFF, 2012, cap. 4 p. 11): “Essas
notas são excrescências e são enxertadas de maneira mais artificial no tubo da flauta natural”.
Em todo caso, essas chaves, assim como as suas antecessoras, pegaram.
35

A ampliação da tessitura e a facilidade técnica proporcionada pelas flautas de quatro e


seis chaves teve um efeito profundo na composição musical, o que pode ser visto, por exemplo,
em uma comparação das obras de Haydn e Mozart. A flauta começa a aparecer regularmente
nas sinfonias de Haydn somente depois de 1780. A tessitura utilizada era conservadora no
início, mas expandiu-se para abranger de ré3 a sol5. As obras de Haydn prenunciavam o papel
futuro da flauta como membro integrante da orquestra, como aparece nas últimas sinfonias de
Mozart. O desenvolvimento ao longo do século XVIII culminou no estabelecimento da flauta
de oito chaves, mais tarde referida como alemã, comum, sistema antigo, sistema simples ou
flauta Sistema Meyer. Em 1786, Johann George Tromlitz introduziu a chave fá natural
duplicada. Nos modelos de quatro e seis teclas, era extremamente difícil mover o terceiro dedo
para o lado direito do furo E para a chave cruzada F, assim, era quase impossível passar de F
para D ou D# sem involuntariamente soar uma nota de passagem E entre eles. A solução de
Tromlitz foi fazer outro orifício F no lado mais distante do instrumento, coberto por uma chave
fechada operada pelo quarto dedo da mão esquerda. Por causa de sua forma, a nova chave
tornou-se conhecida como fá longo.
A respeito de Tromlitz e suas contribuições Galway diz:
Tromlitz, que viveu por volta de 1730 a 1805, foi um flautista e construtor de flautas
de Leipzig que também era conhecido como solista, embora ele nunca parecesse ter
ocupado nenhum cargo orquestral importante. [...] Tromlitz começou a racionalizar a
posição das chaves e de suas alavancas, que se amontoavam no instrumento de
maneira desordenada. Havia trabalho demais para a capacidade normal dos dedos. Às
vezes, o mesmo dedo tinha que tapar um furo e pressionar uma chave ao mesmo
tempo. [...] Tromlitz projetou chaves que poderiam ser usadas por qualquer um dos
dois dedos em situações em que um deles fosse necessário em outro lugar. [...] Ele
deixou a flauta com oito chaves e os tradicionais seis orifícios para os dedos, com um
sistema de dedilhado mais direto, capaz de tocar em qualquer tonalidade [...] Falhas
de afinação ainda estavam embutidas e tinham que ser corrigidas pela habilidade do
flautista. [...] Depois de Tromlitz outros inventores refinaram seus refinamentos e
melhoraram suas melhorias, e continuaram fazendo ajustes até que Theobald Boehm
encontrou uma solução matemática para o problema na década de 1830. (GALWAY,
1990, p. 31-32).

Embora a flauta de oito chaves seja geralmente considerada o instrumento padrão do


final do século XVIII e do século XIX, a flauta estava, na verdade, longe de ser padronizada. A
flauta de uma só chave prosperou no século XIX, lado a lado com os modelos de quatro, seis e
oito chaves. Vários tratados da época tratam o modelo com uma única chave como norma,
acrescentando informações suplementares para chaves adicionais. Um dos motivos para a
sobrevivência da flauta de chave única foi o seu baixo custo. No outro extremo, a flauta não se
limitou a oito chaves. O século XIX, período de intensa invenção mecânica em muitos campos,
testemunhou grandes elaborações sobre a flauta do sistema simples. Alguns instrumentos
tinham até dezessete chaves e alcance no grave que se estendia até o sol2. O final do período
36

clássico indicava o fim da complacência dos músicos de sopro sobre seus instrumentos.
Orquestras maiores exigiram maior volume e projeção. Os compositores estavam mais
conscientes das possibilidades de cores de tons contrastantes. E assim, embora os instrumentos
de sopro fossem demandados com menos frequência, suas passagens tornaram-se mais expostas
e ganharam um caráter mais solístico do que meros reforços da textura das cordas. Além disso,
os compositores tornaram-se mais destemidos no uso de armaduras de claves, lançando mão de
múltiplos sustenidos e bemóis. Os defeitos do dedilhado cruzado nos instrumentos de sopro de
madeira tornaram-se cada vez mais óbvios e assim os fabricantes de flautas adicionaram mais
furos e projetaram os mecanismos necessários para controlá-los.

Figura 6. Flauta de 8 chaves feita por Rudall & Rose, Londres, 1827.

No que diz respeito ao repertório, durante o período clássico o gênero Concerto tornou-
se uma febre. Com as mudanças ocorridas na sociedade e no mercado musical, até mesmo
amadores aventuravam-se a encomendar Concertos aos compositores. Os gêneros de câmara
contudo (duos, trios, sonatas) começaram a minguar.
37

Abel, Carl Friedrich (1723-1787) Concertos op. 6


Quartetos op. 12
Sonatas op. 2
Sonatas op. 5
Sonatas op. 6
Trios op. 16
Trio Sonatas op. 3
Beethoven, Ludwig Van (1770-1827) Serenade op. 25
Trio WoO. 37
Berbeguir, Benoit Tranquille (1782-1838) Duetos op. 28
Duetos op. 32
Duetos op. 59
Duos Concertantes op. 4
Duos Concertantes op. 11
Duos Concertantes op. 22
Duos Concertantes op. 46
Trios op. 40, 51 e 110
Bocherini, Luigi (1743-1805) Concerto op. 27
Divertimentos, Quartetos e Quintetos para
flauta e cordas op. 5, 15, 16, 17, 19, 21, 45 e
55.
Cimarosa, Domenico (1749-1798) Concerto para duas flautas
Quartetos
Clementi, Muzio (1752-1832) Sonatas op. 2, 3, 4, 13, 21, 22, 29 e 32.
Danzi, Franz (1763-1826) Concerto no. 1 op. 30
Concerto no. 2 op. 31
Concerto no. 3 op. 42
Concerto no. 4 op. 43
Quartetos op. 56
Sonatina op. 34
Devienne, François (1759-1803) Concertos no. 1-12
Duos
Sonatas
38

Trios
Gluck, Cristoph W. Von (1714-1787) Concerto
Haydn, Joseph (1732-1809) Concertos no. 1-2
Divertimentos
Quartetos
Trios
Hoffmeister, Franz Anton (1754-1812) Concertos no. 4, 6, 13, 18, 19, 23 e 34.
Duetos
Quartetos
Trios
Krommer, Franz (1759-1831) Concertos op. 30, 44 e 86.
Quartetos
Quintetos
Mercadante, Saverio (1795-1870) 10 Árias variadas
Caprichos
Concertos
Quartetos
Mozart, Wolfgang A. (1756-1791) Andante K. 315
Concerto no. 1 K. 313
Concerto no. 2 K. 314
Concerto para Flauta e Harpa K.299
Quartetos K. 285, 285a, 285b e 298.
Sonatas K. 10-15
Pleyel, Ignace Joseph (1757-1831) Concerto op. 60
Duos
Quartetos
Stamitz, Carl (1745-1801) Concerto no. 3 em Ré
Concerto op. 29
Quartetos
39

ROMANTISMO E AS INOVAÇÕES DE BOEHM

O século XIX testemunhou um ponto baixo na história da música para flauta, ainda que
o sistema Boehm, uma inovação tecnológica que revolucionaria a história deste instrumento –
e de mais alguns outros, tenha surgido durante esse período. Levou um bom tempo até que a
nova flauta fosse completamente aceita, e as dificuldades dos músicos em adotar o novo sistema
de digitação e a competição entre os fabricantes de instrumentos tiveram um efeito negativo a
curto prazo na literatura da flauta. Além disso, os desenvolvimentos gerais na música daquele
período não eram propícios ao crescimento da literatura de flauta solo, mesmo que o movimento
romântico tenha adotado a flauta e o flautim como membros valiosos da orquestra sinfônica.
Basicamente, a flauta daqueles tempos não tinha a capacidade de produzir a potência e a
variedade de sons que eram os veículos da expressão musical romântica. Como membro de uma
grande orquestra, no entanto, a flauta era componente de uma textura sonora variada. Segundo
Toff:
No século XIX, a flauta continuou basicamente o curso que havia começado no
período clássico: seu papel na orquestra tornou-se cada vez mais importante (vide
Beethoven e Brahms), enquanto a literatura de solo e de câmara sofreu um declínio
considerável tanto em qualidade quanto em quantidade. O século XIX, para a flauta,
não era uma idade de ouro, mas uma era ornitológica, pois a flauta foi reduzida a um
veículo de exibição virtuosa e simbolismo programático. (TOFF, 2012, cap. 16, p. 2).

Em termos gerais, as características do romantismo musical são: um repúdio à restrição,


disciplina, moderação e simetria típicas do classicismo; a substituição da expressão racional por
uma perspectiva mais emocional ou subjetiva, manifestada na performance musical por
extremos de expressão e interpretação pessoal; um ressurgimento do nacionalismo, com a
concomitante dependência das melodias e ritmos das tradições folclóricas. Estruturas
composicionais, até mesmo a forma sonata, tornaram-se menos rígidas; sujeitos líricos e o
conceito pitoresco9 geraram novas formas como o poema sinfônico e o Lied (canção). A ação
e o drama eram os ideais principais, promovendo a ênfase no contraste sobre a unificação em
todos os elementos de composição e performance - tempo, dinâmica, ritmo, material temático,
progressão harmônica, orquestração e caráter. Como resultado, todas as facetas da notação
musical - dinâmica, ritmo, marcações expressivas - tornaram-se mais numerosas e mais
complexas. Paradoxalmente, porém, essas marcações em maior número deram origem a uma

9
Pitoresco é um conceito da Estética que faz referência às impressões subjetivas desencadeadas
pela contemplação de uma cena paisagística em relação à pintura. Surgiu como um intermediário
entre as ideias do Sublime e do Belo, durante o desenvolvimento do Romantismo.
40

maior licença interpretativa para o intérprete: em vez de serem restritivas, forneceram ao


intérprete uma gama totalmente nova de possibilidades.
Enquanto no período clássico, a melodia havia sido o elemento composicional principal,
na era romântica a harmonia assumiu a liderança. De fato, a harmonia foi uma das maiores
preocupações dos compositores românticos, sendo uma indicação o grande número de tratados
publicados sobre o assunto no período. Houve uma série de novos desenvolvimentos na prática
harmônica, acima de tudo, a harmonia passou a ser utilizada como um dispositivo colorístico
em substituição a harmonia funcional. O ritmo harmônico perdeu terreno como um dispositivo
estrutural; havia sido outrora geralmente rápido no barroco e lento na era clássica, no romântico
tornou-se atmosférico, mudando de acordo com o clima da música. As dissonâncias se tornaram
progressivamente elevadas e um procedimento frequente foi o uso de acordes cromaticamente
alterados, especialmente alterações enarmônicas, e estes com preparação ou resolução mínima
- novamente, os elementos de surpresa e contraste. Houve um aumento no uso de acordes
emprestados - a transferência de acordes maiores ou menores característicos, como o acorde de
sétima diminuta de um modo para o outro. A estrutura e a periodicidade da frase clássica foram
mantidas, mas as linhas tornaram-se mais livres e mais longas, proporcionais às dimensões
expandidas de todos os elementos musicais. Intervalos amplos tornaram-se veículos
expressivos, e os compositores usaram intervalos incomuns, como sextas ou sétimas, em geral
diminutas.
Em consonância com os ideais nacionalistas, a melodia romântica frequentemente se
utiliza de temas folclóricos, muitas vezes na forma tema e variações; da mesma maneira, os
compositores adotaram características folclóricas como a estrutura irregular das frases e escalas
alteradas para suas composições originais. Os ideais românticos de tom (cores sonoras) ou
timbre tinham dois objetivos principais. O primeiro era a eufonia: uma rejeição do som enxuto
e simples do classicismo em favor de uma sonoridade plena e rica. O resultado foi uma
preferência por conjuntos densos, como o quinteto de cordas ou o sexteto, em vez do quarteto;
a adição de instrumentos de sopro e metais à orquestra sinfônica; e na música de piano, a
invenção do pedal de sustentação e o uso de dobras de oitava e acordes cheios e ricos. Em
segundo lugar, os românticos valorizavam o timbre como um elemento de composição
independente, um com valor intrínseco, não apenas um servo da melodia e da harmonia. Mais
uma vez, a publicação de tratados sobre instrumentação, sendo os de Hector Berlioz e Richard
Strauss os mais famosos de um grande grupo de livros, é um indicador dessa tendência. Entre
1800 e 1910, a orquestra sinfônica padrão quase triplicou de tamanho em busca não só de maior
volume, mas também de maior variedade de sons; as seções de cordas foram expandidas e foram
41

subdivididas ainda mais; novos instrumentos, incluindo flautim, clarinete e clarinete baixo,
corne inglês, harpa e uma seção de percussão muito grande ampliaram a paleta de cores, bem
como a extensão melódica.
A música já havia se tornado, no período clássico, uma atividade tanto pública quanto
privada, com o estabelecimento de séries de concertos públicos e o mercado de editoração
musical como as manifestações mais importantes. A tendência para a popularização continuou
no século XIX, à medida que a revolução industrial progrediu e a classe média, com seus recém-
descobertos recursos financeiros, tornou-se o consumidor médio da prática musical. Essa
ampliação e maior abrangência do mercado da música trouxe uma perda de profundidade. Os
amantes da música da classe média do século XIX não tinham o treinamento e a sofisticação de
seus antecessores do século XVIII. Como resultado, a música moldada para o consumo da
classe média estava muito abaixo do padrão do século XVIII; embora a virtuosidade atingisse
grandes alturas, reforçada pela crescente sofisticação e capacidade técnica dos instrumentos
musicais remodelados, a substância musical era inferior. Para os músicos profissionais, as
circunstâncias do emprego mudaram radicalmente. Não mais ligados aos clans aristocráticos,
os artistas se tornaram agentes livres, frequentemente fazendo turnês por toda a Europa e,
eventualmente, até mesmo para os Estados Unidos. Tais viagens trouxeram uma consciência
dos estilos nacionais - e do chauvinismo10 concomitante. Compositores passara a utilizar formas
maiores não pelo desenvolvimento de temas, mas pela fusão de formas menores. As chamadas
Variações de Bravura e fantasias de ópera eram o que havia de disponível no estoque do
comércio do novo virtuoso viajante.
No que se refere a flauta, quanto a maneira de tocar e o seu repertório neste período,
Toff afirma:
A transição do virtuosismo do século XVIII para o século XIX é evidente em uma
comparação das carreiras e composições de François Devienne, último representante
do classicismo e Charles Nicholson, precursor do romantismo. As composições de
Devienne eram obras musicalmente substantivas, seu desempenho brilhante, mas
conservador. Embora ele recomendasse que seus alunos usassem as novas flautas com
várias chaves, ele continuou a atuar no instrumento de chave única. Na geração de
Nicholson, em contraste, os flautistas aproveitavam ao máximo as idiossincrasias
individuais no interesse das relações públicas; ele usava ornamentações exuberantes,
um timbre metálico e estridente, e truques como o glissando para animar suas
performances. As composições próprias tocadas por Nicholson eram obras do estilo
bravura no gênero tema e variações. Seus concorrentes incluíam Drouet e Tulou na
França e a família Fürstenau, Boehm e Tromlitz na Alemanha. (TOFF, 2012, cap. 16,
p. 6).

10
Entusiasmo excessivo pelo que é nacional, e menosprezo sistemático pelo que é estrangeiro.
42

A despeito de todas as transformações testemunhadas neste período, sejam musicais,


sociais ou econômicas, a flauta continuou gozando de grande popularidade entre a classe média.
Na primeira metade do século XIX iniciou-se a publicação de numerosos periódicos para
flautistas - The Flutonicon (1834-50), The Flutist's Magazine (1827), e The Flutist's Magazine
e Piano-Forte Review (1829) entre eles, o que dava alguma dimensão desta popularidade
Com a ópera atingindo uma popularidade nunca vista anteriormente, o público queria
ser capaz de reproduzir, ainda que apenas trechos, dessas performances públicas em suas
próprias casas. Faltando rádio e gravações, eles se voltaram para transcrições adequadas para a
execução em casa - transcrições não apenas para piano, mas também para flautas. Óperas
inteiras eram arranjadas para duas flautas (com acompanhamento ou não de piano). A forma
mais comum era a ária com variações ou a fantasia, baseada em temas operísticos
contemporâneos ou melodias nacionais tradicionais. Ao mesmo tempo, o concerto para flauta,
tanto em configurações solo quanto em sinfonia concertante, diminuiu tanto em quantidade
quanto em qualidade. Diz Toff:
No século XVIII, o concerto tinha sido principalmente uma peça composta por
encomenda, encomendada por patronos privados ou escrita para virtuosos
particulares. Os românticos, com sua ênfase na auto expressão, rejeitaram trabalhos
feitos sob encomenda como antitéticos à criatividade e à imaginação da composição.
A composição de peças virtuosísticas concebidas para o intérprete demonstrar suas
habilidades não era, portanto, uma atividade respeitada, e como resultado poucos
compositores não flautistas escreveram concertos de flauta, deixando a tarefa para os
próprios virtuoses. [...] Finalmente, as proporções físicas da orquestra do século XIX
tornaram o concerto uma forma menos adaptável. A orquestra romântica ampliada
não poderia caber em uma casa particular, e assim o concerto não era mais uma
composição polivalente; poderia ser tocado apenas nas novas salas de concertos.
(TOFF, 2012, cap. 16 p. 10).

Até mesmo músicos profissionais nem sempre podiam encontrar ou pagar o grande
número de músicos necessários para preencher a orquestra que o acompanharia. O concerto do
século XIX tornou-se assim apenas uma forma adequada a execução em eventos públicos e a
adequação do piano e do violino para essa função é clara, assim como é diametral a inadequação
da flauta.

A Revolução de Boehm

No início do século XIX ocorreram várias modificações na construção da flauta que


viriam a ter efeitos profundos, embora sentidos apenas tempos depois, no curso futuro da
produção de flautas. Em 1806, o fabricante de flautas parisiense Claude Laurent, registrou uma
patente onde indicava o uso de vidro para a construção do tubo da flauta. Isso não era novo nem
de grande importância, porém, para que o tubo de vidro fosse viável Laurent adotou um
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conjunto de dispositivos mecânicos: espigas de prata e encaixes para as juntas; molas alongadas
para aumentar a resistência; e um design revolucionário das montagens principais. Até aquela
época, os instrumentos da família das madeiras utilizavam selas de metal; as chaves giravam
em um pino com cabeça de parafuso preso a um rolamento de metal. Segundo Toff (2012, cap.
4, p. 15): “Laurent fixou as chaves no tubo de vidro montando as chaves em postes de prata que
eram então presos a placas de metal parafusadas ao tubo de vidro. Fabricantes de flautas de
madeira logo adotaram a ideia porque impedia o jogo lateral, até então um incômodo
recorrente”.
Em 1808, o reverendo britânico Frederick Nolan registrou uma patente onde apareciam
pela primeira vez as chamadas chaves abertas, o mecanismo funcionava através de anéis que
circundavam o furo, assim era possível fechar simultaneamente uma chave aberta e um furo
regular com o mesmo dedo, um princípio fundamental para os instrumentos altamente
mecanizados desenvolvidos no final do século. Uma outra aplicação era a possibilidade de
fechar uma chave conectada enquanto o orifício subordinado permanecia aberto; isso era feito
deslizando o dedo do orifício, mas mantendo-o no anel. Uma outra patente registrada em 1810
pelo fabricante de flautas londrino George Miller previa um tubo cilíndrico metálico. Embora
idealizado principalmente para o pífaro militar, a especificação de patente também mencionou
flautas de concerto; essa foi a primeira patente de uma flauta de metal, que se tornaria o padrão
no final do século.
Segundo TOFF (2012), no que diz respeito aos sistemas de dedilhado, havia duas
escolas de pensamento no século XIX: a primeira preferia preservar os sistemas tradicionais,
modificando-os conforme necessário, já a segunda preferia começar de novo, fazer um furo
para cada semitom, cada um em sua posição acusticamente correta, e depois planejar um
mecanismo e um sistema de dedilhado capazes de controlar esses buracos. A figura principal
do segundo grupo era, obviamente, Theobald Boehm. Ela afirma:
Boehm, um flautista e ourives de Munique, começou a fazer flautas como uma
atividade secundária na década de 1820. Em 1828, ele abriu uma fábrica de flautas,
onde criou os típicos instrumentos do sistema simples da época. Ele fez, no entanto,
várias modificações originais nos projetos usuais, incluindo slides de afinação, molas
de ouro endurecidas e a montagem de chaves em pilares aparafusados. Por volta de
1829, ele começou a experimentar o uso de hastes longitudinais para conectar as
chaves. Enquanto isso, Boehm percorreu a Europa como flautista, em 1831
apresentando vários concertos em Londres. (TOFF, 2012, cap. 4 p. 17).

Embora as críticas a suas performances fossem elogiosas, Boehm não estava satisfeito
com suas próprias apresentações em comparação com as do excepcional virtuoso inglês Charles
Nicholson, cujo som, de acordo com inúmeros relatos, excedia em muito em força e volume o
som de Boehm. Mesmo levando em conta os orifícios de diâmetro aumentado na flauta de
44

Nicholson, Boehm concluiu que a grande maioria dos defeitos inerentes à construção da flauta
não eram remediáveis pela população flautística mediana. Escreveu Boehm: “Não há dúvida de
que muitos artistas levaram a perfeição até seus últimos limites na antiga flauta, mas também
há dificuldades inevitáveis, originadas na construção dessas flautas, que não podem ser
conquistadas pelo talento nem pela prática mais perseverante”. (BOEHM, 1882, p. 17, apud
TOFF, 2012, cap. 4, p. 18).
Boehm concluiu então que o principal defeito da flauta de sistema simples era sua
indiferença aos princípios acústicos; os furos foram colocados onde os dedos podiam alcançá-
los, não onde a teoria acústica exigia, a mera adição de chaves não conseguiria resolver este
problema fundamental. Além disso, acreditava Boehm, os orifícios para os dedos não eram
grandes o suficiente para garantir notas agudas suficientemente fáceis e afinadas. Boehm
baseou-se em três invenções anteriores para redesenhar a flauta: grandes orifícios para os dedos,
como na flauta de Nicholson; cobrir os orifícios com chaves para permitir que os dedos
controlem orifícios distantes; e chaves com anéis como aquelas inventadas pelo Reverendo
Nolan. A grande inovação de Theobald não foi mecânica, mas sim acústica; ele usou os
mecanismos idealizados por outros para executar suas próprias teorias acústicas. Sobre as
primeiras inovações propostas por Boehm, Toff registra:
O primeiro redesenho de Boehm foi construído pela firma de Londres Gerock and
Wolf em 1831. Ele incorporava apenas duas mudanças do modelo usual de oito
chaves. O dedilhado da mão esquerda permaneceu o mesmo, mas o orifício A foi
trazido até sua posição acusticamente correta e uma chave aberta para o terceiro dedo
da mão esquerda foi usado para alcançá-lo. Na mão direita, as chaves E, F, F# e G
foram espaçadas mais abaixo no tubo (uma ideia desenvolvida em 1803 por H. W.
Pottgiesser), e controladas por chaves de anel duplo. Essas chaves permitiam que o
primeiro dedo da mão direita tapasse dois furos, em vez de um como habitual,
produzindo, assim, fá natural, em vez do fá# da flauta antiga. O fá# agora era
produzido pelo terceiro dedo da mão direita por meio de outro anel. O novo
dispositivo F-F# destruiu a escala primária de D maior da flauta de sistema simples;
como tal, representa a primeira fase da construção moderna de flauta. (TOFF, 2012,
cap. 4, p. 19).

Sobre as inovações propostas por Theobald Boehm e o cenário na transição do


classicismo para o romantismo, escreve J. Galway:
Desde os dias de Tromlitz e companhia, vários esforços foram feitos para melhorar a
flauta de oito chaves, mas o problema era que ninguém poderia realmente conceber
um instrumento que fosse perfeitamente afinado e tocável por um ser humano. Se os
furos fossem feitos nas posições ditadas pela escala diatônica, os dedos não seriam
capazes de alcançá-los. A conclusão tirada por todos os lados era que o instrumento
deveria necessariamente permanecer imperfeito, e as imperfeições deveriam ser
compensadas pela habilidade do flautista - como vinha sendo feito desde tempos
imemoriais. Na verdade, a conclusão não foi tirada por todos os lados. Um flautista
aqui e/ou um fabricante ali continuaram a se preocupar com o problema de como
reconciliar o irreconciliável, e em 1830 ou por aí, a resposta foi encontrada. Tal como
acontece com avanços tecnológicos em outras artes e ofícios, houve e permanece até
45

hoje, alguma disputa sobre quem precisamente foi o responsável. (GALWAY, 1990,
p. 39).

Galway, apoiando-se em um trecho do Tratado de Orquestração de Hector Berlioz,


1843, aventa a possibilidade de Boehm haver tido inspiração no modelo de flauta proposto (e
executado) por William Gordon, um soldado suíço de descendência Escocesa. Berlioz escreve:
Este instrumento, que por muito tempo permaneceu imperfeito em muitos aspectos, é
agora - graças à habilidade de certos fabricantes, e ao sistema de fabricação obtido por
Boehm de acordo com a descoberta de Gordon - tão completo, tão verdadeiro e de tão
igual sonoridade como poderia ser desejado. (BERLIOZ, 1843, apud GALWAY,
1990, p. 39).

Naqueles tempos diversos indivíduos estavam trabalhando concomitantemente em


melhorias para a flauta, seja no que diz respeito a novos sistemas de dedilhado, novas chaves
ou novos materiais com quais se pudesse construir o instrumento. É bastante plausível que os
indivíduos tomassem conhecimento dos projetos um dos outros e que ideias fossem tomadas
emprestadas ou adaptadas. Galway (1990, p. 40) então conclui: “Berlioz, no trecho citado
acima, compartilhou as honras, mas a posteridade decidiu que elas pertencem maiormente a
Theobald Boehm. A verdade, provavelmente, era que grandes mentes fizeram deduções
semelhantes no mesmo momento no tempo”.

Figura 7. Sistema Boehm de 1831.

Em 1832, Boehm iniciou uma série de experimentos para determinar as proporções


adequadas das medidas dos orifícios do tubo. Seu objetivo era fazer os furos tão grandes quanto
possível (como Nicholson) e colocá-los em suas posições acusticamente corretas (como
46

Gordon), a fim de melhorar a formação dos nós acústicos oriundos da série harmônica. Por esta
mesma razão, Boehm escolheu usar um sistema de chaves abertas, que permitiria a ventilação
completa dos buracos. Boehm explicou: “É necessário, para obter um som claro e forte, que os
orifícios imediatamente abaixo do que soa permaneçam abertos, pois o ar confinado na
extremidade inferior do tubo tende a achatar as notas, tornando-as menos livres”. (BOEHM,
1882, p. 20, apud TOFF, 2012, cap. 4, p. 21). O sistema de chaves abertas exigiu alguma
redistribuição dos orifícios. Para controlar os quatorze furos de sua flauta com apenas nove
dedos (o polegar da mão direita era usado apenas para sustentar o instrumento), Boehm usou as
chaves de anel de Nolan e seus próprios eixos horizontais. Sob este novo sistema, os dedos não
precisavam sair de suas posições naturais para quaisquer notas, com a única exceção sendo o
dedo mínimo da mão direita. Desta forma, Boehm pretendia reter o máximo possível do antigo
sistema de dedilhado.
No corpo da flauta, a primeira, segunda e terceira chaves da mão direita controlavam os
orifícios F#, F e E, respectivamente. O orifício G foi coberto por uma chave vedada por
sapatilha, presa por um eixo de haste horizontal às chaves de anel para os orifícios E e F. Assim,
o orifício G pode ser fechado pelo segundo ou terceiro dedo da mão direita, ou ambos. Uma
chave de anel sobre o buraco F foi anexada ao final de outro eixo que se estendia até o orifício
B; um braço projetado daquele eixo sobre a chave do orifício G, de modo que o orifício G
também ficasse fechado quando o anel F fosse pressionado. Assim, os três dedos da mão direita
podiam controlar quatro furos. Na mão esquerda, o segundo e o terceiro dedos cobriam os
orifícios B e A, e o quarto dedo controlava a chave G# aberta. Uma chave de anel sobre o
orifício Bb e uma chave de cobertura para o orifício B estavam presas a um eixo comum, de
modo que a fechar a primeira também fecharia a segunda. Além disso, a chave B era conectada
por um braço lateral ao longo eixo que levava ao anel F#, de modo que o orifício B também
pudesse ser fechado pelo primeiro dedo da mão direita; caso contrário, abrir o orifício B faria
soar Bb. Como o orifício C# estava muito alto no tubo a ser alcançado pelo primeiro dedo da
mão esquerda, ele foi coberto por uma chave sapatilhada e controlado por uma placa de dedo
presa a um eixo curto. O polegar esquerdo controlava uma tecla aberta para o buraco C no lado
de baixo da flauta. Além do mecanismo básico, Boehm forneceu chaves de trilo para os trinados
de B-C e C-D.
Boehm apresentou sua nova flauta ao público em concertos em Munique, começando
em novembro de 1832, e em sequência em Paris e Londres. Até 1833, porém, Boehm havia
vendido apenas uma de suas flautas em Londres, principalmente por causa da relutância dos
flautistas em reaprender o dedilhado. Na Alemanha, houve relutância semelhante, e o som mais
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aberto do novo instrumento proporcionou ainda mais um obstáculo. Paul Camus, primeiro
flautista da Opera Italiana, introduziu a flauta de Boehm em Paris em 1837 e, com a ajuda de
vários colegas, o instrumento começou a tornar-se popular na capital francesa. Estes colegas
fizeram várias mudanças mecânicas significativas na flauta de Boehm, que tornaram mais
prático construí-la e tocá-la, preservando contudo, a essência da invenção de Boehm. O
fabricante de instrumentos de Paris, Auguste Buffet, se opôs à colocação de eixos de Boehm
em ambos os lados da flauta, e decidiu movê-los para o lado interno. Para evitar o entupimento
da haste que liga o anel F às tampas dos orifícios G e B, ele fixou os anéis E e F e a chave G a
um único eixo, com o anel F montado em uma ‘manga’ solta através da qual o eixo passava.
Um talão foi soldado na manga; um terminal semelhante foi preso ao eixo acima da manga.
Buffet também aplicou o dispositivo de haste e manga nas chaves do pé além disso, ele usou
molas helicoidais em vez de molas planas para melhorar a ação mecânica.

Figura 8. Representação do Sistema Boehm de 1832.

O flautista Victor Coche, trabalhando com Buffet, sugeriu uma série de outras mudanças
que foram incorporadas na patente de Buffet de 1839. Houve uma sonora rejeição entre os
flautistas ao G# aberto de Boehm. Embora Theobald defendesse fortemente que o G# aberto
era acusticamente superior e mecanicamente lógico, os músicos se sentiam desconfortáveis
com ele. Coche, portanto, restabeleceu o mecanismo G# fechado da flauta do sistema antigo. A
48

maior contribuição de Coche foi a adição de uma chave de trinado para C#-D# na segunda e
terceira oitava. Operado pelo terceiro dedo da mão direita, ele governava um pequeno buraco
acima do buraco D no topo da flauta. Buffet juntou à chave de trinado D# de Coche e à chave
de trinado D de Boehm em uma luva comum. Vincent Dorus, professor de flauta no
Conservatório de Paris e flautista solista da Ópera, respondeu às objeções generalizadas à chave
G# aberta com uma solução melhor que a de Coche. Dorus projetou um novo tipo de chave G#
fechada. Ele adicionou uma chave de anel ao orifício A e fixou-a na chave G# aberta com uma
manga e um engate divididos. Quando a chave do anel estava pressionada, a tecla G# fechava,
mas podia ser aberta independentemente por uma alavanca para o dedinho preso na parte da
manga que suportava a tecla G#. O defeito do dispositivo de Dorus era a dependência de duas
molas opostas de força desigual, o que complicou uma série de dedilhados.
Em 1846 e 1847, Boehm estudou acústica na Universidade de Munique, em preparação
para o trabalho adicional sobre o calibre de sua flauta. As experiências empreendidas neste
momento confirmaram suas dúvidas sobre o formato cônico da flauta. Ele concluiu que um
tubo cilíndrico era muito mais propício à produção dos componentes harmônicos ou parciais
do som da flauta e, além disso, que o tubo deveria se contrair numa curva em direção à
embocadura. Boehm construiu sua flauta de 1847 de acordo com esses princípios. O corpo da
flauta tinha um diâmetro interno de 19 milímetros. A cabeça diminuía gradualmente em
diâmetro, de modo que o diâmetro mediu 17 milímetros na rolha. Boehm descreveu a curva da
cabeça como parabólica, embora na verdade a curva tivesse apenas uma semelhança superficial,
e não matemática, com aquela figura geométrica. O redesenho das dimensões do furo exigiu
um ajuste fino do posicionamento e do tamanho dos orifícios do tubo, particularmente para o
furo C. Boehm também reconsiderou o tamanho e a forma do orifício da embocadura. Ele
registrou suas conclusões a respeito da relação entre a forma e o calibre do tubo e os orifícios
do tubo em um diagrama geométrico chamado Esquema. Estas dimensões podem ser adaptadas
para vários comprimentos de tubos de flauta, dependendo do padrão de afinação ao qual um
determinado instrumento é construído.
Os novos orifícios do tubo feitos em maior dimensão, enquanto acusticamente
vantajosos, criaram um problema mecânico: eles não podiam ser fechados diretamente pelos
dedos. Boehm então, substituiu as chaves de anel por furos com tampas de orifícios acolchoados
(sapatilhas), semelhantes aos já utilizados para os buracos G e B em seu modelo de 1832. Cada
chave tinha que ser capaz de abrir de forma independente, ainda que estivesse ligada a outras
chaves, por isso, ele adotou o sistema de eixos e mangas de Buffet, prendendo cada capa de
chave à sua própria manga e abrindo cada uma delas com uma mola de agulha leve. Chaves
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interconectadas foram ligadas por engates (talões ou pinos sobrepostos). Boehm era explícito
sobre a construção das sapatilhas para evitar a vedação não confiável que atormentava flautas
do sistema antigo: ele especificou discos de lã fina, cobertos com uma fina membrana ou pele
de dupla espessura. As sapatilhas deveriam ser cobertas na parte de trás com folhas de papel
cartão, com um buraco no centro, para que pudessem ser parafusadas seguramente nos copos
de chaves. Uma arruela de prata sob a cabeça do parafuso garantia um ajuste apertado. Outra
característica crucial da flauta de 1847 foi a escolha de materiais para o corpo: Boehm começou
a experimentar tubos de metal em 1846 e concluiu que os tubos de prata e latão produziam o
melhor som. Além disso, ele descobriu que tubos finos e endurecidos aumentavam a capacidade
de vibração do metal e, portanto, produziam um som mais ressonante. Boehm concluiu que sua
nova flauta de prata era claramente superior a suas antigas de madeiras: era imune a rachaduras,
o tubo era muito mais estável e menos afetado pela temperatura, e era mais adequado para
mudanças de timbre. Boehm escreveu que tinha “brilho insuperável e paleta de cores. Eu
poderia produzir efeitos em minha flauta de prata, que eu nunca poderia produzir em flautas de
madeira”. (BOEHM, 1882, p. 61, apud TOFF, 2012, cap. 4, p. 28).
Em 1847, ele vendeu os direitos de produção na Inglaterra de seu mais recente modelo
para Rudall & Rose de Londres e os direitos na França para Clair Godfroy e seu genro Louis
Lot de Paris. Inicialmente, ambas as empresas fabricavam flautas de Boehm em metal; em 1848,
no entanto, Godfroy e Lot fizeram alguns instrumentos de madeira, a mando de Dorus. Os
franceses também reintroduziram chaves perfuradas, abrindo os centros das teclas A, G, F, E e
D, que são tocadas diretamente pelos dedos, para permitir maior ventilação. Este modelo
tornou-se conhecido como chaves abertas ou flauta modelo francês.
A única alteração mecânica para a flauta Boehm de 1847 que afetou permanentemente
o seu sistema de digitação foi feita em 1850 por Giulio Briccialdi (1818-1881), um flautista
italiano que viveu em Londres. O projeto original de Boehm tinha apenas uma alavanca de
polegar, que governava uma chave aberta para B. Bb era produzido usando o primeiro dedo da
mão direita. O objetivo de Briccialdi era fornecer um dedilhado Bb alternativo para o polegar
esquerdo, para maior conveniência em tonalidades com bemóis. E então ele adicionou uma
segunda alavanca de polegar, colocada acima da alavanca B, que era suspensa de modo que
apertá-la fecharia o buraco B. Assim, Bb poderia ser tocado simplesmente pelo primeiro dedo
e polegar da mão esquerda.
50

Figura 9. Alavanca B-Bb Boehm.

Figura 10. Alavanca B-Bb Briccialdi.

Vemos na tabela abaixo a lista com as principais obras compostas para flauta
durante o período romântico:
Altés, Henry (1826-1895)* L’Helvetienne op. 5
5º Solo de Concours op. 24
6º Solo de Concours op. 25
La Venitienne op. 4
Andersen, Joachim (1847-1909)* Allegro militaire op. 48
Ballade et Danse des Sylphes op. 5
Canzone op. 53
Concertstück op. 61
Fantaises Nationales op. 59
Intermezzo op. 51
Introduction et Caprice op. 58
Leichtere Stücke op. 56
Morceau de Concerto p. 61
6 Morceaux de Salon op. 241
Moto Perpetuo op. 8
Opera Fantasies op. 45
10 Pieces op. 62
51

Le Tourbillon op. 57
Variations Drolatiques sur un Air Suédois op.
26
Variations Elegiaque op. 27
8 Vortagsstücke op. 55
Barrère, Georges (1846-1944)* Nocturne
Boehm, Theobald (1794-1881)* Air Suisse op. 20
Concerto op. 1
Elegie op. 47
Etude-Landler op. 26
Fantasy on a Theme of Schubert op. 21
Grande Polonaise op. 16
Introduction and Variations on a Theme from
Der Freischultz op. 9
6 Lieder von F. Schubert op. 52
Nel cor piu non mi sento op. 4
Souvenir des Alpes
Thèmes Suisses variés op. 11
Variations sur un Air Allemand op. 22
Variations sur un Air Tyrolien op. 20
Borne, François (1840-1920)* Fantaisie brillante sur Carmen
Briccialdi, Giulio (1818-1881)* Andante et valse de concerto op. 116
Il Carnavale di Venezia op. 78
Concertino op. 48
Il Giardino di Perugia op. 135
Lohegrin Fantasie op. 129
Rigoletto Fantasie op. 106
Il Vento op. 112
Chaminade, Cécile (1857-1944) Air de Ballet op. 30
Concertino op. 107
Chopin, Frederic (1810-1849) Variations sur un Thema di Rossini
Cui, Cesar (1835-1918) Bagatelle
Cantabile op. 36
52

Orientale op. 50
Scherzetto
Czerny, Carl (1791-1857) Duo Concertante op. 129
Fantasia Concertante op. 256
Damaré, Eugêne (1840-1919)* L’Alouette
Les Amours d’un Rossignol
Le Bouquet de roses op. 408
Caprice op. 174
La Cracovienne op. 224
Le Merle Blanc op. 161
L’Oiseau et les Roses op. 153
Tarantelle op. 391
Le Tourbillon op. 212
Le Tourterelle op. 119
Delibes, Leo (1836-1891) Morceau
Demersseman, Jules (1833-1866)* Air Varié et Polonaise op. 8
Duet op. 25
Fantaisie Brillante sur La Désse et le Berger
op. 130
Fantaisie Concertante op. 36
6 Fantaisies op. 28
Fantasia on a Copin melody op. 29
Grande Fantasia sur Oberon op. 52
Hommage a Tulou op. 43
Introduction and Variations on “The Carnival
of Venice” op. 7
Polonaise op. 9
Serenade Espagnole op. 9
Solo de Concert no.1 op. 19
Solo de Concert no.2 op. 20
Solo de Concert no.3 op. 21
Solo de Concert no.4 op. 80
Solo de Concert no.5 op. 81
53

Solo de Concert no.6 op. 82


Sonata no.1 op. 22
Sonata no.2 op. 23
Sonata no.3 op. 24
Souvenir de Bayonne op. 5
Le Trémolo op. 3
Donizetti, Gaetano (1797-1848) Sonata in C
Sonata in F
Donjon, Johannes (1839-1912)* Adagio Nobile
8 Etude de Salon
Invocation
Offertoire op. 12
Pan! Pastorale
Rossignolet op. 8
Doppler, Franz (1821-1883)* Airs Valaques op. 10
Andante et Rondo op. 25
Chanson d’amour op. 20
Concerto
Duettino americain op. 37
Duetino hongroise op. 36
Fantaisie pastoral hongroise op. 26
3 Morceaux op. 15-17
Nocturne op. 19
Doppler, Franz (1821-1883)* e Doppler, Duettino hongroise op. 35
Karl (1825-18900)* Rigoletto Fantaisei op. 38
Souvenir de Prague op. 24
Valse di Bravura op. 33
Drouet, Louis (1792-1873)* 2 Airs Variés
Duets, op. 74
3 Fantaisies três faciles op. 38
3 Trios op. 33
Introduction and Variations on God Save the
Queen op. 51
54

Duvernoy, Victor (1842-1907) Concertino op. 45


Deux Mourceaux op. 41
Fürsteneau, Anton Bernhard (1792- Concertino op. 119
1852)* Concerto op. 84
6 Duets op. 137
Grand Quartet op. 88
2 Grand Trio op. 66
L’Illusion: Adagio and Variations op. 72
Rondo Brillant op. 102
24 Übungen, Capricien und Praeludien op.
125
Garibaldi, Giuseppe (1833-1905)* 6 Duetos Fáceis op. 145a
6 Duetos Fáceis op. 145b
6 Duetos Melódicos Fáceis op. 145c
Grande Fantasia sobre um Tema Árabe
Génin, Paul Agricole (1832-1903)* Air Napolitain op. 8
Berceuse op. 6
Carnival of Venice Variations op. 14
Fantaisie sur La Traviata
Grand Air Varié op. 5
Grand Duo Concertante op. 51
Meditation op. 49
Mélodie op. 7
Petite Fantaisie Concertante op. 4
Sur la Terrasse op. 62
Godard, Benjamin (1849-1895) Suite de 3 Morceaux
Hoffman, Heinrich Karl (1842-1902) Konzertsücke op. 98
Serenade op. 65
Köhler, Ernesto (1849-1907)* Blümen Walzer op. 87
Concert Fantasia on Moskawa op. 62
Morceaux op. 30
40 Progressive Duets op. 55
Serenade op. 59
55

Snowflakes op. 82
6 Sonatinas op. 96
The Storm op. 82
Kuhlau, Friedrich (1786-1832) 12 Caprices op. 10
6 Divertimentos op. 68
3 Duos op. 80
3 Duos op. 81
3 Duos brillants op. 102
3 Duos brillants op. 110
3 Duos Concertantes op. 10
3 Fantasias op. 38
3 Fantasias op. 95
3 Grand Duos op. 39
3 Grand Duos op. 87
3 Grand Solos op. 57
Grand Trio op. 119
Sonata op. 64
Sonata op. 69
Sonata op. 71
Sonata op. 85
3 Sonatas op. 83
Trio op. 119
Variations on “The Last rose of summer” op.
105
Variations on Scottish Folksong op. 104
Kummer, Caspar (1795-1870)* Carnival of Venice op. 157
Concertino op. 101
Concertino op. 42
Grand Duet p. 36
3 Grand Duos Concertants op. 9
Trios op. 24, 30, 32, 53, 58 e 59
Molique, Wilhelm Bernard (1802-1869) Concerto op. 69
Introduction, Andante and Polonaise op. 43
56

Mouquet, Jules (1867-1946) Berceuse op. 22


Danse Grecque op. 14
Divertissement Greco op. 23
5 Pièces Brrèves op. 39
Sonata “La Flûte de Pan” op. 15
Pessard, Émile (1843-1917) Andalouse op. 20
Bolero op. 28
4 Pieces op. 75
Popp, Wilhelm (1818-1903)* Bagatelle
Birdsong op. 324
La Chasse op. 250
Decoy Bird op. 410
Fantaisie sur Il Trovatore op. 190
Fantasy and Variations on a American Air
Hungarian Rhapsody op. 385
Melodic Suite op. 281
Rigoletto Fantaisie op. 335
Staccato Fantaisie
La Traviata op. 378
Reinecke, Carl (1824-1910) Ballade op. 288
Concerto op. 283
Sonata “Undine” op. 167
Romberg, Bernhard H. (1767-1841) Concerto op. 17
Divertimento op. 27
3 Quintets op. 21 e 41
Saint-Saëns, Camille (1835-1921) Odelette op. 162
Romance op. 37
Tarantelle op. 6
Schubert, Franz (1797-1828) Introduction and Variations on “Trockne
Blumen” op. 160
Soussman, Heinrich (1796-1848)* Concertino op. 19
Taffanel, Paul (1844-1908)* Andante Pastorale et Scherzettino
Fantasia sur Der Freishütz
57

Fantaisie sur Françoise de Rimini


Grande Fantaisie sur Mignon
Tulou, Jean Louis (1786-1865)* Concerto op. 10
Duos
3º Grand Solo op. 74
5º Grand Solo op. 79
6º Grand Solo op. 82
11º Grand Solo op. 93
12º Grand Solo op. 94
13º Grand Solo op. 96
14º Grand Solo op. 97
Weber, Carl Maria von (1786-1826) Romanza siciliana op. Post no. 2
6 Sonatas op. 10
Trio op. 63
Widor, Charles-Marie (1844-1937) Serenata op. 10
Suite op. 34
Nomes marcados com * indicam compositores que eram flautistas.
58

MODERNIDADE PÓS BOEHM

O pós-romantismo desencadeou-se numa infinidade de correntes estéticas de difícil


demarcação. Muitas dessas correntes aconteceram ao mesmo tempo, algumas vezes separadas
geograficamente, outras nem tanto. Na virada dos séculos, enquanto Gustav Mahler e Richard
Strauss, influenciados pelas obras de Richard Wagner e Anton Bruckner, compunham num
estilo que ficou conhecido como romantismo tardio e flertavam com o atonalismo, nomes como
Scriabin, Debussy, Bartók, entre outros, já escreviam música que podem ser descritas, no todo
ou em parte, como atonais. Esse rompimento com as regras harmônicas marca a passagem do
que chamamos de Romantismo para a música do século XX, que compreende correntes como
o impressionismo, expressionismo, dodecafonismo, serialismo integral, minimalismo,
neoclassicismo e a música aleatória entre outras. Não nos alongaremos descrevendo
detalhadamente cada uma dessas vertentes da música moderna. O que é importante, ao prisma
deste trabalho, é que a flauta transversal moderna, idealizada por Boehm, esteve à altura de
desempenhar um posto de destaque na produção musical do século XX, em quaisquer gênero,
seja como instrumento da orquestra, na música de câmara, no repertório solo e até na música
eletroacústica.
A flauta desenhada por Boehm rapidamente se tornou popular entre os profissionais na
França, na Inglaterra e nos Estados Unidos. Ironicamente, porém, a flauta de Boehm demorou
a ganhar aceitação na Alemanha, terra natal do inventor. Na primeira década do século XX, a
flauta de Boehm ainda não era comum na Alemanha, na Itália ou na Rússia, a principal
reclamação ainda era o novo sistema de dedilhado. Enquanto os franceses foram rápidos em
adotar a flauta Boehm, fazendo apenas pequenas (e valiosas) mudanças mecânicas, os flautistas
de outras partes da Europa continuaram tentando outras abordagens para remediar os defeitos
da flauta do sistema antigo: na Alemanha, o trabalho continuou na tradicional flauta cônica de
8 chaves; na Inglaterra, havia vários projetos inteiramente novos, assim como modificações
consideráveis no sistema Boehm. Embora haja algum interesse histórico nestes modelos
nenhum deles vingou e/ou é utilizado atualmente.
O final do século XIX testemunhou uma significativa mudança de pensamento entre os
fabricantes de flauta; eles reconheceram que a flauta de Boehm veio para ficar e se contentaram
em fazer apenas pequenas modificações mecânicas que exigiram pouca ou nenhuma adaptação
por parte dos flautistas. As chaves que foram adicionadas eram chaves suplementares
destinadas a resolver problemas técnicos específicos; elas não afetaram o funcionamento do
mecanismo básico de nenhuma maneira. Outras modificações tinham a ver com materiais e
59

técnicas de construção projetadas também para o benefício dos músicos, mas principalmente
para remediar preocupações dos fabricantes, cuja motivação não menos importante era
econômica. Mais recentemente, os fabricantes deram atenção não ao mecanismo, mas às
propriedades acústicas da flauta. Em resposta, várias novas escalas nomeadas surgiram. A
escala Cooper, projetada por Albert Cooper, é provavelmente a mais famosa, seguida pela
escala Bennett e a escala Deveau. Nos dias atuais cada fabricante alega utilizar a sua própria
escala, matematicamente mais exata que a dos concorrentes. Escreve Galway:
Depois dos esforços de Boehm, grandes flautistas - ou quaisquer flautistas - não
precisavam mais lutar contra as imperfeições de seus instrumentos, como Hotteterre,
Quantz e companhia tinham feito tão bem. Aprender a tocar não era tão complicado
e tocar afinado não exigia tal habilidade. Na teoria, essa era a imagem. Na prática,
foi bastante diferente. Muitos fabricantes ignoraram Boehm e seus cálculos
acústicos, provavelmente porque não conseguiam entender a matemática. Flautas
intrinsecamente desafinadas continuaram sendo feitas, e de fato ainda estão sendo
feitas pelos reacionários mais profundos até hoje [...] algumas pessoas ficaram
impressionadas o suficiente para ler o tratado e descobrir que as somas não eram tão
difíceis quanto tudo isso. Na verdade, de acordo com os matemáticos, as somas
acabaram não estando perfeitamente acertadas, mas muito próximas disso. Agora
que a flauta era capaz de alto desempenho técnico, música exigente veio ao
encontro. Neste intervalo a flauta consolidou seu lugar na orquestra, mas não ganhou
muito para a performance solo. (GALWAY, 1990, p. 43).

No início do séc. XX a grande e profunda transformação no panorama flautístico não


esteve relacionada a mudanças feitas no instrumento, mas sim a maneira de tocar. A Cátedra de
flauta do Conservatório de Paris, ocupada por Paul Taffanel, Philippe Gaubert e principalmente
Marcel Moyse entre outros grandes pedagogos e performers desempenhou papel
importantíssimo nessas transformações. Com as imperfeições do instrumento corrigidas – ou
ao menos amenizadas, e uma nova forma mais expressiva e interessante de tocar, o caminho
estava pavimentado para que a flauta voltasse a gozar de importância como instrumento solo e
na música de câmara como podemos ver na tabela a seguir:
Adler, Samuel (n.1928) Concerto
Sonata
Aitken, Robert (n.1939) Icicle
Plainsong
Arnold, Malcom (1921-2006) Concerto op. 45
Concerto op. 111
Fantasy op. 80
Sonata op. 121
Sonatina op. 19
Barber, Samuel (1910-1981) Capricorn Concerto, op. 21
60

Bennett, Richard Rodney (n.1936) Momento


Sonatina
Summer Music
Winter Music
Berio, Luciano (1925-2003) Sequenza I
Serenata I
Bernstein, Leonard (1918-1990) Halil
Bloch, Ernest (1880-1959) Concertino
Suite Modale
2 Last Poems (Maybe...)
Boulanger, Lili (1893-1918) D’um matin de printemps
Nocturne
Boulez, Pierre (1925-2016) Sonatine
Bozza, Eugene (1905-1991) Agrestide op. 44
Aria
Concertino da Camera
Dialogue
Fantaisie Italienne
Image op. 38
Phorbéia
Sonatine
Burton, Eldin (1913-1981) Concerto
Sonatina
Busoni, Ferruccio (1866-1924) Albumblatt
Divertimento op. 52
Cage, Jhon (1912-1992) 3 Pieces
Two
Caplet, André (1878-1925) Improvisations
Quintet
Rêverie et Petite Valse
Carter, Elliott (1908-2012) Concerto
Eight Etudes and a Fantasy
Scrivo in vento
61

Sonata
Casella, Alfred (1883-1947) Barcarolle et Scherzo op. 4
Sicilienne et Burlesque op. 23
Castérèd, Jacques (1926-2014) La Belle Époque
Flûtes en vacance
Sonatine d’avril
Sonatine de mai
Copland, Aaron (1900-1990) Duo
Corigliano, John (n.1938) Pied Piper Fantasy
Voyage
Damase, Jean-Michel (1928-2013) Concerto
Conte d’Hiver
4 Divertissements
Duettino
Nocturne
Rapsodie
Scherzo
Serenade op. 36
Daugherty, Michael (n.1954) The High and the Mighty
Trail of Tears
Debussy, Claude (1862-1918) Sonata
Syrinx
Denisov, Edison (1929-1996) Concerto
Duo
4 Pièces
Sonata
Dick, Robert (n.1950)* Concerto
Fish Are Jumping
Flying Lessons I & II
Lookout
Dubois, Pierre Max (1930-1995) A Tempo Classico
Berceuse et Rondo Capriccioso
La Capricieuse
62

Concerto
Incantation et Danse
Novelette
Petite Suite
Piccolette
Sonate
Dukas, Paul (1865-1935) La plainte, au loin, du Faunne
Duttileux, Henri (1916-2013) Sonatine
Enesco, Georges (1881-1955) Cantabile et Presto
Fauré, Gabriel (1845-1924) Fantaisie op. 79
Morceau
Pavane
Feld, Jindrich (1925-2007) Concerto
Fantaisie Concertante
4 Pièces
Sonate
Sonatine
Ferneyhough, Brian (n.1943) Cassandra’s Dream Song
Four Miniatures
Ferroud, Pierre-Octave (1900-1937) 3 Pièces
Françaix, Jean (1913-1997) A Cinq
A Quatre
Concerto
Divertimento
Duo Concertante
Suite
Gaubert, Philippe (1879-1941)* Ballade
Berceuse
Divertissemente Grec
Fantaisie
Madrigal
Nocturne et Allegro Scherzando
Romance
63

Sicilienne
Sonatas no. 1-3
Sonatine
Gieseking, Walter (1895-1956) Sonatine
Variations on a Theme by Grieg
Ginastera, Alberto (1916-1983) Duo op. 13
Glass, Philip (n.1937) Fantasy
Serenade
Griffes, Charles (1884-1920) Poem
Hindemith, Paul (1895-1963) Concerto
Echo
8 Pieces
Sonata
Holst, Gustav (1874-1934) A Fugal Concerto op. 40
Honegger, Arthur (1892-1955) Concerto da camera
Danse de la chèvre
Romance
Suite
Hüe, Georges (1858-1948) Fantaisie
Nocturne et Gigue
Serenade
Ibert, Jacques (1890-1962) Concerto
Entr’acte
Jeux
Pièce
D’Indy, Vincent (1851-1931) Concerto op. 89
Suite op. 91
Trio
Jolivet, André (1905-1974) Chant de Linos
Concerto
Fantaisie Caprice
5 Incantations
Sonate
64

Sonatine
Karg-Elert, Sigfrid (1877-1933) Jugent op. 139
Sinfonische Kanzone op. 114
Sonata op. 121
Sonata appassionata op. 140
Koechlin, Charles (1867-1950) L’album de Lilian op. 139
14 Chants op. 157
Morceau de lecture op. 218
Sonata op. 52
Sonata op. 75
3 Sonatines op. 184
Lieberman, Lowell (n.1961) Concerto op. 39
Concerto op. 48
Concerto op. 50
Eight pieces op. 59
Soliloquy op. 44
Sonata op. 23
Sonata op. 56
Martin, Frank (1890-1974) Ballade
Martinu, Bohuslav (1890-1959) Concerto H. 252
Madrigal Sonata H. 291
Sonata H. 254
Sonata H. 306
Trio H. 300
Messiaen, Olivier (1908-1992) Le merle noir
Milhaud, Darius (1892-1974) Sonata op. 47
Sonatine op. 76
Mower, Mike (n.1958) Deviations on The Carnival of Venice
Sonata no. 3
Muczynsky, Robert (1929-2010) Moments op. 47
3 Preludes op. 18
Sonata op. 14
Nielsen, Carl (1865-1931) Concerto
65

Nono, Luigi (1924-1990) Konzertante Musik


Penderecki, Krzyzstof (n.1933) Concerto
Pérrilhou, Albert (1846-1936) Ballade
Pierné, Gabriel (1863-1937) Canzonetta op. 19
Sérénade op. 7
Sonata op. 36
Sonata da camera op. 48
Piston, Walter (1894-1976) Concerto
Sonata
Poulenc, Francis (1899-1963) Sexteto
Sonata
Prokofiev, Sergei (1891-1953) Sonata
Ran, Shulamit (n.1949) East Wind
Sonatina
Reger, Max (1873-1916) Romance
Serenade op. 77
Rodrigo, Joaquín (1901-1999) Concerto Pastoral
Fantasia para un Gentilhombre
Roussel, Albert (1869-1937) Andante et Scherzo op. 51
Serenade op. 30
Rutter, John (n.1945) Suite Antique
Sancan, Pierre (1916-2008) Sonatine
Schmitt, Florent (1870-1958) Scherzo pastorale op. 17
Sonatine op. 85
Suite op. 129
Schocker, Gary (n.1959)* Airbone
Green Places
In Memoriam
Three Dances
Schulhoff, Erwin (1894-1942) Concertino
Sonata
Takemitsu, Toru (1930-1996) Koe [Voice]
Taktakishvili, Otar (1924-1989) Sonata
66

Varèse, Edgar (1883-1965) Density 21.5


Vaughan Williams, Ralph (1872-1958) Suite de Ballet
Villa-Lobos, Heitor (1887-1959) Assobio a Jato
Bachianas Brasileiras no.6
Chôros no. 2
Quinteto
67

CONCLUSÃO

O Instrumento é a ferramenta do fazer musical, é por meio dele que o intérprete leva a
fim a realização daquilo que foi idealizado na mente do compositor. É veículo para explorar e
expressar ideias e sentimentos musicais através do som. Música e instrumento musical
estabelecem uma relação intrínseca, na maior parte do tempo indissociável, de objetivo e meio.
Desde muito tempo é sabido que as ideias e sentimentos musicais se modificaram ao longo das
eras, assim como as capacidades de comunicação e expressão dos instrumentos se
desenvolveram. A flauta sempre gozou de grande popularidade por tratar-se de um instrumento
de simples construção e execução. Ao longo do tempo está simplicidade foi dando lugar a uma
cada vez maior elaboração ao mesmo tempo em que os gêneros e estilos musicais foram se
transformando.
Após consultarmos a literatura sobre a flauta transversal e analisarmos como se deram
a evolução e as transformações por quais o instrumento passou ao longo dos últimos 400 anos
e de alguma forma dimensionarmos o volume da produção musical [tamanho do repertório]
destinado a flauta neste período nos resta claro que a quantidade (e qualidade) de música que é
composta para um determinado instrumento está intimamente relacionada não apenas ao nível
de popularidade do instrumento, mas também as suas possibilidades técnicas e adequação a
corrente estética e estilística em voga naquele momento.
Alternância de correntes estéticas, o desenvolvimento do instrumento e de sua
construção, o aprimoramento dos instrumentistas e ainda mudanças sociais e econômicas; tudo
isso contribuiu para o desenvolvimento da flauta transversal. É de suma importância que os
flautistas tenham consciência do percurso traçado por nosso instrumento ao longo da história e
conheçam quais eram as características e dificuldades inerentes as flautas do passado. Estes
conhecimentos fornecem substância para performances e interpretações mais aprofundadas e
historicamente corretas do repertório de períodos não-contemporâneos. Neste sentido Powell
pontua:
Muitos dos indivíduos dedicados e enérgicos o bastante para obter conhecimento
detalhado do passado já sabiam, é claro, que tal visão simplista era imprecisa, e que
toda a história da arte não é uma história de progresso em proficiência técnica, mas
uma história de mudanças de ideias e exigências ou, como o colecionador e
musicólogo do século XIX François-Joseph Fétis mais asperamente colocou: "A arte
não progride, ela se transforma". Mas no caso da música, essa visão mais esclarecida
permaneceu rara até que novas condições no final do século XX a trouxessem à
atenção mais ampla. A ascensão do rádio e da indústria fonográfica, o movimento de
vanguarda, o renascimento da música folclórica, um novo interesse pelas antigas
tradições não ocidentais, como a música clássica indiana, e o florescimento de
performances em instrumentos de época da música antiga introduziram repertórios
desconhecidos e desafiadores a um mainstream musical que começara a fossilizar.
68

Esses novos estilos mostraram que o instrumentário de orquestra ocidental, tal como
se formara no final do século XIX e início do XX, apresentava sérias limitações para
o desempenho de algumas músicas que não a sua. Essa percepção forneceu aos
músicos uma razão urgente para ter um interesse mais profundo na história de sua arte
e de seus instrumentos. Interpretações da música renascentista, barroca e clássica se
multiplicaram. Muitos deles tentaram seguir as instruções de performance
contemporâneas e usar instrumentos de época, alguns dos quais nunca tinham feito
parte regular da orquestra. Os fracassos, bem como o sucesso dessas experiências,
logo tornaram claro, mesmo para ouvintes não especialistas, algumas das maneiras
pelas quais os instrumentos, o estilo musical e a prática do desempenho estão
interligados. Muitas pessoas rapidamente perceberam que nenhuma obra musical
pode ser totalmente compreendida sem saber como ela deveria ser ouvida
originalmente, assim como não podemos entender instrumentos (exceto no sentido
mais frio e teórico) sem aprender sobre os métodos apropriados de tocá-los, em seu
próprio e específico repertório. (POWELL, 2002, p.2).

Desde os primórdios do período barroco, primeiro período histórico da música ocidental


onde temos registros substanciais do repertório instrumental que era executado, a flauta vale-se
de popularidade e prestígio. Nesta era, uma miríade de músicas com e para flauta foram escritas.
Mesmo durante o período clássico e até mesmo durante o romântico a popularidade da flauta
permaneceu em alta, o repertório, porém, minguou, voltando a florescer na virada do século
XIX para o séc. XX. Podemos apontar, por exemplo, o fato de que durante o período romântico
foram escritos apenas 3 concertos para flauta e orquestra de relevância por compositores que
não fossem eles mesmos flautistas [Molique, Reinecke e Romberg]. Isto não se deu por falta de
público para o instrumento, mas sim porque a flauta deste período simplesmente era inadequada
ao tipo de música que era feita naquela época. Após as modificações propostas por Theobald
Boehm e o estabelecimento da Escola Francesa de Flauta que propôs uma nova forma de tocar,
o instrumento [e os instrumentistas] estavam novamente a altura do grande volume de música
que foi – e ainda é – composta para a flauta.
69

REFERÊNCIAS

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