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SÃO PAULO
2019
JOÃO PAULO MOSMAN DE SOUZA
SÃO PAULO
2019
Dedico este trabalho à memória de meus pais
Ilda e Paulo, que enquanto estiveram aqui
presentes não mediram esforços e me deram
apoio incondicional para que eu levasse os
estudos adiante e nunca se opuseram a minha
escolha pela música.
Agradeço primeiramente a Deus, por ter permitido despertar em mim o interesse pela
música e, segundo a minha fé, ter confiado a mim o dom de me expressar (e sobretudo louvá-
lo) através do meu instrumento.
Agradeço aos meus amados e saudosos pais por nunca haverem feito objeção a carreira
musical por mim escolhida, mesmo sem grandes perspectivas de retorno e realização material
sempre se preocuparam em primeiro lugar com a minha felicidade.
Não poderia deixar de agradecer profundamente minha amada esposa, por toda
compreensão, apoio, carinho e incentivo durante todo o tempo de maturação deste trabalho e
não só. Sua parceria e auxílio tem sido primordiais para que o desejo de fazer música permaneça
vivo em mim.
Consigno também minha gratidão ao Professor e amigo Rogério Zerlotti Wolf, por toda
paciência nestes anos e por desde o primeiro contato sempre ter me mostrado o caminho a ser
percorrido com humildade e galhardia.
Por fim, meus sinceros agradecimentos ao corpo docente e a coordenação da Escola
Superior de Música da Faculdade Integral Cantareira, em especial ao Prof. MSc. Guilherme
Marques por aceitar a tarefa de me orientar neste trabalho, mesmo em condições não usuais, e
ter contribuído com valiosos e acertados ensinamentos; e a Prof. MSc. Aída Machado,
coordenadora do curso, sempre disponível e disposta em auxiliar em todas as minhas demandas.
Tempora mutantur nos et mutamur in illis.
Os tempos mudam e nós mudamos com eles.
RESUMO
Music, like the other arts, is a language in constant transformation. Throughout the
ages, social changes; technological development; economic and political transformations have
made the way that music is produced (in the broadest spectrum - composed, executed and
sold), consumed and appreciated have been changed. The musical instruments, comunication'
vehicles of this language, were not immune to these changes.
This work aimed to verify if there is any relationship between the development of the
transverse flute, its popularity and the size (and importance) of the solo repertoire for him
composed over the years. The methodology adopted was the historical research, carried out
through consultation with the literature on the transverse flute resulting in a descriptive
narrative of the history of the flute through time.
Keywords: Transverse Flute, Music History, History of the Instrument, Theobald Boehm
LISTA DE FIGURAS
Figura 1. Representação da flauta modelo Boehm com indicação das três partes. ............................. 13
TOFF, Nancy. The Flute Book: A Complete Guide for Students and Performers. Nova Iorque: Oxford
University Press, 2012.
Figura 2. Mecanismo da rolha do bocal. ............................................................................................... 14
TOFF, Nancy. The Flute Book: A Complete Guide for Students and Performers. Nova Iorque: Oxford
University Press, 2012.
Figura 3. Partes do bocal antes de serem unidas.................................................................................. 14
Disponível em:
<http://4.bp.blogspot.com/2xtkqfdkiqk/UBmDaHHzM5I/AAAAAAAAAj0/YXFdiLpb43Q/s1600/005.5.j
pg>. Acesso em: 04 jan. 2019.
Figura 4. Flauta transversal apresentada por Mersenne em seu Harmonie Universelle, 1637. 21
GALWAY, James. Flute. Londres: Kahn & Averill, 1990.
Figura 5. Cópia feita por Andreas Glatt de uma flauta de G. A. Rottenburgh de Bruxelas de cerca de
1760....................................................................................................................................................... 26
Disponível em: <http://www.oldflutes.com/im/glatt.jpg>. Acesso em: 04 mai. 2019.
Figura 6. Flauta de 8 chaves feita por Rudall & Rose, Londres, 1827. .................................................. 36
TOFF, Nancy. The Flute Book: A Complete Guide for Students and Performers. Nova Iorque: Oxford
University Press, 2012.
Figura 7. Sistema Boehm de 1831. ........................................................................................................ 45
TOFF, Nancy. The Flute Book: A Complete Guide for Students and Performers. Nova Iorque: Oxford
University Press, 2012.
Figura 8. Representação do Sistema Boehm de 1832........................................................................... 47
TOFF, Nancy. The Flute Book: A Complete Guide for Students and Performers. Nova Iorque: Oxford
University Press, 2012.
Figura 9. Alavanca B-Bb Boehm. ........................................................................................................... 50
TOFF, Nancy. The Flute Book: A Complete Guide for Students and Performers. Nova Iorque: Oxford
University Press, 2012.
Figura 10. Alavanca B-Bb Briccialdi. ...................................................................................................... 50
TOFF, Nancy. The Flute Book: A Complete Guide for Students and Performers. Nova Iorque: Oxford
University Press, 2012.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................................................... 10
A FLAUTA MODERNA .................................................................................................................... 12
AS ORIGENS DA FLAUTA .............................................................................................................. 16
As primeiras transversais ocidentais ............................................................................................. 20
Flauta doce vs flauta transversal ................................................................................................... 22
O TRAVERSO BARROCO ............................................................................................................... 24
CLASSICISMO: A FLAUTA DE MOZART ................................................................................... 31
ROMANTISMO E AS INOVAÇÕES DE BOEHM ........................................................................ 39
Boehm e sua revolução.................................................................................................................... 42
MODERNIDADE PÓS BOEHM ....................................................................................................... 58
CONCLUSÃO ..................................................................................................................................... 67
REFERÊNCIAS .................................................................................................................................. 69
BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................................. 70
10
INTRODUÇÃO
1
Instrumento. In: DICIO, Dicionário Online de Português. Porto: 7Graus, 2018. Disponível em:
https://www.dicio.com.br/instrumento/. Acesso em: 14/02/2019.
2
Libin, L. (2019). Grove Music Dictionary. Disponível em Oxford Music Online:
http://www.oxfordmusiconline.com/grovemusic/abstract/10.1093/gmo/9781561592630.001.0001/omo-
9781561592630-e-3000000097. Acesso em 15 de fevereiro de 2019.
11
música, o resultado não será o mesmo. Deste fenômeno resulta a valorização da orquestração,
do arranjo e da instrumentação, três nominativos para uma mesma habilidade: escolher, dentro
de uma ampla gama de possibilidades, quais combinações de instrumentos melhor expressam
determinada ideia musical.
Mesmo que a relação indissociável ocorra no sentido de que o objetivo é mais
importante do que o meio, isto é, o instrumento está a serviço da música, existem claros reflexos
no sentido inverso: ao escrever para determinado instrumento, o compositor deve levar em
consideração certas características particulares daquela ‘ferramenta de fazer música’.
É neste contexto que a flautista e historiadora Nancy Toff em seu best-seller The Flute
Book afirma que:
A história da música para a flauta e a história do próprio instrumento estão
intimamente relacionadas. Para o flautista moderno, portanto, a familiaridade com a
história do instrumento ajuda a entender como suas características físicas determinam
o conteúdo técnico e as características estilísticas da música. A partir de 1700
particularmente, o desenvolvimento estrutural e mecânico da flauta correlaciona-se de
perto com o desenvolvimento na composição musical e na prática da performance.
Não é preciso dizer que esta correlação não é mera coincidência. (TOFF, 2012, cap.
4, p. 1).3
3
A edição consultada como referência para este trabalho não utiliza paginação contínua, por esta razão as
citações a esta obra indicarão número de capítulo e página.
12
A FLAUTA MODERNA
Figura 1. Representação da flauta modelo Boehm com indicação das três partes.
Já a cabeça, algumas vezes também chamada de bocal, é constituída por um tubo que
muitas vezes apresenta um certo grau de conicidade e contém em uma de suas extremidades
uma coroa; uma tampa de metal (também decorativa) que serve para proteger o mecanismo de
afinação da cabeça. O mecanismo é formado por um parafuso, que permite ajustar o
cumprimento total do tubo do instrumento, assim permitindo que o músico faça pequenos
ajustes na afinação interna da flauta, e uma rolha (normalmente de cortiça) responsável por
vedar o tubo. Um pouco a diante se encontra o furo da embocadura, que em flautas de metal é
coberto por uma chapa curvada que recebe o nome de porta-lábios. A distância entre o centro
do furo da embocadura e o final da cortiça deve ser de 17,3 mm. O parafuso da coroa permite
que essa distância seja ajustada usando como guia uma marcação feita pelos fabricantes na
vareta de limpeza do instrumento.
14
O formato do furo pode variar bastante, indo desde uma forma oval alongada até a um
retângulo com cantos arredondados. De maneira geral, um formato oval produz maior resposta
no registro agudo enquanto o retângulo arredondado aumenta consideravelmente os graves.
Similarmente, um furo grande melhora o registro grave, enquanto um furo menor ajuda os
registros médio e agudo. Flautas profissionais comumente utilizam furos mais retangulares e
flautas voltadas a iniciantes furos arredondados. Já o porta-lábios é disponível em diferentes e
variadas possibilidades: mais ou menos plano, mais ou menos curvado (paralelo a curvatura do
tubo) e com saliências (chamadas de wing = asa) em ambos os lados. Essas saliências ajudariam
a direcionar de forma mais eficiente a coluna de ar para dentro do instrumento.
O som é produzido quando o flautista direciona a coluna de ar através do furo da
embocadura, então a coluna de ar é divida pela parede da chaminé sendo uma parte do ar
soprado levado para dentro do instrumento enquanto outra parte é desperdiçada. A velocidade,
o ângulo e o volume da corrente de ar vão determinar a qualidade do som, como também
influíram diretamente na afinação.
As flautas modernas são construídas tanto com metal quanto com madeira, sendo os
modelos feitos em metal aqueles de maior predominância. Os metais utilizados vão desde ligas
de cobre, zinco e níquel até metais nobres como prata, ouro e platina, em variados níveis de
pureza e muitas vezes também combinados (ligas de prata com ouro, prata com platina ou ainda
combinações dos três materiais). O material com o qual o instrumento é construindo influencia
determinantemente no timbre dos sons emitidos por aquele instrumento.
16
AS ORIGENS DA FLAUTA
Até algum tempo atrás as origens da flauta (seja ela de qual tipo for) eram objeto de
especulações, não podendo ser possível precisar onde ou como o instrumento surgiu. James
Galway indica, porém, que apesar de ser impossível precisar onde ocorreu o florescimento do
nosso instrumento, existem fortes indícios que isso se deu em mais de um lugar:
O que pode ser dito sem medo de errar é que cada cultura, cada país, cada parte do
mundo produziu flautas de um tipo ou outro, e geralmente de vários. Cave no
passado onde quer que seja e lá você encontrará alguém com uma flauta.
(GALWAY, 1990, p. 1).
Esta ausência de evidências foi, ao menos em partes, dirimida anos depois. Pesquisas
arqueológicas realizadas em diversos lugares do mundo lograram êxito em localizar exemplares
primitivos de flautas. O célebre musicólogo Paul Griffiths abre seu A Concise History of
Western Music com estes termos:
Alguém, sentado em uma caverna, faz furos em um osso cuja medula foi drenada,
levanta-o em direção a boca e sopra - em uma flauta. [...] Quase certamente começou
em Geissenklösterle, no sudoeste da Alemanha, e em Divje Babe, na Eslovênia - dois
lugares onde fragmentos de ossos ocos com furos inexplicáveis foram encontrados,
datados de 45.000 a 40.000 anos atrás, perto de quando nossa espécie chegou. Tão
logo estávamos aqui, provavelmente estávamos fazendo música. [...] Milhares de
gerações mais tarde (17.000-11.000 anos atrás), outras flautas de osso quebradas
representavam a música dos Magdalenianos, povo conhecido por suas pinturas em
cavernas no sul da França e da Espanha, cujos contemporâneos na costa leste do
Mediterrâneo estavam produzindo bullroarers (objetos girados em cordas) e
chocalhos. Flautas inteiras feitas de ossos de asas de Grou5 sobreviveram no vilarejo
neolítico de Jiahu, no centro da China, datadas de 9.000-8.000 anos atrás - uma em
condição boa o suficiente para ser tocada, e sugerir que seu criador soubesse colocar
os furos nos lugares corretos para produzir uma escala de seis notas cobrindo uma
4
A edição consultada como referência para este trabalho não utiliza paginação contínua, por esta razão as
citações a esta obra indicarão número de capítulo e página.
5
Nome popular das aves da família Gruidae. São pássaros grandes de pernas e pescoços alongados.
17
oitava, além disso, não podemos saber que música uma vez saiu dessas flautas.
(GRIFFITHS, 2006, p. 1-2).
A grande jornada desde estes exemplares de flautas primitivas feitos de ossos até os
ancestrais da flauta transversal durou dezenas de milênios. Neste lapso temporal, ao redor de
todo mundo, surgiram diversos tipos de flautas. Muitos destes tipos, embora sejam de certa
forma restritos a determinados grupos étnicos ou espaços geográficos, sobrevivem até os dias
atuais. Neste sentido diz Ardal Powell:
O instrumento que chamamos simplesmente de "flauta" pertence a uma família
grande, diversa e amplamente distribuída, que inclui qualquer objeto oco que possa
produzir som quando o músico sopra ar através de um buraco em sua superfície, ou
sobre uma borda interna, como em apitos e flautas doces. Músicos de todo o mundo
usam muitos tipos de flauta: flautas de vaso como a ocarina, flautas de duto como a
flauta doce e tipos de sopro na extremidade como a kena da América do Sul, bem
como as transversais como os bansuri do norte da Índia ou os di-zi da China. Apesar
desta variedade em escala global, a Europa e o Novo Mundo viram um único tipo
dominar na era moderna: um longo tubo segurado de lado, tendo um buraco (a
embocadura) perto de uma das extremidades para o músico produzir o som, bem como
um número de furos cobertos ou não pelos dedos ao longo do tubo para controlar o
tom. (POWELL, 2002, p. 1).
Não é preciso muito esforço para se dar conta do quanto o mundo e a civilização humana
modificaram-se e desenvolveram-se em todo este espaço de tempo. A própria flauta passou do
osso ao ouro, de uma origem completamente rudimentar ao mais alto refinamento. Neste
percurso, desde as primitivas flautas de Jiahu até o estabelecimento da flauta transversal como
o tipo de flauta predominante na música ocidental, atravessamos pré-história, idade antiga e
idade média. Neste interim civilizações do oriente médio e da Ásia perderam hegemonia e
dominância, dando lugar a civilização ocidental, nascida sob influência Grega e Romana.
O tipo de flauta predominante nestas civilizações precedentes ao mundo ocidental
(bizantinos, árabes e orientais) era aquele de tubo, tocado verticalmente, soprado em uma das
extremidades. Isto refletiu no inicio da música ocidental sendo o instrumento que nos dias atuais
chamamos de flauta doce o tipo de flauta mais popular à época. Talvez isto tenha se dado pela
simplicidade e aparente facilidade de execução do instrumento. Neste sentido pontua J. Galway:
Algo um pouco mais claro vem de outras partes do antigo Oriente Próximo, da
Suméria e do Egito, mas a maioria das informações é pictórica 6 e, portanto, não é tão
exata quanto se poderia desejar. Essas civilizações possuíam um tubo de cana, com
cerca de um metro de comprimento, sem buracos no começo, mas depois com três ou
quatro buracos; flautas enterradas em túmulos egípcios demonstram uma variedade
de três furos. O instrumento parece ter começado como uma ferramenta de pastoreio
e ter sido cooptado depois para o cerimonial religioso.
Os gregos parecem ter sido os primeiros a usar seis buracos para os dedos, de modo
que seus instrumentos pudessem tocar todas as notas do modo ou escala em que
estavam afinados. (GALWAY, 1990, p. 5).
6
Adjetivo; relativo a pintura, que se presta a ser representado visualmente.
18
Galway ainda acrescenta que a flauta era para pastores, aldeões e os incultos em geral,
as castas mais baixas da sociedade. O aulos, ancestral do oboé, era o instrumento que tinha
prestígio, e assim foi até a Idade Média, quando as flautas surgiram no norte da Europa. No
primeiro milênio da era cristã, a Europa estava atrasada em relação ao Império Bizantino e o
Oriente. A primeira flauta a rumar em direção ao Oeste foi o pipe7 simples, tocado com o tambor
que chegou à Europa na primeira metade do século XII. O pipe, uma flauta soprada na
extremidade da frente, tinha três orifícios para os dedos - dois na frente, e um na parte de trás
para o polegar - e era tocado com uma mão. A outra mão batia o ritmo no tambor. Quase que
ao mesmo tempo, duas outras variedades de flauta ganhavam epaço. O leste da Europa exportou
a flauta transversal para a Alemanha, onde se estabeleceu no século XII; no século XV, na
forma do pífaro tocado junto com um tambor, foi amplamente tocado tanto para fins militares
quanto para diversão. Enquanto isso, instrumentos do tipo flageolet estavam se movendo do sul
para o norte. Estas eram flautas de fenda, como a flauta doce, que no século XIV passou a ser
usada genericamente como uma melhoria em instrumentos semelhantes do passado.
Este tipo de flauta foi predominante na Europa por mais de 500 anos. Galway aponta
que duas de suas características podem ter contado para este longevo período de glória da
flauta doce:
Primeiro, numa era de música amadora, este era o instrumento ideal. Não tem
mecanismos para complicar as coisas; o executante não precisa aprender alguma
embocadura especial, ele simplesmente coloca o bocal entre os lábios e sopra. Em
segundo lugar, houve um apelo pela pureza calma de seu tom, que não variava
qualquer fosse o clima da música e não podia ser grandemente influenciado por
qualquer coisa que o executante fizesse. A simplicidade do som, aparentemente sem
harmônicos, parecia não ter nada a ver com o conhecimento, o mecanismo ou mesmo
à habilidade do músico. Há motivos para dizer que, enquanto a flauta é o mais natural
dos instrumentos, a flauta doce é a mais natural das flautas. (GALWAY, 1990, p. 11).
Embora saibamos como se deu a transição da flauta doce para a flauta transversal,
precisar como esta última foi introduzida no mundo ocidental seria trabalho demasiadamente
árduo e extenso. Ardal Powell utiliza-se de um considerável número de laudas na narrativa para
apontar como registros e vestígios da presença de flautas transversais surgiram na Europa.
Ainda que não haja nada muito concreto além de citações em poemas, pinturas, algumas
menções em correspondências e documentos, A. Powell (2002, p. 11) afirma: “Costuma-se
supor que algum tipo de flauta indiana se tornou conhecida em Bizâncio por volta do século X,
e foi então transmitida para a Europa”. Não deve ser coincidência que indianos (Krishna),
7
Não encontramos uma nomenclatura apropriada em português para este instrumento. A tradução literal do
termo Pipe é cano ou cachimbo.
19
egípcios (Osíris) e gregos – logo, Bizantinos (Pan, ou Athenas) atribuem a invenção da flauta a
seres mitológicos/deuses. Ainda de acordo com Powell (2002), durante esse período (séc. XII
até séc. XVII) flautas transversais foram surgindo nos lugares hoje chamados de Espanha,
França, Inglaterra e Itália, mas sobretudo, na Alemanha, provavelmente o único lugar onde as
transversais eram conhecidas antes do séc. IV.
Em seu trabalho, Powell (2002) diz que a julgar pela escassez de referências na literatura
e em pinturas no início do séc. XV, a flauta transversal aparenta ter caído em desuso por
aproximadamente 50 anos. Embora existam algumas menções a flautas em documentos
contemporâneos como relatos de celebrações e banquetes ou até mesmo uma encomenda a um
fabricante de instrumentos, a imprecisão na terminologia não permite precisar a que tipo de
flauta estes registros se referem, se a transversa ou algum tipo de flauta doce. Uma mudança
memorável, porém, viria a ocorrer colocando a flauta transversal em proeminência em toda
Europa durante as últimas décadas daquele século.
Em 1476, soldados suíços obtiveram vitórias esmagadoras nas batalhas de Grandson e
Morat contra o exército do Duque da Borgonha Carlos, o Temerário. Estas vitórias tiveram
grande importância na história da Europa e também na história do nosso instrumento. Após
estes combates os soldados suíços alcançaram uma aura de imbatíveis e sua fama se espalhou
por todo o continente. Essa reputação fez com que mercenários suíços fossem contratados por
diversos reinos, só Luis XI da França por exemplo, contava em 1481 com 6 mil desses
mercenários e é neste período que acontece a criação da famosa Guarda Suíça Papal. Mas o que
toda essa história de guerra tem a ver com flauta? Powell explica:
Testemunhas relataram que as tropas suíças marcharam precisamente no tempo, quase
como um corpo de balé mortal, ao ritmo de um pífaro e um tambor no centro de cada
formação. A notícia dessas novas técnicas de condução de guerras a pé correu o
continente no final do século XV. [...] Após mais vinte anos, mais de dois terços das
infantarias do continente adotaram a lança com ponta de aço e os aspectos da técnica
suíça, juntamente com os sinais de flauta e tambor que integram o seu uso. Primeiro
alemães e franceses, então forças espanholas e italianas copiaram as táticas suíças.
(POWELL, 2002, p. 27).
para os dedos. Não está claro para ele, porém, se este mesmo instrumento era usado pelos civis
ou se havia alguma outra variação.
Sobre a disseminação da técnica suíça de combate, Powell (2002, p. 27) afirma:
“Evidentemente, como os instrumentos e o estilo de tocar suíços não eram bem conhecidos em
outros lugares, outros exércitos nacionais que estavam aprendendo as novas técnicas
empregaram, num primeiro momento, os músicos suíços”. Com o passar do tempo essas
técnicas e práticas foram absorvidas a ponto de não ser mais necessário importar os soldados
helvéticos e a flauta foi tomando espaço nas práticas musicais locais, indo além do uso militar.
demonstradas por Praetorius tinham extensão de duas oitavas e flautistas mais habilidosos
conseguiam emitir mais 4 notas adicionais, como de falset. O fato de ambos, Praetorius e
Agricola, serem alemães não deve ser interpretado como coincidência uma vez que a flauta
transversa se estabeleceu em primeiro lugar na Alemanha, após ter sido disseminada através
dos soldados suíços. Quantz afirma:
No entanto, é indubitável que em terras ocidentais os alemães foram os primeiros a
reviver, se não estabelecer, os princípios básicos da flauta transversal, bem como de
muitos outros instrumentos de sopro. Assim, os ingleses chamam o instrumento de
German flute [flauta alemã], e os franceses o designam de la flûte allemande.
(QUANTZ, 2001, cap. 1, p. 1).
Toff (2012, cap. 4, p. 2) acrescenta que Mersenne apresenta além desta aludida flauta
em D, uma outra em G e chama ambas de Flûtes d’Allemand. Ambas possuem 6 furos para os
dedos espaçados de maneira equidistantes em um tubo cilíndrico. Embora estas flautas não
tivessem chaves, Mersenne como se enxergasse o futuro, explica que a flauta poderia executar
escalas perfeitamente cromáticas com precisão através da adição de chaves. Ele até apresenta
um esboço de como tais chaves deveriam parecer. Todavia, somente após mais de 50 anos o
instrumento recebeu a primeira chave.
Figura 4. Flauta transversal apresentada por Mersenne em seu Harmonie Universelle, 1637.
22
A transição da flauta doce para a flauta transversal foi gradual e muito tem a ver com o
tipo de música feito na época. Os dois tipos de flauta até se equivalerem por algum tempo
durante a passagem da renascença para o período barroco, com a predominância gradualmente
deixando a flauta doce e passando para a transversal ao longo dos anos. Sobre esta transição
Galway (1990, p. 14) diz: “O que fez a flauta doce finalmente sair de cena foi o
desenvolvimento da orquestra clássica no século XVIII. Para a orquestra, ao contrário dos
pequenos conjuntos, a flauta doce não estava bem equipada, talvez porque sua evolução tivesse
chegado ao fim”. O instrumento permanece o mesmo de meados de 1550 até os dias de hoje.
Ainda segundo Galway (p. 17) apenas alguns anos após a morte de Telemann, o compositor,
organista e poeta alemão C. F. D. Schubart escreveu o epitáfio da flauta doce: "Este instrumento
quase caiu em desuso devido ao seu som pequeno e sua extensão limitada". Seu
desaparecimento durou até o século XX, quando o fabricante de instrumentos inglês Arnold
Dolmetsch iniciou um movimento de redescoberta da música antiga. Enquanto isso, a flauta
transversal tinha mais do que tomado o lugar da flauta doce.
As orquestras de J.S. Bach, seja em Weimar, Köthen ou Leipzig, tinham a disposição
ambas flautas, doce e transversal, por isso ele sempre tomou o cuidado de indicar claramente
em suas partituras para qual tipo de flauta estava escrevendo. Os nominativos flauto e flûte-á-
bec queriam dizer flauta doce soprano; já a flauta transversal era denominada como flauto
traverso, flûte traversière ou ainda Traversflöte ou Querflöte. Segundo Galway (1990, p. 15):
“As flautas transversais são indicadas em suas partituras somente após sua visita a Dresden em
1730. A presunção é de que, na casa de ópera de lá, pela primeira vez ele ouviu a flauta ser
tocada de maneira que impressionasse”. Bach nunca escreveu para a flauta transversal e para
flauta doce juntas, provavelmente porque ambas eram tocadas pelos mesmos músicos. Assim
como Bach, Handel também escreveu para os dois tipos de flauta e especificava qual das duas
era a escolhida utilizando o termo German para designar a flauta transversal. Telemann foi o
último compositor a escrever extensivamente para a flauta doce. Galway diz:
Quase dois séculos antes da morte de Telemann, em 1599, para ser exato, uma palavra
profética foi dita sobre a flauta. Naquele ano, Thomas Morley publicou a primeira
música especificamente escrita para "consortes quebrados", isto é, grupos de
instrumentos diferentes, em vez de grupos do mesmo instrumento, em tamanhos
diferentes. A flauta, declarou este discriminador cavalheiro, combinava melhor com
cordas do que a flauta doce, ele escreveu então suas “Consort Lessons” em seis partes
para duas violas, três alaúdes de diferentes afinações e, de preferência, uma flauta.
Mas o domínio da flauta doce ainda era suficientemente forte para Morley permitir
que ela fosse um candidato alternativo para a sexta parte. (GALWAY, 1990, p. 18).
23
Para Toff (2012), embora ambas flautas coexistissem e a prática de compor para
instrumentações abertas, isto é, com múltiplas possibilidades e sem que o compositor indicasse
claramente qual instrumento deveria executar aquela música, fosse comum até 1741, a flauta
transversal barroca superou a flauta doce devido a virtude de suas características acústicas.
Neste sentido, ela pontua que a extensão da flauta transversal excedia a da flauta doce em ao
menos meia oitava, além disso a flauta transversal tinha maior facilidade no registro agudo, o
que lhe conferia maior agilidade. Além disso, a coluna de ar na flauta doce era embutida e,
portanto, inflexível enquanto a coluna de ar na flauta transversal é moldada através dos lábios
do flautista, extremamente flexíveis, fornecendo assim grande controle sobre a quantidade e a
direção do ar que entram no instrumento permitindo desta maneira sutis nuances nas cores do
som (timbres) além de domínio sobre a afinação e a dinâmica. Toff diz:
A transição da flauta doce para a flauta levou quase um século. A flauta transversal,
não surpreendentemente, em vista de sua invenção francesa, ocorreu primeiro na
França; a Alemanha foi a próxima, na virada do século XVIII. A flauta tornou-se
popular na Inglaterra somente após a ascensão de George I em 1714. De fato, a flauta
barroca deve sua frequente denominação "Flauta Alemã" à sua importação para a
Inglaterra nesta época pela Casa de Hanover. A flauta apareceu na Itália ainda mais
tarde, por volta de 1715, e levou mais de uma década para realmente ‘pegar’. (TOFF,
2012, cap. 14, p. 2).
A França ditava as modas culturais para o resto da Europa nos séculos XVII e XVIII,
então o fato de que a música de sopro em geral, e – cada vez mais – em particular a música para
flauta, era apreciada na corte francesa teve consequências importantes para músicos em toda
parte.
24
O TRAVERSO BARROCO
De acordo com Toff (2012, cap. 14, p. 2), no período barroco, a expressividade do novo
estilo monódico, com seus contrastes em dinâmica e ampliação da tessitura melódica, exigia
instrumentos cada vez mais flexíveis. A flauta doce tornou-se cada vez menos adequada, e a
flauta transversal, com seu som mais brilhante e alcance até a terceira oitava, acabou sendo
implantada. Segundo ela:
As primeiras flautas transversais barrocas, como suas antecessoras da Renascença,
tinham seis furos, espaçados no tubo da flauta em dois grupos com três furos cada.
Dentro de cada grupo, o furo mais baixo e, em alguns casos, o segundo, eram menores
que os demais para ajudar a compensar o espaçamento menor [do que deveria ser]
entre os furos. Esses buracos foram dispostos para corresponder à configuração das
mãos humanas, e não às especificações acústicas. Como resultado, a primeira e a
segunda oitava tendiam a ter afinação baixa. E o espaçamento excessivo entre o
terceiro e o quarto buracos tornou o F# especialmente difícil de produzir e, em alguns
casos, quase um semitom abaixo da altura correta. Era necessário, portanto, que os
flautistas recorressem ao desajeitado dedilhado de forquilha, isto é, dedilhar F com o
primeiro e o terceiro dedos da mão direita. (TOFF, 2012, cap. 14, p. 2).
A tarefa de redesenhar a flauta transversal barroca na virada dos séculos XVII para
XVIII é atribuída a família Hotteterre, em especial a Jacques-Martin, o mais proeminente
membro desta família de músicos, compositores e construtores Franceses. Por volta de 1700 as
flautas passaram a serem construídas com tubos em formato cônico, divididas em três partes
(cabeça, corpo e pé) e os furos para os dedos eram menores que aqueles descritos meio século
atrás por Mersenne. Galway (1990) afirma que os furos eram posicionados no tubo, como nas
flautas doce, de maneira que se adequassem e correspondessem as dimensões dos dedos de uma
mão considerada de tamanho médio. O uso de furos grandes permitia ao flautista corrigir sua
afinação dentro de limites bastante amplos, mas a qualidade das notas alteradas (bemóis e
sustenidos) feitas por dedilhado cruzado era muito duvidosa. Após a invenção da chave de D#,
os construtores começaram a reduzir o tamanho dos orifícios dos dedos, de modo que a afinação
fosse mais clara e precisa, mas eles ainda tinham um longo caminho a percorrer. Toff (2012)
25
aponta que a passagem do tubo cilíndrico para o cônico se deu com o objetivo de eliminar a
estridência habitual ao som dos instrumentos anteriores. Esta conicidade resultava também em
afinações predominantemente baixas, o que permitiu que os orifícios fossem colocados mais
próximos um dos outros, o que fez com que a digitação se tornasse mais natural e ergonômica.
Em termos acústicos, o tubo cônico evitava que as primeiras parciais da série harmônica fossem
reforçadas, resultando num som leve, tido até nos dias atuais como típico da tradição Francesa
de madeiras. O tubo cônico somado aos orifícios de menor diâmetro resultava num som mais
brilhante, contudo a tendência a desafinação para baixo ficava ainda mais evidente. Galway
aponta um outro fator que contribuía para a desafinação do instrumento, o material que era
utilizado para construí-lo:
Mas, apesar dos esforços dos construtores, a afinação da flauta permanecia incerta.
Um fator era o material da qual ela era feita. Nesta época, o material mais popular era
o buxo8, de aparência bonita e que produz um som suave e doce. O buxo, no entanto,
absorve prontamente a condensação, o que faz com que a madeira inche e põe a
afinação totalmente fora de ordem. Um material alternativo era o marfim, mas seu
toque e textura eram desagradáveis aos lábios dos músicos. (GALWAY, 1990, p. 21).
8
Buxus é um género botânico pertencente à família Buxaceae. É conhecida por buxo ou buxeiro. Produz
madeira de cor amarelada.
26
daí em diante cada flauta vinha com várias peças para a mão esquerda em tamanhos (e afinações
portanto) variados. Se o instrumentista precisasse tocar em uma afinação mais baixa era só
substituir a porção do corpo da mão esquerda por uma mais comprida, se a necessidade fosse
subir a afinação bastava recorrer a um corpo mais curto.
Figura 5. Cópia feita por Andreas Glatt de uma flauta de G. A. Rottenburgh de Bruxelas de cerca de 1760. Os vários corpos
centrais tocam em afinações lá=398, 404, 410, 415, 422, 430, e 435.
Esta solução, contudo, não resolveu completamente o problema uma vez que o
comprimento do tubo era aumentado de forma desproporcional gerando desequilíbrio entra as
oitavas e entre as notas da mão esquerda e as da direita. Toda vez que um corpo de tamanho
diferente era utilizado a posição da rolha de vedação do bocal deveria ser ajustada. Coube a
Quantz a solução definitiva: foi ele quem teve a ideia de configurar o sistema de espiga e
soquete de junção do bocal com o corpo da flauta de maneira onde o bocal pudesse ficar mais
para dentro (tubo menor – afinação mais alta) ou mais para fora (tubo maior – afinação mais
baixa) do corpo, eliminando assim a necessidade de vários corpos. Coube também a ele a
solução de montar a rolha de vedação do bocal em um sistema com parafuso, que facilitava o
ajuste da sua posição. Sobre este período Toff diz:
Apesar de sua pobre afinação, a flauta gozou de grande popularidade no século XVIII.
Uma sucessão de livros de instruções impressos, começando com o de Hotteterre em
1707, promoveu a popularidade do instrumento entre os amadores. Compositores
abasteceram esse mercado crescente com música cada vez mais difícil, de modo que
os defeitos do instrumento se tornaram progressivamente mais óbvios e incômodos.
Compositores e intérpretes ficaram desencantados. Alessandro Scarlatti teria dito:
"Não posso suportar os instrumentistas de sopro; todos eles sopram fora de afinação."
(TOFF, 2012, cap. 14, p. 5).
Sobre todas as transformações por quais a flauta passou no início do séc. XVIII, período
chamado de época de ouro da flauta barroca, Powell afirma:
Se compararmos uma flauta de 1700 com uma de cem anos antes, todos os seus
mecanismos essenciais de produção de som mudaram. O formato cilíndrico do
instrumento anterior tornou-se mais largo em uma extremidade do que na outra; o
novo instrumento é construído em várias seções, em vez de em uma única peça; sua
embocadura e seus furos sofreram alterações em suas formas e tamanhos, e são feitos
em tubos com paredes de maior espessura; e o novo instrumento tem uma chave para
o quinto dedo da mão direita, controlando um sétimo furo adicionado aos seis da flauta
do século XVI. Essas alterações no design das flautas ocorreram ao mesmo tempo em
que se alterou sua função primaria, juntamente com a dos outros instrumentos de sopro
de madeira, gradualmente mudaram de desempenhar um papel em um conjunto de
27
iguais para executar a nova música solo mais individualista. As mudanças afetaram
não apenas a construção de instrumentos, mas também as habilidades dos músicos
que os tocavam. (POWELL, 2002, p. 68).
Seguramente o indivíduo de maior prestígio à época foi Johann Joachin Quantz, além
de flautista virtuoso e compositor prolifico, Quantz desempenhou um papel importantíssimo
como pesquisador e pedagogo. Ele nos deixou cerca de 300 concertos, além de suítes, sonatas
e outras obras de música de câmara e seu célebre tratado de 1752, sobre como tocar flauta e ser
um bom músico figura até hoje como uma das melhores fontes de informação sobre o
instrumento e as práticas musicais daquele tempo. Neste sentido Galway afirma:
Musicalmente, Quantz estabeleceu um padrão de afinação precisa que nenhum de seus
contemporâneos conseguiu igualar. Estruturalmente, ele acrescentou outra chave à
flauta, inventou um diapasão para lidar com os problemas do tom e trouxe uma nova
precisão ao tamanho dos orifícios da boca e dos dedos. [...] Parece que Quantz
começou a fazer flautas pela simples razão de que as boas eram difíceis de encontrar.
[...] Sempre impecavelmente afinado, ele não fez melhorias no instrumento, o que
garantiria que menos flautistas conseguiriam também estarem perfeitamente afinados.
Aparentemente, ele considerava a habilidade do músico em compensar as deficiências
de seu instrumento como um fato da vida, um componente integral da arte de tocar,
que não deveria ser remediado por meios técnicos. [...] O essencial, ele acrescenta, é
um senso de afinação altamente desenvolvido, e para ganhar isso um flautista deve
aprender a fazer, ou pelo menos afinar, uma flauta por conta própria. (GALWAY,
1990, p. 25-29).
As flautas desta época tocavam uma extensão de duas oitavas, do ré3 até o ré5. Esta
escala podia ser em alguns casos, a depender primordialmente das habilidades do flautista e em
menor importância da qualidade da construção do instrumento, ser estendida até o lá5. O
instrumento tocava naturalmente uma escala diatônica de ré. Utilizando-se de dedilhados em
forquilha ou dedilhado cruzado era possível tocar uma escala mais ou menos cromática de ré3
até lá5, algumas notas como síb3, sol#3, sol#4, fá3 e fá4, porém, tinham notáveis problemas
com a afinação. As notas após o mi5 eram difíceis de emitir, sendo que o fá5 chegou até mesmo
a ser omitido em algumas tabelas de digitação elaboradas naqueles tempos, porque sua
execução era considerada impossível de ser feita. Embora o fá# estivesse longe da perfeição, as
tonalidades mais propícias as flautas eram Sol Maior e Ré Maior. Tonalidades com mais de 3
bemóis ou sustenidos eram consideradas difíceis e inadequadas para o instrumento.
Conforme discorremos anteriormente, apesar dos problemas sistémicos com a afinação
e a emissão de determinadas notas, e a incapacidade de tocar músicas escritas em todas as
tonalidades, a flauta gozava de grande popularidade dentre o povo. Este fato impelia os
compositores a escreverem, ainda que em alguns casos a contra gosto, mais e mais obras para
flauta. Apresentamos então uma lista com o repertório mais importante composto no período
barroco:
28
Compositor Obras
Albinoni, Tomaso Giovanni (1671-1751) Concerto
Sonata op. 4, no. 6
Bach, Carl Philip Emanuel (1714-1788) Concerto Wq. 13
Concerto Wq. 22
Concertos Wq. 166-169
Sonatas Wq. 83-87
Sonatas Wq. 123-129
Sonatas Wq. 130-134
Bach, Johan Sebastian (1685-1750) Concerto BWV 1044
Concerto BWV 1056
Concerto Brandemburgues no. 2 BWV 1047
Concerto Brandemburgues no. 4 BWV 1049
Concerto Brandemburgues no. 5 BWV 1050
Oferenda Musical BWV 1079
Partita BWV 997
Partita BWV 1013
Sonata BWV 1020
Sonatas BWV 1030-32
Sonatas BWV 1033-35
Suíte BWV 1067
Blavet , Michel (1700-1768) Concerto
Duetos
Sonatas op. 2
Sonatas op. 3
Boismortier, Joseph Bodin de (1689-1755) Concertos op. 15
Concertos op. 28
Concertos op. 38
Sonatas op. 9
Sonatas op. 19
Sonatas op. 91
Corelli, Arcangelo (1653-1713) Sonatas op. 5
Couperin, François (1668-1733) Concerts Royaux
29
Nouveaux Concerts
Frederico II “O Grande” (1712-1786) Concertos no. 1-4
25 Sonatas
Galuppi, Baldassare (1706-1785) Concertos
Trio Sonata
Handel, George Frideric (1685-1759) Concerto Grosso op. 3 no. 3
Sonatas op. 1
Sonatas Fitzwilliam
Sonatas Halle
Trio Sonatas
Hotteterre, Jacques (1674-1763) L’art de prélude op. 7
Sonatas op. 3
Suítes op. 2
Suíte op. 4 no. 1
Suítes op. 5
La Barre, Michel de (1675-1744) Pièces op. 4
Sonatas op. 1
Leclair, Jeanmarie (1697-1764) Concerto op. 7 no. 3
Sonatas op. 1
Sonatas op. 2
Sonatas op. 9
Locatelli, Pietro Antonio (1695-1764) 12 Sonatas op. 2
Sonatas op. 4
Loeillet, Jean Baptiste “De Londres” Sonatas op. 1
(1680-1730) Sonatas op. 2
Sonatas op. 3
Sonatas op. 4
Loeillet, Jean Baptiste “De Gant” (1688- Sonatas op. 1
1720) Sonatas op. 2
Sonatas op. 3
Sonatas op. 4
Sonatas op. 5
Marais, Marin (1656-1728) Les Folies d’Espagne
30
Suítes em Trio
Marcello, Alessandro (1684-1750) La Cetra, 6 Concertos Grossos
Marcello, Benedetto (1686-1739) 12 Sonatas op. 2
Pergolesi, Giovanni Battista (1710-1736) Concerto no. 1 P. 33
Concerto no. 2 P. 34
Quantz, Johann Joachim (1697-1773) Caprichos
Concertos
Duetos
Quartetos
Solos
Sonatas
Trio Sonatas
Rameau, Jean Philippe (1683-1764) Pièces de clavecin in concerts
Scarlatti, Alessandro (1660-1725) 12 Sinfonias de Concerto Grosso
Sonatas
Suites
Tartini, Giuseppe (1692-1770) Concertos
6 Sonatas
Sonata em Lá maior
Telemann, Georg Philipp (1681-1767) Concertos
12 Fantasias
Quartetos
Sonatas
Sonatas Canônicas op. 5
Sonatas Metódicas
Suites
Trio Sonatas
Vivaldi, Antonio (1678-1741) Concertos
Concertos op. 10
Concertos de Câmara
Sonatas “Il Pastor Fido” op. 13
31
Durante este período, a flauta passava por constantes mudanças. Nem o som ou a
afinação do instrumento foram considerados particularmente adequados para o repertório solo
virtuoso. Não até que Mozart ouvisse as performances de Wendling, ele logo entendeu as
possibilidades da flauta e seu potencial inerente. Da mesma forma, ou ainda mais, Mozart ficou
impressionado com as virtuosidades do oboísta de Mannheim, Friedrich Ramm. O oboé sofrera
recentemente uma série de mudanças, como a flauta também vinha sofrendo. Essas melhorias
permitiram que os músicos estendessem o alcance do instrumento e, o mais importante, permitia
que eles tocassem o registro superior com maior clareza e intensidade robusta. Impressionado
pelo domínio técnico e arte expressiva do oboísta, Mozart rapidamente começou a trabalhar em
uma composição que destacava as habilidades excepcionais de Ramm, o Concerto K.314 que
viria depois a ser adaptado para flauta para atender a comissão de De Jean.
Sobre este período Toff afirma:
Os meados do século XVIII foi um período de transição para a flauta e para a música
como um todo. Foi uma época de grandes mudanças sociais, pois as cidades
substituíram as cortes e os lugares como centros de atividade musical. O compositor
profissional começou a depender de um público maior, através da participação em
concertos e da venda de partituras, para subsistência financeira. A ascensão da
orquestra sinfônica e do pianoforte inverteu os papéis proporcionais da flauta na
orquestra e na música de câmara. (TOFF, 2012, cap. 15, p. 1).
A aceitação destas novas chaves contudo foi lenta e gradual. Alguns flautistas se
sentiram insultados; eles consideraram que a sugestão da necessidade de chaves refletia sobre
a capacidade técnica deles próprios. Lew Granom escreveu, em 1766, que a única razão para
adicionar mais chaves era uma tentativa de chamar mais a atenção do público para o
instrumento. Além disso, ele disse, elas não melhorariam a afinação:
Tocar afinado não depende tanto da flauta como depende do flautista; um Performer,
que tenha um bom ouvido, tocará afinado mesmo em um instrumento de pouca
qualidade, tão logo tenha percebido os seus defeitos; o que não é difícil de conceber,
uma vez que cada nota na flauta pode ser tocada tanto alta quanto baixa segundo à
vontade do artista. (GRANOM, 1766, p.10, apud TOFF, 2012, cap. 4, p. 11).
clássico indicava o fim da complacência dos músicos de sopro sobre seus instrumentos.
Orquestras maiores exigiram maior volume e projeção. Os compositores estavam mais
conscientes das possibilidades de cores de tons contrastantes. E assim, embora os instrumentos
de sopro fossem demandados com menos frequência, suas passagens tornaram-se mais expostas
e ganharam um caráter mais solístico do que meros reforços da textura das cordas. Além disso,
os compositores tornaram-se mais destemidos no uso de armaduras de claves, lançando mão de
múltiplos sustenidos e bemóis. Os defeitos do dedilhado cruzado nos instrumentos de sopro de
madeira tornaram-se cada vez mais óbvios e assim os fabricantes de flautas adicionaram mais
furos e projetaram os mecanismos necessários para controlá-los.
Figura 6. Flauta de 8 chaves feita por Rudall & Rose, Londres, 1827.
No que diz respeito ao repertório, durante o período clássico o gênero Concerto tornou-
se uma febre. Com as mudanças ocorridas na sociedade e no mercado musical, até mesmo
amadores aventuravam-se a encomendar Concertos aos compositores. Os gêneros de câmara
contudo (duos, trios, sonatas) começaram a minguar.
37
Trios
Gluck, Cristoph W. Von (1714-1787) Concerto
Haydn, Joseph (1732-1809) Concertos no. 1-2
Divertimentos
Quartetos
Trios
Hoffmeister, Franz Anton (1754-1812) Concertos no. 4, 6, 13, 18, 19, 23 e 34.
Duetos
Quartetos
Trios
Krommer, Franz (1759-1831) Concertos op. 30, 44 e 86.
Quartetos
Quintetos
Mercadante, Saverio (1795-1870) 10 Árias variadas
Caprichos
Concertos
Quartetos
Mozart, Wolfgang A. (1756-1791) Andante K. 315
Concerto no. 1 K. 313
Concerto no. 2 K. 314
Concerto para Flauta e Harpa K.299
Quartetos K. 285, 285a, 285b e 298.
Sonatas K. 10-15
Pleyel, Ignace Joseph (1757-1831) Concerto op. 60
Duos
Quartetos
Stamitz, Carl (1745-1801) Concerto no. 3 em Ré
Concerto op. 29
Quartetos
39
O século XIX testemunhou um ponto baixo na história da música para flauta, ainda que
o sistema Boehm, uma inovação tecnológica que revolucionaria a história deste instrumento –
e de mais alguns outros, tenha surgido durante esse período. Levou um bom tempo até que a
nova flauta fosse completamente aceita, e as dificuldades dos músicos em adotar o novo sistema
de digitação e a competição entre os fabricantes de instrumentos tiveram um efeito negativo a
curto prazo na literatura da flauta. Além disso, os desenvolvimentos gerais na música daquele
período não eram propícios ao crescimento da literatura de flauta solo, mesmo que o movimento
romântico tenha adotado a flauta e o flautim como membros valiosos da orquestra sinfônica.
Basicamente, a flauta daqueles tempos não tinha a capacidade de produzir a potência e a
variedade de sons que eram os veículos da expressão musical romântica. Como membro de uma
grande orquestra, no entanto, a flauta era componente de uma textura sonora variada. Segundo
Toff:
No século XIX, a flauta continuou basicamente o curso que havia começado no
período clássico: seu papel na orquestra tornou-se cada vez mais importante (vide
Beethoven e Brahms), enquanto a literatura de solo e de câmara sofreu um declínio
considerável tanto em qualidade quanto em quantidade. O século XIX, para a flauta,
não era uma idade de ouro, mas uma era ornitológica, pois a flauta foi reduzida a um
veículo de exibição virtuosa e simbolismo programático. (TOFF, 2012, cap. 16, p. 2).
9
Pitoresco é um conceito da Estética que faz referência às impressões subjetivas desencadeadas
pela contemplação de uma cena paisagística em relação à pintura. Surgiu como um intermediário
entre as ideias do Sublime e do Belo, durante o desenvolvimento do Romantismo.
40
subdivididas ainda mais; novos instrumentos, incluindo flautim, clarinete e clarinete baixo,
corne inglês, harpa e uma seção de percussão muito grande ampliaram a paleta de cores, bem
como a extensão melódica.
A música já havia se tornado, no período clássico, uma atividade tanto pública quanto
privada, com o estabelecimento de séries de concertos públicos e o mercado de editoração
musical como as manifestações mais importantes. A tendência para a popularização continuou
no século XIX, à medida que a revolução industrial progrediu e a classe média, com seus recém-
descobertos recursos financeiros, tornou-se o consumidor médio da prática musical. Essa
ampliação e maior abrangência do mercado da música trouxe uma perda de profundidade. Os
amantes da música da classe média do século XIX não tinham o treinamento e a sofisticação de
seus antecessores do século XVIII. Como resultado, a música moldada para o consumo da
classe média estava muito abaixo do padrão do século XVIII; embora a virtuosidade atingisse
grandes alturas, reforçada pela crescente sofisticação e capacidade técnica dos instrumentos
musicais remodelados, a substância musical era inferior. Para os músicos profissionais, as
circunstâncias do emprego mudaram radicalmente. Não mais ligados aos clans aristocráticos,
os artistas se tornaram agentes livres, frequentemente fazendo turnês por toda a Europa e,
eventualmente, até mesmo para os Estados Unidos. Tais viagens trouxeram uma consciência
dos estilos nacionais - e do chauvinismo10 concomitante. Compositores passara a utilizar formas
maiores não pelo desenvolvimento de temas, mas pela fusão de formas menores. As chamadas
Variações de Bravura e fantasias de ópera eram o que havia de disponível no estoque do
comércio do novo virtuoso viajante.
No que se refere a flauta, quanto a maneira de tocar e o seu repertório neste período,
Toff afirma:
A transição do virtuosismo do século XVIII para o século XIX é evidente em uma
comparação das carreiras e composições de François Devienne, último representante
do classicismo e Charles Nicholson, precursor do romantismo. As composições de
Devienne eram obras musicalmente substantivas, seu desempenho brilhante, mas
conservador. Embora ele recomendasse que seus alunos usassem as novas flautas com
várias chaves, ele continuou a atuar no instrumento de chave única. Na geração de
Nicholson, em contraste, os flautistas aproveitavam ao máximo as idiossincrasias
individuais no interesse das relações públicas; ele usava ornamentações exuberantes,
um timbre metálico e estridente, e truques como o glissando para animar suas
performances. As composições próprias tocadas por Nicholson eram obras do estilo
bravura no gênero tema e variações. Seus concorrentes incluíam Drouet e Tulou na
França e a família Fürstenau, Boehm e Tromlitz na Alemanha. (TOFF, 2012, cap. 16,
p. 6).
10
Entusiasmo excessivo pelo que é nacional, e menosprezo sistemático pelo que é estrangeiro.
42
Até mesmo músicos profissionais nem sempre podiam encontrar ou pagar o grande
número de músicos necessários para preencher a orquestra que o acompanharia. O concerto do
século XIX tornou-se assim apenas uma forma adequada a execução em eventos públicos e a
adequação do piano e do violino para essa função é clara, assim como é diametral a inadequação
da flauta.
A Revolução de Boehm
conjunto de dispositivos mecânicos: espigas de prata e encaixes para as juntas; molas alongadas
para aumentar a resistência; e um design revolucionário das montagens principais. Até aquela
época, os instrumentos da família das madeiras utilizavam selas de metal; as chaves giravam
em um pino com cabeça de parafuso preso a um rolamento de metal. Segundo Toff (2012, cap.
4, p. 15): “Laurent fixou as chaves no tubo de vidro montando as chaves em postes de prata que
eram então presos a placas de metal parafusadas ao tubo de vidro. Fabricantes de flautas de
madeira logo adotaram a ideia porque impedia o jogo lateral, até então um incômodo
recorrente”.
Em 1808, o reverendo britânico Frederick Nolan registrou uma patente onde apareciam
pela primeira vez as chamadas chaves abertas, o mecanismo funcionava através de anéis que
circundavam o furo, assim era possível fechar simultaneamente uma chave aberta e um furo
regular com o mesmo dedo, um princípio fundamental para os instrumentos altamente
mecanizados desenvolvidos no final do século. Uma outra aplicação era a possibilidade de
fechar uma chave conectada enquanto o orifício subordinado permanecia aberto; isso era feito
deslizando o dedo do orifício, mas mantendo-o no anel. Uma outra patente registrada em 1810
pelo fabricante de flautas londrino George Miller previa um tubo cilíndrico metálico. Embora
idealizado principalmente para o pífaro militar, a especificação de patente também mencionou
flautas de concerto; essa foi a primeira patente de uma flauta de metal, que se tornaria o padrão
no final do século.
Segundo TOFF (2012), no que diz respeito aos sistemas de dedilhado, havia duas
escolas de pensamento no século XIX: a primeira preferia preservar os sistemas tradicionais,
modificando-os conforme necessário, já a segunda preferia começar de novo, fazer um furo
para cada semitom, cada um em sua posição acusticamente correta, e depois planejar um
mecanismo e um sistema de dedilhado capazes de controlar esses buracos. A figura principal
do segundo grupo era, obviamente, Theobald Boehm. Ela afirma:
Boehm, um flautista e ourives de Munique, começou a fazer flautas como uma
atividade secundária na década de 1820. Em 1828, ele abriu uma fábrica de flautas,
onde criou os típicos instrumentos do sistema simples da época. Ele fez, no entanto,
várias modificações originais nos projetos usuais, incluindo slides de afinação, molas
de ouro endurecidas e a montagem de chaves em pilares aparafusados. Por volta de
1829, ele começou a experimentar o uso de hastes longitudinais para conectar as
chaves. Enquanto isso, Boehm percorreu a Europa como flautista, em 1831
apresentando vários concertos em Londres. (TOFF, 2012, cap. 4 p. 17).
Embora as críticas a suas performances fossem elogiosas, Boehm não estava satisfeito
com suas próprias apresentações em comparação com as do excepcional virtuoso inglês Charles
Nicholson, cujo som, de acordo com inúmeros relatos, excedia em muito em força e volume o
som de Boehm. Mesmo levando em conta os orifícios de diâmetro aumentado na flauta de
44
Nicholson, Boehm concluiu que a grande maioria dos defeitos inerentes à construção da flauta
não eram remediáveis pela população flautística mediana. Escreveu Boehm: “Não há dúvida de
que muitos artistas levaram a perfeição até seus últimos limites na antiga flauta, mas também
há dificuldades inevitáveis, originadas na construção dessas flautas, que não podem ser
conquistadas pelo talento nem pela prática mais perseverante”. (BOEHM, 1882, p. 17, apud
TOFF, 2012, cap. 4, p. 18).
Boehm concluiu então que o principal defeito da flauta de sistema simples era sua
indiferença aos princípios acústicos; os furos foram colocados onde os dedos podiam alcançá-
los, não onde a teoria acústica exigia, a mera adição de chaves não conseguiria resolver este
problema fundamental. Além disso, acreditava Boehm, os orifícios para os dedos não eram
grandes o suficiente para garantir notas agudas suficientemente fáceis e afinadas. Boehm
baseou-se em três invenções anteriores para redesenhar a flauta: grandes orifícios para os dedos,
como na flauta de Nicholson; cobrir os orifícios com chaves para permitir que os dedos
controlem orifícios distantes; e chaves com anéis como aquelas inventadas pelo Reverendo
Nolan. A grande inovação de Theobald não foi mecânica, mas sim acústica; ele usou os
mecanismos idealizados por outros para executar suas próprias teorias acústicas. Sobre as
primeiras inovações propostas por Boehm, Toff registra:
O primeiro redesenho de Boehm foi construído pela firma de Londres Gerock and
Wolf em 1831. Ele incorporava apenas duas mudanças do modelo usual de oito
chaves. O dedilhado da mão esquerda permaneceu o mesmo, mas o orifício A foi
trazido até sua posição acusticamente correta e uma chave aberta para o terceiro dedo
da mão esquerda foi usado para alcançá-lo. Na mão direita, as chaves E, F, F# e G
foram espaçadas mais abaixo no tubo (uma ideia desenvolvida em 1803 por H. W.
Pottgiesser), e controladas por chaves de anel duplo. Essas chaves permitiam que o
primeiro dedo da mão direita tapasse dois furos, em vez de um como habitual,
produzindo, assim, fá natural, em vez do fá# da flauta antiga. O fá# agora era
produzido pelo terceiro dedo da mão direita por meio de outro anel. O novo
dispositivo F-F# destruiu a escala primária de D maior da flauta de sistema simples;
como tal, representa a primeira fase da construção moderna de flauta. (TOFF, 2012,
cap. 4, p. 19).
hoje, alguma disputa sobre quem precisamente foi o responsável. (GALWAY, 1990,
p. 39).
Gordon), a fim de melhorar a formação dos nós acústicos oriundos da série harmônica. Por esta
mesma razão, Boehm escolheu usar um sistema de chaves abertas, que permitiria a ventilação
completa dos buracos. Boehm explicou: “É necessário, para obter um som claro e forte, que os
orifícios imediatamente abaixo do que soa permaneçam abertos, pois o ar confinado na
extremidade inferior do tubo tende a achatar as notas, tornando-as menos livres”. (BOEHM,
1882, p. 20, apud TOFF, 2012, cap. 4, p. 21). O sistema de chaves abertas exigiu alguma
redistribuição dos orifícios. Para controlar os quatorze furos de sua flauta com apenas nove
dedos (o polegar da mão direita era usado apenas para sustentar o instrumento), Boehm usou as
chaves de anel de Nolan e seus próprios eixos horizontais. Sob este novo sistema, os dedos não
precisavam sair de suas posições naturais para quaisquer notas, com a única exceção sendo o
dedo mínimo da mão direita. Desta forma, Boehm pretendia reter o máximo possível do antigo
sistema de dedilhado.
No corpo da flauta, a primeira, segunda e terceira chaves da mão direita controlavam os
orifícios F#, F e E, respectivamente. O orifício G foi coberto por uma chave vedada por
sapatilha, presa por um eixo de haste horizontal às chaves de anel para os orifícios E e F. Assim,
o orifício G pode ser fechado pelo segundo ou terceiro dedo da mão direita, ou ambos. Uma
chave de anel sobre o buraco F foi anexada ao final de outro eixo que se estendia até o orifício
B; um braço projetado daquele eixo sobre a chave do orifício G, de modo que o orifício G
também ficasse fechado quando o anel F fosse pressionado. Assim, os três dedos da mão direita
podiam controlar quatro furos. Na mão esquerda, o segundo e o terceiro dedos cobriam os
orifícios B e A, e o quarto dedo controlava a chave G# aberta. Uma chave de anel sobre o
orifício Bb e uma chave de cobertura para o orifício B estavam presas a um eixo comum, de
modo que a fechar a primeira também fecharia a segunda. Além disso, a chave B era conectada
por um braço lateral ao longo eixo que levava ao anel F#, de modo que o orifício B também
pudesse ser fechado pelo primeiro dedo da mão direita; caso contrário, abrir o orifício B faria
soar Bb. Como o orifício C# estava muito alto no tubo a ser alcançado pelo primeiro dedo da
mão esquerda, ele foi coberto por uma chave sapatilhada e controlado por uma placa de dedo
presa a um eixo curto. O polegar esquerdo controlava uma tecla aberta para o buraco C no lado
de baixo da flauta. Além do mecanismo básico, Boehm forneceu chaves de trilo para os trinados
de B-C e C-D.
Boehm apresentou sua nova flauta ao público em concertos em Munique, começando
em novembro de 1832, e em sequência em Paris e Londres. Até 1833, porém, Boehm havia
vendido apenas uma de suas flautas em Londres, principalmente por causa da relutância dos
flautistas em reaprender o dedilhado. Na Alemanha, houve relutância semelhante, e o som mais
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aberto do novo instrumento proporcionou ainda mais um obstáculo. Paul Camus, primeiro
flautista da Opera Italiana, introduziu a flauta de Boehm em Paris em 1837 e, com a ajuda de
vários colegas, o instrumento começou a tornar-se popular na capital francesa. Estes colegas
fizeram várias mudanças mecânicas significativas na flauta de Boehm, que tornaram mais
prático construí-la e tocá-la, preservando contudo, a essência da invenção de Boehm. O
fabricante de instrumentos de Paris, Auguste Buffet, se opôs à colocação de eixos de Boehm
em ambos os lados da flauta, e decidiu movê-los para o lado interno. Para evitar o entupimento
da haste que liga o anel F às tampas dos orifícios G e B, ele fixou os anéis E e F e a chave G a
um único eixo, com o anel F montado em uma ‘manga’ solta através da qual o eixo passava.
Um talão foi soldado na manga; um terminal semelhante foi preso ao eixo acima da manga.
Buffet também aplicou o dispositivo de haste e manga nas chaves do pé além disso, ele usou
molas helicoidais em vez de molas planas para melhorar a ação mecânica.
O flautista Victor Coche, trabalhando com Buffet, sugeriu uma série de outras mudanças
que foram incorporadas na patente de Buffet de 1839. Houve uma sonora rejeição entre os
flautistas ao G# aberto de Boehm. Embora Theobald defendesse fortemente que o G# aberto
era acusticamente superior e mecanicamente lógico, os músicos se sentiam desconfortáveis
com ele. Coche, portanto, restabeleceu o mecanismo G# fechado da flauta do sistema antigo. A
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maior contribuição de Coche foi a adição de uma chave de trinado para C#-D# na segunda e
terceira oitava. Operado pelo terceiro dedo da mão direita, ele governava um pequeno buraco
acima do buraco D no topo da flauta. Buffet juntou à chave de trinado D# de Coche e à chave
de trinado D de Boehm em uma luva comum. Vincent Dorus, professor de flauta no
Conservatório de Paris e flautista solista da Ópera, respondeu às objeções generalizadas à chave
G# aberta com uma solução melhor que a de Coche. Dorus projetou um novo tipo de chave G#
fechada. Ele adicionou uma chave de anel ao orifício A e fixou-a na chave G# aberta com uma
manga e um engate divididos. Quando a chave do anel estava pressionada, a tecla G# fechava,
mas podia ser aberta independentemente por uma alavanca para o dedinho preso na parte da
manga que suportava a tecla G#. O defeito do dispositivo de Dorus era a dependência de duas
molas opostas de força desigual, o que complicou uma série de dedilhados.
Em 1846 e 1847, Boehm estudou acústica na Universidade de Munique, em preparação
para o trabalho adicional sobre o calibre de sua flauta. As experiências empreendidas neste
momento confirmaram suas dúvidas sobre o formato cônico da flauta. Ele concluiu que um
tubo cilíndrico era muito mais propício à produção dos componentes harmônicos ou parciais
do som da flauta e, além disso, que o tubo deveria se contrair numa curva em direção à
embocadura. Boehm construiu sua flauta de 1847 de acordo com esses princípios. O corpo da
flauta tinha um diâmetro interno de 19 milímetros. A cabeça diminuía gradualmente em
diâmetro, de modo que o diâmetro mediu 17 milímetros na rolha. Boehm descreveu a curva da
cabeça como parabólica, embora na verdade a curva tivesse apenas uma semelhança superficial,
e não matemática, com aquela figura geométrica. O redesenho das dimensões do furo exigiu
um ajuste fino do posicionamento e do tamanho dos orifícios do tubo, particularmente para o
furo C. Boehm também reconsiderou o tamanho e a forma do orifício da embocadura. Ele
registrou suas conclusões a respeito da relação entre a forma e o calibre do tubo e os orifícios
do tubo em um diagrama geométrico chamado Esquema. Estas dimensões podem ser adaptadas
para vários comprimentos de tubos de flauta, dependendo do padrão de afinação ao qual um
determinado instrumento é construído.
Os novos orifícios do tubo feitos em maior dimensão, enquanto acusticamente
vantajosos, criaram um problema mecânico: eles não podiam ser fechados diretamente pelos
dedos. Boehm então, substituiu as chaves de anel por furos com tampas de orifícios acolchoados
(sapatilhas), semelhantes aos já utilizados para os buracos G e B em seu modelo de 1832. Cada
chave tinha que ser capaz de abrir de forma independente, ainda que estivesse ligada a outras
chaves, por isso, ele adotou o sistema de eixos e mangas de Buffet, prendendo cada capa de
chave à sua própria manga e abrindo cada uma delas com uma mola de agulha leve. Chaves
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interconectadas foram ligadas por engates (talões ou pinos sobrepostos). Boehm era explícito
sobre a construção das sapatilhas para evitar a vedação não confiável que atormentava flautas
do sistema antigo: ele especificou discos de lã fina, cobertos com uma fina membrana ou pele
de dupla espessura. As sapatilhas deveriam ser cobertas na parte de trás com folhas de papel
cartão, com um buraco no centro, para que pudessem ser parafusadas seguramente nos copos
de chaves. Uma arruela de prata sob a cabeça do parafuso garantia um ajuste apertado. Outra
característica crucial da flauta de 1847 foi a escolha de materiais para o corpo: Boehm começou
a experimentar tubos de metal em 1846 e concluiu que os tubos de prata e latão produziam o
melhor som. Além disso, ele descobriu que tubos finos e endurecidos aumentavam a capacidade
de vibração do metal e, portanto, produziam um som mais ressonante. Boehm concluiu que sua
nova flauta de prata era claramente superior a suas antigas de madeiras: era imune a rachaduras,
o tubo era muito mais estável e menos afetado pela temperatura, e era mais adequado para
mudanças de timbre. Boehm escreveu que tinha “brilho insuperável e paleta de cores. Eu
poderia produzir efeitos em minha flauta de prata, que eu nunca poderia produzir em flautas de
madeira”. (BOEHM, 1882, p. 61, apud TOFF, 2012, cap. 4, p. 28).
Em 1847, ele vendeu os direitos de produção na Inglaterra de seu mais recente modelo
para Rudall & Rose de Londres e os direitos na França para Clair Godfroy e seu genro Louis
Lot de Paris. Inicialmente, ambas as empresas fabricavam flautas de Boehm em metal; em 1848,
no entanto, Godfroy e Lot fizeram alguns instrumentos de madeira, a mando de Dorus. Os
franceses também reintroduziram chaves perfuradas, abrindo os centros das teclas A, G, F, E e
D, que são tocadas diretamente pelos dedos, para permitir maior ventilação. Este modelo
tornou-se conhecido como chaves abertas ou flauta modelo francês.
A única alteração mecânica para a flauta Boehm de 1847 que afetou permanentemente
o seu sistema de digitação foi feita em 1850 por Giulio Briccialdi (1818-1881), um flautista
italiano que viveu em Londres. O projeto original de Boehm tinha apenas uma alavanca de
polegar, que governava uma chave aberta para B. Bb era produzido usando o primeiro dedo da
mão direita. O objetivo de Briccialdi era fornecer um dedilhado Bb alternativo para o polegar
esquerdo, para maior conveniência em tonalidades com bemóis. E então ele adicionou uma
segunda alavanca de polegar, colocada acima da alavanca B, que era suspensa de modo que
apertá-la fecharia o buraco B. Assim, Bb poderia ser tocado simplesmente pelo primeiro dedo
e polegar da mão esquerda.
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Vemos na tabela abaixo a lista com as principais obras compostas para flauta
durante o período romântico:
Altés, Henry (1826-1895)* L’Helvetienne op. 5
5º Solo de Concours op. 24
6º Solo de Concours op. 25
La Venitienne op. 4
Andersen, Joachim (1847-1909)* Allegro militaire op. 48
Ballade et Danse des Sylphes op. 5
Canzone op. 53
Concertstück op. 61
Fantaises Nationales op. 59
Intermezzo op. 51
Introduction et Caprice op. 58
Leichtere Stücke op. 56
Morceau de Concerto p. 61
6 Morceaux de Salon op. 241
Moto Perpetuo op. 8
Opera Fantasies op. 45
10 Pieces op. 62
51
Le Tourbillon op. 57
Variations Drolatiques sur un Air Suédois op.
26
Variations Elegiaque op. 27
8 Vortagsstücke op. 55
Barrère, Georges (1846-1944)* Nocturne
Boehm, Theobald (1794-1881)* Air Suisse op. 20
Concerto op. 1
Elegie op. 47
Etude-Landler op. 26
Fantasy on a Theme of Schubert op. 21
Grande Polonaise op. 16
Introduction and Variations on a Theme from
Der Freischultz op. 9
6 Lieder von F. Schubert op. 52
Nel cor piu non mi sento op. 4
Souvenir des Alpes
Thèmes Suisses variés op. 11
Variations sur un Air Allemand op. 22
Variations sur un Air Tyrolien op. 20
Borne, François (1840-1920)* Fantaisie brillante sur Carmen
Briccialdi, Giulio (1818-1881)* Andante et valse de concerto op. 116
Il Carnavale di Venezia op. 78
Concertino op. 48
Il Giardino di Perugia op. 135
Lohegrin Fantasie op. 129
Rigoletto Fantasie op. 106
Il Vento op. 112
Chaminade, Cécile (1857-1944) Air de Ballet op. 30
Concertino op. 107
Chopin, Frederic (1810-1849) Variations sur un Thema di Rossini
Cui, Cesar (1835-1918) Bagatelle
Cantabile op. 36
52
Orientale op. 50
Scherzetto
Czerny, Carl (1791-1857) Duo Concertante op. 129
Fantasia Concertante op. 256
Damaré, Eugêne (1840-1919)* L’Alouette
Les Amours d’un Rossignol
Le Bouquet de roses op. 408
Caprice op. 174
La Cracovienne op. 224
Le Merle Blanc op. 161
L’Oiseau et les Roses op. 153
Tarantelle op. 391
Le Tourbillon op. 212
Le Tourterelle op. 119
Delibes, Leo (1836-1891) Morceau
Demersseman, Jules (1833-1866)* Air Varié et Polonaise op. 8
Duet op. 25
Fantaisie Brillante sur La Désse et le Berger
op. 130
Fantaisie Concertante op. 36
6 Fantaisies op. 28
Fantasia on a Copin melody op. 29
Grande Fantasia sur Oberon op. 52
Hommage a Tulou op. 43
Introduction and Variations on “The Carnival
of Venice” op. 7
Polonaise op. 9
Serenade Espagnole op. 9
Solo de Concert no.1 op. 19
Solo de Concert no.2 op. 20
Solo de Concert no.3 op. 21
Solo de Concert no.4 op. 80
Solo de Concert no.5 op. 81
53
Snowflakes op. 82
6 Sonatinas op. 96
The Storm op. 82
Kuhlau, Friedrich (1786-1832) 12 Caprices op. 10
6 Divertimentos op. 68
3 Duos op. 80
3 Duos op. 81
3 Duos brillants op. 102
3 Duos brillants op. 110
3 Duos Concertantes op. 10
3 Fantasias op. 38
3 Fantasias op. 95
3 Grand Duos op. 39
3 Grand Duos op. 87
3 Grand Solos op. 57
Grand Trio op. 119
Sonata op. 64
Sonata op. 69
Sonata op. 71
Sonata op. 85
3 Sonatas op. 83
Trio op. 119
Variations on “The Last rose of summer” op.
105
Variations on Scottish Folksong op. 104
Kummer, Caspar (1795-1870)* Carnival of Venice op. 157
Concertino op. 101
Concertino op. 42
Grand Duet p. 36
3 Grand Duos Concertants op. 9
Trios op. 24, 30, 32, 53, 58 e 59
Molique, Wilhelm Bernard (1802-1869) Concerto op. 69
Introduction, Andante and Polonaise op. 43
56
técnicas de construção projetadas também para o benefício dos músicos, mas principalmente
para remediar preocupações dos fabricantes, cuja motivação não menos importante era
econômica. Mais recentemente, os fabricantes deram atenção não ao mecanismo, mas às
propriedades acústicas da flauta. Em resposta, várias novas escalas nomeadas surgiram. A
escala Cooper, projetada por Albert Cooper, é provavelmente a mais famosa, seguida pela
escala Bennett e a escala Deveau. Nos dias atuais cada fabricante alega utilizar a sua própria
escala, matematicamente mais exata que a dos concorrentes. Escreve Galway:
Depois dos esforços de Boehm, grandes flautistas - ou quaisquer flautistas - não
precisavam mais lutar contra as imperfeições de seus instrumentos, como Hotteterre,
Quantz e companhia tinham feito tão bem. Aprender a tocar não era tão complicado
e tocar afinado não exigia tal habilidade. Na teoria, essa era a imagem. Na prática,
foi bastante diferente. Muitos fabricantes ignoraram Boehm e seus cálculos
acústicos, provavelmente porque não conseguiam entender a matemática. Flautas
intrinsecamente desafinadas continuaram sendo feitas, e de fato ainda estão sendo
feitas pelos reacionários mais profundos até hoje [...] algumas pessoas ficaram
impressionadas o suficiente para ler o tratado e descobrir que as somas não eram tão
difíceis quanto tudo isso. Na verdade, de acordo com os matemáticos, as somas
acabaram não estando perfeitamente acertadas, mas muito próximas disso. Agora
que a flauta era capaz de alto desempenho técnico, música exigente veio ao
encontro. Neste intervalo a flauta consolidou seu lugar na orquestra, mas não ganhou
muito para a performance solo. (GALWAY, 1990, p. 43).
Sonata
Casella, Alfred (1883-1947) Barcarolle et Scherzo op. 4
Sicilienne et Burlesque op. 23
Castérèd, Jacques (1926-2014) La Belle Époque
Flûtes en vacance
Sonatine d’avril
Sonatine de mai
Copland, Aaron (1900-1990) Duo
Corigliano, John (n.1938) Pied Piper Fantasy
Voyage
Damase, Jean-Michel (1928-2013) Concerto
Conte d’Hiver
4 Divertissements
Duettino
Nocturne
Rapsodie
Scherzo
Serenade op. 36
Daugherty, Michael (n.1954) The High and the Mighty
Trail of Tears
Debussy, Claude (1862-1918) Sonata
Syrinx
Denisov, Edison (1929-1996) Concerto
Duo
4 Pièces
Sonata
Dick, Robert (n.1950)* Concerto
Fish Are Jumping
Flying Lessons I & II
Lookout
Dubois, Pierre Max (1930-1995) A Tempo Classico
Berceuse et Rondo Capriccioso
La Capricieuse
62
Concerto
Incantation et Danse
Novelette
Petite Suite
Piccolette
Sonate
Dukas, Paul (1865-1935) La plainte, au loin, du Faunne
Duttileux, Henri (1916-2013) Sonatine
Enesco, Georges (1881-1955) Cantabile et Presto
Fauré, Gabriel (1845-1924) Fantaisie op. 79
Morceau
Pavane
Feld, Jindrich (1925-2007) Concerto
Fantaisie Concertante
4 Pièces
Sonate
Sonatine
Ferneyhough, Brian (n.1943) Cassandra’s Dream Song
Four Miniatures
Ferroud, Pierre-Octave (1900-1937) 3 Pièces
Françaix, Jean (1913-1997) A Cinq
A Quatre
Concerto
Divertimento
Duo Concertante
Suite
Gaubert, Philippe (1879-1941)* Ballade
Berceuse
Divertissemente Grec
Fantaisie
Madrigal
Nocturne et Allegro Scherzando
Romance
63
Sicilienne
Sonatas no. 1-3
Sonatine
Gieseking, Walter (1895-1956) Sonatine
Variations on a Theme by Grieg
Ginastera, Alberto (1916-1983) Duo op. 13
Glass, Philip (n.1937) Fantasy
Serenade
Griffes, Charles (1884-1920) Poem
Hindemith, Paul (1895-1963) Concerto
Echo
8 Pieces
Sonata
Holst, Gustav (1874-1934) A Fugal Concerto op. 40
Honegger, Arthur (1892-1955) Concerto da camera
Danse de la chèvre
Romance
Suite
Hüe, Georges (1858-1948) Fantaisie
Nocturne et Gigue
Serenade
Ibert, Jacques (1890-1962) Concerto
Entr’acte
Jeux
Pièce
D’Indy, Vincent (1851-1931) Concerto op. 89
Suite op. 91
Trio
Jolivet, André (1905-1974) Chant de Linos
Concerto
Fantaisie Caprice
5 Incantations
Sonate
64
Sonatine
Karg-Elert, Sigfrid (1877-1933) Jugent op. 139
Sinfonische Kanzone op. 114
Sonata op. 121
Sonata appassionata op. 140
Koechlin, Charles (1867-1950) L’album de Lilian op. 139
14 Chants op. 157
Morceau de lecture op. 218
Sonata op. 52
Sonata op. 75
3 Sonatines op. 184
Lieberman, Lowell (n.1961) Concerto op. 39
Concerto op. 48
Concerto op. 50
Eight pieces op. 59
Soliloquy op. 44
Sonata op. 23
Sonata op. 56
Martin, Frank (1890-1974) Ballade
Martinu, Bohuslav (1890-1959) Concerto H. 252
Madrigal Sonata H. 291
Sonata H. 254
Sonata H. 306
Trio H. 300
Messiaen, Olivier (1908-1992) Le merle noir
Milhaud, Darius (1892-1974) Sonata op. 47
Sonatine op. 76
Mower, Mike (n.1958) Deviations on The Carnival of Venice
Sonata no. 3
Muczynsky, Robert (1929-2010) Moments op. 47
3 Preludes op. 18
Sonata op. 14
Nielsen, Carl (1865-1931) Concerto
65
CONCLUSÃO
O Instrumento é a ferramenta do fazer musical, é por meio dele que o intérprete leva a
fim a realização daquilo que foi idealizado na mente do compositor. É veículo para explorar e
expressar ideias e sentimentos musicais através do som. Música e instrumento musical
estabelecem uma relação intrínseca, na maior parte do tempo indissociável, de objetivo e meio.
Desde muito tempo é sabido que as ideias e sentimentos musicais se modificaram ao longo das
eras, assim como as capacidades de comunicação e expressão dos instrumentos se
desenvolveram. A flauta sempre gozou de grande popularidade por tratar-se de um instrumento
de simples construção e execução. Ao longo do tempo está simplicidade foi dando lugar a uma
cada vez maior elaboração ao mesmo tempo em que os gêneros e estilos musicais foram se
transformando.
Após consultarmos a literatura sobre a flauta transversal e analisarmos como se deram
a evolução e as transformações por quais o instrumento passou ao longo dos últimos 400 anos
e de alguma forma dimensionarmos o volume da produção musical [tamanho do repertório]
destinado a flauta neste período nos resta claro que a quantidade (e qualidade) de música que é
composta para um determinado instrumento está intimamente relacionada não apenas ao nível
de popularidade do instrumento, mas também as suas possibilidades técnicas e adequação a
corrente estética e estilística em voga naquele momento.
Alternância de correntes estéticas, o desenvolvimento do instrumento e de sua
construção, o aprimoramento dos instrumentistas e ainda mudanças sociais e econômicas; tudo
isso contribuiu para o desenvolvimento da flauta transversal. É de suma importância que os
flautistas tenham consciência do percurso traçado por nosso instrumento ao longo da história e
conheçam quais eram as características e dificuldades inerentes as flautas do passado. Estes
conhecimentos fornecem substância para performances e interpretações mais aprofundadas e
historicamente corretas do repertório de períodos não-contemporâneos. Neste sentido Powell
pontua:
Muitos dos indivíduos dedicados e enérgicos o bastante para obter conhecimento
detalhado do passado já sabiam, é claro, que tal visão simplista era imprecisa, e que
toda a história da arte não é uma história de progresso em proficiência técnica, mas
uma história de mudanças de ideias e exigências ou, como o colecionador e
musicólogo do século XIX François-Joseph Fétis mais asperamente colocou: "A arte
não progride, ela se transforma". Mas no caso da música, essa visão mais esclarecida
permaneceu rara até que novas condições no final do século XX a trouxessem à
atenção mais ampla. A ascensão do rádio e da indústria fonográfica, o movimento de
vanguarda, o renascimento da música folclórica, um novo interesse pelas antigas
tradições não ocidentais, como a música clássica indiana, e o florescimento de
performances em instrumentos de época da música antiga introduziram repertórios
desconhecidos e desafiadores a um mainstream musical que começara a fossilizar.
68
Esses novos estilos mostraram que o instrumentário de orquestra ocidental, tal como
se formara no final do século XIX e início do XX, apresentava sérias limitações para
o desempenho de algumas músicas que não a sua. Essa percepção forneceu aos
músicos uma razão urgente para ter um interesse mais profundo na história de sua arte
e de seus instrumentos. Interpretações da música renascentista, barroca e clássica se
multiplicaram. Muitos deles tentaram seguir as instruções de performance
contemporâneas e usar instrumentos de época, alguns dos quais nunca tinham feito
parte regular da orquestra. Os fracassos, bem como o sucesso dessas experiências,
logo tornaram claro, mesmo para ouvintes não especialistas, algumas das maneiras
pelas quais os instrumentos, o estilo musical e a prática do desempenho estão
interligados. Muitas pessoas rapidamente perceberam que nenhuma obra musical
pode ser totalmente compreendida sem saber como ela deveria ser ouvida
originalmente, assim como não podemos entender instrumentos (exceto no sentido
mais frio e teórico) sem aprender sobre os métodos apropriados de tocá-los, em seu
próprio e específico repertório. (POWELL, 2002, p.2).
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