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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS

FACULDADE DE ENGENHARIA AGRÍCOLA


PROJETO AGROINDUSTRIAL
PROFA MARIA LAURA GOMES SILVA DA LUZ

FUNDAMENTOS DA ÉTICA

(Material removido de publicação do CREA, de autoria do Eng. Gilberto Piazza)

2003

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DEFINIÇÃ0 DE ÉTICA

Do ponto de vista etimológico, a palavra ética vem do grego "ethos", que significa "modo de ser", "caráter",
enquanto forma de vida adquirida ou conquistada pelo homem.
Por sua vez, moral vem do latim "mos" ou "mores", que quer dizer "costume" ou "costumes", no sentido de
conjunto de normas ou regras adquiridas por hábito. A moral se refere, assim, ao comportamento adquirido ou
modo de ser conquistado pelo homem.
Tem-se, então, que, na origem, "ethos" e "mos", caráter e costume, fundamentam-se num modo de
comportamento que não corresponde a uma disposição natural, mas que é adquirido ou conquistado por hábito.
Nessas condições, podemos definir a “etica como sendo a teoria ou a ciência do comportamento moral dos
homens em sociedade. Assim, a ética não cria moral, uma vez que seu objeto de estudo é formado por
determinado tipo de atos humanos: os atos conscientes e voluntários.
Por outro lado, temos que a moral é um conjunto de normas, princípios e valores, segundo o qual são
regulamentadas as relações mútuas entre os indivíduos ou entre estes e a comunidade, de tal maneira que essas
normas, dotadas de um caráter histórico e social, sejam acatadas livre e conscientemente, por uma convicção
íntima e não de uma maneira mecânica, externa ou impessoal.
Isso significa dizer que a moral possui um caráter social porque:
a) os indivíduos se sujeitam a princípios, normas ou valores socialmente estabelecidos.
b) regula somente atos e relações que acarretam conseqências para outros e exigem necessariamente a
sanção dos demais.
c) cumpre a função social de "induzir" os indivíduos a aceitarem livre e conscientemente determinados
princípios, valores ou interesses.
d) é válida de modo absoluto, para qualquer tempo ou lugar.
Como decorrência, todo homem que não pautar sua conduta pelo comportamento moral é julgado,
discriminado, diferenciado, a ponto de, eventualmente, ser até enclausurado, não importando se suas atitudes Ihe
pareçam corretas. 0 que importa, para aquela sociedade, é que seus procedimentos não coincidem com o
conceito histórico e social. É o grito de guerra contra aquela não-convicção íntima de que as coisas são como
são, porque assim deve ser.

OBJETIVO DA ÉTICA

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Nas relações cotidianas dos engenheiros e de outros profissionais si e com a Sociedade surgem
continuamente situações como estas:
Devo cumprir o que tratei na semana passada com o cliente "X", embora perceba, hoje, que o
cumprimento me causará determinados prejuízos?
- Devo manter a qualidade da especificação dos componentes (traço do concreto, bitola da fiação elétrica,
etc.) registrada na proposta que fiz à empresa "Y" antes da concorrência, sabendo que agora, depois que venci a
mesma, posso reduzir os custos e conseqentemente aumentar os lucros da operação?
- Na palestra que fui convidado a proferir, devo revelar todos os detalhes da pesquisa que efetuei, divulgando
em poucos minutos o resultado de anos de trabalho e sacrifício, para um auditório que freqentemente criticava
minha linha de ação?
- Devo manter meu chefe imediato informado dos insucessos ocorridos em determinada tarefa ou devo
minimizar os efeitos, atribuindo a falta de êxito a outros fatores ou culpar outros colegas e funcionários?
- Devo preencher a A.R.T. relativa àquele Receituário Agronômico, agora que o fiscal identificou o lapso que
cometi, tentando atenuar a penalidade que será imposta pela Câmara de Agronomia?
- Tendo oportunidade de julgar atos praticados por um colega concorrente, devo levar em conta somente os
atos praticados e que constarn do processo ou, aproveitando a ocasião, estimular um ambiente que decida pela
sua retirada da concorrência?
- Sendo responsável pela área de suprimentos da empresa, devo aceitar a propina que é oferecida para fechar
negócio com determinado fornecedor? Devo relatar a existência da propina a meu superior hierárquico?
- Aceito assinar um projeto de obra do qual não participei, beneficiando-me monetariamente da questão?
Ou, de um ponto de vista mais geral, situações como estas:
- Um iraquiano, durante a recente guerra contra os exércitos aliados, sabendo que seu amigo 'T' estava
colaborando com o inimigo, devia calar por causa da amizade ou devia denunciá-lo como traidor?
- Um piloto da Fórmula 1, percebendo que seu carro está com algum problema, e, sabendo que atrás de si
está seu maior rival, o qual, se o ultrapassar, certamente será o vencedor da prova, deve dar passagern ou, para
sua vantagem, criar todos os obstáculos possíveis para mantê-lo na retaguarda, prejudicando-o de qualquer
forma?
- Um atirador de elite da polícia deve efetuar, por exemplo, o disparo contra um seqestrador, mesmo
sabendo que seu ato pode atingir um dos reféns, caso haja falha involuntária ao acionar o gatilho?
- Deve-se dizer sempre a verdade ou há ocasiões em que se pode mentir?
- O Ministro da Economia deve autorizar a divulgação do índice correto da inflação ou deve manipular os
dados, objetivando ganhos políticos (ou ate econômicos) para o governo, sabendo que, por conseqência, os
repassará posteriormente a toda a nação?

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Tratam-se, nestes casos, de situações práticas que, dependendo do caso, são vivenciadas intensamente, isto é,
são problemas reais que se apresentarn nas relações entre indivíduos ou quando os fatos são colocados para o
julgamento dos outros ou da Comunidade.
Todas essas situações, tão diferentes entre si, possuem algo em comum: são problemas cuja solução envolve
a participação de mais de uma pessoa, que certamente sofre as conseqências das decisões tomadas. Tais conseq-
ências podem afetar somente um indivíduo ou, em outros casos, um grupo de indivíduos ou até, toda a
Sociedade.
Os indivíduos que participam de situações como as que acabamos de citar devern pautar seu comportamento
por normas próprias ou não, que julgam ser dignas ou mais adequadas de serem cumpridas. Essas normas,
aceitas intimamente, induzem a que o indivíduo aja desta ou daquela maneira.
Assim, esse comportamento é o resultado de uma decisão refletida, pensada, raciocinada. Não se trata de
uma ação espontãnea nem natural ou instintiva.
0 comportamento ético não é um comportamento inato, primitivo. Antes, reflete o grau de amadurecimento
de um indivíduo, de uma família, de uma Comunidade, de um Estado ou de uma Nação.
Da mesma forma, o julgamento que os outros fazem dessas ações também é pautado por normas já
estabelecidas, que podem concluir com juízos como: "Fulano agiu bem mentindo naquelas circunstâncias" ou "0
iraquiano devia ter denunciado seu amigo traidor" e assirn por diante.
Temos, ainda, de um lado, atos praticados, que chamamos morais, e, de outro lado, juízos emitidos que
aprovam ou desaprovam, também moralmente, os mesmos atos.
0 problema do que fazer ou deixar de fazer, em cada situação, é um problema prático-moral. Ao contrário,
definir o que é bom não é problema moral cuja solução pertence ao indivíduo em cada caso particular. Antes, é
um problema teórico, de competência da ética, uma vez que geral.
Pode-se dizer que a essência do ato moral está diretamente vinculada à questão da responsabilidade, isto é, o
comportamento é moral quando o sujeito que o pratica é responsável pelos seus atos. Isso quer dizer que o
indivíduo pode fazer o que queria fazer, ou, dito de outra forma, o sujeito teve a possibilidade de escolha entre
duas ou mais alternativas e agiu de acordo com a decisão tomada.
Conclui-se daí que a responsabilidade é inseparável da liberdade da vontade, ou melhor, a liberdade traz
consigo a responsabilidade.
No dizer de Aristóteles "cada homem julga corretamente os assuntos que conhece, e é um bom juiz de tais
assuntos. Assim, o homern instruído a respeito de um assunto é um bom juiz em relação ao mesmo e o homem
que recebeu uma instrução global é um bom juiz em geral".
Para Aristóteles, então, a ética tem por objetivo determinar qual é o bem supremo para as criaturas humanas
(a felicidade) e qual é a finalidade da vida humana (fruir esta felicidade da maneira mais elevada - a
contemplação).
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Não há como negar que o campo de ação da ética sofreu profundas modificações com relação ao conceito
aristotélico. Nem poderia deixar de ser diferente, pois as ações e relações humanas, embora mantenham uma
certa identidade com as dos tempos dos gregos, hoje são muito mais complexas, mais vulneráveis em alguns
sentidos, mais esguias em relação aos outros, etc.
Os costumes, os princípios e, acima de tudo, os valores atuais, em nada se parecem com os dos antigos,
como conseqência, estamos presenciando uma nova formulação da moral comportamental.

ÉTICA PROFISSIONAL

Como vimos, a ética se distingue da moral. A moral, propriamente dita, é amoral teórica, um conceito maior,
um horizonte mais amplo, enquanto que a ética é a moral prática. Isto é, as questões práticas, do dia-a-dia dos
profissionais, são julgadas pela ética.
Singela, ao mesmo tempo profunda, é a definição dada por Rui de Azevedo Sodré: “ética profissional é o
conjunto de princípios que regem a conduta funcional de uma determinada profissão.”
Nessas condições, cada homern deve proceder de acordo com princípios éticos. Cada profissão, porém, exige
de quem a exerce, além dos princípios éticos comuns a todos os homens, procedimento ético de acordo com a
sua profissão.
Assim, temos a ética dos engenheiros, a ética dos médicos, a ética dos odontólogos e assim por diante. Cada
profissão tem sua conduta própria. O comportamento funcional dos religiosos se fundamenta em bases éticas
diversas daquelas dos arquitetos, a dos psicólogos é diferente da dos advogados, as dos contadores não é a
mesma dos enfermeiros, etc.
Esta conduta funcional é exercida com base em direitos e deveres. A ciência dos deveres é a deontologia, a
dos direitos é a diceologia. O Código de Ética Profissional do Engenheiro e de outros profissionais é parte de um
conjunto deontológico de nossa conduta funcional, ao passo que uma das partes diceológicas está manifestada na
Resoluçdo no 218 do CONFEA.
No dizer de Jayme Paviani, "a crise da ética é uma experiência universal, isto é, de todos os homens, de todas
as classes sociais e profissões, em todas as épocas".

RESPONSABILIDADE MORAL

Tem-se observado que um dos índices que manifesta o progresso moral das comunidades é a elevação da
responsabilidade dos indivíduos dessas comunidades ou de seus grupos sociais, no seu comportamento moral.
O moral de um exército não se manifesta pela bravura de um único soldado. É necessário que todo o efetivo
manifeste um comportamento que possa ser associado com disciplina, seriedade, hierarquia, eficiência, etc.

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De fato, ato moral é aquele em que se pode atribuir ao agente uma responsabilidade, não só pelo que pratica
mas também pelas conseqências de sua ação. Isso vincula a responsabilidade moral com a questão da liberdade
humana, pois só se pode responsabilizar o agente, quando o mesmo teve liberdade de opção e de decisão.
Não basta julgar determinado ato segundo normas ou regras de ação. É preciso verificar as condições concretas
nas quais ele se realiza, determinando-se, então, se existe a possibilidade de opção e de decisão, necessárias para
transferir-lhe a responsabilidade moral.
Assim, o assunto nos conduz naturalmente a questões, como: quais são as condições necessárias e suficientes
para poder imputar a alguém uma responsabilidade moral por determinado ato? Ou, em outras palavras, em que
condições um profissional pode ser louvado ou censurado por sua maneira de agir? Ou ainda, quando se pode
afirmar que uma pessoa é responsável pelos seus atos e quando se pode isentá-la total ou parcialmente de sua
responsabilidade?
Esse questionamento traz consigo duas condições fundamentais:
1) o profissional não pode ignorar nem as circunstâncias nem as conseqências de sua ação, isto é, seu
comportamento necessariamente possui um caráter consciente: agiu sabendo o que estava fazendo.
2) a causa que move sua ação está dentro dele (causa interior), e não em outro agente que o force a agir de
determinada maneira, contrariando sua vontade pessoal, ou seja, a conduta deve ser livre: pode fazer o que
queria fazer.
Tem-se daí que somente o conhecimento e a liberdade legitimam a responsabilidade, ao passo que a
ignorância e a falta de liberdade ou a coação interna ou externa eximem o indivíduo da responsabilidade.

IGNORÂNCIA E RESPONSABILIDADE

Já observamos que só podemos responsabilizar uma pessoa que escolhe, decide e age conscientemente. É
evidente, então, que devemos eximir da responsabilidade moral a quem não tem consciência daquilo que faz, isto
é, a quem ignora as circunstâncias, a natureza ou as conseqências de sua ação.
Temos, então, que a ignorância é uma condição que delimita a responsabilidade moral de um indivíduo.
Assim, por exemplo, não pode ser responsabilizado moralmente pela sua ação, alguém que dê a um neurótico
um objeto que Ihe provoca súbita reação específica de cólera, se conseguir provar fundamentalmente que
ignorava estar tratando com um doente desta natureza, ou ainda, que com o objeto em questão pudesse provocar
nele uma reação tão desagradável. É inegável que, pelo fato de ignorar as circunstâncias em que produzia sua
ação, não podia prever as suas conseqências negativas.
Não basta, no entanto, afirmar que ignorava tais circunstâncias para livrá-lo da responsabilidade. É necessário
acrescentar que não só não as conhecia, mas que não podia e não tinha a obrigação de conhecê-las.

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Por outro lado, estendendo o exemplo adotado, os familiares do neurótico, que o autorizaram a ir à casa de
"X" e que, lá, não avisaram a "X " da suscetibilidade do outro em face do objeto em questão, podem certamente
ser considerados responsáveis pelo que aconteceu, já que conheciam a personalidade do doente e as possíveis
conseqências para ele do ato de "X".
Tendo em vista tais situações, surge, pois, a seguinte indagação: a ignorância é sempre uma condição
suficiente para eximir alguém da responsabilidade moral?
Tomemos outro exemplo: suponhamos que o programador do sistema central da Previdência Social recebeu
instruções de programar o computador de tal forma que ele, o programador, ao identificar um determinado
código numérico, deveria multiplicar o valor do campo “x” do formulário “y”, por um valor qualquer, digamos,
mil.
É provável que exista um número indeterminado de operaqões similares, onde os programadores, por força
de sua função exclusivamente técnica, de formular algorítmos e buscar soluções para os intrincados problemas de
nossa previdência, por comodismo ou por força de um automatismo qualquer, não se dão ao trabalho de
verificar, na planilha geral, em que consiste o campo “x” do formulário “y”.
Acontece que mais tarde, através da verificação daquilo que se convencionou chamar de "fraudes na
Previdência", tal programador se dá conta de que o fator multiplicador de mil, do campo “x” do formulário “y”
tratava-se do valor do benefício a ser pago a um determinado contribuinte. Conclui, então, que trabalhou para
lesar a nação inteira.
Será provável, também, que aos inspetores policiais ele irá argumentar que executou a operação sem saber
que se tratava de benefícios e a quem estava beneficiando. Mas essa desculpa não é moralmente aceitável, uma
vez que ele poderia e deveria ter observado em que consistia o campo “x” do formulário “y”, como é de sua
obrigação moral, antes de inserir esta rotina mensal no programa-mestre.
Pode ser que o programador realmente ignorasse. Mas não podia e não devia ignorar.
Conclui-se, pois, que a ignorância não pode eximi-lo da sua responsabilidade, já que ele é responsável por
não saber o que devia saber.
Assim, a ignorância das circunstâncias, da natureza ou das conseqências dos atos humanos, permite eximir
um indivíduo de sua responsabilidade pessoal, mas essa isenção estará justificada somente quando, por sua vez, o
indivíduo em questão não for responsável pela sua ignorância, ou seja, quando se encontra na impossibilidade de
ser consciente de seu ato pessoal.

LIBERDADE E RESPONSABILIDADE

Vimos anteriormente que a responsabilidade moral exige a liberdade de opção e de decisão, isto é, a ausência
de coação interna ou externa, ou então, a possibilidade de resistir a essas coações em maior ou menor grau.
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De fato, para que lhe seja imputada responsabilidade moral sobre algo praticado, há necessidade de o agente
ter liberdade de escolha entre as alternativas que se Ihe oferecem, bem como ter o poder de decidir e agir sobre a
alternativa escolhida.
O julgamento dos homens é feito sobre fatos, ações praticadas, algo concreto, não sobre pensamentos. Estes
pertencern a um Nível Superior, que foge aos objetivos da nossa abordagem.
A responsabilidade moral pressupõe, portanto, liberdade para decidir e agir, vencendo coações externas e/ou
internas.
É certo que o homem pode resistir, dentro de certos limites, à coação. Possui liberdade para tal. Sempre
existem, no entanto, causas que determinam as ações praticadas. A questão é compatibilizar a determinação de
nosso comportamento com a liberdade de nossa vontade. O mundo que nos cerca impõe condições de contorno
que, freqentemente, restringem a gama de soluções disponí veis para uma determinada situação. E, como se
constata, o mundo é algo determinado, isto é, sujeito a relações de causa e efeito. Como, então, dispor de
liberdade?
Eis aí a questão, à qual respondem três posições filosóficas fundamentais: a primeira, representada pelo
determinismo em sentido absoluto; a segunda por um libertarismo, concebido também de maneira absoluta; a
terceira, por uma forma de determinismo que admite, com certa liberdade ou é compatível com ela. A abordagem
dessas correntes filosóficas foge ao escopo de nossa discussão e pode ser desenvolvida consultando a farta
bibliografia existente sobre o assunto.
No entanto, podemos sublinhar que responsabilidade moral, liberdade e necessidade estão entrelaçadas
indissoluvelmente no ato moral.
É relativamente fácil observar que o homem é livre para decidir e agir, sem que a sua decisão e a sua ação
deixem de ser causadas. Mas o grau de liberdade está determinado histórica e socialmente, pois se decide e se
age numa determinada comunidade. Essa sociedade oferece aos indivíduos determinados padões de
comportamento, dos quais eles não podem se afastar, sob pena de forte discriminação. Ao mesmo tempo, essa
sociedade limita as possibilidades de ação dos seus componentes.
Nesse sentido, concordamos com Jayme Paviani quando afirma que "ninguém pode se livrar do ético, isto é,
da constante necessidade de escolher, de decidir, do "dever ser", do agir ético ou do saber prudencial".

COAÇÃO INTERNA E RESPONSABILIDADE

Do que se abordou anteriormente, chega-se à conclusão de que o homem não é responsável pelos atos que
tem a sua causa fora dele, isto é, o engenheiro que projetou a ponte rolante para transporte de cargas até dez
toneladas, não será responsável se outras pessoas carregarem nela quinze toneladas e a estrutura romper, desde
que na ponte esteja registrada a capacidade máxima da mesma.

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Surge, então, naturalmente, a questão: será o homem totalmente responsável pelos atos que têm sua causa,
sua origem, sua fonte, dentro dele?
O indivíduo só pode ser moralmente responsável pelos atos cuja natureza conhece e cujas consequências
pode prever, além dos que, por se realizarem na ausência de uma coação extrema, estão sob seu domínio e
controle.
É certo que psiquiatras e psicanalistas conhecem muitos casos de pessoas que realizarn atos que têm causa
interna e que, apesar disso, não podem ser considerados moralmente responsáveis. Tais indivíduos atuam sob
uma coação interna a que não conseguem resistir. Nessas condições, embora seus atos possuam causas íntimas,
não são propriamente seus, uma vez que não puderam exercer controle total sobre os mesmos.
A coação interna é tão forte que a pessoa não consegue agir de maneira diversa da que agiu, não tendo
atuado livre e conscientemente, como desejaria.
A partir dessas condições iniciais podemos dizer que um indivíduo normal é moralmente responsável pelo
roubo que comete, ao passo que o cleptomaníaco, que rouba em uma loja de departamento ou supermercado por
um impulso interno irresistível, merece considerações maiores.
Da mesma forma, poderíamos considerar moralmente responsálvel o neurótico que, num momento de crise
aguda, mata diversas pessoas enquanto dormem, como aconteceu recentemente numa instituição para doentes
mentais, no Rio Grande do Sul?
É claro que, nesses casos, a cleptomania e a neurose determinam, de maneira irresistível, o comportamento
do agente. No momento em que realiza tais ações, o indivíduo não tem consciência da natureza moral de seus
atos e das suas consequências, nem dos motivos verdadeiros que o levam a assim proceder. Fica evidente que tais
exemplos são casos extremos, nos quais o indivíduo não consegue resistir, de forma alguma a coação interna.
Mas existem muitos casos de pessoas que, embora aparentem normalidade, mostram zonas de
comportamento que não são normais. É o caso acima mencionado cleptomaníaco, que se comporta
normalmente, até que se encontre diante do objeto que lhe incita o instinto irresistível de roubar.
Assim sendo, não é fácil traçar uma linha divisória entre o normal e o anormal, entre o sadio e o doentio no
comportamento humano. O que se conhece, é que pessoas normais não agem sob coações irresistíveis, embora
também sempre se encontrem sob coações internas, tais como amor, paixão, desejos, impulsos, etc.
Para as pessoas normais, essa coação interna não é tão forte que atinja o ponto de anular sua vontade e as
impeça de optar. A livre opção determina responsabilidade, na medida em que assegura domínio e controle sobre
os atos pessoais.

COAÇÃO EXTERNA E RESPONSABILIDADE

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Do que se viu, pode-se concluir que existe uma segunda condição fundamental para que uma pessoa possa
ser responsabilizada por um ato que pratique: que a causa de sua ação provenha dele próprio e não de fora, isto
é, de algo ou de alguém que o force, contra a sua vontacle, a realizar tal ação.
Dito de outra forma: exige-se que o indivíduo em questão não esteja submetido a uma coação externa. E isso
é fácil de verificar. Quando o agente está sob a pressão de uma coação externa, intrinsecamente perde o controle
dos seus atos. A ação Ihe é imposta, e então, se Ihe fecha o caminho da escolha entre alternativas. Deixa de
existir a decisão pessoal, pois o ato que se realiza não é um ato escolhido, nem decidido pessoalmente.
Na medida em que a causa da ação tem origem externa ao agente, não se pode responsabilizá-lo pelo modo
como agiu, pois se criaram barreiras intransponíveis para sua decisão.
A coação externa tem origens bem diferenciadas:
- Provir de algo - circunstâncias imprevistas - que forçam a pessoa a agir, de certa maneira, contra sua
vontade.
Provir de alguém, que consciente e voluntariamente determina a realização de um ato que a pessoa não quer
praticar. Ela não escolheu agir daquela maneira. Nem mesmo teve possibilidade de decidir. Simplesmente, teve
que acatar, embora com restrições internas, a condição imposta por alguém.
Verifica-se, então, que a coação externa pode anular a vontade do indivíduo que pratica a ação, eximindo-o
de sua responsabilidade pessoal.
Em situações práticas, no entanto, pode-se identificar que, algumas vezes, apesar da coação externa nas suas
mais variadas formas, sobra certa margem de opção ao agente, isto é, existe a possibilidade real de que as
circunstâncias sejam alteradas e as ações sejam executadas de forma diversa daquela imposta por esse alguém.
Em assim sendo, o agente assume a responsabilidade moral pelo ato que pratica.
Isso não significa que o agente não possa resistir em nenhum caso a esta coação. De fato, se essa condição
fosse satisfeita em termos absolutos, poder-se-ia chegar, em muitos casos, a valores muito menores da
responsabilidade moral, o que tornaria cada vez menos legítima essa redução, pois que os atos trazem consigo
conseqências que afetam de maneira significativa a amplos setores da sociedade.
Um exemplo bastante conhecido é o caso Nremberg, movido contra os principais dirigentes nazistas. Todos
recusaram a responsabilidade que Ihes estava sendo imposta, pelos horrendos e monstruosos crimes cometidos.
A principal arma de defesa alegada era ou a imperiosa necessidade de cumprir ordens ou a ignorância absoluta
dos acontecimentos.
Por sua vez, os escalões inferiores da hierarquia militar nazista adotou a mesma argumentação: a
impossibilidade de resistir às ordens recebidas, isto é, não havia margem de manobra para fazer frente à coação
externa existente. Teriam, os oficiais nazistas, tido condições de demonstrar a inexistência da responsabilidade
moral e penal dos atos praticados? De que forma poderiam ser inocentados os generais e oficiais que ordenavam
os incêndios, fuzilamentos, saques, roubos, etc.? E os responsáveis pelos campos de concentração que
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submetiam os prisioneiros a experiências terríveis como, por exemplo, analisar o efeito da corrente elétrica no
organismo, transplantes de órgãos e de tecidos humanos, processos de esterilização ainda desconhecidos,
aplicação de vacinas experimentais, pressões psicológicas grupais, etc.
O Tribunal de Nremberg avaliou a importância da coação externa e o seu veredito é de todos conhecido.
É certo, no entanto, que a coação externa pode eximir o agente da responsabilidade moral de seus atos.
Mesmo que estes se apresentem como seus, na verdade não o são, pois têm origem e causa fora dele.
É muito comum, no atual contexto industrial, o engenheiro de projetos alterar a especificação de um
determinado componente ou conjunto, quando convencido da correta solução adotada, face a pressão do
superior imediato que, não demonstrando as razões necessárias para que se proceda à alteração determinada,
simplesmente não quer tomar conhecimento das conseqências de sua ordem. Para quaisquer eventualidades,
constará a assinatura do primeiro nas plantas de execução, o que lhe sugere estar imune às penalidades, caso
ocorram problemas maiores.
É certo, porém, que o engenheiro sempre tem a possibilidade de argumentar e, na falta de compreensão, até
de se recusar a permanecer no emprego, o que determinaria uma revisão do comportamento de seu chefe a longo
prazo, caso a situação viesse a se repetir.
A realidade, no entanto, mostra que é tênue a linha que identifica a existência da responsabilidade moral em
face da coação externa. Os limites nem sempre podem ser claramente definidos, uma vez que as circunstâncias
podem mascarar a correta influência dos fatores determinantes.
Não é fácil demonstrar quais os argumentos corretos a serem levantados contra a atitude do engenheiro que,
por fatores conjunturais, determinou a redução da bitola do fio condutor de energia elétrica, tendo em vista que
no mercado nacional não existia a bitola especificada, pois a empresa produtora não estava mais fabricando tal
produto, face à situação econômica vigente, determinada por medidas políticas. Poderia ele alegar não ter
responsabilidade, pois que no mercado não existia o produto especificado, que o cronograma de obras já estava
ultrapassado e sua empresa a cada dia arcava com custos contratuais onerosos pelo atraso na entrega, que não
havia tomado a decisão em vista de um lucro maior.
O que Ihe responderiam os prejudicados, por ocasião do incêndio ocorrido em função da carga térmica
dissipada pelo condutor fora de especificação?

COMPORTAMENTO ÉTICO-PROFISSIONAL

Autor: Arq. Saint Clair Nickelle


Assessor da Presidência do CREA/RS

"A CORRUPÇÃO MORAL ESTÁ NO DESAMOR À VERDADE"


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Afirmação levantada pelo escritor e jornalista Olavo de Carvalho, durante a realizaçdo do II Fórum
FEDERASUL de Ética, realizado em Porto Alegre, dia 16/05/2000.
Em que medida essa afirmação diz respeito aos profissionais que enfrentam a Comissão de Ética do
CREA/RS?
É praxe processual a Comissão de ética tomar o depoimento pessoal do profissional que enfrenta processo
dessa natureza, reconhecendo-se, neste procedimento do "olho a olho", a melhor oportunidade para detectar a
verdade dos acontecimentos e o grau de dignidade do denunciado.
O contato direto dos conselheiros com o denunciado é fundamental porque estão tratando com valores
pessoais, aparentemente difíceis de serem detectados, no entanto, quando as informações e gestos são
expressados diretamente acabam, por via indireta, traduzindo a postura do profissional, diante dos clientes e
serviços que Ihe são inerentes à formação e registro no Conselho.
Essa experiência, perante a Comissão de Ética, tem propiciado situações que caracterizam em muito a
afirmação do escritor Olavo de Carvalho, deixando para os Conselheiros a seguinte pergunta:

Por que é tão difícil assumir a verdade?

“…A referida ART.... foi retificada na via da obralserviço para o código 85 (REGULARIZAÇÃO),
provavelmente por engano de algum funcionário, ou outra pessoa desavisada e não por mim, Responsável
Técnico pela obra, sabedor de que isso seria um erro. Acredito até que, tal attitude possa ter sido despretensio-
sa, não tendo a intenção de prejudicar ou burlar qualquer dispositivo legal. "
A reprodução parcial, anterior, é do depoimento de um profissional que tentava explicar à Comissão de Ética,
porquê a terceira via da ART, de uma obra de um cliente seu, tinha sido adulterada, já que a primeira via
arquivada no CREA, circunstancialmente, fora comparada e trouxera o problema à tona.
Na ocasião do depoimento, já se haviam passado dois anos que o fato ocorrera. Razão, talvez, que levou o
depoente a optar pela possibilidade de imputar a culpa a outrém, esquecendo-se que fora ele que justificara a
improprieedade da NOTIFICAÇÃO dirigida ao seu cliente, apresentando como prova a ART de regularização,
naquela ocasião. E isso, só foi possível porque existia uma ART anterior, que tratava de uma obra de um único
pavimento. Como foi executado um segundo pavimento, sem a devida anotação, bastou adulterar a existente
para tentar justificar a duplicação da área construída.
A declaração a seguir diz respeito ao depoimento de um profissional que, acidentalmente, a Fiscalização do
CREA descobrira que falsificara duas ARTs, utilizando o nome e a categoria profissional de outro, o qual possui
atribuição que o autor da falsificação não tem.

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“... supõe terem sido preenchidas pela sua secretária, erroneamente, confundindo profissionais antigos com
os que prestam setviços atualmente, razão porque da confusão de nomes que deu causa às ARTs juntadas ao
Processo... Declara, por fim, que não houve má fé, e sim, apenas um descuido, acentuando que isto não trouxe
nenhum dano ao outro profissional.”
As ARTs foram preenchiclas a mão, com letra de forma, da mesma maneira que o denunciado continuou
fazendo, após o afastamento da citada secretária. Além disso, descobriu-se que fora o próprio denunciado que
levou as ARTs para colher as assinaturas dos seus contratantes. As Anotações de Responsabilidades Técnicas
foram assinadas, falsamente, em nome de outro profissional e, registradas perante o CREA e outro órgão da
Administração Pública Federal.
As duas evidências trazidas a esse texto não são situações excepcionalíssimas, ocorrendo com relativa
freqência, quando da instrução de processos éticos, o que denota que até em casos, aparentemente óbvios,
procura-se “fugir da verdade como o diabo da cruz".
Sabemos que o comportamento observável não é necessariamente autêntico, por não ser único e de difícil
comprovação quanto ao seu real valor, portanto, será necessário fazer um esforço para entendê-lo no contexto
social em que ocorre, reconhecendo-se as limitações e circunstâncias que são oferecidas para sua reprodução e
avaliação.
O comportamento ético autêntico é antes de tudo atitudinal, manifestando-se a partir dos valores que o
indivíduo possui e cuja incorporação se dê ao longo da sua existência, predominantemente nos períodos da
infância e adolescência. É, pois, uma manifestação de crença.
Essa crença, no entanto, se não for socialmente compartilhada, em especial pelo grupo de referência, poderá
enfraquecê-la, levando o indivíduo a conviver com o conflito da contradição, num primeiro momento e, após,
com a incorporação de valores antiéticos.
A par desse conhecimento, o Conselho Profissional tem buscado evidenciar, principalmente, perante àqueles
que enfrentam processos éticos, que não compactuamos com a banalização da dignidade, quando o que importa
é o sucesso ou sobrevivência profissional, a qualquer custo.
Sabemos que o contexto social, acentuadamente o brasileiro, concorre de forma perversa para a diminuição
da capacidade de contrariar a tendência, exigindo, cada vez mais, que assumamos a construção pessoal e coletiva
de uma sociedade esperançada na crença da justiça e da ética.
E essa exigência se faz mais forte perante a comunidade profissional, por se constituir em grupo de
referência.
Se, assim não for, o que esperar dos que não possuem educação, emprego e os meios mínimos de
sobrevivência, tendo como espelho a ética questionável da categoria profissional?

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CONSELHO FEDERAL DE ENGENHARIA, ARQUITETURA E AGRONOMIA

Resolução No 205, de 30 de setembro de 1971


Adota o Código de Ética Profissional

O Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia, usando das atribuições que lhe confere a
Lei no 5.194, de 24 de dezembro de 1966,
CONSIDERANDO ser imperativo para a disciplina profissional a adoção do Código de Ética do
Engenheiro, do Arquiteto e do Engenheiro Agrônomo.

RESOLVE:

Art. 1o – Adotar o Código de Ética Profissional do Engenheiro, do Arquiteto e do Engenheiro Agrônomo,


anexo à presente Resolução, elaborado pelas entidades de classe na forma prevista na letra “n” do Art. 27 da Lei
no 5.194, de 24 de dezembro de 1966.
Art. 2o – O Código de Ética Profissional do Engenheiro, do Arquiteto e do Engenheiro Agrônomo, para
os efeitos dos Arts. 27, letra “n”, 34, letra “d”, 45, 46, letra “b” e 72, da Lei n o 5.194/66, obriga a todos os
profissionais da Engenharia, da Arquitetura e Agronomia e entra em vigor na data de sua publicação no Diário
Oficial da União.
Art. 3o – Revogam-se as disposições em contrário.

Rio de Janeiro, 30 de setembro de 1971.

Prof. FAUSTO AITA GAI Engo NILDO DA SILVA PEIXOTO


Presidente 1o Secretário

Publicada no D.O.U. de 23 de novembro de 1971.

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SÃO DEVERES DOS PROFISSIONAIS DA ENGENHARIA,
DA ARQUITETURA E DA AGRONOMIA

1o - Interessar-se pelo bem público e com tal finalidade contribuir com seus conhecimentos, capacidade e
experiência, para melhor servir a humanidade.

2o -Considerar a profissão como alto título de honra e não praticar nem permitir a prática de atos que
comprometarn tal dignidade.

3o - Não cometer ou contribuir para que se cometarn injustiças contra colegas.

4o - Não praticar qualquer ato que, direta ou indiretamente, possa prejudicar legítimos interesses de outros
profissionais.

5o - Não solicitar nem submeter propostas contendo condições que constituam competição de preços por
serviços profissionais.

6o - Atuar dentro da melhor técnica e do mais elevado espírito público, devendo, quando Consultor, limitar
seus pareceres às matérias específicas que tenham sido objeto da consulta.

7o - Exercer o trabalho profissional com lealdade, dedicação e honestidade para com seus clientes e
empregadores ou chefes, e com espírito de justiça e eqidade para com contratantes e empreiteiros.

8o - Ter sempre em vista o bem-estar e o progresso funcional dos seus empregados ou subordinados e
tratá-los com retidão, justiça e humanidade.

9o - Colocar-se a par da legislação que rege o exercício profissional da Engenharia, da Arquitetura e da


Agronomia, visando a cumpri-la corretamente e colaborar para sua atualização e aperfeiçoamento.

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