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HEMIMANDIBULECTOMIA CENTRAL COMBINADA COM

MANDIBULECTOMIA UNILATERAL ROSTRAL DIREITA EM UM


CÃO: RELATO DE CASO

CENTRAL HEMIMANDIBULECTOMY COMBINED WITH


UNILATERAL ROSTRAL MANDIBULECTOMY IN A DOG: CASE
REPORT
Cristiano Gomes1, Márcio Poletto Ferreira1, Marcelo Meller Alievi2, Emerson
Antonio Contesini2, Marcelo de Souza Muccillo3, Fabíola Peixoto da Silva Mello4

RESUMO
Este trabalho descreve o caso de um canino, cocker spaniel, macho, de 13 anos de
idade apresentando uma neoplasia no corpo da mandíbula direita entre o primeiro pré-molar e
o primeiro molar com aproximadamente 8cm2. O animal foi encaminhado para a cirurgia,
onde foi realizado hemimandibulectomia central combinada com mandibulectomia unilateral
rostral. O paciente apresentou boa recuperação pós-operatória, alimentando-se normalmente,
entretanto, um mês após a cirurgia começou com sinais de insuficiência respiratória, sendo
encaminhado para eutanásia dois meses após a cirurgia. Em entrevista com a proprietária, foi
relatado um contentamento da mesma pela opção cirúrgica, com uma melhora na qualidade de
vida do animal e com uma boa aparência estética pós-cirúrgica do cão.
Palavras-chave: Mandibulectomia, tumor oral, cães, cirurgia, oncologia.

ABSTRACT
This work describes the case of a canine, cocker spaniel, male, 13 years old presenting
a tumor in the right jaw between the first pre-molar and the first molar with approximately
8cm2. The animal was directed for the surgery to do a combined central hemimandibulectomy
with rostral unilateral mandibulectomy. The patient presented a good postoperative recovery,
feeding itself normally, however, one month after the surgery the animal presented respiratory

1. Médico Veterinário, Mestrando em Ciências Veterinárias pela UFRGS. crisgomes98@hotmail.com


2. Médico Veterinário, Professor Adjunto da UFRGS.
3. Médico Veterinário do Hospital de Clínicas Veterinária da UFRGS.
4. Médica Veterinária, Hospital Veterinário da PUC-RS
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signals, being directed for euthanasia two months after the surgery. In interview with the
owner, he was satisfied with the surgical option, the dog improved his quality of life and with
a good appearance of his face.
Key words: Mandibulectomy, oral tumors, dogs, surgery, oncology.
é a principal modalidade terapêutica
INTRODUÇÃO
(WHITE, 2003). A principal técnica para a
A cavidade oral é o quarto local remoção destes tumores é a
mais acometido por neoplasias em cães e mandibulectomia e a maxilectomia
gatos, representando 6 e 3% de todos os (KOSOVSKY et al., 1991; WALLACE et
tumores em cães e gatos, respectivamente al., 1992; BERG, 1998).
(WERNER et al., 1997; RODRÍGUEZ- O objetivo deste trabalho é relatar o
QUEIRÓS et al., 1999; WHITE, 2003). tratamento de um canino com
Estes tumores são geralmente malignos, no osteossarcoma mandibular tratado no
qual, o melanoma, fibrossarcoma e o Hospital de Clínicas Veterinárias da
carcinoma de células escamosas são os Universidade Federal do Rio Grande do Sul
tumores malignos mais comuns através da hemimandibulectomia central
(WITHROW, 1996; BERG, 1998). combinada com mandibulectomia
Os sinais clínicos podem incluir o unilateral rostral direita.
aumento de volume na cavidade oral,
halitose, ptialismo, disfagia, perda de peso, RELATO DE CASO

problemas odontológicos e deformidades Foi encaminhado ao setor de


faciais (WITHROW, 1996; RODRÍGUEZ- cirurgia do Hospital de Clínicas
QUEIRÓS et al., 1999; WHITE, 2003). O Veterinárias da Universidade Federal do
diagnóstico definitivo é realizado através Rio Grande do Sul um canino, cocker
da histopatologia, que irá identificar o tipo spaniel, macho, de 13 anos de idade
histológico do tumor, o qual irá definir o apresentando um aumento de volume firme
comportamento biológico do tumor e o no corpo mandibular direito, que atingia
prognóstico do paciente (MARRETTA, desde o primeiro pré-molar até o primeiro
1998). molar, com aproximadamente 8cm2,
O tratamento inclui a excisão ulcerado, com tecido necrosado e sem uma
cirúrgica, quimioterapia, radioterapia ou mobilidade quando manipulado,
uma combinação destes (MORRIS e demonstrando invasibilidade (figura 1). A
DOBSON, 2001), dentre as quais a cirurgia proprietária relatou sangramento oral

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inconstante há aproximadamente 10 dias, o apresentava normorexia, normodipsia,


qual ocorria principalmente após a normúria e normoquesia.
alimentação do animal. O paciente

Figura 1: Tumor no corpo da mandíbula se estendendo desde o primeiro pré-molar até o primeiro molar,
apresentando lesões ulceradas e tecido necrosado.
No exame clínico a temperatura qualquer alteração dos valores normais. No
retal era de 38,5°C, as mucosas estavam raio-X de tórax não foi observado imagem
normocoradas, com o tempo de compatível com metástase, no raio-X oral
reenchimento capilar em 1,5seg e o foi detectado lise óssea na região afetada e
paciente encontrava-se hidratado. Os o exame citológico foi compatível com
linfonodos mandibulares encontravam-se melanoma.
aumentados de volume e na palpação O animal foi encaminhado para
abdominal e na ausculta pulmonar e cirurgia, sendo pré-medicado com
cardíaca nenhuma alteração aparente foi cloridrato de meperidina por via
detectada. intramuscular na dose de 4mg/kg e
Foi solicitado a realização de midazolam por via intravenosa na dose de
hemograma, dosagem das proteínas 0,5mg/kg, induzido com propofol por via
plasmáticas totais, creatinina e alanino- intravenosa na dose de 3mg/kg e a
transferase séricas, exame radiográfico manutenção feita com anestesia inalatória
mandibular e de tórax e exame citológico com isoflurano ao efeito. Em adição, foi
do local afetado. O hemograma e os realizado bloqueio regional do nervo
exames bioquímicos não apresentaram mandibular com lidocaína na dose de

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2mg/kg e bupivacaína na dose de linfonodo mandibular afetado (Figura 2) e


0,5mg/kg. após deu-se início a hemimandibulectomia
Após a realização da tricotomia, central combinada com mandibulectomia
antissepsia e colocação dos panos de rostral unilateral direita.
campo foi realizada a remoção do

Figura 2: Remoção do linfonodo mandibular antes de iniciar a mandibulectomia.


Realizou-se a incisão da mucosa inferior direito e no início do ramo da
oral ao redor do ramo a ser removido que mandíbula direita. Após a ressecção do
se estendia desde o segundo incisivo tumor, lavou-se a região com solução
inferior direito até o início do ramo da salina isotônica. Feita as últimas ligaduras
mandíbula. Foi feita a incisão da pele na vasculares, deu-se o início da sutura das
comissura labial direita para facilitar a bordas com fio absorvível sintético
exposição do tumor. Procedeu-se a multifilamentar 3-0 com ponto isolado
dissecção completa ao redor do tumor, simples (Figura 3). Foi estendida a sutura
deixando uma margem de segurança da comissura labial direita para ajudar na
mínima de 2cm, os vasos foram ligados manutenção da língua dentro da cavidade
com fio absorvível sintético oral e removeu-se uma porção em cunha do
multifilamentar 3-0 e se iniciou a excesso de pele da mandíbula (Figura 4).
osteotomia mandibular com uma serra
óssea entre o segundo e o terceiro incisivo

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A B

C D

Figura 3: [A] Dissecação ao redor do tecido tumoral com tesoura de mayo e ligadura dos vasos com fio
absorvível sintético multifilamentar. [B] Ostectomia da mandíbula entre o segundo e o terceiro
incisivo inferior direito com uma serra óssea. [C] Remoção da massa tumoral com a porção
mandibular. [D] Sutura da mucosa oral com fio absorvível sintético multifilamentar com ponto
isolado simples.

Figura 4: Aparência externa da sutura da comissura labial direita e da remoção em cunha de uma porção
de pele da mandíbula.

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Foi utilizado no pós-operatório durante 2 dias, a utilização de colar


imediato cloridrato de tramadol na dose de elizabetano, alimentação pastosa durante os
5mg/kg IM, cetoprofeno IM na dose de primeiros 7 dias do pós-operatório e
1mg/kg e metronidazol na dose de 20mg/kg higienização diária com solução salina. A
IV. O paciente recebeu alta médica no dia figura 5 mostra o aspecto final da cavidade
seguinte, sendo receitado metronidazol na oral e do paciente, após a remoção do
dose de 20mg/kg VO BID durante 10 dias, tumor.
cetoprofeno na dose de 1mg/kg SID

A B

Figura 5: [A] Aspecto da cavidade oral após a remoção do tumor. [B] Aparência externa do cão após a remoção
do tumor.
apresentar tosse e dificuldade respiratória.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
O animal foi submetido à eutanásia dois
O tumor foi enviado para a análise meses após a cirurgia, quando apresentou
histopatológica, no qual foi constatado perda do apetite e no raio-X de tórax
osteossarcoma. A proprietária optou por apresentou imagens compatíveis com
não realizar a quimioterapia com receio dos metástases pulmonares. O procedimento
efeitos colaterais da mesma. ocorreu em uma clínica particular devido a
O paciente apresentou uma ótima dificuldade da proprietária em deslocar-se
recuperação pós-cirúrgica, não sendo com o cão até o HCV-UFRGS, não sendo
observado dificuldades na alimentação. O possível a realização da necropsia.
cão foi acompanhado por revisões clínicas Após a morte do animal, a
e contatos telefônicos, onde em proprietária foi entrevistada, onde relatou
aproximadamente 30 dias começou a que estava satisfeita com o resultado da
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cirurgia, que o seu animal apresentou uma tumor (KOSOVSKY et al., 1991;
boa qualidade de vida após o procedimento WALLACE et al., 1992; BERG, 1998;
e com uma aparência aceitável, sendo MARRETA, 1998).
raramente observado alterações na face por O prognóstico reservado deste tipo
outras pessoas. tumoral foi observado neste trabalho, onde
A maior incidência de tumores orais a sobrevida após a cirurgia foi de dois
ocorre em cães machos e animais com meses. A literatura cita uma sobrevida
idade avançada, como é amplamente entre 4 a 13 meses (variando de 1 a 28
mostrada pela literatura e ratificada neste meses) para cães com osteossarcoma, no
caso (FELIZZOLA et al., 1999). Este qual entre 17 e 35% estavam vivos um ano
relato mostrou que o tumor foi detectado após a cirurgia (KOSOVSKY et al., 1991;
quando já apresentava uma grande lesão WALLACE et al., 1992).
oral, na qual só constatou-se após o No trabalho de FOX et al. (1997)
sangramento, assim como destaca a foi relatado um alto índice de aceitação dos
literatura que o mesmo é um dos principais proprietários que tiveram seus animais
sinais clínicos desta enfermidade submetidos a mandibulectomia e
(OLIVEIRA, 1996; WITHROW, 1996; maxilectomia para remoção de tumores
FELIZZOLA et al., 1999; MORRIS e orais. Este autor observou que 96% dos
DOBSON, 2001). entrevistados acharam que seus animais
A localização na mandíbula, com ficaram com uma aparência aceitável após
aspecto firme, ulcerado e com destruição a cirurgia, 85% deles estavam satisfeitos
óssea são características comuns dos com a opção de tratar seus cães, entretanto
tumores orais malignos (RODRÍGUEZ- os resultados foram muito influenciados
QUEIRÓS et al., 1999). Mais de 85% dos pelo tempo de sobrevida dos pacientes.
cães com tumores orais não apresentam Mesmo com uma sobrevida
imagens compatíveis com metástase relativamente curta após a
pulmonar no momento do diagnóstico desta mandibulectomia, o animal apresentou uma
neoplasia, assim como constatado neste boa recuperação cirúrgica, com uma
caso (BERG, 1998). melhora na sua qualidade de vida, visto que
A margem de segurança foi obtida após o procedimento não houve
neste procedimento com sucesso como sangramentos, não ocorreu uma dificuldade
recomenda a literatura um mínimo de um na apreensão de alimentos sólidos e
centímetro de tecido sadio ao redor do ingestão hídrica, ficando com uma
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aparência aceitável, sem deformidade GRUBER,L.A. Owner satisfaction with


extrema da face, observando partial mandibulectomy or maxilectomy for
contentamento do proprietário pela opção treatment of oral tumors in 27 dogs. J. Am.
do tratamento cirúrgico radical em seu cão. Anim. Hosp. Assoc. V.33, p.25-31, 1997.

CONCLUSÕES
KOSOVSKY, J.; MATTHIESEN, D.T.;
Este trabalho mostra a importância MARRETTA, S.M.; PATNAIK, A.K.
do tratamento cirúrgico com boa margem Results of partial mandibulectomy for the
de segurança em tumores malignos, que tratment of oral tumors in 142 dogs. Vet.
pode melhorar a qualidade de vida do Surg.. v. 20, n.6, p.397-401, 1991.w2sa1
animal, sem apresentar um aspecto
desagradável para o proprietário, não MARRETTA, S.M. Maxillofacial surgery.
interferindo na alimentação, nem na vida Vet. Clin. North Am. Small Anim. Pract.
social deste paciente. v.28, n. 5 , p. 1285-1296, sept. 1998.
Entretanto, por se tratar de um
tumor extremamente maligno, outros MORRIS, J.; DOBSON, J. Head and neck.
tratamentos devem ser adicionados como In: _____(Ed.). Small Animal Oncology.
quimioterapia e radioterapia para tentar Oxford: Blackwell Science, 2001.
prolongar a sobrevida destes animais.
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