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Paim, 2018. Sistema Único de Sáude Aos 30 Anos
Paim, 2018. Sistema Único de Sáude Aos 30 Anos
09172018 1723
ARTIGO ARTICLE
Thirty years of the Unified Health System (SUS)
Abstract This article, which aims to explore Resumo Com o objetivo de dialogar com alguns
questions relating to SUS at 30 and to dialogue estudos e perguntas acerca do SUS, ao completar
with other studies, presents an overview of the 30 anos, o artigo apresenta um balanço de veto-
positive drivers, the obstacles and the threats to res positivos, obstáculos e ameaças, sublinhando a
Brazil’s Unified Health System. It points to a lack falta de prioridade pelos governos, o subfinancia-
of prioritizing the SUS on the part of the govern- mento e os ataques perpetrados pelas políticas do
ment, underfunding and attacks on the system capital. Ressalta a financeirização da saúde vin-
made by capital’s policies. The article also suggests culada à dominância financeira como uma das
that one of the most significant threats to SUS maiores ameaças ao SUS. Conclui que o SUS não
is the financialization of health, linked to the fi- está consolidado, justificando alianças entre forças
nancial dominance. It concludes by arguing that democráticas, populares e socialistas, com novas
the SUS is not consolidated, justifying alliances estratégias, táticas e formas organizativas para
between democratic, popular and socialist forces, enfrentar o poder do capital e de seus representan-
with new strategies, tactics and forms of organi- tes na sociedade e no Estado.
zation to face up to the power of capital and its Palavras-chave Sistema Único de Saúde, Políti-
representatives in society and in the State. cas de saúde, Reforma sanitária brasileira
Kew words Unified Health System, Health poli-
cy, Brazilian health reform
1
Instituto de Saúde
Coletiva, Departamento
de Saúde Coletiva I,
Universidade Federal da
Bahia. R. Basílio da Gama
sn, Canela. 40110-040
Salvador BA Brasil.
jairnil@ufba.br
1724
Paim JS
facilitar a privatização da saúde. Com a aprova- instituições do SUS nos níveis municipal, estadu-
ção da EC-95/2016, o subfinanciamento crônico al e federal, a definição de alternativas pensadas
do SUS fica constitucionalizado, cristalizando as para serem viabilizadas passam, necessariamente,
dificuldades acumuladas desde 19884. pelos propósitos e pela ação de governos. Assim,
Os obstáculos acima mencionados geralmen- as eleições sempre representam uma oportunida-
te se apresentam nas discussões sobre o SUS, ne- de de discutir as alternativas nos programas dos
gligenciando a articulação público-privada pre- candidatos, a despeito das circunstâncias adver-
datória onde os interesses privados predomina- sas, seja no âmbito federal, seja no nível das uni-
ram nesses 30 anos. Entretanto, como essa amea- dades federadas.
ça do capital não é tão visível como as filas, a falta Nessa perspectiva, é possível conceber algum
de profissionais ou o acesso aos medicamentos, diálogo em defesa do SUS constitucional e do SUS
tem sido menos problematizada e investigada. democrático nas eleições junto às forças e candi-
A privatização da saúde que esteve presente daturas da esquerda e da centro-esquerda, com
na evolução das políticas públicas, mesmo antes alguma incursão no centro do espectro político.
do SUS, apresenta distintas configurações decor- Já a centro-direita e a direita, sendo vitoriosas no
rentes dos movimentos e circuitos do capital no nível federal ou estadual tendem a inviabilizar al-
setor. Atualmente, a articulação público-privada ternativas, pois seu compromisso tem sido com
exibe novas facetas, sob a forma de financeiriza- o desmonte do SUS. Portanto, a construção de
ção da saúde vinculada à dominância financeira 5. um amplo bloco democrático, popular e socialis-
Pesquisas recentes3-5 dão conta da complexidade ta em defesa da RSB e do SUS merece ser incluída
dessa nova fase da articulação público-privada, na agenda política das forças progressistas.
com a venda de empresas, seus ativos e carteiras
de clientes, aprofundando a intermediação entre Como ampliar as bases sociais
prestadores e consumidores, assim como novas e políticas para a sustentação do SUS?
relações entre aparelhos do Estado e o capital
financeiro (inclusive internacional)5. Essa deter- Desde as origens do movimento sanitário
minação econômica representa a maior ameaça à sempre esteve presente a preocupação com as
consolidação do SUS. bases de sustentação política para a RSB/SUS.
O empenho no envolvimento das entidades de
Quais são as alternativas saúde, sindicatos e segmentos populares foi mui-
que se apresentam? to debatido. Partidos políticos e parlamentares
ligados às forças democráticas foram acionados
A defesa do SUS constitucional e do SUS pro- no processo constituinte e na elaboração e apro-
posto pela Reforma Sanitária Brasileira (RSB) vação da Lei Orgânica da Saúde. A instalação e
indica alternativas contrárias à segmentação e à o funcionamento da Plenária da Saúde represen-
americanização do sistema de saúde brasileiro. O tou um espaço de articulação entre essas forças,
SUS realmente existente, com todas as suas difi- configurando um saldo organizativo para a im-
culdades e fragilidades, produziu conquistas e re- plantação do SUS.
sultados significativos nessas três décadas. A sua O protagonismo exercitado pelo Conass e
institucionalidade pode ser realçada pelos seus pelo Cosasems a partir da década de noventa,
gestores, pelo Ministério Público, conselhos de junto à instalação dos conselhos estaduais e mu-
saúde e trabalhadores, favorecendo a resistência nicipais, permitiu ampliar a base de apoio ao SUS.
contra o seu desmonte. Presentemente, o Conselho Nacional de Saúde
As alternativas a serem acionadas não são de- (CNS) tem demonstrado um ativismo significa-
finidas no âmbito da técnica, reiterando-se a tese tivo, mobilizando grupos sociais e confrontando
de que o maior desafio do SUS é político. Desse certas iniciativas do governo. Do mesmo modo,
modo, para além das ações que podem ser reali- a expansão dos gestores municipais de saúde tem
zadas no interior da sociedade civil, há que se re- reforçado essas bases sociais e políticas.
conhecer a necessidade de atuação na sociedade Ainda assim, o golpe de 2016 incidiu sobre
política, ou seja, no Estado e nos seus aparelhos e a correlação de forças a ponto de parte desses
instituições. Isso significa a possibilidade de atuar sujeitos passar a apoiar iniciativas do Ministério
junto aos poderes Executivo, Legislativo e Judi- da Saúde criticadas pelo movimento sanitário. Se
ciário, bem como nos aparelhos de hegemonia. não é conveniente jogá-los no colo dos golpistas,
No caso do Executivo, independentemente também não é pertinente contar a priori com a
da atuação de profissionais e trabalhadores nas suposição do seu apoio, apenas considerando a
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exploração de outras estratégias e táticas no pro- relação ao movimento sanitário devem ser consi-
cesso da RSB em defesa da democracia, do SUS e derados e trabalhados, politicamente, para que se
dos direitos sociais6. recomponham pontes de diálogos em defesa da
Não bastam, porém, o proselitismo em defesa democracia, da RSB e do SUS.
do SUS e a prática ideológica do movimento sa-
nitário. Daí a necessidade de reuniões periódicas
do Fórum da RSB e a articulação progressiva com Comentários finais
os conselhos nacional, estaduais e municipais de
saúde para o desenho de estratégias e o estabele- A retomada de um balanço sobre os vetores posi-
cimento de táticas mais adequadas à conjuntura, tivos, obstáculos e ameaças nesses 30 anos de SUS
a despeito da participação limitada de partidos não significa complacência com equívocos e des-
políticos. caminhos. Para além de fortalecer a motivação
Ao serem identificados movimentos do ca- para a luta dos que defendem o direito universal
pital que articulam dimensões econômicas, po- à saúde, a reflexão sobre estudos e perguntas po-
líticas e ideológicas no âmbito setorial, o arco de derá reforçar certas estratégias e criar novas para
alianças e a unidade a serem perseguidos pelas a preservação do SUS.
forças democráticas, populares e socialistas vão Cumpre incidir sobre a correlação de forças,
demandar instâncias organizativas de outra na- altamente desfavorável no presente, e acumular
tureza para enfrentar o poder acumulado pelos novas energias para tempos mais propícios, sem
empresários e seus representantes na sociedade e desprezar a atuação aqui e agora, com novas
nos aparelhos de Estado. formas organizativas. É esta prática política que
Portanto, unidade, agilidade e efetividade são requer o melhor da militância e convoca para a
fundamentais. A busca de formas organizativas ação em defesa do direito à saúde e do SUS. Se o
mais orgânicas pode sugerir a criação de uma Estado sabota o SUS, resta à sociedade civil lutar
secretaria executiva para que o Fórum da RSB pela RSB e por um sistema de saúde universal,
possa atuar mais prontamente na conjuntura, público, de qualidade e efetivo, cabendo ao mo-
evitando que o movimento seja atropelado ou vimento sanitário contribuir para imprimir um
dirigido pelos fatos. Assim, alguns sinais recen- caráter mais progressista à revolução passiva bra-
tes de afastamento do Conass e do Conasems em sileira.
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Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2017. Versão final apresentada em 05/04/2018
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