Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Salvador, 2015
MARLENE RAIMUNDA DOS SANTOS SANTANA
Salvador, 2015
ROMPENDO O SILÊNCIO: A EDUCAÇÃO DO SURDO NA
CONTEMPORANEIDADE1
Marlene Raimunda dos Santos Santana2
RESUMO
Este artigo é de cunho teórico, no qual procuro resposta para a seguinte inquietação:
“Compreender o surdo como sujeito consciente de sua identidade e de seu papel na
comunidade escolar”. Para isso, conceituo a educação inclusiva, considerando seus
fundamentos filosóficos e legais, analiso a evolução histórica dos surdos, bem como
as políticas públicas voltadas a educação inclusiva no Brasil, como também os fatores
que prejudicam o processo ensino-aprendizagem da criança surda, enfatizando que o
processo de inclusão ainda representa um desafio para toda comunidade escolar.
Sabendo que o trajeto a ser percorrido para efetivar a inclusão é longo, com desafios
a serem vencidos tanto pelos educadores, quanto pelos educandos, para garantir uma
educação de qualidade a todos.
ABSTRACT:
3Segundo o decreto Nº 5.626 de 22 de dezembro de 2005, no Capítulo I – Das Disposições Preliminares - Artigo
2º: [...] considera-se pessoa surda aquela que, por ter perda auditiva, compreende e interage com o mundo por
meio de experiências visuais, manifestando sua cultura principalmente pelo uso da Língua Brasileira de Sinais –
Libras. Parágrafo único: Considera-se deficiência auditiva a perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um
decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas frequências de 500Hz, 1.000Hz, 2.000Hz e 3.000Hz.
4 Nesta categoria eram incluídos todos que apresentassem alguma anormalidade, como cegos, surdos,
etc.(Schmitt, p.34). O processo histórico tem colocado os surdos entre os deficientes. Este espaço revela
momentos distintos na relação do papel e do lugar ocupado pela pessoa com deficiência na história na sociedade.
Bem antes do surgimento do processo sistemático da educação escolarizada,
que existia pessoas surdas e, a sua historicidade foi marcada por sofrimento e
exclusão. Eram tratadas com indiferença e excluídas da sociedade migrando para
instituições como asilos, mosteiros ou escolas em regime de internato para serem
educada, Audrei (2009). Neste contexto, a educação dos surdos inicia-se no século
XVI, com Pedro Ponce de Leon, um frade Beneditino espanhol, que criou combinação
de sinais com a escrita e inventou o alfabeto manual.
A partir do século XVIII, surge os primeiros educadores de surdos: o alemão
Samuel Heineck (1729-1770), o abade francês Charles Michel de L'Epée (1712-1789)
e o inglês Thomas Braidwood (1715-1806), dentre outros. Esses autores
desenvolveram diferentes metodologias para a educação da pessoa surda, entretanto,
divergiam quanto aos métodos a serem aplicados. A surdez passa assim a ser vista
em termos médicos, provocando o surgimento de uma série de medidas negativas
para a comunidade surda5, dentre elas a tendência do oralismo, imposta no
Congresso de Milão6, ficando terminantemente proibida o ensino da língua de sinais.
Caso o surdo desobedecesse, por exemplo poderia ser castigado fisicamente vindo a
ter as mãos amarradas, Andrei (2009).
No Brasil, a situação não era diferente da Europa, o atendimento às pessoas
com surdez inicia-se mais precisamente na época do Império, em 1855, com Eduard
Huet, francês e professor surdo, discípulo de L´Epée, que veio ao Brasil à pedido do
Imperador D. Pedro II, para fundar uma escola para pessoas surdas. Escola esta, o
Imperial Instituto Nacional de Surdos, localizado no Rio de Janeiro, que atendia
O surdo não é deficiente e incapaz, tem uma diferença cultural e usa uma língua de sinais diferente da oral.
(Schmitt, p.35)
5 A comunidade surda, na verdade não é só de surdos, já que tem sujeitos ouvintes junto, que são família,
intérpretes, professores, amigos e outros que participam e compartilham os mesmos interesses em comuns em
um determinado localização que podem ser as associação de surdos, federações de surdos, igrejas e outros.”
(Strobel Karin, 2009,p.6)
6Realizou-se Congresso Internacional de Surdo-Mudez, em Milão – Itália, onde o método oral foi votado o mais
adequado a ser adotado pelas escolas de surdos e a língua de sinais foi proibida oficialmente alegando que a
mesma destruía a capacidade da fala dos surdos, argumentando que os surdos são “preguiçosos” para falar,
preferindo a usar a língua de sinais. O Alexander Graham Bell teve grande influência neste congresso. Este
congresso foi organizado, patrocinado e conduzido por muitos especialistas ouvintes na área de surdez, todos
defensores do oralismo puro (a maioria já havia empenhado muito antes de congresso em fazer prevalecer o
método oral puro no ensino dos surdos). Na ocasião de votação na assembleia geral realizada no congresso todos
os professores surdos foram negados o direito de votar e excluídos, dos 164 representantes presentes ouvintes,
apenas 5 dos Estados Unidos votaram contra o oralismo puro. (Strobel Karin, 2009,p.26)
crianças do sexo masculino, hoje Instituto Nacional de Educação de Surdos – INES-,
(Brasil, 2007), o centro de referência e de formação dos sujeitos surdos.
Até por volta de 1973, o Brasil não possuía uma política pública definida de
acesso total para educação das pessoas com deficiência, mesmo, já existindo escolas
especiais, prestando-lhes atendimento que eram mais terapêuticas que educacionais.
Com a expansão dos movimentos organizados, exigindo mudanças políticas
por parte do Estado, relacionadas à consolidação da democracia e com a participação
do Brasil em Convenções Internacionais, se fez necessária a promulgação de novas
políticas públicas inclusivas tanto nas áreas da saúde, como da educação, meio
ambiente, na intenção de promover o princípio da igualdade. Tais políticas públicas
educativas encontram-se pautadas e legitimadas a partir da Constituição Federal de
1988, que garante ensino público e gratuito a todos.
Após a Constituição Brasileira de 1988, os direitos sociais, políticos,
econômicos e culturais, começam a se evidenciar em diversas outras leis, a exemplo
da Lei de Diretrizes e Base da Educação-LDB 9394/96, que rege a educação
brasileira.
O Capítulo V, artigo 58, trata especificamente, da Educação Especial como
uma “modalidade de educação escolar, oferecida “preferencialmente” na rede regular
de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais”, (Brasil, 2007).
Assim, esta educação perpassa todos os níveis de ensino, da Educação Infantil ao
Ensino Superior.
Ainda na lei em pauta, em relação as escolas, orienta que devem assegurar
aos educandos currículos, métodos e técnicas para atender às suas especificidades,
como também professores com especialização adequada, tanto em nível médio ou
superior para atendimento especializado e os professores do ensino regular com
capacidade para integra-los nas classes comuns.
Outro avanço verificado para efetivação de uma educação inclusiva em
atendimento aos surdos foi a promulgação da Lei 10.436/2002, que estabelece a
Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS – como um instrumento linguístico de natureza
visual-motora, com estrutura gramatical própria, fatos oriundos de comunidades de
pessoas surdas no Brasil (BRASIL, 2002).
Posteriormente, em 2008, eclode uma importante política pública sintetizando
em grande parte, algumas importantes conquistas relacionadas ao direito à educação
das pessoas com necessidades especiais, é a Política Nacional de Educação Especial
na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008), que objetiva assegurar a
inclusão dos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas
habilidades, ofertando um Atendimento Educacional Especializado7 (AEE), em todos
os níveis da educação. Essa política evidencia também a necessidade das escolas
possuírem no corpo docente profissionais especializados, para garantir este
atendimento especializado.
Recentemente, ainda nesse ano de 2015, foi sancionada a Lei nº 13.146/2015,
que institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa
com Deficiência), abrangendo todos os direitos identitários de uma pessoa com
deficiência, dentre eles a legitimação da educação bilíngue em Libras como a primeira
língua e na modalidade escrita da língua portuguesa como a segunda língua, em
escolas e classes bilíngues e em escolas inclusivas, tornando-se então mais um
documento para ratificar a intenção do governo brasileiro em garantir a inclusão.
(BRASIL, 2015).
Ao analisar as legislações vigentes, verifica-se que inegavelmente o Brasil tem
avançado no plano legal para garantir o direito à educação das pessoas com
deficiência, dentre elas as das pessoas surdas que começam a serem vistas como
titulares de direitos.
7
O Atendimento Educacional Especializado tem a finalidade de identificar, elaborar e organizar recursos
pedagógicos e de acessibilidade para eliminar as barreiras para o atendimento educacional. Como tal, também
disponibilizar programas de enriquecimento curricular, como ensino de linguagens e códigos específicos de
comunicação e sinalização, ajudas técnicas e tecnologias assistidas, devendo ser realizado no turno inverso ao
da classe comum, tanto na própria escola ou instituição especializada que realize esse serviço educacional.
(BRASIL, 2008, p.16)
oferecendo, para atender às necessidades dos alunos surdos. Como diz Mantoan
(2006, p. 19) “os alunos com deficiência constituem uma grande preocupação para os
educadores inclusivos”, tanto assim que muitos profissionais se consideram incapazes
de atendê-los, afinal, as escolas continuam efetuando práticas educacionais
excludentes e segregadoras em seus currículos.
Em se tratando das crianças surdas a situação ainda é pior, apesar de termos
mais de dez anos da promulgação da Lei 10.436/2002 e da regulamentação através
do Decreto Federal nº 5626/2005, garantindo uma educação bilíngue para estes
alunos, mas na realidade não é essa educação que vem acontecendo na maioria das
nossas escolas. A forma que a escola está organizada pedagogicamente não leva em
conta a complexidade da surdez, não atendendo, portanto, as necessidades do surdo
e para que o processo de inclusão em escolas regulares ocorra de modo eficaz é
necessário entender e respeitar a identidade do sujeito surdo.
Fávero (2011, p.21) afirma que “o fato é que a presença desses alunos em sala
de aula comum pode ser até novidade, mas é um direito dos alunos com deficiência e
um dever do Estado e dos Gestores garantir o atendimento”. Acredito que a escola
ainda é um dos espaços – se não for o único – para desenvolver ações, práticas,
valores na construção de relações igualitárias entre seus sujeitos. Não se pode
esquecer que a surdez em nada compromete o desenvolvimento cognitivo-linguistico
do surdo se ele tiver respeitado seu direito de usar e se expressar na sua língua
natural, afirma Andrei (2009). Devemos pensar nas mudanças necessárias para se
garantir a educação para todos.
Segundo Dorziat (1998), “os professores precisam conhecer e usar a Língua
de Sinais, entretanto, deve-se considerar que a simples adoção dessa língua não é
suficiente para escolarizar o aluno com surdez”, porque estes alunos precisam de
outros tipos de ações e métodos que os estimulem a permanecer na escola, como por
exemplo, pesquisar qual das metodologias existentes, - Oralismo8, Comunicação
8
Oralismo: tem como objetivo a integração da criança surda com os ouvintes, propondo o desenvolvimento da
língua oral. Este método valoriza a utilização de próteses na reeducação auditiva.
Bilinguismo: essa abordagem assume a Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS – como a primeira língua do surdo,
devendo ser aprendida o mais cedo possível para depois ter contato com a segunda língua - o idioma (língua)
oficial do país.
Comunicação Total: defende a ideia de que o surdo pode e deve utilizar todas as formas de comunicação (gestos
naturais, português sinalizado, Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS, alfabeto datilológico, fala, leitura labial, leitura
e escrita) para desenvolver-se linguisticamente. Possui flexibilidade no uso de comunicação oral e gestual.
Total ou Bilinguismo - é a mais coerente para seu aluno. Dialogar com a família é
essencial porque neste contexto, alunos, professores, comunidade e família serão
certamente privilegiados.
CONSIDERAÇÕES
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei n.º 9.394, de 20 de
dezembro de 1996. Estabelece diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial
da União de 23 de dezembro de 1996.
________Ministério da Educação. Diretrizes Nacionais para a Educação Especial
na Educação Básica. Secretaria de Educação Especial –MEC/SEESP, 2001.
_______Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação
Inclusiva. Doc. elaborado pelo Grupo de Trabalho nomeado pela Port. Minist. nº 555,
de 5 de jun. de 2007, prorrogada pela Portaria nº 948, de 07 de jan. de 2008.
Disponível em:http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/politica.pdf. Acesso em 10.agost.2015
_________Ministério da Educação e Cultura. A escola comum inclusiva -2010.
SASSAKI, Romeu Kazumi– Inclusão: Construindo uma sociedade para todos- Rio
de Janeiro: WVA, 1997.
SCHMITT, Deonísio - Contextualização da Trajetória dos Surdos e Educação de
Surdos em Santa Catarina - Universidade Federal De Santa Catarina – Florianópolis –
2009. Disponível em: <http://www.libras.ufsc.br/colecaoLetrasLibras/> Acesso 28.agos.2015.