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Jung no Espirito Santo – Site de Fabrício Moraes

100 anos de Metamorfoses: Alguns comentários ao “Símbolos da


transformação” de C.G.Jung

(3 de janeiro e 2012)

Em 2012, um dos livros mais importantes para a


história da psicologia analítica completará 100
anos, o “Símbolos da Transformação” .

Originalmente, seu título era "Metamorfoses e


Símbolos da Libido” que teve a sua primeira
parte publicada em 1911, a segunda parte foi
publicada em 1912, pouco tempo após a
publicação, foi lançado a edição integral do livro.
Esta segunda parte merece destaque pois, ela
tornou pública a divergência teórica que existia
entre Jung e Freud. Dado a importância que
Jung via nesta obra, em 1950 ele promoveu uma
ampla revisão e ampliação do livro, atualizando a
linguagem, conceituação, mas, sem perder a
essência do texto, que veio a se chamar “Símbolos da Transformação” como
conhecemos hoje.

Neste primeiro post, pretendo discutir um pouco alguns aspectos históricos que
considero importantes para compreender o lugar que livro ocupa na obra
junguiana.

C.G.Jung e o “Símbolos da Transformação”

Em suas memórias Jung nos conta a semente que originou esse livro foi lhe
dada num sonho,

Fabricio Fonseca Moraes (CRP 16/1257) - Psicólogo Clínico de Orientação Junguiana,


Especialista em Teoria e Prática Junguiana(UVA/RJ), Especialista em Psicologia Clínica e da
Família (Saberes, ES). Membro da International Association for Jungian Studies(IAJS) Atua em
consultório particular em Vitória desde 2003.
Contato: 27 – 9316-6985. /e-mail: fabriciomoraes@yahoo.com.br/ Twitter:@FabricioMoraes
www.psicologiaanalitica.com
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Eis os sonho: eu estava numa casa desconhecida, de dois


andares. Era a “minha” casa. Estava no segundo andar
onde havia uma espécie de sala de estar, com belos
móveis de estilo rococó. As paredes eram ornadas de
quadros valiosos. Surpreso de que essa casa fosse minha,
pensava: “Nada mau!” De repente, lembrei-me de que
ainda não sabia qual era o aspecto do andar inferior. Desci
a escada e cheguei ao andar térreo. Ali, tudo era mais
antigo. Essa parte da cada datava do século XV ou XVI. A
instalação era medieval e o ladrilho vermelho. Tudo estava
mergulhado na penumbra. Eu passeava pelos quartos,
dizendo: “Quero explorar a casa inteira!” Cheguei diante de
uma porta pesada e a abri. Deparei com uma escada de
pedra que conduzia à adega. Descendo-a, cheguei a uma
sala muito antiga, cujo teto era em abóboda. Examinando
as paredes descobri que entre as pedras comuns de que
eram feitas, havida camadas de tijolos e pedaços de tijolo
na argamassa. Reconheci que essas paredes datavam da
época romana. Meu interesse chegara ao máximo.
Examinei também o piso recoberto de lajes. Numa delas,
descobri uma argola. Puxei-a. A laje deslocou-se e sob ela
vi outra escada de degraus estreitos de pedra, que desci,
chegando enfim a uma gruta baixa e rochosa. Na poeira
espessa que recobria o solo havia ossadas, restos de
vasos,e vestígios de uma civilização primitiva. Descobri
dois crânios humanos, provavelmente muitos velhos, já
meio desintegrados. – Depois, acordei. (JUNG, 1975, 143)

Esse sonho ocorreu durante a viagem que ele realizou com Freud aos Estados
Unidos em 1909. Nesta viagem, Jung relata que haviam ocorridos alguns
desentendimentos com Freud, que abalaram a amizade que tinham. Jung
conta que Freud não foi capaz de apreender o conteúdo deste sonhos, fixando-
se na imagem das caveiras, que julgou ser um desejo de morte por parte de

Fabricio Fonseca Moraes (CRP 16/1257) - Psicólogo Clínico de Orientação Junguiana,


Especialista em Teoria e Prática Junguiana(UVA/RJ), Especialista em Psicologia Clínica e da
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Jung. Ficou claro para Jung que a diferença que havia entre ambos, impedia a
Freud de compreender o conteúdo de seu sonho. Entretanto, para Jung a
semente do sonho começou a germinar.

O sonho da casa teve um curioso efeito sobre mim:


despertou meu antigo interesse pela arqueologia. Voltando
a Zurique, li um livro sobre as escavações na Babilônia e
diversas obras os mitos. O acaso me conduziu ao
Simbolismo e Mitologia dos Povos Antigos, de Friedrich
Creuzer, e esse livro me causou entusiasmo.(ibid, p. 145)

Estimulado por esse sonho, Jung enveredou pelo estudo da mitologia,


aprofundando conhecimentos de história, símbolos, mitos de diversos povos.

Quando estava imerso nesses trabalhos, encontrei os


materiais fantasmagóricos nascidos da imaginação de uma
jovem americana que eu não conhecia, Miss Miller. Haviam
sido publicados por Teodoro Flournoy, amigo paternal, que
gozava de toda minha estima, nos Archives de
Psychologie(Genebra). Fiquei imediatamente
impressionado pelo caráter mitológico dessas fantasias.
Agiram como um catalisador sobre as idéias ainda
desordenadas que eu acumulava. A partir dessas fantasias,
e também dos conhecimentos que adquirira sobre
mitologia, nasceu meu livro Metamorfoses e símbolos da
Libido. (ibid, p. 146).

É interessante observarmos que em 1911, as relações entre Freud e Jung já


estavam conturbadas desde a viagem aos EUA em 1909, entretanto, outros
eventos contribuíram com a “degradação” da amizade. Devemos lembrar que
em 1910 na por ocasião do congresso em Nuremberg foi fundada
a International Psychoanalytical Association, e teve como primeiro presidente
eleito Jung. Deirdre Bair, uma importante biógrafa de Jung, nos dá uma noção
interessante do cenário de 1911.

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Visto em perspectiva, é irônico que o mais parcial dos


biógrafos de Freud, Ernest Jones, tenha sido aquele que
mais objetivamente descreveu o obscurecimento da
situação de Jung e Freud quando terminava o ano de 1911
e começava o ultimo ano da colaboração entre os dois. De
acordo com Jones, o motivo da ruptura e o que mais
perturbou Freud não foi aquele acusado por tantos
comentaristas – a crescente diferença entre a interpretação
que os dois estudiosos faziam do conceito de libido. Ao
contrário, foi a “intensa absorção de Jung por suas
pesquisas [que] estava interferindo nos deveres
presidenciais que [Freud] tinha atribuído a ele”. Na cabeça
de Freud, o principal papel de Jung era o de seu “sucessor
direto, […] funcionando como foco central para todas
atividades psicanalíticas.” (BAIR, 2006, p.272-3)

Bair destaca que as atividades psicanalíticas envolviam sobretudo a


administração das atividades da associação, trabalho editorial, supervisão de
colegas e fazer a ligação das entidades psicanalíticas. Assim, para Freud a
função de Jung era desenvolver o movimento psicanalítico e não a teoria
psicanalítica.

Jones parecia achar que Jung era culpado de um pecado


ainda mais importante, o de não estar a altura dos “desejos
mais pessoais de Freud” por que ele era “sempre um
correspondente um tanto imprevisível; sua dedicação às
pesquisas tornava-o cada vez mais negligente a esse
respeito”. A dedicação e a pesquisa independente também
faziam com que Jung representasse uma ameaça cada vez
mais formidável para Freud. Entretanto, Jones
cuidadosamente evitou esse tipo de observação, ou não
era perspicaz o suficiente para percebê-la. (ibid, p. 273)

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É possível que Jung não tenha percebido o quanto estava absorvido por sua
pesquisa, considerando, que seu desempenho na presidência da IPA aceitável.
Contudo, a produção deste trabalho não foi tranquila, especialmente na
segunda parte onde Jung anunciava para a sociedade psicanalítica suas
diferenças com Freud. Em suas memórias, Jung afirma

“Quando estava quase acabando de escrever


Metamorfoses e Símbolos da Libido, eu sabia de antemão
que o capítulo “O sacrifício” me custaria a amizade com
Freud.Nele expus minha própria concepção do incesto da
metamorfose decisiva do conceito de libido e de outras
idéias, que representavam meu afastamento de Freud.”
(JUNG, 1975, p. 149).

Assim, a gênese do “Símbolos da Transformação”, desde seu primeiro sonho,


conduziu Jung ao campo de estudo que lhe era próprio, mas, estava
adormecido. A dedicação as pesquisas absorveram Jung irritando
profundamente a Freud, a ponto de tornar a relação insustentável, assim como
a cooperação teórica.

Símbolos da Transformação, Críticas e Legado

Jung sabia que seu trabalho o afastaria de Freud, contudo, esse não foi o único
efeito “colateral” de seu livro. Em suas Memórias, ele afirma,

Depois da ruptura com ele, todos meus amigos e conhecidos se


afastaram de mim. Meu livro não foi considerado uma obra séria.
Passei por um místico e desse modo encerram o assunto. Riklin e
Maeder foram os únicos que ficaram do meu lado. Mas eu tinha
previsto a solidão e não me iludi acerca das reações dos
pretensos amigos. Muito pelo contrário, refleti profundamente
sobre o assunto. Sabia que o essencial estava em jogo e que

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deveria tomar a peito minhas convicções. Vi que o capitulo “O


Sacrifício” representava o meu sacrifício. Isso posto, pude
recomeçar a escrever, se bem que de antemão que ninguém
compreenderia minhas idéias. (JUNG, 1975, p. 149).

Nesse mesmo ano de 1912, Freud criou o chamado “Comitê’” que seria um
grupo secreto de psicanalistas proeminentes e sobretudo fiéis ao mesmo .
Esse “grupo secreto” zelaria pela psicanálise combatendo duramente qualquer
idéia que desviasse da concepção ortodoxa, de modo a evitar que Freud se
desgastasse em discussões políticas, formando uma espécie de “guarda
pretoriana” de Freud, os primeiros membros deste comitê foram: Ferenczi,
Abraham, Jones, Rank, Sachs.

Assim, coube Ferenczi a refutação publica das idéias de Jung, o que ele
realizou num ensaio em 1913, ao passo que nos bastidores o destino de Jung,
já estava selado: seria o mesmo de Adler e Stekel – expulsão do movimento
psicanalítico. A crítica que Ferenczi seguiu exatamente as diretrizes por ele
apresentadas:

Criticaremos esse livro exclusivamente de um ponto de


vista psicanalítico, detendo-nos sobretudo naquelas teses
que pretendem opor às nossas concepções psicanalíticas
atuais novas e melhores maneiras de ver. O futuro decidirá
se não estaremos exagerando no nosso esforço de não
sacrificar o antigo ao novo – simplesmente porque é
novo se não sucumbiremos assim a esse mesmo
conservadorismo rígido que temos recriminado até agora
em nossos principais adversários. (FERENCZI, 1992, p.87)
(grifo nosso)

A proposta de Ferenczi foi muito clara, seu intuito seria fazer uma avaliação do
que era psicanálise e o que não era, separando o “joio do trigo”. O trabalho de

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Jung não foi considerado “em si” ou em seu próprio contexto, ou como uma
ampliação do campo de estudo, mas, como a obra de um inimigo ou opositor. A
crítica de Ferenczi, seu afastamento de Freud, o trabalho do comitê secreto
que o combatia nas diferentes sociedades que compunham a IPA, fez com que
Jung fosse desacreditado e seu livro, como ele afirmou, “não foi considerado
uma obra séria”.

Os acontecimentos que seguiram a publicação do “Metamorfoses” foram


determinantes para a gênese da psicologia analítica, assim como para a
transformação pessoal de Jung, conforme temos acesso hoje, através do Livro
Vermelho. A importância dessa obra, foi indicada por Jung em 1950,

Assim, este livro se tornou um marco, colocado no lugar


onde dois caminhos se separam. Por sua imperfeição e
suas falhas ele se transformou no programa dos próximos
decênios minha vida"[…]

Este livro foi escrito em 1911, quando eu contava trinta e


seis anos de idade. Esta é uma época crítica, pois
representa o inicio da segunda metade da vida de um
homem, quando não raro ocorre uma metanóia, uma
retomada de posição na vida. Eu bem sabia na ocasião, do
inevitável rompimento com FREUD tanto no trabalho
quanto na amizade. (JUNG, 1999, XIV-XVII)

O “Símbolos da Transformação” marca o inicio de um novo caminho, o inicio da


psicologia analítica. Sua importância vai além de um aspecto histórico, pois, na
década de 1950, a mudança de nome significou seu renascimento. Este livro
guarda em si tanto a semente lançada em 1912 como os frutos colhidos na
década 1950, o que o torna uma obra impar na literatura junguiana.

No decorrer deste ano iremos fazer outros posts discutindo um pouco mais
dessa importante obra centenária.

Fabricio Fonseca Moraes (CRP 16/1257) - Psicólogo Clínico de Orientação Junguiana,


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Referências Bibliográficas

JUNG, Carl Gustav, Memórias Sonhos e Reflexões, Rio de Janeiro: Nova


Fronteira, 1975.

JUNG, C.G. Simbolos da Transformação, Petrópolis: Vozes, 4ed., 1999.

BAIR, D. Jung – uma biografia vol.1 , Ed. Globo 2006.

FERENCZI, S. Psicanálise II , São Paulo: Martins Fontes, 1992.

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