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Conferir a publicação original em francês : Introduction à la littérature fantastique, Paris, Le Seuil,
1970.
As obras de Bosch contam histórias e intrigam o receptor ou leitor, visto que
consideramos as obras de arte, aqui citadas, como textos pictográficos. A estética
boschiana é repleta de imagens oníricas e estranhas. Suas obras misturam aspectos de
origem religiosa, com figuras extremamente imaginativas e até mesmo grotescas,
repletas de simbolismo e obscuridade que geram hesitação típica das obras fantásticas.
Segundo E.H.Gombrich (2006), quando se trata de arte, seja qual for sua forma
de expressão, a predileção da maioria dos artistas está concentrada em dois eixos
específicos: representações do real: paisagens, fatos históricos retratados, pessoas
ilustres, situações cotidianas, e as múltiplas representações do belo. A divisão
estabelecida por Gombrich foi feita com fins didáticos, e pode parecer ligeiramente
reducionista, haja visto que, “ o belo” é polissêmico, e que há outras características
representadas pela arte, como nos é sugerido por Umberto Eco (2004).
A “História da feiura” problematiza o que realmente é belo, que o feio não é
verdadeiramente seu antônimo e que enquanto todos os sinônimos para a beleza podem
ser concebidos como uma reação desinteressada (...) quase todos para a feiura implicam
em uma manifestação de desgosto, senão de violenta repulsa, horror ou medo. (ECO,
2004). Estas características mostram-se presentes nas obras de Arte Fantástica, onde o
medo e o estranhamento são essenciais para que alcancemos o efeito de frisson
Fantástico.
Para que possamos ler uma obra de arte que possui tantas nuances e signos
distintos, é preciso que nos apoiemos nos estudos Interartes. Este campo é relativamente
novo e principalmente de comparação semiótica. Uma vez que consideramos o objeto
de estudo como texto, buscamos semelhanças sígnicas, porém, sendo a pintura e as
obras literárias de naturezas diferentes, a problemática surge em encontrar equivalências
entre estes sistemas complexos, repletos de idiossincrasias e signos não definidos. Outra
questão relevante se dá na falta de padronização e nos signos não bem definidos nos
textos imagéticos, ou não verbais, como aponta Claus Clüver (1999).
No contexto das literaturas fantásticas, o ponto de vista do leitor/receptor é de
suma importância. Segundo Todorov, o efeito fantástico é dado pela hesitação, ao
aceitar o insólito como realidade ou negá-lo. Porém, esse efeito deve atingir tanto o
leitor, quanto a personagem, assim como no processo de fruição de uma obra aberta
concebida por Umberto Eco.
O experto italiano nos fala de arte como um processo científico, com métodos e
experimentações. Comparações que nos remetem à medicina experimental de Claude
Bérnard (1865) que posteriormente inspirou Émile Zola na obra, “O Romance
experimental e o Naturalismo no Teatro”, originalmente publicada no ano de 1881, onde
o autor francês concebe o romance como uma experiência de laboratório, em que o
romancista desempenha o papel de cientista, acreditando que “leis” determinam o
comportamento humano. Confiando-se em máximas deterministas que automatizariam
ações do homem. Outras formas da arte que também trouxeram experimentações em
seus trabalhos e performances foram os movimentos artísticos de vanguarda e, mais
recentemente, o teatro social brechtiano da primeira metade do século XX.
Assim como o romancista, as personagens, a plateia e o artista têm funções
fundamentais, Eco ressalta a importância do papel do receptor no processo de fruição(
ou seja, apreciação da arte como crítica especializada ou na pura degustação da obra
apreciada). A fruição de uma obra aberta possibilita que o receptor possa ressignificar e
interpretar uma pintura de diversas maneiras, seja segundo os preceitos da “arte pela
arte”, ou de forma complexa, emprestando conhecimento de outras fontes científicas.
Estudar a arte pela arte, e literatura pela literatura, talvez não seja mais cabível.
Faz-se necessário um recorte epistemológico que permita que consigamos unir
diferentes formas de arte e estudá-las de forma complexa2. É necessário que se beba de
várias fontes para que compreendamos a vasta gama de gnoses que se apresentam.
Este estudo almeja a realização de uma análise dos caminhos teóricos
fantásticos, passando por suas origens literárias e gêneros prógonos, tais como, os
romances gótico e frenético. Posteriormente, problematizaremos o fantástico puro
teorizado como gênero literário concebido por teóricos ulteriores e posteriores a
Todorov, as características imanentes do fantástico, bem como estruturas narrativas e
estéticas, além da diferenciação de gêneros correlatos, o estranho e o maravilhoso.
Será mostrado um panorama sobre os diversos conceitos do Fantástico em
diferentes contextos; no realismo fantástico, no fantástico social e, principalmente, da
arte fantástica. Abordaremos as temáticas das narrativas fantásticas, tais como: o medo,
o mal, a banalização do amor romântico, a sexualidade, o sobrenatural, entre outros.
Adiante investigaremos a arte fantástica de Hieronymus Bosch em seus aspectos
históricos, biográficos e estéticos, bem como da estética da arte medieval e da pintura
flamenca coetânea, a fim de compreendermos de que modo esses artistas enxergavam o