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Depois que nos livramos do fantasma, tudo segue com infalível certeza.

A primeira linha da primeira


página me atingiu como um chute bem dado na boca do estômago. Respirei fundo, mergulhado em um
profundo silêncio, fechei o livro e o coloquei de lado. Péssimos leitores são apressados, vagam
desesperados pelas palavras atrás de uma grande ação como um cracudo perambula pelas ruas atrás de
uma pedra; bons leitores precisam de um tempo para mastigar o que lhes entrou pela retina, e não se
trata apenas do que é dito, mas como é dito. É como uma boa viagem que não importa apenas o destino,
mas o trajeto. Estiquei as costas no sofá de couro e, ainda nu, perdi meus olhos nas hélices do ventilador
de teto que, embora girasse, quase nada refrescasse aquela tarde infernal.
Pensei em Natália.
Terminado o casamento que só me rendeu problemas e tempo perdido, voltei para as ruas com a alegria
de um moleque que, equilibrando um espelho na ponta do sapato, enxerga uma buceta pela primeira
vez na vida. Uma semana depois, lá estava eu no botequim de sempre sendo cumprimentado pelos
velhos bêbados de sempre, pelos poetas que nada escrevem de sempre, pelas putas que tanto prazer e
história me proporcionaram. Não que eu fosse o mesmo, jamais seria, algo em minha havia morrido ou
se perdido eternamente, mas há formas e formas de ser um morto-vivo: há quem se arraste pelas ruas
com o corpo putrefato, há quem aguarde pelo juízo final colocando para dentro copos e copos de cerveja,
cigarros paraguaios (R$ 3,50) e entrando em tantos vãos de coxas o pouco tempo lhe permitir. E eu
sempre fui o segundo caso.
Assim, não precisei resistir muito quando a conheci. Poucas palavras foram trocadas à bancada do
botequim, quando toquei sua perna coberta pelo tecido fino de um vestido florido. Aproveitei o seu
momento de riso, de descontração, e colei meu rosto ao seu, meus beiços aos seus lábios finos. Como
mulheres tão atraentes, dotadas de um ar de destruição que sempre me enlouqueceu, frequentam lugares
sujos e decadentes como os que frequento é um mistério que jamais saberei resolver. É como se fossem
enviadas pelo diabo com o propósito de sugarem toda a vida que há entre minhas coxas e me lançarem
às sarjetas, com uma mão na frente e outra atrás. De qualquer maneira, obrigado, Lúcifer. Antes na
miséria com o saco vazio que na miséria com o saco cheio. "Na mão", literalmente. A sua língua atou-
se à minha língua e as suas unhas, tais as garras das harpias, cravaram-se à carne de meu pescoço. Um
daqueles beijos que inspira uma piada de quem estiver por perto, talvez para disfarçar a agitação
provocada dentro de sua roupa íntima.
Esperei até que o interesse dos outros sobre nós dois fosse abrandado, e a tomei pela mão. Seguimos
em silêncio pelo corredor margeado por engradados cheios de garrafas vazias, até chegarmos a um
banheiro com porta de madeira, um pouco torta, mas com trinco e espaço suficiente. Tomei-a pela nuca
e a coloquei contra o azulejo coberto de pichações - e lançando seus olhos aos meus, por cima do ombro,
delirei ao ver seu riso faceiro. Reuni nossas línguas uma vez mais e mergulhei meus dedos dentro de
sua calcinha, tocando fundo sua buceta que para mim chorou. Os seus suspiros ecoaram pelo pequeno
cômodo com uma força que seriam capazes de destruírem aquela porta. "Eu não posso te dar o que
tenho de melhor, querida, mas te oferecerei o que faço de melhor" penso, antes de penetrar com força
sua fenda úmida, que tão calorosamente me acolheu.
O velho escreveu que foder era a melhor cura para a ressaca, e fazia pouco tempo que eu tinha tomado
um porre de decepção com muitas doses duplas de raiva. Foder é uma espécie de exorcismo, eu sempre
carreguei comigo uma legião de demônios. Com uma mão em sua nuca, sustentando seus cabelos
longos, e a outra erguendo sua perna, soquei forte, soquei fundo, soquei até que meu corpo padecesse
em um delírio frenético - o mesmo que se apossa do corpo de um soldado no meio da guerra e o impede
de pensar. Nunca fui de cutucar a onça com a vara cura, mas de acariciá-la com as mãos nuas; assim
como nunca fui de olhar para o abismo, mas de mergulhar de cabeça em seu interior. A besta que há
em mim tomou seu lugar, e me lançou à margem – um expectador sentado dentro de si. Visão
privilegiada, pelo menos. Sequer notei quando os suspiros cederam espaço aos gemidos altos, rápidos
e o seu corpo se contraiu fortemente logo antes de entregar-se inteiramente aos meus braços,
desmanchando-se.
As mulheres comentam com outras mulheres quando um homem é borracha fraca, todos nós sabemos
disso, o que poucas pessoas contam é que a maioria delas, depois que goza, gasta um bom tempo de
olhos fechados, com um sorriso bobo no rosto, enquanto o pau que combateu o bom combate sem
tombar fica lá, rígido, carente por atenção. É como aquela mulher que ficou surpresa quando eu disse
que o pau de um homem não endurece quando ele quer nem por quanto tempo ele quer. Não é um botão
que liga e desliga o fluxo de sangue até a cabeça do pau. O desconhecimento sobre o outro é completo.
As pessoas não fodem, elas apenas copulam. Chegará o dia em que do alto de um avião, bêbado e
sorridente, lançarei centenas de Marquês de Sade, Henry Miller, Pedro Juan Gutiérrez, Anais Nin, a fim
de reeducar os imbecis criados há anos com erotismo para crianças e outros cinquenta tons.
De joelhos e com a boca aberta, Natália recebeu de bom grado o fruto do meu trabalho. Engoliu e
colocou a língua para fora – uma boa menina querendo mostrar o seu serviço bem feito. Trocamos um
longo beijo de despedida e saímos de lá. Telefones foram trocados, ligações foram feitas, encontros
aconteceram. E agora eu tenho aberta diante de mim, enquanto descubro a cada dia como posso me
trancafiar mais, e mais.
Chegará o dia em que você desejará mais de mim, baby, e mais eu não poderei lhe dar, pois já não há
nada de bom aqui que possa ser destruído por uma menina doce como você. Até lá, saiba que o seu
toque tem um ar de conforto que há anos não respiro, e que sou grato por aquele café preparado pelas
suas mãos pequenas, mesmo você odiando o cheiro e preferindo chá. É mais do que posso pedir, é mais
do que mereço.

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