Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
COMPETÊNCIA
É critério estabelecido no inciso VII, do artigo 69, do Código de Processo Penal: “Determinará
a competência jurisdicional: VII – a prerrogativa de função”.
Corresponde à prerrogativa conferida a ocupantes de determinados cargos ou funções
públicas de serem criminalmente processados perante Tribunais.
Não se trata de privilégio pessoal, pois é prerrogativa do cargo ou função exercida.
Assim, não ofende o princípio constitucional da igualdade, pois a prerrogativa é estabelecida
em razão da dignidade do cargo ou função e não em razão da pessoa que o exerce.
A finalidade da prerrogativa é, de um lado, preservar os interesses da sociedade e, de outro,
resguardar o agente político no exercício de suas funções, impedindo que sofra perseguições
indevidas, pois diminui e até mesmo evita eventuais pressões sobre o órgão julgador (em razão da
maior independência que possuem os Tribunais).
A principal fonte normativa das prerrogativas é a Constituição Federal. Todavia, também
encontramos regras estabelecendo prerrogativa de função nas Constituições Estaduais, sempre
guardando simetria com as regras constantes da Constituição Federal.
A Magna Carta estabelece os seguintes casos de competência por prerrogativa de função:
a) competência do Supremo Tribunal Federal: artigo 102, I, “b” e “c”: “Compete ao Supremo
Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I – processar e julgar,
originariamente: ( ...) b) nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente,
os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República; c)
nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os
Comandantes da Marinha, Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto no art. 52, I, os
membros dos Tribunais de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter
permanente”.
OBS:
1. O Supremo Tribunal Federal já firmou entendimento de que a expressão “infrações penais
comuns” do artigo 102, I, “b” e “c” abrange todas as modalidades de infrações penais, inclusive os
crimes eleitorais, militares e as contravenções penais.
1
DIREITO PROCESSUAL PENAL
PROFª. ROSANE CAMPIOTTO
OBS:
1. O Supremo Tribunal Federal já firmou entendimento de que a expressão “crimes comuns”
do art. 105, I, “a” abrange todas as modalidades de infrações penais, inclusive os crimes eleitorais,
militares e as contravenções penais.
2. Os crimes de responsabilidade do Governador dos Estados ou de seus Secretários também
estão previstos na Lei n.º 1079/50. São julgados pela Assembléia Legislativa do respectivo Estado. Já
os crimes de responsabilidade do Governador do Distrito Federal ou de seus Secretários estão
previstos na Lei n.º 7106/83.
3. Embora a Constituição Federal preveja a competência do Superior Tribunal de Justiça para
julgar os crimes de responsabilidade dos Desembargadores e membros dos Tribunais, não há
legislação que preveja esses ilícitos com relação às autoridades judiciárias.
c) competência dos Tribunais Regionais Federais: foram criados com a Constituição Federal de
1988 (artigo 27, § 6º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias). Foi através a Lei n.º
7727/89 que foi estabelecida a composição e a sede de cada um dos cinco Tribunais Regionais
Federais.
Conforme artigo 108, I, “a”: “Compete aos Tribunais Regionais Federais: I – processar e julgar,
originariamente: a) os juízes federais da área de sua jurisdição, incluídos os da Justiça Militar e da
Justiça do Trabalho, nos crimes comuns e de responsabilidade, e os membros do Ministério Público,
ressalvada a competência da Justiça Eleitoral;”
OBS:
1) Tratando-se de crime praticado por prefeito municipal, versando sobre desvio de verba
sujeita à prestação de contas perante órgão do poder público federal ou de suas entidades, a
competência é do Tribunal Regional Federal. Nesse sentido é a Súmula n.º 208, do Superior Tribunal
de Justiça: “Compete à justiça federal processar e julgar prefeito municipal por desvio de verba
sujeita à prestação de contas perante órgão federal”. No caso, o julgamento caberá ao Tribunal
Regional Federal, que corresponde à 2ª instância da justiça federal. Também no caso de crime
praticado por prefeito que se enquadre em uma das hipóteses previstas no artigo 109 da Magna
Carta, é competente o Tribunal Regional Federal. É o que estabelece a Súmula n.º 702, do Supremo
Tribunal Federal: “A competência do tribunal de justiça para julgar prefeitos restringe-se aos crimes
de competência da justiça comum estadual; nos demais casos, a competência originária caberá ao
2
DIREITO PROCESSUAL PENAL
PROFª. ROSANE CAMPIOTTO
2) Crime doloso contra a vida praticado por pessoa que tem prerrogativa de função: é
hipótese em que se verifica conflito entre a competência “ratione materiae” e “ratione personae”.
Neste caso é necessário verificar se a prerrogativa de função está prevista na Constituição Federal
ou se está prevista, exclusivamente, na Constituição Estadual. Assim, se a prerrogativa de função
estiver prevista com exclusividade na Constituição Estadual, a competência será do Tribunal do Júri,
pois, neste caso, a competência do Júri, estabelecida na Constituição Federal não pode ser limitada
por uma norma de grau inferior. É o que dispõe a Súmula n.º 721, do Supremo Tribunal Federal: “A
competência constitucional do tribunal do júri prevalece sobre o foro por prerrogativa de função
estabelecido exclusivamente pela constituição estadual”.
3) Crime doloso contra a vida, praticado em concurso de agentes, tendo um deles foro por
prerrogativa de função previsto na Constituição Federal e outro sem tal prerrogativa: segundo
entendimento predominante do Supremo Tribunal Federal haverá a separação dos processos, de
forma que aquele que não possui prerrogativa será julgado pelo Tribunal do Júri, enquanto que o
outro será julgado pelo Tribunal da prerrogativa.
4) Não se tratando de crime doloso contra a vida, havendo concurso de agentes, um deles
com foro por prerrogativa de função e o outro sem, a competência para julgar ambos será do
Tribunal, pois todos estarão abrangidos pela competência decorrente do foro por prerrogativa de
função. É o que dispõe a Súmula n.º 704, do Supremo Tribunal Federal: “Não viola as garantias do
juiz natural, da ampla defesa e do devido processo legal a atração por continência ou conexão do
processo do réu ao foro por prerrogativa de função de um dos denunciados”. Neste caso, rejeitada a
denúncia contra aquele que goza da prerrogativa de função, a competência retorna para o 1º grau
de jurisdição.
5) Foro por prerrogativa de função e lugar do crime: a competência determinada pelo foro
por prerrogativa de função exclui a regra do foro pelo lugar do crime. Assim, é indiferente o lugar
do crime. Exemplo: prefeito de uma cidade do interior de São Paulo, que pratica crime em Minas
Gerais, será sempre julgado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.
3
DIREITO PROCESSUAL PENAL
PROFª. ROSANE CAMPIOTTO
prerrogativa de função. Até agosto de 1999 a Súmula n.º 394, do Supremo Tribunal Federal,
esclarecia esse assunto ao estabelecer que ”Cometido o crime durante o exercício funcional do
mandato parlamentar, prevalece a competência especial por prerrogativa de função, ainda que o
inquérito ou ação penal sejam iniciados após a cessação daquele exercício”. Entretanto, no dia 25
de agosto de 1999, referida Súmula foi cancelada. Assim, passou-se a entender que o crime
praticado durante o exercício funcional, por pessoa que tem foro por prerrogativa de função, deve
ser julgado pelo Tribunal correspondente até o encerramento do exercício da função, após o que
não mais permaneceria tal competência. Ocorre que, com o advento da Lei 10628/02, a situação
novamente se alterou. Referida lei, além de acrescentar um parágrafo 2º ao artigo 84, do Código de
Processo Penal, alterou a redação do parágrafo 1º, estabelecendo que: “A competência especial por
prerrogativa de função, relativa a atos administrativos do agente, prevalece ainda que o inquérito
ou a ação judicial sejam iniciados após a cessação do exercício da função pública”. Desta forma, se
o crime constituísse a ato administrativo do agente, o foro por prerrogativa permaneceria mesmo
após a cessação do exercício funcional. Por outro lado, se o crime constituísse ato estranho à
função pública, o foro por prerrogativa de função não permaneceria. Todavia, em setembro de
2005, o Supremo Tribunal Federal, julgando a Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2797,
proposta pela CONAMP, declarou a inconstitucionalidade da Lei 10.628/02, restabelecendo a regra
de que encerrado o exercício funcional não mais se justifica a manutenção do foro por prerrogativa
de função.
4
DIREITO PROCESSUAL PENAL
PROFª. ROSANE CAMPIOTTO
crime praticado na divisa de duas ou mais jurisdições; c) artigo 72, § 1º: quando, não sendo
conhecido o lugar da infração, o réu tiver mais de um domicílio ou residência; d) artigo 72, § 2º:
quando, não sendo conhecido o lugar da infração, o réu não tiver domicílio ou residência, sendo
desconhecido o seu paradeiro.
Entende a jurisprudência que a nulidade decorrente da não observância da regra de
prevenção é relativa, considerando-se sanada se não alegada no momento oportuno, uma vez que
não se vislumbra, aqui, ofensa direta ao princípio constitucional do processo.
CONEXÃO
Ocorre conexão quando duas ou mais infrações penais estiverem entrelaçadas por um
vínculo, um nexo, um liame, que aconselha a unidade de processo e julgamento.
As espécies de conexão estão previstas no artigo 76, do Código de Processo Penal:
a) conexão intersubjetiva (prevista no artigo 76, inciso I): é aquela em que sempre haverá
mais de um agente. Dividem-se em três subespécies:
5
DIREITO PROCESSUAL PENAL
PROFª. ROSANE CAMPIOTTO
b) conexão objetiva (lógica ou material) – (prevista no artigo 76, inciso II): nesta, o vínculo se
dá entre os delitos. Há duas subespécies de conexão objetiva:
conexão objetiva teleológica: ocorre quando, havendo duas ou mais infrações, uma
tiver sido praticada para facilitar a execução das outras. Exemplo: sujeito que rouba explosivo em
pedreira para utilizar na subtração de dinheiro de caixa eletrônico, mediante explosão;
conexão objetiva consequencial: ocorre quando, havendo duas ou mais infrações,
uma tiver sido cometida para ocultar, garantir vantagem ou impunidade das outras. Exemplo: o
crime de ocultação de cadáver para encobrir o crime de homicídio; a agressão do co-autor do furto
para ficar com a res furtiva; o espancamento da única testemunha do crime, para garantir a
impunidade deste.
c) conexão probatória ou instrutória (prevista no artigo 76, inciso III): ocorre quando “a
prova de um crime ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova de outra
infração”. Exemplo: crime de receptação e furto; crime de uso de documento falso e falsificação.
CONTINÊNCIA
Segundo a doutrina, há continência quando uma coisa está contida em outra, não sendo
possível a separação.
As espécies de continência estão previstas no artigo 77, do Código de Processo Penal:
a) continência por cumulação subjetiva (prevista no artigo 77 I): ocorre quando “duas ou
mais pessoas forem acusadas pela mesma infração”. Trata-se de hipótese de concurso de agentes,
que ocorre quando duas ou mais pessoas praticam ou concorrem para a prática de um crime.
Exemplo: prefeito e assessor que praticam o crime de estelionato. Neste caso, haverá unidade de
processo e julgamento, ou seja, ambos serão julgados pelo Tribunal de Justiça.
b) continência por cumulação objetiva (prevista no artigo 77, II): ocorre “no caso de infração
cometida nas condições previstas nos artigos 51 § 1º, 53, segunda parte, e 54 do Código Penal”. A
referência contida nesse artigo, na verdade, se dá em relação aos dispositivos originais do Código
Penal, agora substituídos pelos artigos 70, 73, 2ª parte, e 74, 2ª parte, todos do Código Penal,
modificados que foram pela Lei 7209/84. Tais hipóteses se referem ao concurso formal de crimes
(artigo 70 do Código Penal), erro na execução (ou aberratio ictus – artigo 73, 2ª parte, do Código
6
DIREITO PROCESSUAL PENAL
PROFª. ROSANE CAMPIOTTO
Penal) e resultado diverso do pretendido (ou aberratio criminis – artigo 74, 2ª parte, do Código
Penal). Nestas situações, haverá continência, ensejando a unidade de processo e julgamento.
7
DIREITO PROCESSUAL PENAL
PROFª. ROSANE CAMPIOTTO
comum e a militar”. No mesmo sentido é a Súmula n.º 90, do Superior Tribunal de Justiça: “Compete à
Justiça Estadual Militar processar e julgar o policial militar e à Comum pela prática do crime comum
simultâneo àquele”.
8
DIREITO PROCESSUAL PENAL
PROFª. ROSANE CAMPIOTTO
9
DIREITO PROCESSUAL PENAL
PROFª. ROSANE CAMPIOTTO
AVOCAÇÃO DE PROCESSOS
Dispõe o artigo 82, do Código de Processo Penal que: “Se, não obstante a conexão ou
continência, forem instaurados processos diferentes, a autoridade de jurisdição prevalente deverá
avocar os processos que corram perante os outros juízes, salvo se já estiverem com sentença
definitiva. Neste caso, a unidade dos processos só se dará, ulteriormente, para efeito de soma ou de
unificação das penas”.
Assim, se apesar da conexão ou continência, por desconhecimento dos juízos, forem
instaurados processos distintos, o juiz que tem “jurisdição prevalente” deve chamar para si demais
processos, desde que não tenha sido proferida a sentença.
Por outro lado, o juiz que não tem a prevalência, observando a existência de conexão e continência,
deve remeter o processo àquele que a tem.
Apesar do dispositivo em referência mencionar “sentença definitiva”, que significa sentença
já transitada em julgado, é necessário interpretar o dispositivo de modo diverso, pois havendo
sentença, mesmo que não transitada em julgado, não é mais possível a reunião dos processos, já
que o juiz prevalente não poderá alterá-la para incluir outras infrações.
Portanto, a reunião dos processos deve ocorrer até a sentença. Nada impede, porém, a reunião
dos processos nos casos de crimes da competência do Júri mesmo após a pronúncia, que não é
sentença definitiva, devendo o juiz proferir nova decisão a respeito dos processos avocados.
10
DIREITO PROCESSUAL PENAL
PROFª. ROSANE CAMPIOTTO
PRORROGAÇÃO DE COMPETÊNCIA
DELEGAÇÃO DE COMPETÊNCIA
CONFLITO DE JURISDIÇÃO
11
DIREITO PROCESSUAL PENAL
PROFª. ROSANE CAMPIOTTO
ESPÉCIES DE CONFLITOS
De acordo com o artigo 114, inciso I, do Código de Processo Penal, há duas espécies de
conflitos:
a) conflito positivo: quando duas ou mais autoridades judiciárias se considerarem
competentes para conhecer do mesmo fato criminoso.
b) conflito negativo: quando duas ou mais autoridades judiciárias se considerarem
incompetentes para conhecer do mesmo fato criminoso.
PROCESSAMENTO
Consoante prevê o artigo 115 do Código de Processo Penal, o conflito pode ser suscitado pela
parte interessada ou pelo Ministério Público, junto a qualquer dos juízos em dissídio.
Neste caso, a arguição deve ser feita por meio de requerimento, instruído com traslado de peças
do processo onde se originou a questão, devendo o suscitante expor os fundamentos e juntar os
documentos comprobatórios.
Ainda, de acordo com o citado dispositivo, o conflito pode ser suscitado por qualquer dos juízes
ou Tribunais em causa.
Nesta hipótese, se positivo o conflito, a arguição será realizada por meio de representação,
endereçada ao Presidente do Tribunal competente, na qual o juízo ou Tribunal exporá os fundamentos
e juntará os documentos comprobatórios. Se, por outro lado, o conflito for negativo será suscitado nos
próprios autos, nos termos do § 1º, do artigo 116, do Código de Processo Penal, caso em que o
processo não terá prosseguimento até que seja dirimida a questão.
Distribuído o conflito ao órgão julgador competente, o Relator, no caso de conflito positivo,
determinará o sobrestamento do feito, requisitando informações aos juízos em conflito.
Prestadas as informações, será colhido o parecer do órgão do Ministério Público oficiante no
Tribunal e, após, a matéria será decidida na primeira sessão, desde que não haja necessidade de se
realizar diligências (artigo 116, § 5º, do Código de Processo Penal).
Proferida a decisão, as cópias necessárias serão remetidas, para execução, às autoridades
judiciárias que suscitaram ou em relação às quais foi suscitado o conflito (artigo 116, § 6º, do
Código de Processo Penal).
Não se deve olvidar, ademais, que os conflitos de competência, de jurisdição e de atribuição
podem ser suscitados a qualquer momento, mesmo antes da propositura da ação.
12
DIREITO PROCESSUAL PENAL
PROFª. ROSANE CAMPIOTTO
Penal.
Nesse sentido, os artigos 102, inciso I, alínea “l”, e 105, inciso I, alínea “f”, ambos da
Constituição Federal, quando prevêem, respectivamente, que cabe ao Supremo Tribunal Federal e
ao Superior Tribunal de Justiça julgar a reclamação para a preservação de sua competência.
Ainda, de acordo com o artigo 108, inciso I, alínea “e”, da Constituição Federal, compete aos
Tribunais Regionais Federais o julgamento dos conflitos entre juízes vinculados ao Tribunal.
Impende ressaltar que, nos termos da Súmula n.º 3 do Superior Tribunal de Justiça, cabe ao
Tribunal Regional Federal julgar o conflito de competência verificado na respectiva Região, entre o
juiz federal e o juiz estadual investido na jurisdição federal.
Por outro lado, de acordo com a Súmula n.º 555 do Supremo Tribunal Federal: “É competente
o Tribunal de Justiça para julgar conflito de jurisdição entre Juiz de Direito do Estado e a Justiça
Militar local”.
Também, a Súmula n.º 59 do Superior Tribunal de Justiça estabelece que não há conflito de
competência se já existe sentença com trânsito em julgado, proferida por um dos juízos
conflitantes.
Tratando-se de conflito de atribuições estabelecido entre um órgão jurisdicional e um órgão
de outro Poder (Legislativo ou Executivo) a competência para o julgamento do conflito caberá ao
Poder Judiciário.
Consoante prevê o artigo 105, inciso I, alínea “g”, da Constituição Federal, cabe ao Superior
Tribunal de Justiça julgar os conflitos de atribuições entre autoridades administrativas e judiciárias
da União, ou entre autoridades judiciárias de um Estado e administrativas de outro ou do Distrito
Federal, ou entre as deste e da União.
Cumpre destacar que, segundo a jurisprudência, meras divergências existentes entre o juiz e
o membro do Ministério Público não caracterizam conflito de atribuições.
No caso de conflito de atribuições entre membros do Ministério Público, é necessário,
primeiramente, identificar quais são órgãos envolvidos para verificar de que forma o conflito deve
ser solucionado.
Inicialmente cabe destacar que, segundo a jurisprudência, inclusive do Supremo Tribunal
Federal, nos casos em que já existe inquérito policial ou procedimento investigatório já
jurisdicionalizado, isto é, em tramitação na Justiça, se o juiz acolher a manifestação do órgão
ministerial no sentido de que não tem atribuição para atuar no caso, estará encampando tal
pronunciamento e, desta forma, assumindo a sua incompetência. Assim, nessa hipótese haverá
conflito de jurisdição ou de competência, conforme o caso, não havendo conflito de atribuições
propriamente dito.
Por outro lado, em se tratando das peças informativas ou de procedimento investigatório
criminal não jurisdicionalizado, o conflito eventualmente surgido se restringirá ao âmbito do
próprio Ministério Público.
Tratando-se de conflito de atribuições entre membros do Ministério Público de um mesmo
Estado caberá ao Procurador-Geral de Justiça ou a outro órgão colegiado que integra a hierarquia
superior da instituição dirimir o conflito.
Caso o conflito seja instaurado no âmbito do Ministério Público Federal, ou seja, entre
Procuradores da República, o conflito deverá ser resolvido pela Câmara de Coordenação e Revisão
do Ministério Público Federal, com recurso ao Procurador-Geral da República, conforme
estabelecem o artigo 62, inciso VII e artigo 49, inciso VIII, da Lei Complementar n.º 75/93.
De outra parte, na hipótese de conflito de atribuições entre membros do Ministério Público
pertencentes a Estados diversos ou entre um Procurador da República e um Promotor de Justiça
Estadual, em peças de informação ou em procedimentos investigatórios não jurisdicionalizados,
13
DIREITO PROCESSUAL PENAL
PROFª. ROSANE CAMPIOTTO
não há consenso na doutrina a respeito do Tribunal competente para dirimir tal conflito.
Parte da doutrina entende que, nesse caso, deve ser aplicado o artigo 102, inciso I, alínea “f”,
da Constituição Federal, de forma que caberia ao Supremo Tribunal Federal solucionar referido
conflito, uma vez que se trataria de conflito instaurado entre órgãos de Estados diversos ou entre
órgão da União e órgão do Estado.
Todavia, segundo outros autores, dentre os quais se destaca Eugênio Pacelli de Oliveira, deve
ser aplicado, por analogia, o artigo 105, inciso I, alínea “d”, da Magna Carta, que prevê a
competência do Superior Tribunal de Justiça para solucionar os conflitos de competência entre
Tribunal e juízes a ele não vinculados e entre juízes vinculados a Tribunais diversos. Segundo esse
entendimento, como os membros do Ministério Público atuam perante juízes vinculados a
Tribunais diversos, a competência do Superior Tribunal de Justiça seria logicamente a mais
adequada, inclusive porque, embora a matéria seja discutida em nível de conflito de atribuição
entre membros do Ministério Público, visa, efetivamente, a definição da jurisdição.
A posição do Supremo Tribunal Federal era, de início, no sentido de que cabia ao Superior
Tribunal de Justiça dirimir conflito de atribuições entre membros do Ministério Público de Estados
diversos ou entre membro do Ministério Público Federal e membro do Ministério Público Estadual.
Tal entendimento baseava-se no argumento de que a hipótese conteria um virtual conflito de
jurisdição, já que os membros do Ministério Público oficiavam perante juízes vinculados a Tribunais
diferentes.
Entretanto, a partir do julgamento da Pet 3.528-3/BA, em 28/09/2005, o Supremo Tribunal
Federal alterou o seu entendimento, passando a entender que competente para dirimir conflito de
atribuições entre membro do Ministério Público Estadual e membro do Ministério Público Federal é
o próprio Supremo Tribunal Federal e não o Superior Tribunal de Justiça.
CONCEITO DE PROVA
A palavra “prova” é originária do latim probatio, que, por sua vez, deriva do verbo probare,
que significa examinar, verificar, demonstrar, reconhecer, formar um juízo.
Na linguagem jurídica, provar consiste em demonstrar a existência ou a veracidade daquilo
que se alegou como fundamento do direito que se defende ou que se contesta no processo.
Prova é, portanto, todo o meio utilizado no processo, cuja finalidade é convencer o juiz a
respeito da verdade de uma situação, a fim de formar a sua convicção quanto à existência ou
inexistência dos fatos deduzidos em juízo.
OBJETO DA PROVA
Entende-se por objeto da prova aquilo que deve ser demonstrado ao juiz, com o fim de
convencê-lo. Desta forma, objeto da prova são os fatos, conforme se depreende do brocardo narra
mihi factum dabo tibi jus.
Há, todavia, alguns fatos que independem de prova. Tais fatos são: a) os axiomáticos (ou
intuitivos); b) os notórios; c) os irrelevantes (ou inúteis) e d) os que decorrem de presunção legal.
Fatos axiomáticos são aqueles que são evidentes, certos. A evidência gera certeza, fazendo
com que o fato não precise ser demonstrado.
Fatos notórios são aqueles que são do domínio ou do conhecimento geral, por fazerem parte
da história ou se referirem a fatos políticos, sociais ou às leis da natureza.
14
DIREITO PROCESSUAL PENAL
PROFª. ROSANE CAMPIOTTO
Fato notório não se confunde com voz do povo (vox populi) que consiste no conhecimento,
por um número indeterminado de pessoas, a respeito de rumores, boatos vagos e imponderáveis, e
que se espalham pelo povo, podendo advir de lendas ou invencionices.
Da mesma forma, a notoriedade do fato não se confunde com fato do conhecimento do juiz,
uma vez que um fato pode ser conhecido do magistrado, mas não ser notório, devendo, assim, ser
demonstrado.
Fatos irrelevantes, por sua vez, são aqueles que não têm qualquer relação com os fatos que
estão sendo discutidos no processo, ou seja, são aqueles incapazes de influenciar na apuração dos
fatos ou na responsabilização do réu.
Por fim, os fatos que decorrem de presunção legal são aqueles que constituem conclusões da
própria lei. São as hipóteses de presunção absoluta, em relação aos quais não se admite prova em
contrário.
Ressalte-se, por outro lado, que os fatos incontroversos, que são aqueles que aceitos ou
admitidos pela parte, necessitam ser provados, uma vez que, diferentemente do que ocorre no
processo civil, no processo penal, existe a necessidade de produção probatória, por força do
princípio da verdade real, devendo o julgador chegar à verdade dos fatos tal como ocorreram
historicamente, e não como o querem as partes.
Como regra, o direito não precisa ser provado, pois o juiz é seu conhecedor (jure novit curia).
Todavia, se o direito invocado for estadual, municipal, alienígena ou consuetudinário, caberá à
parte alegante a sua prova.
Para que uma determinada prova seja produzida é necessário que seja admissível, pertinente,
concludente e de possível realização.
Diz-se que uma prova é admissível quando a sua produção é permitida pela lei ou pelos
costumes judiciários. Uma prova admitida pelo direito é denominada de prova genética.
A prova pertinente ou fundada é aquela que tem relação com os fatos que constituem objeto
do processo. Opõe-se, pois, à prova inútil.
Concludente é a prova que visa esclarecer uma questão.
Por fim, somente quando a produção de uma prova for possível é que sua realização será
autorizada pelo juiz. Isso porque o fato que se quer provar pode ser possível ou impossível, mas
somente quando a sua prova for viável é que será realizada.
Desta forma, ausentes qualquer destes requisitos, o juiz indeferirá o pedido de prova
formulado pelas partes. Em outras palavras, somente quando se demonstrar que a prova
pretendida é admissível, pertinente, concludente e de possível realização é que será produzida.
A decisão que indefere o pedido de prova da parte não comporta recurso de apelação, pois
não configura decisão definitiva.
Entretanto, por ocasião da prolação da sentença de mérito, a parte que teve o seu pedido de
prova indeferido poderá ingressar com apelação arguindo, em preliminar, a nulidade do processo,
desde o momento do indeferimento da prova, por cerceamento de defesa ou de acusação.
Porém, segundo alguns autores, estando demonstrado que a prova pretendida é admissível,
pertinente, concludente e de possível realização, caso o juiz indefira a sua produção, haverá
manifesta ilegalidade, permitindo a impetração de mandado de segurança, diante da presença do
direito líquido e certo quanto à produção da prova, sendo, ainda possível o ingresso de habeas
corpus, quando o pedido tiver sido feito pela defesa.
15
DIREITO PROCESSUAL PENAL
PROFª. ROSANE CAMPIOTTO
MEIOS DE PROVA
Meio de prova é tudo aquilo que é utilizado no processo para demonstrar a verdade de um fato.
Assim, podem ser considerados meios de prova: os depoimentos das testemunhas, as
perícias, os reconhecimentos de pessoas e coisas, as acareações, etc.
Existem os meios de prova nominados, ou seja, aqueles que têm previsão expressa em lei, e
os inominados, que, muito embora não estejam explicitamente previstos no Código de Processo
Penal, são aceitos, uma vez que vigora o entendimento de que a relação dos meios de prova,
constante da lei processual é meramente exemplificativa.
Como no processo penal deve-se buscar a verdade material ou real, não convém que se
estabeleçam restrições aos meios de prova, impedindo que as partes os utilizem, com total
liberdade.
A possibilidade de as partes utilizarem, no processo, qualquer meio de prova é,
doutrinariamente, conhecida como princípio da liberdade probatória. Portanto, como o objetivo do
processo penal é obter a verdade do fato, da autoria e das circunstâncias do crime, qualquer meio
de prova, nominado ou inominado, pode ser utilizado, desde que obtido licitamente.
Todavia, o princípio da liberdade probatória não é absoluto, uma vez que o próprio Código de
Processo Penal e também a Constituição Federal impõem algumas limitações, ou seja, a busca da
verdade real, que justifica a amplitude dos meios de prova, encontra limites na lei processual e nos
princípios constitucionais que visam a proteção e a garantia dos direitos fundamentais.
Assim, não são admitidas as provas incompatíveis com os princípios de respeito ao direito de
16
DIREITO PROCESSUAL PENAL
PROFª. ROSANE CAMPIOTTO
defesa e à dignidade humana, nem os meios cuja utilização se opõe às normas reguladoras do
direito, regentes da vida em sociedade.
O Código de Processo Penal estabelece algumas regras que limitam a atividade probatória.
Exemplo de limitação aos meios de prova encontramos no parágrafo único do artigo 155 do Código
de Processo Penal (acrescido pela Lei n.º 11.690/2008) que determina a observância, no tocante à prova
relativa ao estado das pessoas, das exigências e formalidades estabelecidas pela lei civil.
Da mesma forma, o artigo 62 do Código de Processo Penal, ao exigir que somente à vista da
certidão de óbito, e depois de ouvido o órgão do Ministério Público, possa o juiz reconhecer a
extinção da punibilidade em razão da morte do acusado.
Também a regra contida no artigo 158 do Código de Processo Penal constitui exceção ao
princípio da liberdade probatória, na medida em que exige a realização de exame de corpo de
delito, para a comprovação da materialidade delitiva nas infrações penais que deixam vestígios, não
se admitindo que a ausência desse exame seja suprida pela confissão do acusado.
Outra regra limitativa da atividade probatória é aquela constante do artigo 208 do Código de
Processo Penal, que estabelece que determinadas pessoas, quando chamadas em juízo para
deporem, não devem prestar compromisso de dizer a verdade.
O mesmo ocorre em relação ao artigo 207, que, expressamente proíbe o testemunho de
pessoas que devem guardar segredo em relação a fatos que tiveram conhecimento em razão do
exercício de função, ministério, ofício ou profissão. Resguarda-se, assim, o sigilo profissional, ao
qual se liga também a questão do sigilo inerente às práticas religiosas. Todavia, nesta hipótese, faz
a lei uma ressalva, ao permitir o depoimento de tais pessoas, desde que queiram prestá-lo, depois
de terem sido desobrigadas pela parte a quem o sigilo interessava.
Também o artigo 206 do Código de Processo Penal representa uma limitação à liberdade
probatória, ao estabelecer que algumas pessoas que participam da vida familiar do acusado podem
se recusar a depor. Neste caso, que se busca proteger é o direito à intimidade da vida familiar, cuja
proteção também repercute no tocante ao direito à prova. Todavia, nesta hipótese, o próprio
Código, na parte final do dispositivo em referência, traz uma ressalva à possibilidade de recusa, ao
prever que tais pessoas não poderão recusar-se a depor quando “não for possível, por outro modo,
obter-se ou integrar-se a prova do fato e de suas circunstâncias”, não se exigindo, neste caso, que
prestem o compromisso de dizer a verdade. Prepondera, assim, o interesse público em detrimento
do interesse privado, ou seja, o interesse na apuração da verdade processual acaba se sobrepondo
à tutela da intimidade familiar.
Da mesma forma, o artigo 479 do Código de Processo Penal, com redação dada pela Lei
11.689/2008, constitui uma limitação à liberdade probatória. De acordo com tal dispositivo,
aplicável ao rito do júri, não se permite, em plenário, a leitura de documento ou a exibição de
objeto que não tenha sido juntado aos autos com a antecedência mínima de 3 (três) dias úteis,
dando-se ciência à outra parte. Busca-se, com isso, impedir o ingresso no processo, de provas que
não tenham obedecido às exigências de ordem lógica, representando fator de confusão para o
raciocínio do julgador.
Também na Constituição Federal, encontramos uma regra que limita a liberdade probatória,
no artigo 5º, inciso LVI, que prevê o princípio da inadmissibilidade das provas obtidas por meios
ilícitos.
Reafirma tal princípio o artigo 157 do Código de Processo Penal, com redação dada pela Lei
11.690/2008. Segundo referido dispositivo: “São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do
processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação as normas constitucionais ou
legais”.
Observa-se, assim, que além de dispor a respeito da inadmissibilidade de tais provas, o
17
DIREITO PROCESSUAL PENAL
PROFª. ROSANE CAMPIOTTO
legislador cuidou de definir o que se deve entender por prova ilícita: é aquela obtida com violação a
normas constitucionais ou legais. Prova ilícita consiste, assim, na prova que foi produzida por meios
não aprovados pela legislação pátria. Portanto, é prova ilegal.
18
DIREITO PROCESSUAL PENAL
PROFª. ROSANE CAMPIOTTO
Também a prova ilícita por derivação é inadmitida no processo penal, nos termos do § 1º, do
artigo 157, do Código de Processo Penal, o qual foi acrescido pela Lei 11.690/2008.
Segundo a doutrina, prova ilícita por derivação é aquela que, apesar de lícita em si mesma, foi
produzida a partir de uma outra, ilicitamente obtida (são provas lícitas, porém oriundas de alguma
informação extraída de outra prova, ilicitamente colhida).
Como exemplos de prova ilícita por derivação podem ser citados os seguintes: confissão
extorquida mediante tortura, em que o investigado indica onde se encontra o produto do crime,
que vem a ser regularmente apreendido; a interceptação telefônica clandestina, por meio da qual
se torna possível conhecer outras circunstâncias que, licitamente obtidas, conduzem à apuração
dos fatos.
Aplica-se, em relação às provas ilícitas por derivação, a doutrina dos frutos da árvore
envenenada (fruits of the poisonous tree), que foi instituída pela Suprema Corte norte-americana, a
partir de uma decisão proferida em 1920.
Referida doutrina prega que o vício da planta se transmite a todos os seus frutos, ou seja, o
vício de origem existente em determinada prova se transmite a todas as provas que dela decorrem.
Portanto, não obstante a prova derivada seja, na sua essência, lícita e admissível, aplicando-se
a teoria dos frutos da árvore envenenada, a ilicitude da prova que lhe deu origem contaminaria o
seu conteúdo, causando, como consequência, sua inadmissibilidade processual.
Contudo, ao mesmo tempo em que o legislador determinou a inadmissibilidade de tais
provas, ressalvou duas hipóteses em que pode ser utilizada. Tais hipóteses constituem exceção à
aplicação da teoria dos frutos da árvore envenenada: quando não evidenciado o nexo da
causalidade entre umas e outras e quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte
independente.
Tais possibilidades já eram afirmadas pela doutrina, por meio das teses da causa
independente e da inevitabilidade.
Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Antonio Magalhães Gomes Filho, ao
tratarem do assunto, no livro “As Nulidades no Processo Penal”, aduzem que, quando a conexão
existente entre a prova originária (ilícita) e a prova produzida for tênue, de modo a não se
colocarem, a primária e a secundária, como causa e efeito, a prova deve ser admitida. Aplica-se,
neste caso, a tese da causa independente (ou independent source).
Por outro lado, quando a prova derivada da ilícita poderia ser descoberta por outra forma,
uma vez que a prova originária não foi absolutamente determinante para a sua produção, a prova
poderá ser utilizada, sendo aplicável a tese da inevitabilidade (ou inevitable discovery).
Assim, não se deve, de plano, rejeitar a prova derivada da prova ilícita, sendo necessário que
se avalie se, de outra forma, poderia ter sido obtida.
Resultando dessa análise que a prova ilícita não foi absolutamente determinante para a
obtenção da prova derivada, eis que existiam outras provas que poderiam conduzir a ela, ou
porque derivou de fonte própria, a prova derivada não fica contaminada e pode ser admitida em
juízo.
Quando, todavia, se verificar que não havia outro modo possível para a obtenção da prova
derivada, a não ser por meio da prova ilícita, não deve ela ser admitida no processo.
Aliás, com o objetivo de definir o que se deve entender por fonte independente, o legislador
infraconstitucional, no § 2º do artigo 157 do Código de Processo Penal, acrescido pela Lei
11.690/2008, dispôs que: “Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os
trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir
ao fato objeto da prova”. Em outras palavras, se fossem seguidos os trâmites típicos e de praxe,
próprios da investigação ou da instrução criminal, inevitavelmente, a prova seria obtida.
19
DIREITO PROCESSUAL PENAL
PROFª. ROSANE CAMPIOTTO
No Brasil, o Supremo Tribunal Federal, analisando a questão relativa à aplicação da teoria dos
frutos da árvore envenenada e a exclusividade da prova ilícita para a obtenção da prova derivada, já
entendeu que a prova ilícita por derivação pode ser admitida, desde que fique demonstrado que
não foi a prova exclusiva que desencadeou o procedimento penal, mas somente veio a corroborar
as outras licitamente obtidas pela equipe de investigação policial (STF, 1ª Turma, HC 74530).
Alguns doutrinadores, invocando o princípio da proporcionalidade, entendem que não é
razoável adotar uma postura inflexível de desprezar, sempre, toda e qualquer prova ilícita, uma vez
que, em alguns casos, o interesse que se visa defender com a sua admissão é muito mais
importante do que o direito que se deseja preservar com a sua inadmissibilidade. Desta forma,
diante do conflito entre os dois interesses envolvidos, configuradores de princípios fundamentais
da Constituição, é necessário um cotejamento entre eles a fim de verificar qual, no caso concreto,
deve prevalecer e qual deve ser sacrificado.
OBS: Existem algumas provas que, apesar de produzidas com a violação de uma norma ou um
princípio, são aceitas pela Jurisprudência e pela doutrina:
a) prova favorável ao acusado, chamada de prova ilícita pro reo. Neste caso, ainda que colhida
com infringência aos direitos constitucionais do acusado ou de terceiros, deve ser admitida, uma
vez que traduz hipótese de legítima defesa, que exclui a ilicitude do fato. Segundo a doutrina, a
prova ilícita pro reo deve ser admitida, por força do princípio da proporcionalidade, uma vez que a
liberdade do réu, em cotejo com outros direitos fundamentais do próprio réu ou de terceiros,
possui maior relevância e significado no quadro das liberdades públicas. É o que ocorre, por
exemplo, na hipótese de interceptação clandestina de conversa telefônica feita pelo réu, com o fim
de se defender em processo criminal. Neste caso, desde que a sua ação seja circunscrita ao âmbito
do razoável direito de defesa, a prova assim produzida poderá ser utilizada em seu benefício.
20
DIREITO PROCESSUAL PENAL
PROFª. ROSANE CAMPIOTTO
A prova não pode ser considerada uma obrigação processual da parte, mas sim, um ônus, ou
seja, um encargo que tem a parte de demonstrar a real ocorrência dos fatos que foram por ela
alegados e que são relevantes para o julgamento da pretensão deduzida em Juízo.
A diferença básica entre ônus e obrigação está na obrigatoriedade. Explica-se: enquanto que
na obrigação a parte tem o dever de praticar o ato, sob pena de infringir a lei, no ônus, o
cumprimento é facultativo, de forma que o seu descumprimento não constitui ofensa ao
ordenamento jurídico. Porém, nesta última hipótese, apesar de não haver norma que obrigue a
prática de um dado comportamento, a parte suportará as consequências que advirão de sua
inação, não obtendo a vantagem que adviria caso tivesse agido.
Não se pode confundir, ademais, ônus de prova com obrigatoriedade de defesa. São coisas
distintas.
O fato de o Código de Processo Penal prever, no artigo 261, que “nenhum acusado, ainda que
ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor”, impondo, assim, a obrigatoriedade
de defesa, não tem, tal regra, o efeito de desfigurar o ônus probatório.
O que é obrigatória é a defesa, entendida como a prática dos atos defensórios necessários,
como a presença às audiências, a apresentação das alegações finais orais em audiência, etc., que
não se confunde com a faculdade de produzir provas, pois é perfeitamente possível que a não
produção de provas pela defesa constitua uma estratégia.
Em processo penal, a regra relativa ao ônus da prova encontra-se prevista na primeira parte
do artigo 156 do Código de Processo Penal, segundo o qual: “A prova da alegação incumbirá a
quem a fizer; (...)”.
Portanto, cabe provar a quem interessa afirmar, de forma que a prova dos fatos que constituem a
pretensão punitiva incumbe à acusação, enquanto que a prova dos fatos extintivos, ou das condições
impeditivas ou modificativas da pretensão formulada pela acusação, compete à defesa.
Portanto, o ônus da prova cabe às partes.
Todavia, é importante ressaltar que há uma diferença, pois enquanto a prova da acusação
deve ser plena e convincente, para a defesa basta a dúvida, pois, neste caso, a ação será julgada em
seu favor, em razão dos princípios da presunção do estado de inocência e in dubio pro reo.
A regra de que o ônus da prova da alegação incumbe a quem a fizer, entretanto, não é
absoluta, pois, conforme prevê a segunda parte do artigo 156, bem como os incisos I e II do referido
dispositivo, que foram acrescidos pela Lei n.º 11.690/2008, é facultado ao juiz, de ofício: “I –
ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas
urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida; II –
determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para
dirimir dúvida sobre ponto relevante”.
Conforme dispôs o inciso I do dispositivo em questão, o juiz pode, mesmo antes de iniciada a
ação, determinar, de ofício, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes,
desde que observada a necessidade, a adequação e a proporcionalidade da medida (elementos
integrantes do princípio da proporcionalidade).
No tocante ao inciso II, por outro lado, apenas foi mantida a regra que já constava
anteriormente no artigo 156 (antes da modificação operada por meio da Lei 11.690/2008) de que,
no curso da instrução, ou mesmo antes de proferir a sentença (e, portanto, no curso do processo),
o juiz poderá determinar a realização de diligências destinadas a sanar dúvida sobre ponto
relevante.
Também aqui a atividade probatória do juiz deve ser utilizada com cautela, isto é, o
21
DIREITO PROCESSUAL PENAL
PROFª. ROSANE CAMPIOTTO
PRINCÍPIOS DA PROVA
22
DIREITO PROCESSUAL PENAL
PROFª. ROSANE CAMPIOTTO
reforçar a oralidade no tocante ao atos probatórios, o artigo 405, § 1º, do Código de Processo
Penal, com redação dada pela Lei 11.719/2008, previu que: “Sempre que possível, o registro dos
depoimentos do investigado, indiciado, ofendido e testemunhas será feito pelos meios ou recursos
de gravação magnética, estenotipia, digital ou técnica similar, inclusive audiovisual, destinada a
obter maior fidelidade das informações.” Com isso, o legislador procurou fortalecer a oralidade,
tornando-a mais efetiva, bem como garantir maior fidelidade e celeridade na colheita das provas.
princípio da concentração: decorre do princípio da oralidade. De acordo com este
princípio toda a produção probatória, se possível, deve ser concentrada em uma única audiência;
princípio da publicidade: os atos de produção de provas são, como regra, públicos.
No entanto, excepcionalmente, quando o interesse social ou a defesa da intimidade exigirem, os
atos de prova terão publicidade restrita, apenas para as partes.
Uma vez produzidas no processo, as provas devem ser objeto de avaliação pelo juiz.
Tal avaliação constitui ato eminentemente pessoal do juiz, pelo qual, examinando, pesando e
estimando os elementos oferecidos pelas partes, chegará a uma decisão.
Ao avaliar as provas contidas em um processo, na verdade, o juiz pratica um trabalho
intelectual. Nesta atividade está ele sujeito à observância de algumas regras pré-estabelecidas.
Nas épocas primitivas, dois foram os sistemas de apreciação de provas, que se sucederam ao
longo do tempo. Primeiramente houve o sistema denominado étnico, o qual foi, posteriormente,
substituído pelo sistema religioso.
Pelo sistema étnico, também conhecido pelo nome de sistema pagão, a apreciação das
provas era deixada inteiramente ao critério do juiz, que aferia o seu valor a partir de suas próprias
experiências, dentro de um sistema empírico.
Já, pelo sistema religioso era invocado um julgamento divino, por meio das ordálias e dos
juízos de Deus. Acreditava-se, pois, na possibilidade de intervenção da divindade em favor daquele
que tivesse razão, cabendo ao juiz apenas apreciar e declarar o resultado.
Modernamente, três são os sistemas instituídos em relação à questão da apreciação das
provas pelo julgador: a) o sistema da certeza moral do juiz; b) o sistema da certeza moral do
legislador e c) o sistema da livre convicção.
O primeiro, chamado de sistema da certeza moral do juiz ou sistema da íntima convicção, tem
as suas origens em Roma. Neste sistema concede-se ao juiz a total e ilimitada possibilidade de
apreciar as provas, agindo de acordo com a sua consciência, tanto no tocante à sua admissibilidade,
quanto à sua avaliação, conhecimentos e impressões pessoais, podendo decidir, inclusive, em
sentido contrário a elas e podendo, também, deixar de decidir, caso entenda que não formou sua
convicção. Nesse sistema, o juiz não está vinculado a qualquer regra legal, não estando também
obrigado a fundamentar sua decisão, pois se trata de um julgamento secundum conscientiam. Este
sistema é o adotado entre nós excepcionalmente, no julgamento realizado pelo Tribunal do Júri, no
qual os jurados decidem conforme a sua convicção, não precisando externar os motivos dos votos
efetuados.
O segundo sistema, denominado de sistema da certeza moral do legislador, ou sistema da
verdade legal, surgiu como forma de limitar a liberdade absoluta de julgamento. A origem desse
sistema encontra-se no direito germânico, tendo prevalecido em quase toda a Europa durante
certo período. Neste sistema, o juiz deve guiar-se por regras pré-estabelecidas, de forma que cada
prova tem um valor previamente fixado pela lei, sendo inalterável, não havendo qualquer margem
de valoração subjetiva por parte do juiz, que deve decidir em conformidade com o valor legal pré-
23
DIREITO PROCESSUAL PENAL
PROFª. ROSANE CAMPIOTTO
estabelecido. Por esse motivo, este sistema é também denominado “sistema tarifado”, uma vez
que a lei estabelece o valor de cada prova, criando entre elas uma hierarquia, da qual não pode o
juiz se distanciar.
Por fim, o sistema da livre convicção, também chamado de sistema da persuasão racional ou
sistema do livre convencimento, surgido em Roma, foi legalmente conhecido com os códigos
napoleônicos. Neste, o juiz age livremente ao apreciar as provas. Contudo, ao avaliá-las deve
ajustar-se às regras pré-estabelecidas, ou seja, estará condicionado às provas constantes do
processo (regra quod nom est in actis nom est in mundo), desde que admissíveis e sujeitas à
avaliação de sua credibilidade. Por esse sistema impõe-se ao juiz o dever de motivar sua decisão, a
fim de que seja possível a todos conhecer seus fundamentos, possibilitando também a avaliação do
acerto ou erro de decisão proferida.
O sistema da livre convicção é o utilizado, como regra, pelo nosso ordenamento jurídico,
conforme dispõe o artigo 155, do Código de Processo Penal, com redação dada pela Lei
11.690/2008: “O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em
contraditório judicial não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos
informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e
antecipadas”.
Portanto, de acordo com esse artigo, a convicção do julgador deve ser formada a partir das
provas que forem produzidas em contraditório judicial, não podendo o juiz se valer exclusivamente
das provas produzidas na fase inquisitorial, sob pena de afronta aos princípios constitucionais do
contraditório e da ampla defesa. Todavia, relativamente às provas cautelares, não repetíveis e
antecipadas, mesmo que realizadas na fase de inquérito policial, podem ser consideradas pelo
juízo, uma vez, que, nestas, o contraditório é realizado posteriormente, durante o processo
(contraditório diferido ou prorrogado).
PROVA EMPRESTADA
Normalmente, a prova produzida em um processo tem a finalidade de nele gerar seus efeitos.
Excepcionalmente, porém, é possível que uma determinada prova, produzida num processo
específico, seja transportada para um outro, a fim de nele também surtir efeitos.
Surge, assim, a prova emprestada.
Embora originariamente possa ser uma prova testemunhal ou pericial, a partir do momento
em que é levada para outro processo, assume, neste, natureza de prova documental.
Quanto à sua admissibilidade no processo penal, a doutrina entende que, para ser admitida,
deve ter sido produzida em processo formado entre as mesmas partes e, desta forma, submetida
ao contraditório.
Portanto, a prova emprestada somente poderá ser aproveitada se, no processo em que foi
originariamente produzida e também no processo para o qual foi transportada, figurarem as
mesmas partes, pois somente assim é que se estará assegurando a observância do princípio do
contraditório.
Isso ocorre porque a prova emprestada não pode produzir efeitos contra quem não figurou
como parte no processo originário, uma vez que naquele não lhe foi dada a oportunidade de
contrariar, por todos os meios admissíveis, a prova produzida.
Alguns autores sustentam, ainda, que para que a prova emprestada possa ser utilizada no
processo penal é indispensável que a prova tenha sido produzida perante o mesmo órgão julgador,
ou seja, é necessário que o contraditório tenha sido instituído perante o mesmo juiz, tanto no
24
DIREITO PROCESSUAL PENAL
PROFª. ROSANE CAMPIOTTO
25
DIREITO PROCESSUAL PENAL
PROFª. ROSANE CAMPIOTTO
PERGUNTAS:
26
DIREITO PROCESSUAL PENAL
PROFª. ROSANE CAMPIOTTO
27
DIREITO PROCESSUAL PENAL
PROFª. ROSANE CAMPIOTTO
44) É possível conflito de competência entre o Supremo Tribunal Federal e outro Tribunal? O
que ocorre no caso de algum juiz ou Tribunal inferior exercer a jurisdição do Supremo
Tribunal Federal?
45) Qual é o Tribunal competente para decidir o conflito de jurisdição entre um Juiz de Direito e
a Justiça Militar local?
46) A quem cabe decidir o conflito de atribuições entre um órgão jurisdicional e um órgão de
outro Poder?
47) Meras divergências entre o juiz e o membro do Ministério Público caracterizam conflito de
atribuições?
48) Cabe ao Poder Judiciário decidir conflito de atribuições entre órgãos de Poder que não o
Judiciário?
49) A quem cabe decidir conflito de atribuições entre membros do Ministério Público de um
mesmo Estado? E na hipótese de conflito de atribuições entre membros de Ministério
Público de Estados diversos ou entre membros do Ministério Público Federal e Estadual?
Explique.
50) O que se entende por prova? Qual é a sua finalidade?
51) O que é o objeto da prova?
52) Quais os fatos que independem de prova? Explique cada um deles.
53) Os fatos incontroversos precisam ser provados? Explique.
54) O Direito precisa ser provado? Explique.
55) O que é prova genética?
56) A decisão judicial que indefere pedido de prova feito pela parte comporta algum recurso?
Explique.
57) Como se classificam as provas quanto ao objeto? Explique cada uma delas.
58) Como se classificam as provas quanto aos seus efeitos? Explique cada uma delas.
59) Como se classificam as provas quanto ao sujeito? Explique cada uma delas.
60) O que é meio de prova?
61) Distinguir meio de prova inominado de meio de prova nominado.
62) No que consiste o princípio da liberdade probatória? Referido princípio é absoluto?
63) Cite algumas hipóteses legais de limitação ao princípio da liberdade probatória.
64) Distinguir prova ilícita de prova ilegítima. Cite exemplos de uma e de outra.
65) O que é a prova ilícita por derivação? Explique e exemplifique.
66) É admitida a prova ilícita por derivação?
67) No que consiste a teoria dos frutos da árvore envenenada?
68) Em que hipóteses, excepcionalmente, se admite a utilização da prova ilícita por derivação?
69) Quais são as consequências do reconhecimento da ilicitude probatória? De que forma é
possível arguir-se a ilicitude de uma prova produzida no processo?
70) O que é prova ilícita pro reo? É admitida pela doutrina brasileira?
71) É admitida, como prova, a gravação de conversa telefônica realizada por um dos
interlocutores?
72) A prova produzida a partir do consentimento do interessado, no que tange à violação de
direitos disponíveis assegurados constitucionalmente, pode ser utilizada no processo penal?
73) O que significa onus probandi?
74) A quem cabe o ônus da prova no processo penal? Explique.
75) A regra relativa ao ônus da prova é absoluta? Explique.
76) De que forma deve ocorrer a atividade supletiva do juiz no tocante à produção das provas?
77) Por que se diz que a determinação de diligências de ofício, pelo juiz, durante o inquérito
28
DIREITO PROCESSUAL PENAL
PROFª. ROSANE CAMPIOTTO
29