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O Perfil de Sete Líderes

O Perfil de Sete Líderes

Altair Germano

2ª edição

São Paulo / 2012


Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
CIP-Brasil. Catalogação na fonte

G553a Germano, Altair


O perfil de sete líderes / Altair Germano da Silva. — São
Paulo: Arte Editorial, 2ª ed., 2012.

72p.; 14 x 21cm.
ISBN 978-85-98172-89-7

1. Liderança. 2. Bíblia – Personagens. 3. Passagens Bíblicas.


4. Religião. I. Título
CDU 22.06
CDD 220.6

Copyright © 2012 por Altair Germano. Todos os direitos reservados


por Arte Editorial.

Coordenação editorial e projeto gráfico: Magno Paganelli


Revisão: Valquíria Della Pozza
1ª edição: março/2012
2ª edição: setembro/2012
Todas as citações bíblicas foram Publicado no Brasil por Ar te Editorial
extraídas da Almeida Revista e
Atualizada(ARA), salvo indicação em
contrário.

Rua Parapuã, 574 - Freguesia do Ó


02831-010 - São Paulo - SP
editora@arteeditorial.com.br
www.arteeditorial.com.br
Sumário

Dedicatória. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
Agradecimentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
Prefácio. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
1. Roboão, um líder insensível e insensato. . . . . . . . . 15
2. Naamã, um líder que sabia ouvir . . . . . . . . . . . . . . 21
3. Uzias, um líder sem limites . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
4. Habacuque, um líder visionário . . . . . . . . . . . . . . . . . 35
5. Daniel, um líder em constante crescimento . . . . . . . . 43
6. Neemias, um líder sensível. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .53
7. Jesus, um líder-servo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61
Apêndice. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67
Dedicatória

A todos que buscam pela excelência na liderança.


Agradecimentos

Aos meus líderes, pela aprendizagem recebida e pela


confiança depositada em forma de oportunidades, para que
eu pudesse servir ao Reino de Deus.
Prefácio

Uma avalanche de biografias tem inundado as prateleiras


de livrarias em todo o mundo. Biografias autorizadas, não
autorizadas, trabalhos feitos por acadêmicos, por historiadores,
textos sobre a vida de políticos, celebridades, enfim. Há muita
coisa boa sendo produzida atualmente, o que certamente
preservará a memória dos heróis e a memória do povo que foi
influenciado por ele.
Obras assim, quando honestas, retratam os bons feitos,
mas também carregam aspectos negativos. Ninguém está
imune a isso e o leitor atento, crítico, não perdoará um livro
biográfico que conte somente coisas boas e elogiosas que o
biografado tenha feito. Ainda mais numa época como a nossa,
quando “o que vende” é a notícia ruim, não a boa.
Olhar para o passado sempre traz recompensas como
aprendizado, orientação, modelos a serem seguidos,
inspiração e outros. A história é excelente professora. Feliz o
homem e a mulher sensíveis e inteligentes que sabem extrair
o melhor da vida e das realizações de gigantes do passado.
Os desafios enfrentados hoje diferem dos desafios do passado
apenas no modo como se apresentam, nos aspectos exteriores,
na etimologia, nas suas conjunturas. Mas as virtudes humanas
12 O PERFIL DE SETE LÍDERES

necessárias para vencê-los todos são exatamente as mesmas. O


homem está adaptado ao mundo do seu tempo, mas a sua
essência não foi mudada, desde que foi “plantado” neste planeta.
Ele tem as mesmas fraquezas e necessidades, as mesmas forças
e desejos desde sempre. Um palestrante famoso costuma dizer
que “nós somos o mesmo modelo desde....”.
Nisto reside a importância desta nova obra de Altair
Germano, O Perfil de Sete Líderes. Ela conduz o nosso olhar
para homens cujo modelo deu certo, colocando-os lado a lado
com modelos de fracassos que ainda hoje são adotados. O
autor volta-se ao passado, para a história bíblica, e busca
nas biografias de sete líderes destacados quais virtudes os
levaram mais longe do que a seus contemporâneos ou quais
vícios os impediram de avançar. São eles: Roboão, Naamã,
Uzias, Habacuque, Daniel, Neemias e Jesus.
O que alguns desses homens trouxeram ao mundo que
vale a pena observar? Quais caminhos devemos evitar? A
influência de uma obra como essa – que não tem a proposta
de ser uma biografia, mas um inventário de virtudes a serem
estudadas – é relacionar um conjunto variado de qualidades
(ou falta delas) em homens sujeitos aos mesmos dilemas que
vivemos hoje. Feito isso, propor o nosso investimento no
desenvolvimento das mesmas virtudes com vistas a excelência
em nosso meio, em nossas vidas.
Depois de ler este livro, seguramente você terá recursos e
orientação necessários para avançar ainda mais contra os
desafios e conquistas diárias que surgem. Trata-se de uma leitura
leve, sintática, própria de um mestre no ensino que há muito
vem contribuindo com a melhor formação de todo aquele que
procura aprimoramento nas páginas das Sagradas Escrituras.

Magno Paganelli é pastor e escritor


Introdução

A liderança, mesmo entendida como inata, como no caso


da liderança espiritual, implica na responsabilidade do líder
em buscar o contínuo aperfeiçoamento e qualificação
adequada. O desenvolvimento das competências em liderança
pode ser buscado em cursos formais ou informais, na leitura
de livros e periódicos especializados.
A Bíblia, embora não seja um livro de abordagem técnica
sobre liderança, oferece princípios que, se observados,
conduzirão alguns à liderança, ao mais alto nível de excelência
em sua missão, quer seja em empresas públicas ou privadas,
instituições governamentais, filantrópicas ou religiosas.
A proposta desta obra é analisar o perfil da liderança de
sete homens – Roboão, Naamã, Uzias, Habacuque, Daniel,
Neemias e Jesus – e aprender com as virtudes demonstradas
por eles, aprender com aquilo que fizeram ou deixaram de
fazer, enfim, absorver os princípios bíblicos propostos para
uma liderança bem-sucedida.
Embora distanciada cronológica, cultural e geograficamente
dos líderes da Bíblia, a liderança brasileira no atual contexto
14 O PERFIL DE SETE LÍDERES

poderá desfrutar de grandes lições, de um aprendizado que


parte de situações concretas, do cotidiano de erros e de acertos
de homens que perceberam ou entenderam serem
vocacionados e resolveram aceitar o desafio e a pressão, como
também a honra e o privilégio de liderar.
Ler, em toda ocasião, oferece a oportunidade de viajar no
tempo, de compartilhar olhares sob novos ângulos, de refletir
sobre temas diversos, de aprender e reaprender. Que a leitura
deste livro lhe proporcione uma excelente viagem, uma
profunda reflexão e um substancial aprendizado.
1. Roboão, um Líder
Insensível e Insensato

Foi Roboão a Siquém, porque todo o Israel se reuniu lá,


para o fazer rei. Tendo Jeroboão, filho de Nebate, ouvido
isso (pois estava ainda no Egito, para onde fugira da
presença do rei Salomão, onde habitava e donde o mandaram
chamar), veio com toda a congregação de Israel a Roboão,
e lhe falaram: Teu pai fez pesado o nosso jugo; agora, pois,
alivia tu a dura servidão de teu pai e o seu pesado jugo
que nos impôs, e nós te serviremos. (1Rs 12.1-4)

Roboão, filho de Salomão, assumiu o lugar de seu pai


quando tinha 41 anos (2Cr 12.13). Era um jovem rei. De início
o novo monarca precisou lidar com as reivindicações do povo,
que reclamava do pesado jugo a que fora submetido na
monarquia de seu pai. O referido jugo pode ser entendido
como trabalhos forçados (2Cr 10.18) ou uma alta carga de
impostos.
Diante do pedido do povo, a atitude do novo rei foi sensata,
inicialmente, digna de um governante prudente: Ele lhes
respondeu: “Ide-vos e, após três dias, voltai a mim”. E o povo
se foi (1Rs 12.5).
Ao assumir um cargo de liderança, em qualquer que seja o
nível, é comum que muitos líderes se preocupem em agradar
16 O PERFIL DE SETE LÍDERES

aos que estão à sua volta e em buscar meios que promovam a


sua aceitação imediata. O desejo de agradar e ser aceito leva
ao erro, e eles acabam atendendo a demandas da situação
sem analisar a questão com imparcialidade e isonomia.
Roboão não se sentiu pressionado, e pediu um prazo para
pensar a questão e decidir. A alteração na carga de trabalho ou
de impostos teria que ser avaliada, e as consequências
administrativas, econômicas e sociais precisariam ser analisadas.
Os efeitos de uma decisão do líder precisam ser pensados a curto,
médio e longo prazo. O passo seguinte de Roboão dentro do
prazo solicitado foi consultar os homens maduros que fizeram
parte do grupo de conselheiros de seu pai.

Tomou o rei Roboão conselho com os homens idosos que


estiveram na presença de Salomão, seu pai, quando este
ainda vivia, dizendo: “Como aconselhais que se responda
a este povo?”. (1Rs 12.6)

Um jovem e sábio líder sempre terá ao seu lado idosos


experientes que poderão auxiliá-lo das mais diversas
maneiras, principalmente na condição de conselheiros. Fico
impressionado e apreensivo com líderes jovens que não
conseguem enxergar o valor dos idosos.
Conheço o caso de um companheiro que, ao assumir uma
congregação, percebeu que havia vários diáconos e
presbíteros idosos. Expressando certo ar de preocupação,
perguntou ao pastor presidente: “Eu não sei o que vou fazer
com tantos velhos”. Igual a este jovem líder e obreiro há
muitos precisando entender e descobrir o valor do “velhos”
na composição de um grupo unido, coeso e dinâmico.
Roboão parecia estar na direção certa. Diante de seu pedido,
os conselheiros idosos responderam:
ROBOÃO, UM LÍDER INSENSÍVEL E INSENSATO 17

Eles lhe disseram: “Se, hoje, te tornares servo deste povo, e


o servires, e, atendendo, falares boas palavras, eles se farão
teus servos para sempre”. (1Rs 12.7)

A resposta dos anciãos precisa ser mais bem compreendida.


Em primeiro lugar, encontramos nesse texto o princípio da
liderança servidora, que mais tarde seria ampliado nos
ensinos e na vida de Jesus. O rei não deveria ter uma postura
dominadora, mas servidora. Deveria ser alguém que estivesse
disposto a pôr os interesses do povo antes dos próprios
interesses.
Há, nos dias atuais, uma geração de líderes e obreiros que
só pensam em seu bem-estar e no de sua família, não se
importando com o povo. Não é difícil percebê-los. Quando
alguém ousa questioná-los, logo se escondem, se defendem e
se protegem por trás do manto do “ungido”. Tenho a certeza
de que Deus tratará com os tais líderes que assim procedem.
A rica sabedoria dos conselheiros idosos deixa claro que o
serviço voluntário por parte daqueles que estão à nossa volta
é algo que se conquista com naturalidade e destreza. A
verdadeira liderança não se sustenta no cargo ou no título
do líder, mas em sua disposição de servir e amar o povo, de
pensar nas pessoas antes de pensar nas coisas; de enxergar
e tratar gente do povo como gente deve ser tratada.
Em segundo lugar, o conselho de falar boas palavras não
implica que o líder sempre deva atender o povo e agradar-lhe
naquilo que quer. As boas palavras, nesta passagem, implicam
uma questão de justiça. Nem sempre aquilo que o povo pensa
ser o melhor para si na realidade o é.
A percepção e a visão do povo nem sempre são sistêmicas,
ou seja, nem sempre contemplam e consideram todas as partes
e as consequências envolvidas na decisão ou escolha a ser
18 O PERFIL DE SETE LÍDERES

tomada. Geralmente, quando um grupo procura um líder para


fazer uma solicitação, na maioria dos casos o grupo visa
apenas ao melhor para o próprio grupo. Um líder, antes de
atender ao pedido de determinado grupo, precisa analisar as
consequências e implicações para os demais grupos e para o
trabalho como um todo.
Na ânsia de agradar a grupos específicos, muitos líderes
comprometeram a saúde administrativa e até espiritual da
obra. Quando um líder e obreiro não consegue dizer “não”,
justificando adequadamente sua decisão, logo promoverá
confusão e perderá o controle de sua gestão. Há casos em
que o medo de responder negativamente ao povo está
associado ao medo de perder liderados, membros ou
congregados.
Para fecharmos esse ponto, há que se fazer duas
considerações: o pedido do povo é justo? A solução promoverá
um bem maior para todos?

Porém ele desprezou o conselho que os anciãos lhe tinham


dado e tomou conselho com os jovens que haviam crescido
com ele e o serviam. E disse-lhes: “Que aconselhais vós
que respondamos a este povo que me falou, dizendo”: ‘Alivia
o jugo que teu pai nos impôs’? (1Rs 12.8-9)

É a partir desse ponto que a insensibilidade e a insensatez


de Roboão se manifestam. Ele simplesmente desprezou o sábio
conselho dos idosos e se voltou para a orientação dos
conselheiros jovens.
Voltemos a fazer aqui algumas observações. Primeiro, o
fato de um líder ser jovem, como no caso de Roboão, não
significa que todos os líderes jovens são insensíveis e
insensatos. Conheço lideranças jovens e sábias, que não
abrem mão de bons conselhos.
ROBOÃO, UM LÍDER INSENSÍVEL E INSENSATO 19

Segundo, nem todo conselho que vem de idosos é um bom


para o momento e para a circunstância. Idosos também podem
falhar em suas análises dos fatos. É preciso que o líder sempre
pondere sobre o que escuta, para depois buscar a ação
necessária.
Terceiro, percebemos no texto que Roboão tinha
conselheiros idosos e jovens. Esse equilíbrio é muito bom.
Todo líder deveria ter ao seu lado conselheiros e assessores
com mais idade, formação e outras características diversificadas.
Dessa forma, poderá ter opiniões que contemplem um mesmo
problema e alternativas de soluções por vários ângulos e
visões distintas. Assim, como nem todo conselho de um idoso
é bom, nem todo conselho de um jovem é ruim. Idosos e jovens
se completam e, quando há o respeito e a consideração entre
ambos, grandes ideias e ações brotam. No caso dos jovens
procurados por Roboão, a insensibilidade e a insensatez
prevaleceram.

E os jovens que haviam crescido com ele lhe disseram:


Assim falarás a este povo que disse: “Teu pai fez pesado o
nosso jugo, mas tu alivia-o de sobre nós; assim lhe falarás:
Meu dedo mínimo é mais grosso do que os lombos de meu
pai. Assim que, se meu pai vos impôs jugo pesado, eu
ainda vo-lo aumentarei; meu pai vos castigou com açoites,
porém eu vos castigarei com escorpiões”. (1Rs 12.10-11)

O justo pedido do povo não foi atendido; pior, a decisão do


rei Roboão implicaria em mais injustiça, opressão e exploração:

Veio, pois, Jeroboão e todo o povo, ao terceiro dia, a


Roboão, como o rei lhes ordenara, dizendo: Voltai a mim
ao terceiro dia. Dura resposta deu o rei ao povo, porque
desprezara o conselho que os anciãos lhe haviam dado; e
20 O PERFIL DE SETE LÍDERES

lhe falou segundo o conselho dos jovens, dizendo: “Meu


pai fez pesado o vosso jugo, porém eu ainda o agravarei;
meu pai vos castigou com açoites; eu, porém, vos castigarei
com escorpiões”. (1Rs 12.12-14)

Diante dos fatos, o pior aconteceu. Uma indignação geral


desencadeou um processo que culminou na divisão do reino:

Vendo, pois, todo o Israel que o rei não lhe dava ouvidos,
reagiu, dizendo: “Que parte temos nós com Davi? Não há
para nós herança no filho de Jessé! Às vossas tendas, ó
Israel! Cuida, agora, da tua casa, ó Davi! Então, Israel se
foi às suas tendas”. (1Rs 12.15-16)

Quando analisamos todo o acontecimento, dois textos nos


chamam atenção:

O rei, pois, não deu ouvidos ao povo; porque este


acontecimento vinha do Senhor, para confirmar a palavra
que o Senhor tinha dito por intermédio de Aías, o silonita,
a Jeroboão, filho de Nebate. (1Rs 12.15)

Assim diz o Senhor: “Não subireis, nem pelejareis contra


vossos irmãos, os filhos de Israel; cada um volte para a sua
casa, porque eu é que fiz isto”. E, obedecendo eles à palavra
do Senhor, voltaram como este lhes ordenara. (1Rs 12.24)

Longe de promover rebeldia e divisão, extraímos desses


versículos citados, que afirmam que este acontecimento vinha
do Senhor e que Ele é que fez isto, a lição de que Deus trata
com lideranças e líderes insensíveis e insensatos de diferentes
formas e maneiras. Fica o alerta para a atual geração de líderes!
2. Naamã, um Líder que
Sabia Ouvir

Sempre que o nome de Naamã é citado, a associação que


se faz é com a maneira sobrenatural com que foi curado de
uma doença na pele, geralmente atribuída como lepra. Mas a
vida do Comandante do Exército do rei da Síria tem mais do
que isso a ensinar aos líderes de hoje.
As qualidades da liderança de Naamã são logo percebidas
pelo conceito que gozava da parte de seu rei:

Naamã, comandante do exército do rei da Síria, era grande


homem diante do seu senhor e de muito conceito, porque
por ele o Senhor dera vitória à Síria; era ele herói da guerra,
porém leproso. (2Rs 5.1)

Um grande homem, de alta patente e herói de guerra. Um


guerreiro valente, íntegro, hábil, inteligente e estrategista,
qualificações essas que, sem dúvida, cooperaram para o alto
conceito e respeito que Naamã conquistou e desfrutou.
Contudo, entre tantas qualidades que esse líder mantinha, a
que vamos explorar aqui é a sua capacidade de ouvir.
Observemos de que forma essa virtude se manifestou na vida
de Naamã.
22 O PERFIL DE SETE LÍDERES

Naamã sabia ouvir a sua esposa

Saíram tropas da Síria, e da terra de Israel levaram cativa


uma menina, que ficou ao serviço da mulher de Naamã.
Disse ela à sua senhora: “Tomara o meu senhor estivesse
diante do profeta que está em Samaria; ele o restauraria
da sua lepra”. (2Rs 5.2-3)

A esposa de Naamã ouviu da menina que lhe servia sobre


a possibilidade de cura para o seu esposo. Amando o seu
marido e desejosa de vê-lo curado de sua lepra, embora não
explícito no texto, entende-se pela sequência dos fatos que
essa dedicada esposa tenha comunicado ao seu marido o que
ouviu da garota. Antes de avançarmos na história, cabem
algumas observações e lições a serem aprendidas.

– Líderes precisam dedicar tempo para ouvir a opinião da


esposa em assuntos relacionados à sua liderança. Muitos
líderes de hoje não param mais para ouvir a sua esposa. As
mulheres possuem uma série de qualidades e um modo
diferente e minucioso de perceber as coisas ao seu redor, e
isto em muito pode ajudar aos maridos e líderes.
As esposas podem cooperar com suas opiniões em questões
relacionadas à liderança do marido na igreja. Não há nada de
errado, diante das diversas situações que implicam numa
decisão do líder, estes buscarem o conselho, a opinião e a
orientação da sua esposa. Tal orientação ou conselho deve
ser analisado, ponderado, apresentado em oração e, sendo
entendido como a melhor solução ou sugestão, deve ser
aplicado.
É preciso dizer que em algumas situações a busca pela
orientação e conselho da esposa acaba tomando a direção
N AAMÃ , UM LÍDER QUE SABIA OUVIR 23

errada. Há lideres que se tornaram plenamente dependentes


da opinião da esposa, ao ponto de deixarem de ter opinião
própria e apoiarem-se na percepção de suas esposas.
Deixaram de liderar ou pastorear para serem liderados ou
pastoreados pela esposa. Geralmente quando isso acontece,
a igreja ou os liderados logo percebem. As consequências para
a reputação e a autoridade desse líder são trágicas.
Um pastor que conheço contou-me a história que
presenciou. Certo obreiro foi chamado ao gabinete do seu
pastor para prestar contas de como estava o trabalho em seu
setor eclesiástico. Esse obreiro era do rol daqueles que
“terceirizaram” para a esposa as decisões sobre o trabalho,
além do próprio trabalho. Ele então levou-a consigo para
conversar com o seu pastor presidente. No gabinete, quando
o pastor presidente dirigiu a palavra ao pastor setorial
perguntando sobre o trabalho, de imediato o pastor pediu
que a esposa relatasse os fatos. O pastor presidente retrucou:
“Quem é o pastor lá? Você ou a sua esposa?”. Envergonhado
e tentando sem sucesso justificar a sua postura, o pastor
setorial teve que ser corrigido e orientado na maneira de se
conduzir como líder diante da igreja.

– Líderes precisam dedicar tempo para ouvir a opinião da


esposa em assuntos relacionados à vida no lar. Mesmo na
condição de mantenedor do lar, um líder sensato sempre
buscará ouvir a sua esposa nas questões domésticas. Na hora
de fazer um grande investimento, na hora de comprar ou
trocar um terreno, uma casa, um apartamento ou um carro, o
líder deve buscar a opinião da sua mulher. Em se tratando da
compra de móveis ou eletrodomésticos, ninguém está mais
habilitado em saber das reais necessidades do lar do que a
esposa, que é quem geralmente lida com o cotidiano das tarefas
24 O PERFIL DE SETE LÍDERES

domésticas. Em boa parte dos casos de aquisições malfeitas,


o desejo do marido é fazer uma surpresa. Acontece que a
surpresa pode acabar sendo desagradável aos olhos da esposa.

– Líderes precisam dedicar tempo para ouvir a opinião da


esposa em assuntos relacionados à vida pessoal. Os líderes
estão cada vez mais envolvidos com o trabalho, o que leva à
falta de tempo para pensar e cuidar de si mesmos. Uma esposa
zelosa, ao observar que o marido está “esticando demais a
corda”, buscará a oportunidade para aconselhá-lo no sentido
de que ele tenha cuidado com o excesso de trabalho.
Outra área pessoal em que os líderes pecam por não ouvir
os conselhos da esposa é a financeira. Há muitos maridos
endividados, pendurados, “quebrados” e em grande
dificuldade por não ouvirem a sua esposa. Há esposas que
não sabem quanto o seu marido ganha, ou pior, não sabem
quanto devem na praça. Além disso, assim como a esposa de
Naamã, uma esposa amorosa e cuidadosa se preocupará
também com a saúde do marido.
No caso de Naamã, temos alguém enfermo que precisa de
tratamento urgente. Percebendo a possibilidade da cura de
seu esposo, e sabendo que tinha um marido que lhe dava
ouvidos, ela não perdeu tempo. Na condição de bom ouvinte,
Naamã rapidamente providenciou os meios necessários para
possibilitar o seu tratamento. Diferentemente de Naamã, há
líderes que, além de não terem tempo para ouvir a esposa em
assuntos relacionados à sua vida pessoal, quando a escutam
não agem imediatamente, protelando o tratamento urgente e
necessário.
N AAMÃ , UM LÍDER QUE SABIA OUVIR 25

Naamã sabia ouvir o seu rei

Então, foi Naamã e disse ao seu senhor: “Assim e assim


falou a jovem que é da terra de Israel. Respondeu o rei da
Síria: Vai, anda, e enviarei uma carta ao rei de Israel”. Ele
partiu e levou consigo dez talentos de prata, seis mil siclos
de ouro e dez vestes festivais. (2Rs 5.4-5)

Naamã não abusava do grande conceito que tinha diante


de seu rei. Aliás, um grande conceito em relação a quem está
investido de autoridade sobre nós não se conquista apenas
com uma notória habilidade ou qualificação na realização de
tarefas. Conquistar e preservar a confiança contribui para
melhorar o nosso conceito diante daqueles a quem temos de
prestar contas. Em vez de partir imediatamente para Israel
em busca de sua cura, Naamã foi relatar o fato ao seu senhor;
foi ouvi-lo.
Tenho observado muitos líderes achando que não precisam
mais prestar contas a ninguém. Pensam que cresceram
demais. Conheço casos de pastores auxiliares e outros obreiros
que se ausentam de suas cidades ou estados sem que o seu
pastor presidente ou líder imediato tome conhecimento. Vão
passear, atender a agendas, fazer visitas, cuidar de um
problema de saúde, e não se preocupam ou se interessam em
comunicar o fato e a ausência. Nesse grupo se enquadram
alguns pregadores (ou conferencistas), que no anseio de
ganhar projeção local, regional, nacional ou internacional não
consideram as necessidades e responsabilidades do trabalho
local, firmando agendas e compromissos sem a devida
aprovação ou conhecimento do seu pastor. Se você sente uma
chamada para um ministério itinerante, compartilhe isso com
o seu pastor e, acima de tudo, ouça-o com atenção, atendendo
ao seu conselho.
26 O PERFIL DE SETE LÍDERES

Outra área em que os líderes devem buscar orientação é


no cotidiano do trabalho. Desejosos em “mostrar serviço”,
alguns líderes tomam decisões em questões delicadas sem
consultar os seus líderes imediatos. Quando compartilhamos
as decisões com os mais experientes e experimentados, temos
com isso a possibilidade de errarmos menos.
Naamã foi ouvir o seu líder. Soube honrar e foi honrado.
Saiu com uma carta de recomendação nas mãos e partiu para
o seu destino. A submissão nos torna recomendáveis.

Naamã sabia ouvir os seus oficiais

Naamã, porém, muito se indignou e se foi, dizendo:


“Pensava eu que ele sairia a ter comigo, pôr-se-ia de pé,
invocaria o nome do Senhor, seu Deus, moveria a mão sobre
o lugar da lepra e restauraria o leproso. Não são,
porventura, Abana e Farfar, rios de Damasco, melhores do
que todas as águas de Israel? Não poderia eu lavar-me
neles e ficar limpo?”. E voltou-se e se foi com indignação.
Então, se chegaram a ele os seus oficiais e lhe disseram:
“Meu pai, se te houvesse dito o profeta alguma coisa difícil,
acaso, não a farias? Quanto mais, já que apenas te disse:
Lava-te e ficarás limpo”. Então, desceu e mergulhou no
Jordão sete vezes, consoante a palavra do homem de Deus;
e a sua carne se tornou como a carne de uma criança, e
ficou limpo. (2Rs 5.11-14)

As coisas não saíram exatamente como planejadas por


Naamã. Esperando talvez um tratamento mais “adequado”,
indignou-se ao ponto de ameaçar abrir mão da cura de sua
doença. Foi nesse momento que os seus oficiais (ou
assessores) interferiram com um conselho sábio.
Há pelo menos dois tipos de auxiliares ou assessores: os
cooperadores e os bajuladores. Os cooperadores são aqueles
N AAMÃ , UM LÍDER QUE SABIA OUVIR 27

cujas atividades e conselhos agregam valor e ajudam o seu


líder a avançar. Com muita sabedoria e respeito, sempre que
observam o líder agindo de maneira equivocada procuram
convencê-lo a mudar o curso da ação, mesmo correndo o risco
de não ser bem compreendidos. Já os bajuladores concordam
com todas as palavras e ações de seus líderes. Nunca emitem
opinião contrária com receio de perderem prestígio ou posição.
Não agregam nenhum valor.
Aqui, Naamã nos deixa dois grandes exemplos. O primeiro é
que devemos nos cercar sempre de bons auxiliares e assessores.
Há líderes que fazem questão de ter ao seu lado apenas os
bajuladores. Dessa forma, ninguém lhes contesta, nem se sentem
ameaçados por ninguém. São líderes fracos e inseguros. A
qualidade e o perfil de um líder podem ser percebidos pela
qualidade e pelo perfil de seus auxiliares e assessores.
O segundo exemplo que Naamã nos deixa é com respeito a
humildade em ouvir os seus oficiais auxiliares (ou assessores).
Há líderes que não escutam os bons conselhos de seus
auxiliares e assessores. Não basta se cercar de gente que pode
agregar valor. É preciso saber ouvi-los. Há líderes que fingem
ouvir. Convocam reuniões para ouvir os seus oficiais
auxiliares, mas já têm posição firmada e irredutível sobre as
questões que serão discutidas. Fazem de conta que são bons
ouvintes, mas não têm interesse em discutir questões sob
ópticas divergentes. Fingem estar abertos a opiniões, quando
na verdade estão fechados em suas próprias obstinações.
Demonstram um estilo de liderança participativa, mas na
realidade são ditadores camuflados.
O habilidoso líder e bom ouvinte alcançou os seus objetivos.
Naamã foi curado (2Rs 5.14).
28 O PERFIL DE SETE LÍDERES

Quais são os seus atuais objetivos ou desafios? Quais são


os planos para alcançá-los ou superá-los? Você já procurou
ouvir as pessoas que lhe cercam sobre o assunto?
Saber ouvir é uma grande qualidade e necessidade na vida
de um líder. Saber ouvir é condição indispensável para o
sucesso na liderança.
3. Uzias, um Líder
sem Limites

Mas, havendo-se já fortificado, exaltou-se o seu coração


para a sua própria ruína, e cometeu transgressões contra
o Senhor, seu Deus, porque entrou no templo do Senhor
para queimar incenso no altar do incenso. (2Cr 26.16)

Uzias foi constituído rei, pelo povo de Judá, aos 16 anos


de idade. Ele foi sucessor de seu pai, Amazias, assassinado
em Laquis.
Iniciou o seu governo com ações que promoveram a
edificação e a restituição de Elate a Judá, cidade edificada às
margens do mar Vermelho, próxima a Edon. Ele começou bem,
agindo corretamente e temendo ao Senhor. Preferiu buscar a
Deus e, como consequência natural dessa busca, Deus o fez
prosperar (2Cr 26.4-5). Tal prosperidade envolveu:

– Sucesso militar. Diz a Bíblia que Uzias:

Saiu e guerreou contra os filisteus e quebrou o muro de


Gate, o de Jabné e o de Asdode; e edificou cidades no território
de Asdode e entre os filisteus. Deus o ajudou contra os
filisteus, e contra os arábios que habitavam em Gur-Baal,
e contra os meunitas (2Cr 26.6-7).
30 O PERFIL DE SETE LÍDERES

O texto bíblico diz claramente que as conquistas de Uzias


foram resultados da cooperação e da ajuda do Senhor. É
maravilhoso saber que podemos contar com a ajuda de Deus
em nossas realizações e conquistas. É necessário, também,
entender que sem Ele nada podemos fazer. (Jo 15.5)

– Projeção internacional. Deus, quando assim determina,


pode fazer com que o nosso nome ou ministério seja reconhecido
nos lugares mais distantes. Os amonitas presentearam Uzias
“cujo renome se espalhara até a entrada do Egito, porque se
tinha tornado em extremo forte”. (2Cr 26.8)
Há hoje muitos homens e mulheres que buscam,
desesperadamente, a fama e a projeção no Reino de Deus,
mas se esquecem de que o verdadeiro sucesso, crescimento e
reconhecimento ministerial são concedidos pelo Senhor, e não
somente por nossos esforços. Não dependem de marketing
pessoal, mecanismos midiáticos, estratégias de publicidade
ou outras práticas semelhantes. O verdadeiro e duradouro
reconhecimento de um trabalho frutífero vem de Deus e é para
a glória dele.

– Fortalecimento do sistema de segurança interno. Uzias,


de maneira inteligente, não se preocupou apenas em expandir
o seu reino. Prudentemente tratou de investir na segurança
interna:

Também Uzias edificou torres em Jerusalém, à Porta da


Esquina, à Porta do Vale e aos ângulos e as fortificou.
Também edificou torres no deserto e cavou muitos poços,
porque tinha muito gado, tanto nos vales como nas
campinas, lavradores e vinhateiros, nos montes e nos
campos férteis, porque era amigo da agricultura. (2Cr 26.
9-10)
U ZIAS , UM LÍDER SEM LIMITES 31

Essas medidas tomadas por Uzias nos ensinam que, ao


mesmo tempo em que devemos buscar a expansão do
Evangelho, da Igreja e do nosso ministério, precisamos
também nos preocupar com o sistema de defesa daquilo que
está sob nosso cuidado. O Diabo, o secularismo, as falsas
doutrinas, os modismos teológicos, as liturgias espetaculares,
as inovações diversas – muitas delas descabidas – têm
fragilizado e minado as forças de obreiros, de igrejas e de
ministérios. É preciso pensar sobre isso e investir em
crescimento, sem contudo negligenciar o sistema de defesa
contra os inimigos do Evangelho.

– Poderio militar. Os avanços e conquistas militares de


Uzias se deram em razão de um grande exército de homens
valentes, fiéis e corajosos:

Tinha também Uzias um exército de homens destros nas


armas, que saíam à guerra, em tropas, segundo o número
da lista feita por mão de Jeiel, chanceler, e Maaséias, oficial,
debaixo das mãos de Hananias, um dos príncipes do rei.
Todo o número dos chefes dos pais, varões valentes, era de
dois mil e seiscentos. E, debaixo das suas ordens, havia
um exército guerreiro de trezentos e sete mil e quinhentos
homens, que faziam a guerra com força belicosa, para
ajudar o rei contra os inimigos. E preparou-lhes Uzias,
para todo o exército, escudos, e lanças, e capacetes, e
couraças, e arcos, e até fundas para atirar pedras. (2Cr
26.11-14)

Nossas conquistas não são méritos de um homem só.


Aonde quer que cheguemos, isso se dará porque alguém nos
ajudou, esteve ao nosso lado, nos apoiou. Isto vale tanto para
conquistas ministeriais e pessoais como na vida das
comunidades cristãs. Chama-me atenção o final do versículo
32 O PERFIL DE SETE LÍDERES

13, que afirma: “...que faziam guerra com grande poder, para
ajudar o rei contra os inimigos”. Quando alguém alcança
grande projeção, quando o ministério floresce e se fortalece,
não podemos nos esquecer daqueles que ajudaram durante a
sua edificação. Os méritos não são de um e, por esse motivo,
sempre que os conquistamos devemos compartilhá-los com
aqueles que merecem os créditos.

– Desenvolvimento Tecnológico. Há setores da nossa vida


cuja continuidade de um processo de crescimento depende
muito da percepção e do investimento e de constante
atualização tecnológica. As mudanças rápidas e radicais da
atualidade exigem de nós disposição para uma constante
formação pessoal e aplicação dos recursos tecnológicos
disponíveis em ministérios e igrejas.
Uzias foi um rei do qual diríamos ser “antenado” com as
transformações, pesquisas e descobertas tecnológicas em sua
época. Ele preparou e manteve o seu exército munido de
equipamentos de última geração, necessários nos grandes
embates (Ef 6.10-13).

Fabricou em Jerusalém máquinas, de invenção de homens


peritos, destinadas para as torres e cantos das muralhas,
para atirarem flechas e grandes pedras... (2 Cr 26.15)

Quando sabiamente utilizadas, as novas tecnologias são


bastante úteis.

– Mais notoriedade e ajuda. A última parte do versículo 15


nos remete ao ponto alto do sucesso, da prosperidade e do
crescimento de Uzias. Diz a Bíblia: “...divulgou-se a sua fama
U ZIAS , UM LÍDER SEM LIMITES 33

até muito longe, porque foi maravilhosamente ajudado, até que


se tornou forte”. Há belíssima verdade que amplia o que já
declaramos no tópico 4 sobre o ser ajudado. Quanto mais longe
chegamos, é porque mais ajuda e apoio recebemos. Quanto
maior o sucesso, mais gente será envolvida com o mesmo.
A ideia de sermos “o cara” e nos tornarmos a última palavra
em qualquer assunto é falsa, mundana e diabólica. Uzias
chegou ao topo, e aí reside o máximo perigo. O que acontecerá
quando o nosso ministério chegar ao topo? Qual será a nossa
atitude? Que sentimentos serão alimentados em nosso coração?
Quais desejos fluirão? Quais serão concretizados? Estamos
preparados para conviver com a fama?

Mas, havendo-se já fortificado, exaltou-se o seu coração


para a própria ruína, e cometeu transgressões contra o
Senhor, seu Deus, porque entrou no templo do Senhor para
queimar incenso no altar do incenso. (2Cr 26.16)

Sabe qual foi o erro fatal de Uzias? Ele não reconheceu


nem percebeu os seus limites e competências. Como rei
poderoso e famoso que se tornou, pensou possuir o direito
de fazer o que era prerrogativa de outros líderes, os sacerdotes:

Porém o sacerdote Azarias entrou após ele, e, com ele,


oitenta sacerdotes do Senhor, varões valentes. E resistiram
ao rei Uzias e lhe disseram: “A ti, Uzias, não compete
queimar incenso perante o Senhor, mas aos sacerdotes,
filhos de Arão, que são consagrados para queimar incenso;
sai do santuário, porque transgrediste; e não será isso para
honra tua da parte do Senhor Deus”. (2Cr 26.17-18)

Quando somos movidos pela vaidade, pelo orgulho, pela


arrogância e deixamos de nos contentar com aquilo que Deus
34 O PERFIL DE SETE LÍDERES

reservou para nós, tornamo-nos obstinados e gananciosos,


desejosos daquilo que não nos compete.
Deixamos de dar ouvidos aos conselhos sábios e prudentes:
Nem será isto para honra tua da parte do Senhor Deus.
Indignamo-nos quando somos repreendidos e alertados.
O fim do grande rei Uzias foi trágico:

Então, Uzias se indignou e tinha o incensário na sua mão


para queimar incenso; indignando-se ele, pois, contra os
sacerdotes, a lepra lhe saiu à testa perante os sacerdotes,
na Casa do Senhor, junto ao altar do incenso. (2Cr 26.19-
20)

Ferido pelo Senhor de lepra por causa de sua insensatez e


loucura, terminou os seus dias sozinho, isolado e esquecido,
enquanto outro ocupava o seu lugar:

Assim ficou leproso o rei Uzias até ao dia da sua morte; e


morou, por ser leproso, numa casa separada, porque foi
excluído da Casa do Senhor; e Jotão, seu filho, tinha a seu
cargo a casa do rei, julgando o povo da terra. (2Cr 26.21)

Semelhantemente, este é o fim de todo aquele que não


reconhece seus limites, que são traídos por sua vaidade,
dominados pela sua insaciável sede de ser, querer e poder mais.
A trajetória de ascensão e queda de Uzias infelizmente é
reproduzida hoje em dia na vida de muitos cristãos, de líderes,
de ministérios e de igrejas.
Que o Senhor nos ajude, e que possamos aprender com os
erros do passado, e também do presente.
4. Habacuque, um Líder
Visionário

A palavra-chave da mensagem de Habacuque é visão. O


termo deriva-se do hebraico hizzayon, que significa sonho,
visão ou revelação. Trata-se de visões concedidas por Deus,
que nos permitem ter uma compreensão plena e percepção
clara e real da condição e da realidade presente e futura, visível
e invisível, horizontal e vertical.
Observemos, dessa forma, com base nas visões de
Habacuque, as condições ou os caminhos para um genuíno
avivamento.

Ter uma visão da nossa própria condição e realidade


presente enquanto povo de Deus

O peso que viu o profeta Habacuque. Até quando, Senhor,


clamarei eu, e tu não me escutarás? Gritarei: Violência! E
não salvarás? Por que razão me fazes ver a iniquidade e ver
a vexação? Porque a destruição e a violência estão diante de
mim; há também quem suscite a contenda e o litígio. Por
esta causa, a lei se afrouxa, e a sentença nunca sai; porque
o ímpio cerca o justo, e sai o juízo pervertido. (Hc 1.1-4)

Habacuque nos revela a condição moral e espiritual na qual


se encontrava o povo de Deus, marcada pelas seguintes práticas:
36 O PERFIL DE SETE LÍDERES

– Violência. A violência não se manifesta única e


necessariamente na forma de agressão física ou verbal. A
violência se revela na opressão e na exploração ao próximo,
na falta de respeito e reconhecimento da dignidade do outro.
A violência nem sempre é histérica e alarmante. Há muita
violência acontecendo de forma silenciosa e discreta. O termo
hebraico para violência é hamas, que implica em injustiça,
ganho injusto, crueldade, dano, falso, agravo, afronta. A
sequência do texto de Habacuque é mais específica quanto ao
tipo de violência então praticada.

– Iniquidade. Com este termo a ênfase recai no vazio (hb.


‘awen), na futilidade da vida, em palavras ditas e em ações
praticadas que não levam a nada, que não produzem nada e
que não servem para nada. Palavras e ações vazias de sentido
e propósito são claras manifestações de vidas vazias de
sentido e de propósito. Em sua visão, Habacuque contemplou
dolorosamente um povo vazio porque estava vazio de Deus.

– Contenda e litígio. Quando a violência e o vazio de Deus


(que consequentemente torna a vida sem sentido e propósito)
estão presentes, a contenda torna-se algo rotineiro. Pessoas
violentas e vazias são especialistas em provocar litígios, brigas,
facções, discórdias, discussões e disputas (hb. ribh). Quando
estamos vazios de Deus, brigamos e entramos em disputa por
direito de posse de coisas que não nos pertencem, e de posições,
títulos e cargos para os quais não fomos destinados,
preparados, nem chamados por Deus para tê-los ou ocupá-los.

– Injustiça caracterizada pela parcialidade nos julgamentos


e pela per versão das sentenças. Habacuque viu o
H ABACUQUE , UM LÍDER VISIONÁRIO 37

enfraquecimento e a frouxidão (hb. pugh) da justiça e do


direito, a interpretação perniciosa da lei (hb. torah), e sentença
(hb. mispat) adiada ou pervertida. Nessas condições, só os
grandes, os poderosos, os ricos e influentes se beneficiam do
sistema judiciário. Para o pobre e oprimido resta aguardar a
justiça divina, que por sinal, nunca falha.
A violência ao próximo é sempre um ato de violência contra
nós mesmos. Quando agimos violentamente contra o outro,
violentamos a nossa própria consciência, determinando assim
a nossa autodestruição integral. Praticamos violência com nós
mesmos, quando conscientes ou entorpecidos por nossa
insensatez e loucura, nos privamos da presença, da direção e
da bênção de Deus.

Ter uma visão futura de cura, restauração, renovação e


ressurreição resultante da intervenção de Deus na
história

Vede entre as nações, e olhai, e maravilhai-vos, e admirai-


vos; porque realizo, em vossos dias, uma obra, que vós
não crereis, quando vos for contada. (Hc 1.5)

O Senhor afirma que fará algo grande. Acontece que o


processo de cura, restauração, renovação e ressurreição é por
vezes doloroso. A disciplina que vem de Deus, apesar de
suscitar dor por um momento, está fundamentada em seu
amor. Deus nos ama, por isso nos corrige (Hb 12.5-11). As
obras ou ações de Deus nos maravilham porque nos
surpreendem. Os seus caminhos nem sempre são aqueles que
imaginamos. Deus nem sempre segue a lógica humana.
Além da declaração daquilo que realizará, o Senhor deixa
especificado o tempo para a realização. Aquilo que o Senhor
38 O PERFIL DE SETE LÍDERES

disse que faria seria, ainda, para os dias dos contemporâneos


de Habacuque. Eles, no entanto, sofreriam a disciplina e a
correção pedagógica, necessárias para o arrependimento, o
quebrantamento e a obediência:

Então, o Senhor me respondeu e disse: “Escreve a visão e


torna-a bem legível sobre tábuas, para que a possa ler o
que passa correndo. Porque a visão é ainda para o tempo
determinado, e até ao fim falará, e não mentirá; se tardar,
espera-o, porque certamente virá, não tardará”. (Hc 2.2-3)

Os caminhos de Deus podem, ocasionalmente, promover


dúvidas e certa confusão mental. Ficamos sem entender, sem
compreender, sem dominar amplamente a situação. É nesse
momento que precisamos descansar e confiar que [...] o justo,
pela sua fé, viverá (Hc 2.4b). O justo não questiona o Senhor.
Apenas crê, espera, confia.
Na experiência visionária, não apenas os meios no
processo de avivamento são conhecidos, mas os resultados
são também revelados: Porque a terra se encherá do
conhecimento da glória do Senhor, como as águas cobrem o
mar (Hc 2.14).
Uma inundação do conhecimento (hb. yadha’) da glória
(hb. kabhodh) do Senhor sobre a terra é prevista. Não apenas
um novo saber sobre Deus ou uma nova forma de
contemplação, mas um novo e amplo relacionamento com Ele
será possível, e isso resultará em seu louvor: Deus veio de
Temã, e o Santo, do monte de Parã. A sua glória cobriu os
céus, e a terra encheu-se do seu louvor (Hc 3.3).
Quando somos contemplados com visões e quando ouvimos
coisas semelhantes àquelas ouvidas por Habacuque, algumas
reações e atitudes são esperadas:
H ABACUQUE , UM LÍDER VISIONÁRIO 39

Oração do profeta Habacuque sob a forma de canto.”Ouvi,


Senhor, a tua palavra e temi; aviva, ó Senhor, a tua obra
no meio dos anos, no meio dos anos a notifica; na ira
lembra-te da misericórdia”. (Hc 3.1-2)

A primeira reação identificada nesse texto é o temor, a


reverência e o respeito pela pessoa e pela palavra de Deus.
Não apenas tememos, mas também trememos: Ouvindo-o eu,
o meu ventre se comoveu, à sua voz tremeram os meus lábios;
entrou a podridão nos meus ossos, e estremeci dentro de mim
(Hc 3.16a).
Esse temor e esse tremor não produzem medo; antes,
produzem oração, música e canto.
Outra atitude esperada de quem é contemplado por uma
manifestação do Senhor é o clamor pelo cumprimento da sua
palavra, do seu projeto, do seu querer: Aviva, ó Senhor, a tua
obra no meio dos anos, no meio dos anos a notifica (Hc 3.2b).
Quando clamamos por um avivamento, estamos pedindo ao
Senhor que, mediante a sua intervenção na história e em nossa
vida, nos sare, renove e vivifique (hb. hayah), de maneira que
essa restauração se torne visível e notória em nós.

Ter uma visão dos atributos transcendentes e


imanentes de Deus

A experiência visionária de Habacuque não lhe


proporcionou apenas uma visão clara da realidade presente.
Não se limitou ao conhecimento dos acontecimentos futuros.
Ele foi, também, alcançado com uma visão de Deus e sobre
Deus. Habacuque pode contemplar e conhecer a santidade de
Deus:
40 O PERFIL DE SETE LÍDERES

Não és tu desde sempre, ó Senhor, meu Deus, meu Santo?


Nós não morreremos. Ó Senhor, para juízo o puseste, e tu,
ó Rocha, o fundaste para castigar. Tu és tão puro de olhos,
que não podes ver o mal e a vexação não podes contemplar;
por que, pois, olhas para os que procedem aleivosamente
e te calas quando o ímpio devora aquele que é mais justo
do que ele? (Hc 1.12-13)

Separado de todo o mal, puro em tudo, Deus é


inerentemente, integralmente, plenamente e absolutamente
santo (hb. qadhosh) (Sl 22.3; Hc 3.3a; Is 6.3; 1Pe 1.13-16).
Habacuque pode contemplar e conhecer a majestade de
Deus. Ele é o Rei de toda a terra:

Mas o Senhor está no seu santo templo; cale-se diante dele


toda a terra. (Hc 2.20)

Aplaudi com as mãos, todos os povos; cantai a Deus com


voz de triunfo. Porque o Senhor Altíssimo é tremendo e Rei
grande sobre toda a terra. Ele nos submeterá os povos e
porá as nações debaixo dos nossos pés. Escolherá para
nós a nossa herança, a glória de Jacó, a quem amou. Deus
subiu com júbilo, o Senhor subiu ao som da trombeta.
Cantai louvores a Deus, cantai louvores; cantai louvores
ao nosso Rei, cantai louvores. Pois Deus é o Rei de toda a
terra; cantai louvores com inteligência. Deus reina sobre
as nações; Deus se assenta sobre o trono da sua santidade.
(Sl 47.1-8)

Isaias contemplou magnificamente a majestade do Senhor:

No ano em que morreu o rei Uzias, eu vi ao Senhor


assentado sobre um alto e sublime trono; e o seu séquito
enchia o templo (Is 6.1).
H ABACUQUE , UM LÍDER VISIONÁRIO 41

Ele é o Rei da glória! Habacuque pode contemplar e


conhecer a justiça e a bondade de Deus: Na ira, lembra-te da
misericórdia (Hc 3.2c).
O salmista Davi foi enfático e confiante:

Certamente que a bondade e a misericórdia me seguirão


todos os dias da minha vida; e habitarei na Casa do Senhor
por longos dias. (Sl 23.6)

Deus é justo e bom. Com a sua justiça Ele nos corrige, e


com sua bondade nos restaura: Bom e reto é o Senhor; pelo
que ensinará o caminho aos pecadores (Sl 25.8).
Habacuque pode contemplar e conhecer a verdade e a
fidelidade de Deus:

Porque a visão é ainda para o tempo determinado, e até ao


fim falará, e não mentirá; se tardar, espera-o, porque
certamente virá, não tardará. (Hc 2.3)
É impossível que Deus minta. (Hb 6.18)
A verdade vai adiante dele: Justiça e juízo são a base do
teu trono; misericórdia e verdade vão adiante do teu rosto.
(Sl 89.14)

Quando tais conhecimentos sobre Deus se manifestam,


além das atitudes aqui expostas, só nos resta prostrarmo-
nos e adorá-lo. Não importa se entendemos ou deixamos de
entender o seu modo de agir; não importa a escassez ou a
abundância dos nossos recursos; não importam os ganhos
ou as perdas:

Porquanto, ainda que a figueira não floresça, nem haja fruto


na vide; o produto da oliveira minta, e os campos não
42 O PERFIL DE SETE LÍDERES

produzam mantimento; as ovelhas da malhada sejam


arrebatadas, e nos currais não haja vacas, todavia, eu me
alegrarei no Senhor, exultarei no Deus da minha salvação.
Jeová, o Senhor, é minha força, e fará os meus pés como os
das cervas, e me fará andar sobre as minhas alturas. (Hc
3.17-19)

Se a nossa visão se restringir-se apenas à dimensão do “aqui


e agora” e não percebe em Deus as possibilidades futuras,
seremos enfraquecidos em nosso desespero e desesperança.
Por isso, juntamente com a possibilidade de discernir a realidade
presente e de enxergar as coisas como elas são, Deus nos
permite vislumbrar um futuro de glória, em que a sua vontade
prevalecerá e o seu nome será glorificado.
5. Daniel, um Líder em
Constante Crescimento

Então, Daniel foi introduzido à presença do rei. Falou o rei


e disse a Daniel: És tu aquele Daniel, dos cativos de Judá,
que o rei, meu pai, trouxe de Judá? (Dn 5.13)

Quem foi Daniel? Quais aspectos de sua vida e conduta


foram relevantes como exemplos para a geração atual de
líderes? Essas são algumas questões que tentarei responder
em seguida.
Daniel foi descendente da alta nobreza judaica (Dn 1.3;
Josefo, Antiguidades 10.10,1). Foi levado como cativo para a
Babilônia por Nabucodonosor em 605 a.C. juntamente com
outros jovens judeus igualmente integrantes da nobreza
judaica.
O livro de Daniel nos conta que, apesar das condições
adversas, esse importante servo de Deus conseguiu manter
um padrão de conduta moral e um alto nível de vida espiritual,
e isto nos serve de exemplo para a nossa conduta cristã em
meio a “moderna Babilônia”, caracterizada pela pluralidade
religiosa, pelo relativismo moral e por um academicismo frívolo
e conivente sobre essas questões.
44 O PERFIL DE SETE LÍDERES

A infância de Daniel: tempo de lançar as bases

Não temos detalhes sobre a infância de Daniel. Há fortes


evidências de que ele viveu em Jerusalém. Alguns
historiadores afirmam que dos doze aos dezesseis anos de
idade Daniel já se encontrava na Babilônia. Apesar da falta
de informações sobre a infância de Daniel, podemos deduzir
algumas coisas.

A educação de Daniel

Daniel, assim como toda criança judaica, teve como


referencial teórico educacional o Livro da Lei (Dt 6.1-9). As
realizações, os mandamentos e as promessas de Deus para o
seu povo foram por ele conhecidos e apropriados. Sua base
educacional foi a família. Não havia escolas judaicas formais
no tempo de Daniel. A educação se concentrava nos aspectos
práticos da vida, levando em consideração a moral, a vida
espiritual, a cultura, a tradição e outros elementos de caráter
sociais.
Nesses termos, a condição econômica e social da criança
pouco importava. Nobre ou não, todos deveriam ser educados
por seus pais com o mesmo amor e aplicação, observando-se
os princípios e fundamentos daquela sociedade que eram
transmitidos de geração a geração.
Como estamos cuidando da educação de nossos filhos hoje?
Como pais ou responsáveis, estamos fazendo a nossa parte
adequadamente? Temos provido fundamentos morais e
espirituais sólidos em nossos lares a partir do culto doméstico?
E no que tange ao incentivo à leitura e ao estudo da Palavra?
Ou, como muitos, já terceirizamos para a escola e para a igreja
essas responsabilidades?
DANIEL, UM LÍDER EM CONSTANTE CRESCIMENTO 45

As convicções de Daniel

Acredito que Daniel não apenas aprendeu com o que ouviu


de seus pais, mas, acima de tudo, pelo exemplo dos mesmos.
Onde não existe o exemplo, as palavras perdem a força.
Algumas questões precisam ser consideradas, e se encontram
nas entrelinhas da narrativa histórica.
Imagine que um jovem cristão, no auge da sua
adolescência, aprendeu que o seu Deus era o criador e
sustentador de todas as coisas, e que elegeu soberanamente
sua nação como propriedade peculiar. Tempos depois esse
mesmo jovem chega a ver o templo, local sagrado de adoração
a esse Deus, sendo destruído por um povo estrangeiro, a sua
cidade sendo devastada e as propriedades de sua família
sendo confiscadas. Uma verdadeira tragédia e calamidade que
podem abalar a estabilidade emocional e espiritual de
qualquer indivíduo, demovendo-o em pouco tempo de sua fé
para um estado de revolta e incredulidade.
Mas esse não foi o resultado ocorrido com Daniel. As
calamidades não se tornaram maiores do que as suas
convicções. Daniel não conhecia apenas parte da Lei do Senhor,
dos escritos poéticos de seu povo e dos oráculos dos seus
profetas. Daniel era consciente de que a mesma Escritura que
prometia bênçãos para a nação como decorrência de sua
obediência, alertava para as maldições em face da
desobediência e rebeldia do seu povo (Dt 28; 2Cr 7.11-22; Jr
25.1-14). Daniel conhecia, ainda, as promessas de restauração
futura quando, arrependido, esse povo se voltasse para o
Senhor seu Deus (Jr 29.10-14; Dn 9.1-3). Dessa forma,
submeteu-se à vontade de Deus sem reclamação, sem maldizer
a sua sorte nem blasfemar contra o seu Criador.
46 O PERFIL DE SETE LÍDERES

Daniel foi levado prisioneiro para a Babilônia, deixando


para trás a sua terra, mas levando adiante a sua fé em Deus.
As lembranças dos tristes acontecimentos não lhe ofuscaram
a visão de uma gloriosa restauração.

A juventude de Daniel: tempo de consolidar as


convicções

Em seus primeiros capítulos o livro de Daniel registra os


desafios na vida de um jovem distante de sua terra, num
ambiente hostil, permissivo e violento, em situações concretas
de riscos e enfrentamentos.

Disse o rei a Aspenaz, chefe dos seus eunucos, que trouxesse


alguns dos filhos de Israel, tanto da linhagem real como dos
nobres, jovens sem nenhum defeito, de boa aparência,
instruídos em toda a sabedoria, doutos em ciência, versados
no conhecimento e que fossem competentes para assistirem
no palácio do rei e lhes ensinasse a cultura e a língua dos
caldeus. Determinou-lhes o rei a ração diária, das finas
iguarias da mesa real e do vinho que ele bebia, e que assim
fossem mantidos por três anos, ao cabo dos quais assistiriam
diante do rei. Entre eles, se achavam, dos filhos de Judá,
Daniel, Hananias, Misael e Azarias. (Dn 1.3-6)

Nabucodonosor buscava assessores para diversas


atividades administrativas e religiosas em seu palácio. Ele,
então, promoveu um rigoroso processo seletivo no qual,
juntamente com outros jovens, Daniel foi escolhido. Não
dispomos de muitas informações sobre a formação “em
ciência” e sobre os “conhecimentos” nos quais a Bíblia diz
que Daniel era versado, visto que Israel, à época, não tinha
tradição de sofisticação acadêmica.
DANIEL, UM LÍDER EM CONSTANTE CRESCIMENTO 47

Como mencionei na primeira parte deste capítulo, a


educação entre os judeus era ministrada para a vida prática.
Não havia um conjunto de saberes científicos sistematizados,
apropriados para a formação intelectual do jovem hebreu.
Fato é que um dos primeiros e grandes desafios do jovem
Daniel na Babilônia foi participar de um curso no qual o
aprendizado da cultura e da língua dos caldeus fazia parte do
currículo. Literatura, astrologia, astronomia, noções de magia
e adivinhação, agricultura, arquitetura, leis, matemática e
língua acádica seriam algumas das disciplinas. Os estudos
científicos mesclavam-se com magia e adivinhação, algo
parecido com a situação na Idade das Trevas, já na era cristã.
O quadro é muito parecido com o que enfrenta os nossos
jovens cristãos nas universidades e faculdades de hoje,
norteadas por ideias e conceitos pós-modernos. Nesses
espaços a ciência e as experiências místicas se fundem, o
discurso em prol de uma “tolerância” e “pluralismo religioso”
dá o tom, a vida moral é relativizada e a felicidade é
confundida e reduzida ao mero prazer circunstancial.
Percebo que um dos principais problemas da atualidade é
que muitos dos nossos jovens, diferentemente de Daniel, não
estão preparados para lidar com esse ambiente hostil. A
negligência com os estudos bíblicos informais e formais (cultos
de doutrinas, escola dominical, seminários, conferências,
congressos etc.) contribui para isso. Mas a culpa não está
somente nos jovens. O descaso das famílias cristãs na formação
moral e espiritual dos seus filhos, a falta de qualidade dos
estudos bíblicos nos ambientes da igreja e do lar, associados à
dificuldade de uma leitura clara e interpretação crítica da
realidade, além da ineficácia na contextualização e aplicação
dos princípios cristãos por parte da liderança, acabam
agravando o quadro. O envolvimento cada vez maior dos pais
48 O PERFIL DE SETE LÍDERES

e dos pastores com “as coisas” da igreja, em detrimento “das


pessoas”, deixa os jovens expostos aos ataques, e, o pior, sem
terem em quem buscar ajuda e orientação.
O texto de Daniel 1.8 nos diz que Resolveu Daniel,
firmemente, não contaminar-se com as finas iguarias do rei,
nem com o vinho que ele bebia; então, pediu ao chefe dos
eunucos que lhe permitisse não contaminar-se. Isso é muito
bonito de ser lido e é um magnífico subsídio para ser pregado
nos púlpitos de nossas igrejas, mas essa firme decisão de
Daniel não é fruto do acaso. Há uma história, há investimentos
espirituais eternos, há experiências envolvidas em sua decisão
que pesam e consolidam as convicções do jovem Daniel.
Decisões como essa que Daniel tomou deverão estar sempre
presentes em nossa jornada e liderança cristã, pois são
resultado direto de uma fé sólida, edificada sobre o
fundamento da Palavra, firmada na confiança em um Deus
que não muda, que é fiel, bondoso, santo, justo e verdadeiro.
O nosso êxito integral depende de decisões acertadas. Quem
decide segundo a vontade de Deus contará com a sua
constante e graciosa bênção.

A prosperidade do jovem Daniel

Daniel foi próspero nas atividades que realizou na


administração do governo de Nabucodonosor. A sua
prosperidade foi resultado de sua aplicação aos estudos e da
bênção de Deus sobre a sua vida (Dn 1.9, 17-21), e não mudou
o seu caráter. Há ainda muitos jovens e cristãos imaturos
que querem a bênção de Deus, a prosperidade nos estudos e
nas realizações, mas não querem se aplicar a compreender os
princípios espirituais e eternos que regem essas bênçãos. Não
DANIEL, UM LÍDER EM CONSTANTE CRESCIMENTO 49

investem em sua formação e carreira, pois estão à espera de


um milagre que resolverá tudo.
Apesar das dificuldades que atravessou (Dn 2.1-13), Daniel
via em cada uma das situações a oportunidade de glorificar ao
seu Deus, o que naturalmente fez com que continuasse
crescendo e prosperando em terras estranhas (Dn 2.46-48).
Mais que isso, Daniel se tornou um canal de bênçãos para os
seus amigos que também se encontravam devidamente lotados
em cargos e funções administrativas e de confiança do rei (Dn
2.49). Atualmente existem milhares de vagas de emprego que
não são preenchidas por falta de mão de obra qualificada. Onde
estão os “Daniéis” brasileiros para preenchê-las?
Muitos jovens se esquecem de Deus quando alcançam êxito
acadêmico e profissional. Cuidado! Não se embriague com as
ofertas da corte estrangeira; não se entorpeça com as
comemorações pagãs; não se iluda com as ofertas paralelas,
com os prazeres e com o sistema babilônico de nossos dias.
Mantenha-se temente a Deus. Consagre-se e mantenha-se
dedicado a Ele de todo o teu ser, de todo o teu saber, de todo o
teu fazer.

A maturidade e a velhice de Daniel: tempo de vigiar e


de continuar crescendo

Na vida moral e espiritual não basta começar bem, é preciso


terminar bem. À medida que o tempo passa, o agora maduro
Daniel crescia em intimidade e experiências com Deus. Há
muitos que, a partir dos quarenta anos e proporcionalmente
no avançar desses anos, dão certa “acomodada” e descuidam-
se um pouco da moralidade e da espiritualidade. Nessa fase
da vida, homens e mulheres de Deus fracassam e caem,
50 O PERFIL DE SETE LÍDERES

causando grandes prejuízos para si e para o Reino de Deus.


Não é o caso de citar nomes, mas vale a advertência de que
cada um de nós considere a nossa própria situação e esteja
alerta contra o descuido em áreas vitais da fé cristã.

O desejo pelo poder

Vários pesquisadores e escritores já afirmaram que nessa


fase da vida surgem o desejo e a busca desenfreada pelo
“poder”. Não foi o caso do maduro Daniel, cujo poder foi uma
consequência natural do patrimônio sapiencial, moral e
espiritual que construiu ao longo dos anos e, acima de tudo,
dentro da vontade de Deus (Dn 5.29; Dn 6.28).
Nessa fome e sede de poder, tão características nessa fase
da vida, muitos valores e virtudes desabam, à medida que o
indivíduo tenta, a todo custo, usurpar cargos, conquistar
espaços e dominar pessoas, negociando a própria alma com o
Diabo, quebrando princípios e passando por cima daqueles
que atravessam o seu caminho.
O desejo de ir além das possibilidades, da legalidade e da
legitimidade no exercício do poder, como também o orgulho e
a arrogância, derrubou Lúcifer e continuará derrubando a
todos quantos pensam e agem dessa forma (Is 14.12-15; Ez
28.11-19).

Frutos, visões e sonhos proféticos

Os capítulos 5 a 12 de Daniel fazem parte de um período


que se inicia aproximadamente em 538 a.C, quando Daniel
contava cerca de setenta anos de idade. Nessa época
DANIEL, UM LÍDER EM CONSTANTE CRESCIMENTO 51

encontramos o velho Daniel em plena atividade, atuando e


ampliando os negócios do reino (Dn 5.29; 6.1-3,28). Em outras
palavras, ele mantinha uma vida de regularidade nas orações
(Dn 6.10) e na leitura das Sagradas Escrituras (Dn 9.1-3).
O resultado dessa vida devocional exemplar foi que as
visões, as revelações e a unção profética lhe acompanharam
até o fim de seus dias (Dn 5.18-28; Dn 7.1ss; 8.1ss; 9.20ss;
10.1ss; 12.13).
Cumpre-se em Daniel o que diz a Bíblia:

O justo florescerá como a palmeira, crescerá como o cedro no


Líbano. Plantados na Casa do Senhor, florescerão nos átrios
do nosso Deus. Na velhice darão ainda frutos, serão cheios de
seiva e de verdor, para anunciar que o Senhor é reto. Ele é a
minha rocha, e nele não há injustiça. (Sl 92.12-15)

Na condição de líderes, assim como Daniel, mantenhamos


o padrão, o equilíbrio e o crescimento em todo o tempo e em
todas as áreas de nossa vida, para o louvor e a glória do
nome do Senhor!
6. Neemias, um Líder
Sensível

Todo líder deve reunir qualidades que tornam a sua atuação


distinta e marcante. Dos líderes apresentados até aqui,
encontramos em Neemias qualidades de liderança as mais
diversas. A sua sensibilidade é a que destacarei. Por
sensibilidade falo de sua capacidade de ouvir, sentir e reagir
diante das necessidades e calamidades que assolam o próximo.

Um líder sensível ao propósito de Deus em sua vida

E o rei mas deu, porque a boa mão do meu Deus era comigo.
(Ne 2.8b)

Nenhum líder espiritual será bem-sucedido se não tiver


sensibilidade, se não for consciente de que a sua liderança tem
um propósito que vai para além do acaso ou de algum acidente
– ou incidente histórico. Neemias entendeu que havia chegado
aonde chegou, que fazia o que fazia, que se tornara quem se
tornou somente porque Deus estava com ele e o dirigia:
54 O PERFIL DE SETE LÍDERES

Ah! Senhor, estejam, pois, atentos os teus ouvidos à oração


do teu servo e à dos teus servos que se agradam de temer
o teu nome; concede que seja bem-sucedido hoje o teu servo
e dá-lhe mercê perante este homem. Nesse tempo eu era
copeiro do rei. (Ne 1.11)

Não temos informações ou pormenores de como Neemias


chegou a ocupar um cargo de tão grande confiança. Naqueles
tempos, o de copeiro do rei era como um alto conselheiro, já que
a relação com o monarca era direta e esse deveria confiar
irrestritamente no serviço que lhe era prestado. Fato é que
Neemias estava lá, e estava à disposição, também, do Rei Eterno.
Neemias estava em Susã, a fortaleza, mas seus pensamentos
viajavam até Jerusalém em busca de informações e notícias
sobre o seu povo. Aprendemos com isso que as mais altas
posições e os mais importantes espaços que conquistamos não
devem nos afastar do cuidado para com o nosso povo, com os
mais simples, com nossos amigos, parentes e familiares. Há
um propósito divino, há uma missão a ser cumprida.

Um líder sensível à realidade concreta e histórica do


seu povo

Neemias não era um líder alienado, indiferente e


despreocupado para com as questões de sua época. Seu livro
começa com dados históricos e concretos:

As palavras de Neemias, filho de Hacalias. No mês de


quisleu, no ano vigésimo, estando eu na cidadela de Susã,
[...]. (Ne 1.1)

Neemias se situa no tempo (mês de quisleu, no ano


vigésimo) e no espaço (na cidade de Susã). Ele se percebe
N EEMIAS , UM LÍDER SENSÍVEL 55

sujeito da história, mais do que isso, ele se percebe ator na


história e não um mero espectador dela. Ele está interessado
em transformar a história para a glória de Deus, não apenas
assistir-lhe. Para isso, busca informações; quer saber das
coisas, mas quer inteirar-se de tudo com detalhes. Neemias
não deseja uma informação mascarada, não espera que
maquiem a realidade dos fatos. Somente quando temos uma
informação real sobre as circunstâncias é que podemos agir
no sentido de cooperar no rumo das mudanças efetivas.
Neemias se encontra aqui no estágio embrionário da busca
pela informação:

Veio Hanani, um de meus irmãos, com alguns de Judá;


então, lhes perguntei pelos judeus que escaparam e que
não foram levados para o exílio e acerca de Jerusalém.
Disseram-me: “Os restantes, que não foram levados para o
exílio e se acham lá na província, estão em grande miséria
e desprezo; os muros de Jerusalém estão derribados e as
suas portas, queimadas”. (Ne 1.2-3)

Hanani foi preciso no relato que apresentou das reais


condições do povo e da cidade de Jerusalém. A situação do
povo era de “grande miséria e desprezo”, enquanto a da cidade
era de total destruição e assolação. Aquele que está na
condição de líder precisa de amigos e irmãos como Hanani,
que não esconde a realidade como ela de fato é. Hanani não
omite em seu relato a gravidade do problema. Para a tomada
de medidas eficazes é indispensável o conhecimento real das
condições, o que nem sempre é uma informação facilmente
obtida daqueles que cercam muitos líderes. A competência na
escolha de assessores, portanto, é uma qualidade a mais a
ser buscada. A honestidade com aqueles aos quais dedicamos
nossa lealdade é uma virtude a ser cultivada.
56 O PERFIL DE SETE LÍDERES

Ao ouvir a informação, Neemias avança para o próximo


estágio, o da sensibilização.

Um líder sensível emocionalmente

Tendo eu ouvido estas palavras, assentei-me, e chorei, e


lamentei por alguns dias. (Ne 1.4a)

Embora o adágio popular diga que “informação é poder”,


ter apenas a informação exata e precisa dos fatos não é o
suficiente no bom exercício das atividades de um líder
espiritual. Ele também precisa ser tocado emocionalmente
pelos fatos. Saber sobre grandes calamidades e não
experienciar fortes emoções é sinal de insensibilidade, de frieza
ou indiferença. Neemias escuta o relato e imediatamente
manifesta com a linguagem corporal a sua dor. Ele se assenta
e chora. Ele é tocado e por isso se comove. Não suporta ficar
em pé e não engole o choro; não reprime as lágrimas. Neemias
não se importa com o que vão pensar de um homem sensível;
ele simplesmente chora, geme, sofre.
Suas emoções não se manifestam apenas na linguagem
corporal, ele também verbaliza seus sentimentos com
lamentos. Suas emoções e sentimentos não são do tipo que
surgem e logo se desvanecem. Neemias lamenta por alguns
dias. Sua dor é internalizada, somatizada, remoída, mas não
o abate, não o desanima, não o paralisa. Não é dor somente
para ser sentida; antes, é dor para ser produtiva. Não é dor
para causar depressão; é dor para promover ação. Que
sensibilidade a sua!
N EEMIAS , UM LÍDER SENSÍVEL 57

Um líder sensível espiritualmente

E estive jejuando e orando perante o Deus dos céus. (Ne


1.4b)

Em meio ao seu sentimento e dor, Neemias percebe os fatos


de uma perspectiva espiritual. Ele não se deixa levar
simplesmente pela emoção do momento. Neemias busca o
caminho do jejum e da oração. Entende que depender e confiar
em Deus, buscar seu conforto, ajuda e direção é o melhor
caminho nesse momento.
Aprendemos com Neemias que grandes decisões implicam
dias de jejum e oração. Infelizmente, muitas decisões nos dias
atuais resultam de meras reflexões, estatísticas e análises
humanas. Deus está excluído de muitas reuniões sobre os
destinos de seu povo, de muitos gabinetes pastorais, de muitas
mesas diretoras de organizações “cristãs”. Deus não tem sido
convidado para participar das reuniões. Seu nome pode ser
até mencionado nelas, mas apenas por mera formalidade.
Onde o jejum e a oração faltam, sobram a arrogância, a
prepotência, a altivez, o orgulho, a loucura e a insensatez. É
tempo de jejuar e orar perante o Deus do céu. É tempo de
adorá-lo e buscá-lo.
A sensibilidade espiritual de Neemias faz com ele perceba,
ainda, alguns atributos de Deus:

E disse: ah! Senhor, Deus dos céus, Deus grande e temível,


que guardas a aliança e a misericórdia para com aqueles
que te amam e guardam os teus mandamentos! (Ne 1.5)

Neemias percebe a grandeza, a fidelidade e a misericórdia


de Deus. Sendo grande como é, não há situação ou quadro
58 O PERFIL DE SETE LÍDERES

que o Deus dos céus não consiga reverter, alterar ou


transformar. A sua fidelidade transmite a segurança e a certeza
que alimentam a oração e fortalecem a fé. A sua misericórdia
promove alegria, possibilita o entendimento e o conhecimento
de que o Deus dos céus é também o Deus dos homens. É Ele
que se comove e que se move na direção de pecadores
arrependidos.

Um líder sensível moralmente

Estejam, pois, atentos os teus ouvidos, e os teus olhos,


abertos, para acudires à oração do teu servo, que hoje faço
à tua presença, dia e noite, pelos filhos de Israel, teus servos;
e faço confissão pelos pecados dos filhos de Israel, os quais
temos cometido contra ti; pois eu e a casa de meu pai temos
pecado. Temos procedido de todo corruptamente contra ti,
não temos guardado os mandamentos, nem os estatutos,
nem os juízos que ordenaste a Moisés, teu servo. (Ne 1.6)

Longe de adotar uma postura soberba, de quem se sente


superior em relação aos demais, Neemias se inclui no rol dos
falíveis, dos imperfeitos, dos humanos, daqueles que pecaram,
que agiram corruptamente, que transgrediram os mandamentos
eternos. Ele assume a sua responsabilidade moral diante da
crise. Longe de ser denuncista e hipócrita, sua oração expressa
uma sincera busca por perdão e restauração.
A sensibilidade de Neemias faz com que ele entenda que
não está sozinho quando está chorando, lamentando, jejuando
e orando:

Ah! Senhor, estejam, pois, atentos os teus ouvidos à oração


do teu servo e à dos teus servos que se agradam de temer
o teu nome. (Ne 1.11a)
N EEMIAS , UM LÍDER SENSÍVEL 59

Há outros servos que se agradam de temer o teu nome. As


grandes misérias e calamidades produzem às vezes a sensação
de que sofremos e militamos sozinhos. Graças a Deus que há
outros que poderão se unir a nós em dor e em esperança e,
assim, fortalecer-nos mutuamente.

Um líder sensível ao engajamento

Informação que produz reflexão e emoção, mas que não


avança para o estágio da ação, é simples idealismo improdutivo.
Neemias escuta, reflete, senta, chora, lamenta, jejua, ora e age.
Esses são os verbos que descrevem o seu estado e as suas
ações. Neemias se mobiliza e mobiliza outros. Até mesmo o rei
Artaxerxes foi influenciado por ele (Ne 2.1-8). Liderança é
influência.
Conheço pessoas que lideram, mas que vivem continuamente
no estágio da reflexão e na dimensão da emoção. Pessoas que
pensam, que choram, que se lamentam, que jejuam, que oram,
mas não querem envolvimento. Temem a exposição. São
excelentes teóricos e analistas dos fatos, mas péssimos
realizadores e interventores quando a situação exige.
A ação implica em exposição. Quando agimos, provocamos
nos outros reações boas ou ruins, aplausos ou apupos, agrados
ou desagrados, ganhos ou perdas. Quem se expõe se arrisca, e
nem todos querem correr o risco de perder a boa imagem e
arriscar a aparente segurança e estabilidade que Susã, a
fortaleza, proporciona. Nem todos estão dispostos a arriscar o
cargo, o salário, a confortável condição e a posição alcançada.
Neemias nos convida a uma reflexão sobre a sensibilidade
plena, uma sensibilidade que sabe, que entende, que sente,
que diz, que faz, que realiza e que transforma.
7. Jesus, um Líder-Servo

Liderar é servir. Longe de comprometer o princípio de


autoridade e com isso provocar o anarquismo institucional, a
liderança servidora fortalece a relação líder-liderado e é o modelo
mais próximo ao que vemos nas Escrituras. Nos últimos anos,
mesmo nas instituições seculares, o modelo tem sido estimulado
e adotado em corporações e instituições atentas às inovações
que promovam o bem-estar das suas equipes.
A liderança servidora é um princípio ensinado já no Antigo
Testamento (2Cr 10.7), que se amplia em termos de exposição
no Novo Testamento, especialmente através do ensino e
exemplo de Jesus.

A lição de Jesus sobre a liderança servidora

Então, se aproximou dele a mãe dos filhos de Zebedeu,


com seus filhos, adorando-o e fazendo-lhe um pedido. E
ele diz-lhe: “Que queres?”. Ela respondeu: “Dize que estes
meus dois filhos se assentem um à tua direita e outro à
tua esquerda, no teu Reino”. (Mt 20.20-21)
62 O PERFIL DE SETE LÍDERES

Bastou ser anunciada a participação dos discípulos no Reino


futuro e dos doze tronos onde se sentariam para exercerem a
autoridade na condução do Reino, e o desejo por privilégios,
posições e honras diferenciadas foi despertado (Mt 19.28). Os
dois lugares de maior destaque ao lado do trono glorioso do
Filho se tornaram o centro do interesse e da disputa.
A mulher de Zebedeu é quem se encarregou de articular
uma possível garantia dos melhores lugares para os filhos.
Afinal de contas, privilegiar familiares e parentes parecia algo
bastante coerente. Reverentemente ela se ajoelhou diante de
Jesus e, certamente com voz mansa e em tom reverente,
intercedeu pelos filhos.

Jesus, porém, respondendo, disse: “Não sabeis o que pedis;


podeis vós beber o cálice que eu hei de beber e ser batizados
com o batismo com que eu sou batizado?”. Dizem-lhe eles:
“Podemos”. E diz-lhes ele: “Na verdade bebereis o meu
cálice, mas o assentar-se à minha direita ou à minha
esquerda não me pertence dá-lo, mas é para aqueles para
quem meu Pai o tem preparado”. (Mt 20.22-23)

Longe de alimentar a prática nepotista, Jesus respondeu


ao pedido daquela mãe, e revelou a insensatez do mesmo. A
aparente prerrogativa de “beber o cálice”, expressão idiomática
que significa “seguir o mesmo destino”, fez com que os filhos
manifestassem a disposição de enfrentar qualquer
contratempo, desde que isso resultasse na posse dos dois
lugares de maior honra. De fato eles beberiam o cálice do
sofrimento, mas, sobre a ocupação dos lugares, a resposta de
Jesus foi reveladora: É para aqueles para quem meu Pai o
tem preparado.
J ESUS , UM LÍDER - SERVO 63

Os lugares de honra no Reino de Deus são determinados


pela graça e pela soberania de Deus, reservados segundo o
seu eterno conselho (Jo 15.16; Jr 1.5; Gl 1.15). O verbo grego
etoimastai (preparado) se encontra no tempo perfeito e na
voz passiva, ou seja, fala de uma ação concluída (determinada)
no passado. A ação é sofrida em vez de executada por nós.
Deus é quem determina e executa a ação. Os lugares não são
para quem os quer ou deseja; antes, são para aqueles a quem
Deus de antemão escolheu.
Quando entendemos claramente a questão da soberania
de Deus na escolha de quem ocupa qual cargo ou posição
deixamos as brigas e disputas a qualquer custo por lugares
no Reino. Nossa atitude muda e passamos a procurar com
mais fervor conhecer e buscar os lugares que Deus preparou
para nós. Agindo dessa maneira, um número sem fim de
intrigas, questões, contendas, conflitos, facções, rixas, guerras
por cargos e posições será extinto.

E, quando os dez ouviram isso, indignaram-se contra os


dois irmãos. (Mt 20.24)

Temos aqui o primeiro conflito entre os discípulos de Jesus


em torno de lugares de honra e privilégios. Percebe-se que o
foco não está em como serviriam no Reino, mas em como
exerceriam o poder e a autoridade. A disputa não é por trabalho,
é por prestígio.
Quando os melhores lugares são procurados e disputados,
o sentimento de cooperação dá lugar ao sentimento de
competição. Amigos se tornam inimigos, irmãos se tornam
adversários, obreiros se tornam meros políticos envolvidos
em campanhas eleitorais eclesiásticas intermináveis.
64 O PERFIL DE SETE LÍDERES

Na atualidade, disputas semelhantes se multiplicam em


todas as instâncias da liderança cristã, que vai desde os
lugares na direção de um departamento ou setor da igreja até
a um lugar na diretoria ou na presidência da mesma.
O resultado do pedido da mãe e do desejo dos dois filhos
oportunistas foi a expressa indignação e irritação (gr.
eganaktesan) dos demais.

Então, Jesus, chamando-os para junto de si, disse: “Bem


sabeis que pelos príncipes dos gentios são estes dominados
e que os grandes exercem autoridade sobre eles. Não será
assim entre vós; mas todo aquele que quiser, entre vós,
fazer-se grande, que seja vosso serviçal; e qualquer que,
entre vós, quiser ser o primeiro, que seja vosso servo, bem
como o Filho do Homem não veio para ser servido, mas
para servir e para dar a sua vida em resgate de muitos”.
(Mt 20.25-28)

Em meio ao conflito estabelecido, Jesus logo percebeu a


oportunidade de ensinar lições e princípios sobre seu modelo de
liderança. Uma mudança de paradigmas haveria de acontecer.
A visão de poder e autoridade que os discípulos possuem
fundamenta-se na perspectiva dos príncipes dos gentios
(governadores dos povos pagãos). Trata-se de um conceito
distorcido, em que a classe dominante exerce a opressão e a
exploração sobre os dominados.
A autoridade e o governo no Reino de Deus, segundo a
revolucionária visão do Mestre, se fundamentariam no serviço
prestado ao próximo, através da concessão divina de dons,
talentos e ministérios (Ef 4.11-14; 1Co 12.11; Hb 5.4). O líder-
servo atende a todos, amigos e inimigos, os sinceros e os
falsos, os fiéis e os traidores.
J ESUS , UM LÍDER - SERVO 65

Servir a todos, e não ser servido. Dar a vida, e não explorar


vidas. Eis a grande revolução da liderança servidora.

O exemplo de Jesus de liderança servidora

A reunião da mesa diretora acontecia, quando de repente


o presidente resolveu “engraxar os sapatos” de todos os
demais membros, provocando desconforto em alguns que não
admitiam a postura e a atitude do chefe. Foi dessa forma que
os discípulos de Jesus se sentiram.
Cingido de uma toalha e com uma bacia em mãos, sob o
olhar desconfiado e espantado dos discípulos, Jesus passou
a lavar-lhes os pés. Naquela simples atitude estava o princípio
de toda a atividade da liderança-servidora. A grandeza está
em servir. A nobreza não está na função exercida, no título,
no cargo ou na posição, antes, está no serviço prestado ao
outro, no trabalho que, realizado em amor, edifica e restaura
vidas para a glória de Deus. O desejo por toalhas e bacias
deve sobrepujar o desejo por tronos e glória. O desejo de servir
deve estar acima do desejo por status (Jo 13:3-17).
Na liderança-servidora ensinada e vivida por Jesus, a glória
dos tronos deve ser superada pela beleza e simplicidade do
serviço. O poder-ser pelo poder-fazer.
Apêndice

E aconteceu que, ao outro dia, Moisés assentou-se para


julgar o povo; e o povo estava em pé diante de Moisés
desde a manhã até a tarde. Vendo, pois, o sogro de Moisés
tudo o que ele fazia ao povo, disse: “Que é isto que tu fazes
ao povo? Por que te assentas só, e todo o povo está em pé
diante de ti, desde a manhã até à tarde?”. Então, disse
Moisés a seu sogro: “É porque este povo vem a mim para
consultar a Deus. Quando tem algum negócio, vem a mim,
para que eu julgue entre um e outro e lhes declare os
estatutos de Deus e as suas leis”. (Êx 18.13-16)

Às vezes nos encontramos tão envolvidos com as atividades


que não percebemos quanto nos tornamos centralizadores.
Moisés incorreu nesse erro, e, mesmo bem-intencionado,
caminhava em direção a uma profunda exaustão e alta carga
de estresse.
Observando a conduta de Moisés, Jetro, seu sogro, resolveu
intervir com um conselho sábio:

O sogro de Moisés, porém, lhe disse: “Não é bom o que


fazes. Totalmente desfalecerás, assim tu como este povo
que está contigo; porque este negócio é mui difícil para ti;
tu só não o podes fazer”. (Êx 18.17-18)
68 O PERFIL DE SETE LÍDERES

O líder centralizador não realiza o que faz com excelência,


nem permite que outros façam. É eficiente, mas nem sempre
eficaz.
O líder centralizador é um atraso para o crescimento e
desenvolvimento de qualquer obra, inclusive de si mesmo.
O líder centralizador é um castrador de ideias, de sonhos,
de desejos, de vontades.
O líder centralizador é um amante de títulos, cargos e
posições. O que vale para ele é ter ou sentir, mesmo que não
faça o seu trabalho ou o faça com deficiência.
O líder centralizador acha que ninguém faz as coisas
melhor do que ele. Somente ele sabe, entende e conhece e é
capaz.
O líder centralizador pensa ser mais habilitado do que
todos os demais cooperadores, para todas as tarefas.
O líder centralizador não consegue enxergar o talento
alheio.
O líder centralizador tem medo que os outros façam melhor
do que ele. A insegurança é uma de suas grandes marcas.
O líder centralizador tem receio de perder a autoridade ao
delegar.
O líder centralizador tem pitadas de um líder imperialista,
totalitarista e ditador.
O líder centralizador se mantém no cargo à base da
chantagem, da ameaça, do favorecimento e dos conchavos
políticos com outros líderes centralizadores.
O líder centralizador finge escutar, mas no fim a opinião
que prevalece é sempre a dele.
O líder centralizador é um promotor narcisista de sua
própria imagem.
A PÊNDICE 69

O líder centralizador se coloca acima da própria instituição.


É personalista, e gosta de ver seu nome e imagem sempre em
evidência.
O líder centralizador pode, em alguns casos, até ser uma
boa pessoa, mas é um péssimo administrador.
O líder centralizador pode ter conhecimento, mas lhe falta
sabedoria.
O líder centralizador perde tempo e energia em tarefas
pequenas, secundárias e sem muita importância, quando
poderia estar envolvido em questões de maior relevância e
prioritárias.
O líder centralizador delega tarefas, para depois agir
paralelamente, desmerecendo o esforço e a habilidade alheia,
atropelando a ética.
O líder centralizador pode não ter consciência de sua
própria condição.
O líder centralizador sacrifica a família em prol de interesses
que darão mais evidência.
O líder centralizador se desgasta e desgasta os outros.
O líder centralizador tem vida curta ou de baixa qualidade.

Ouve agora a minha voz; eu te aconselharei, e Deus será


contigo. Sê tu pelo povo diante de Deus e leva tu as coisas
a Deus; e declara-lhes os estatutos e as leis e faze-lhes
saber o caminho em que devem andar e a obra que devem
fazer. E tu, dentre todo o povo, procura homens capazes,
tementes a Deus, homens de verdade, que aborreçam a
avareza; e põe-nos sobre eles por maiorais de mil, maiorais
de cem, maiorais de cinquenta e maiorais de dez; para que
julguem este povo em todo o tempo, e seja que todo negócio
grave tragam a ti, mas todo negócio pequeno eles o julguem;
assim, a ti mesmo te aliviarás da carga, e eles a levarão
contigo. Se isto fizeres, e Deus to mandar, poderás, então,
70 O PERFIL DE SETE LÍDERES

subsistir; assim também todo este povo em paz virá ao


seu lugar. (Êx 18.19-23)

A nossa subsistência na liderança depende, ainda, de nossa


saúde física e mental. Preocupamo-nos em cuidar dos outros,
mas negligenciamos o cuidado pessoal. Deixamos de lado os
exames de saúde periódicos, o cuidado com a alimentação,
com o repouso, os momentos de lazer e prazer com a família e
amigos. Cuide de si mesmo, e então você poderá cuidar dos
outros. Moisés só conseguia enxergar a necessidade do povo,
que já começava a ser prejudicado em longas filas de espera.
Quantos líderes há na atualidade, que fazem as pessoas
aguardarem horas, semanas e meses para ser atendidas.
Sofrem do mal da centralização e colhem o fruto da
inoperância.
A solução apresentada por Jetro era simples e prática. O
trabalho deveria ser repartido com outros, considerando a
gravidade das questões e a capacidade dos assessores.
Para o bem de todos, Moisés atendeu ao sábio conselho de
seu sogro:

E Moisés deu ouvidos à voz de seu sogro e fez tudo quanto


tinha dito; e escolheu Moisés homens capazes, de todo o
Israel, e os pôs por cabeças sobre o povo: maiorais de mil
e maiorais de cem, maiorais de cinquenta e maiorais de
dez. E eles julgaram o povo em todo tempo; o negócio árduo
traziam a Moisés, e todo negócio pequeno julgavam eles.
(Êx 18.24-26)

Não basta apenas delegar; é preciso saber a quem estamos


delegando as tarefas. Uma má assessoria, como vimos ao
estudar Neemias, comprometerá qualquer liderança, enquanto
A PÊNDICE 71

assessores bons e confiáveis proporcionarão o seu


fortalecimento. Ouse delegar, confiar e distribuir tarefas e
autoridade.
Lidere para o bem do próximo. Lidere, acima de tudo, para
a glória de Deus!

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