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Tribunal de Justiça de Minas Gerais

Número do 1.0241.11.000145-0/001 Númeração 0001450-


Relator: Des.(a) Nelson Missias de Morais
Relator do Acordão: Des.(a) Nelson Missias de Morais
Data do Julgamento: 24/04/2014
Data da Publicação: 09/05/2014

EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL - TRIBUNAL DO JÚRI - DUPLO


HOMICÍDIO QUALIFICADO - PRELIMINAR - AUSÊNCIA DE DEFESA
ALEGADA - INCORRÊNCIA - RÉU DEVIDAMENTE AMPARADO POR
PROCURADOR QUE APRESENTOU AS TESES QUE ENTENDEU
PERTINENTES AO CASO - PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO -
PRELIMINAR REJEITADA - MÉRITO -DECISÃO MANIFESTAMENTE
CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS - LAUDO QUE NÃO CONFIRMA O
NEXO CAUSAL EXISTENTE ENTRE O DISPARO DE ARMA DE FOGO E A
MORTE DE UMA DAS VÍTIMAS - CAUSA SUPERVENIENTE
RELATIVAMENTE INDEPENDENTE - ANULAÇÃO PARCIAL DO
JULGAMENTO - RECURSO PROVIDO.

- Constatado nos autos que o réu fora patrocinado por Defensor constituído
que apresentou as teses que entendeu pertinentes nos momentos oportunos,
não há que se falar em ausência de defesa, até porque não restou
demonstrado o necessário prejuízo à parte, conforme preconiza o art. 563 do
CPP.

- Mostra-se manifestamente contrária à prova dos autos a decisão do Júri


que condena o apelante pela prática de um dos delitos de homicídio
qualificado, a despeito de ausente a prova da existência do nexo causal entre
o disparo de arma de fogo efetuado e o óbito do réu.

- No caso concreto, resta constatada a existência de causa superveniente


relativamente independente a gerar o resultado morte, levando-se em conta
que, alvejada a vítima, levada ao hospital e recebendo alta do nosocômio,
veio a falecer somente após 02 (dois) meses, de acidose metabólica,
insuficiência respiratória aguda e

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edema agudo de pulmão, quadro clínico este que não se comprovou ser
originário ou ter qualquer relação com o disparo preteritamente efetuado.

- Nos ditames do art. 13, §1º, do CP, deve o agente responder tão somente
pelos atos já praticados e a que deu causa.

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 1.0241.11.000145-0/001 - COMARCA DE


ESMERALDAS - APELANTE(S): NEI MENDES BARBOSA -
APELADO(A)(S): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS -
VÍTIMA: JOSE LUIZ TELES MAGALHAES, MARCELO AUGUSTO ALVES
DOMINGOS PAIXÃO

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 2ª CÂMARA CRIMINAL do


Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos
julgamentos em REJEITAR A PRELIMINAR E DAR PROVIMENTO AO
RECURSO. CASSAR PARCIALMENTE O JULGAMENTO DE PRIMEIRO
GRAU. COMUNICAR.

DES. NELSON MISSIAS DE MORAIS

RELATOR.

DES. NELSON MISSIAS DE MORAIS (RELATOR)

VOTO

Trata-se de Apelação Criminal interposta por Nei Mendes Barbosa,


visando à reforma da sentença de primeiro grau, na qual o MM. Juízo da
Vara Única da Comarca de Esmeraldas, em observância às respostas dadas
aos quesitos pelo Conselho de Sentença, condenou o apelante às penas de
17 (dezessete) anos de reclusão e 15 (quinze) anos de reclusão, pela prática
do delito disposto no art. 121, §2º, IV, do CP, por duas vezes, em concurso
material, para cumprimento em regime fechado. (f. 431/434).

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Nas razões recursais (f. 462/472) a Defesa do apelante pretende,


preliminarmente, a nulidade do processo desde o aditamento da denúncia,
tendo em vista a ausência de defesa técnica a ampará-lo.

No mérito, pretende a cassação da decisão hostilizada, tendo em


vista que estaria ela embasada em fatos manifestamente contrários às
provas carreadas aos autos, em razão da ausência de prova acerca do nexo
causal existente entre o disparo de arma de fogo e o óbito de uma das
vítimas. Alternativamente, requer a redução das penas impostas.

Contrarrazões às f. 476/486.

A Douta Procuradoria Geral de Justiça se manifestou, às f.


488/494, e opinou pelo parcial provimento do apelo.

Este, em síntese, o Relatório.

Conheço do recurso, presentes os pressupostos para sua


admissibilidade.

Preliminarmente

Data venia, não assiste razão à Defesa quanto à preliminar


eriçada.

O fato de o procurador anteriormente constituído não ter


apresentado tese combatendo o laudo, bem como ter sustentado em plenário
por "apenas" 09 (nove) minutos, não implicam na conclusão de que a Defesa
do réu fora deficiente a ponto de lhe prejudicar no julgamento primevo.

O que se vê dos autos é que o então advogado apresentou Defesa


Prévia às f. 120/121, arrolou as testemunhas que pretendia ouvir,
acompanhou o réu na audiência, f. 199, realizando perguntas

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combativas às testemunhas, bem como apresentou alegações finais às f.


247/248.

Ademais, vê-se da ata de julgamento que os 09 (nove) minutos


utilizados pela Defesa abordaram as teses de negativa de autoria, legítima
defesa e decote de qualificadora. Confira-se:

"(...) Foi dada a palavra à Defesa do réu, com início às 16:06min.m e término
às 16:15min., que sustentou as seguintes teses: em relação à vítima Marcelo
Augusto Alves Domingues Paixão, a negativa de autoria e, subsidiariamente,
o decote da qualificadora. No que diz respeito à vítima José Luís Teles
Magalhães, sustenta a tese de legítima defesa e subsidiariamente o decote
da qualificadora. (...) A defesa usou o direito da tréplica, tendo início às
16h22min., e término às 16h23min. (...)", f. 415

Vê-se, inclusive, que a Defesa, ainda que sucintamente, utilizou-se


do direito da tréplica.

Não obstante a irresignação defensiva, não há que se falar, no


presente caso, em ausência de defesa em favor do réu. Fora ele amparado
por defensor durante todo o processo e teses pertinentes foram suscitadas
nas oportunidades cabíveis.

A discordância da atual Defesa quanto às teses aventadas pelo


antigo defensor, bem como o tempo utilizado por ele para sustentar em
plenário, não podem ser tidos por base para o acolhimento da presente
preliminar, até porque, na houve prova produzida no sentido de comprovar o
alegado prejuízo à defesa, como exige o art. 563 do CPP.

Com essas considerações e não havendo qualquer prejuízo à


Defesa, rejeito a preliminar suscitada e passo à análise do mérito recursal.

Mérito

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Consta da peça acusatória que, no dia 13 de janeiro de 2011, por


volta das 15h30m, na Rua Pau pereira, próximo ao n.º 09, Bairro Novo
Retiro, na Cidade de Esmeraldas, o denunciado tentou matar a vítima José
Luiz Teles Magalhães e matou a vítima Marcelo Augusto Alves Domingues
Paixão, mediante recurso que dificultou a defesa das vítimas.

Segundo a exordial, as vítimas se encontravam no interior do


veículo Fiat/Pálio, placa HGX-9632, quando foram surpreendidas pelo autor
que, do lado do motorista, efetuou dois disparos, vindo a atingir as vítimas,
tendo o denunciado tomado o rumo da MG 808.

Concomitantes aos fatos, um vizinho que estava próximo ao local


ouviu os disparos de arma de fogo e de cima do muro de sua residência
avistou o autor do fato fechar a porta do veículo e seguir pela rua em sentido
contrário ao do automóvel.

Ato contínuo, a testemunha aproximou-se do carro e, após verificar


que havia duas pessoas baleadas no seu interior, acionou a Polícia Militar,
passando todas as características do denunciado, oportunidade em que foi
surpreendido com o retorno deste que passou a tomar o rumo da rodovia MG
808. Em seguida, a testemunha seguiu o denunciado até o ponto de ônibus,
oportunidade em que flagrou Nei trocar de roupas e embarcar em um ônibus
coletivo, tendo feito novo contato com os milicianos.

Com as informações passadas pela testemunha, policiais militares


lograram êxito em prender o autor em flagrante delito, de posse da arma de
fogo utilizada no crime.

Passo à decisão.

Inicialmente, cumpre ressaltar que, com a morte posterior da vítima


José Luiz Teles Magalhães, a denúncia fora aditada e incursionou o ora
apelante também no delito de homicídio consumado quanto a esta, f.
172/173.

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- Da cassação da decisão por encontrar-se manifestamente contrária à prova


dos autos

Como é sabido, em relação à soberania dos veredictos, prevista


constitucionalmente no artigo 5º, inciso XXXVIII, alínea "c", da Carta Magna,
a decisão que autoriza a anulação do julgamento deve ser somente aquela
que se mostra completamente dissociada do contexto probatório, violando
regras básicas, da própria lógica, que reflete verdadeira arbitrariedade do
Corpo de Jurados Popular.

Aliás, tal princípio constitucional é a única garantia a preservar as


hipóteses em que o corpo de jurados, diante das inúmeras provas
divergentes ou circunstâncias notadamente subjetivas, apresentadas sobre o
caso, pudesse, de forma segura, acolher uma das teses possíveis, julgando,
exclusivamente, de acordo com sua íntima e secreta convicção.

Ademais, reforço que o parágrafo 3º do artigo 593 do Código de


Processo Penal não deixa dúvidas que, em casos tais, somente deve se dar
provimento ao recurso, sujeitando-se o réu a novo julgamento, acaso se
demonstre cabalmente que a decisão dos jurados foi "manifestamente
contrária" ao conjunto de provas.

A decisão manifestamente contrária à prova dos autos se


caracteriza, segundo a própria expressão indica, pela prolação de sentença
não respaldada por qualquer elemento probatório, sendo este o caso dos
autos.

Assim, o acatamento de uma ou outra tese versada nos autos, com


lastro de prova, não configura a causa de anulação da decisão.

O professor Guilherme de Souza Nucci ensina:

"Não cabe a anulação, quando os jurados optam por uma das correntes de
interpretação da prova possíveis de surgir. Exemplo disso seria a anulação
do julgamento porque o Conselho de Sentença

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considerou fútil o ciúme, motivo do crime. Ora, se existe prova de que o delito
foi, realmente, praticado por tal motivo, escolheram os jurados essa
qualificadora, por entenderem adequada ao caso concreto. Não é decisão
manifestamente contrária à prova, mas situa-se no campo da interpretação
da prova, o que é bem diferente. Consideramos que a cautela, na anulação
das decisões do júri, deve ser redobrada, para não transformar o tribunal
togado na real instância de julgamento dos crimes dolosos contra a vida." (in
Código de Processo Penal Comentado, 9ª edição, Editora RT, pág. 975)

No mesmo diapasão, a jurisprudência desta eg. 2ª Câmara


Criminal:

"JÚRI - NULIDADE PROCESSUAL ALEGADA - SUPOSTA INVERSÃO DA


ORDEM DOS QUESITOS FORMULADOS - NÃO-OCORRÊNCIA -
PRELIMINAR REJEITADA - DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À
PROVA DOS AUTOS - NÃO-PROCED6ENCIA - DECISÃO QUE NÃO SE
AFASTA DA TESE DEFENSIVA. (...) - Decisão manifestamente contrária à
prova dos autos é a que se afasta completamente dos subsídios atados no
processado, traduzindo verdadeira criação mental dos jurados". TJMG,
Número do processo: 1.0024.02.856060-5/001, Rel. Des. José Antonino Baía
Borges, pub.: 13/04/2007)

"APELAÇÃO CRIMINAL - JÚRI - HOMICÍDIO QUALIFICADO - RÉU


CONDENADO - INCONFORMISMO - DECISÃO DITA MANIFESTAMENTE
CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS - INOCORRÊNCIA. 'A jurisprudência
da Suprema Corte já consagrou o entendimento de que a opção por uma das
versões fluentes da prova não enseja nulidade do julgamento' (RSTJ 47/433).
- 'Como se sabe e como declara a lei, com todas as letras, só cabe apelação
da decisão que manifestamente, ou seja, de forma evidente, escandalosa,
gritante, contrarie a prova dos autos. Desde que a decisão do tribunal
popular se ampare em alguns elementos de prova; desde que razoavelmente
se poderiam forma do conteúdo do processo, não há como cassar a decisão'
(Heleno Fragoso). - Recurso Desprovido." (TJMG, Número do processo:
1.0558.06.001836-0/002, Rel. Des.ª Beatriz Pinheiro Caíres, pub.:
27/02/2009)

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No presente caso, não obstante a Defesa ter se insurgido apenas


quanto à materialidade do delito referente à vítima José Luiz, não verifico, em
uma análise perfunctória, a alegada condenação manifestamente contrária à
prova dos autos quanto à vítima Marcelo Augusto.

Quanto a esta, a materialidade restou indubitável, pelo


Levantamento Técnico-Pericial em Local de Morte Violenta, f. 78/92 e
Relatório de Necropsia, f. 139/140.

No que diz respeito à autoria delitiva, as provas mostram-se


coerentes com o veredito dado pelos jurados.

O miliciano Eric Ferreira relata que populares descreveram as


características físicas e a roupa que o réu utilizava quando dos disparos de
arma de fogo, sendo que, com essas informações, os policiais abordaram o
ônibus em que o apelante embarcou e lograram êxito em apreender uma
arma de fogo com 05 (cinco) munições, estando 02 (duas) delas deflagradas.
Confira-se:

"(...) Que populares disseram que era u tal de baiano. Que segundo
populares, o autor da morte teria sido um Senhor de boné, blusa azul, calça
jeans, com uma bolsa tira colo do lado. Que segundo populares este Senhor
tirou o boné, a blusa e a bolsa, passando a usar uma blusa vermelha, calça
jeans e tal pessoa era careca. Que viram essa pessoa entrando em um
ônibus, com destino a Contagem. Que via rádio, conseguiram abordar o
ônibus na divisa de Novo Retiro com Nova Contagem. Que dentro do ônibus
que tinha um cidadão com as características dadas pelas pessoas. Que a
pessoa que encontraram é o acusado presente; Que quando a viatura
interceptou o ônibus, o acusado presente trocou de assento e no assento em
que estava foi encontrado uma arma de fogo. Que o revólver era de calibre
38, com duas munições deflagradas e três intactas. (...) Que levaram o
mesmo ao local do crime e várias testemunhas o reconheceram. (...)', f. 200 -
Eric Ferreira de Almeida - policial - fase judicial

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No mesmo sentido, a testemunha Jorge Lindemberg da Silva


afirma ter visto o momento em que o apelante saiu do veículo das vítimas
após efetuar os disparos de arma de fogo, bem como o seguiu quando de
sua fuga, presenciando o momento em que o réu trocou suas vestes no
intuito de ludibriar a polícia. Veja-se:

"(...) Que viu o acusado presente saindo da porta traseira do carro, fechando-
a. Que o acusado após ter saído olhou para frente e olhou para trás e tomou
a direção em sentido ao Sítio do Sindicato, ou seja, largando a BR e indo
para o mato. Que o depoente quando viu que o acusado estava a uma
distância considerável, foi até o carro. (...) Que quando estava tentando
socorrer as vítimas na porta do carro, o acusado voltou e passou a menos de
meio metro do depoente. Que quase esbarrou no depoente quando passou
correndo. Que o acusado virou a cara para o sentido contrário do carro disse:
'cruz credo, vou chamar a polícia também'. Que nesses dois momentos que
viu o acusado, o mesmo estava de camisa azul, portando uma bolsa preta e
calça Jeans claro e de boné. (...) Que passou a seguir o acusado e fez isso
por uns 800 metros, da porta da casa do depoente até a BR. Que no meio do
caminho o acusado trocou de roupa. (...) 'Que o acusado tirou o boné e jogou
no mato. Que em seguida tirou a bolsa que portava e jogou no mato. Que em
seguida desabotoou a camisa e também a jogou no mato. (...) Que seguiu o
acusado até a BR e o mesmo a atravessou. (...) Que vindo um ônibus que ia
para Contagem, o acusado o pegou. (...) Que mais ou menos dez minutos
depois a polícia chegou com o acusado no local do crime. (...) Que foi o
depoente quem reconheceu o acusado. (...)", f. 204/205 - Jorge Lindemberg
da Silva - testemunha - fase judicial

O acusado, por sua vez, nega a autoria do delito, apresentando,


para tanto, versão no sentido de que a vítima José Luiz teria disparado a
arma de fogo em desfavor da criança. Ato contínuo, o réu entrou em luta
corporal com a vítima, o que acabou culminando em disparo acidental em
desfavor desta, f. 207/208.

Não obstante a versão apresentada pelo réu, não há qualquer sinal


de luta corporal ocorrida entre o apelante e a vítima

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José Luis, tanto nas provas testemunhais quanto no laudo realizado no local
dos fatos.

Além disso, não existe nenhum outro elemento nos autos a


corroborar a negativa de autoria sustentada, nem mesmo que o suposto ato
do réu teria sido praticado em legítima defesa.

Assim, o acolhimento da tese acusatória não se mostrou absurdo e


arbitrário quanto ao delito de homicídio praticado contra a vítima Marcelo
Augusto, porquanto alicerçado por elementos de prova colhidos no processo.

Por outro lado, quanto ao delito de homicídio praticado contra o


ofendido José Teles, de fato, razão assiste à Defesa, já que não há qualquer
prova nos autos da existência de nexo causal entre o disparo de arma de
fogo efetuado e a sua causa mortis.

Consta da sua certidão de óbito, f. 165, que o ofendido faleceu em


razão de acidose metabólica, insuficiência respiratória aguda e edema agudo
de pulmão.

O relatório médico de f. 305/306, por sua vez, relata que o réu fora
atendido no dia 19/03/2011 com parada cardiorrespiratória, tendo sido
realizado o procedimento de reanimação e tentativa de entubação da vítima,
o que não ocorreu em razão de "estenose de traquéia". Ao final, quando da
resposta do quesito formulado pelo juízo, os médicos concluíram pela
impossibilidade de se atestar a existência de nexo de causalidade entre o
disparo de arma de fogo e os motivos que levaram José Luiz à morte. Confira
-se:

"(...) HISTÓRICO: O presente laudo é indireto, baseado em relatório médico


conforme a seguir: 1) Timbrado do hospital Felício Rocho, datado em
19/03/2011, não consta o nome do médico assistente de onde extraio o que
diz: 'Solicitado atendimento para paciente com história de TCE com alta há 2
meses pós oclusão de TQT. Paciente transportado acompanhado por
médico, sem condições de entubação orotraqueal devido estenose de
traquéia, apresentou PCR durante o

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transporte. Atendido na emergência em PCR em assistolia, manobras de


RCP. Colocado tubo sem resposta as manobras de RCP. Constatado óbito
as 13h50'. 2) Papel não timbrado, sem data, assinado por Maria Aparecida
Braga, CRM-15556, (Coordenação PA do hospital Felício Rocho) de onde
extraio o que diz: 'paciente de 45 anos com história de TCE com alta
hospitalar há 2 meses da data do atendimento no pronto atendimento.
Naquela internação foi submetido a traqueostomia e decanulação antes da
alta (segundo informação do médico assistente e familiares). Atendido em
19/março/2011, no interior e transportado acompanhado por médico para
este serviço. Evoluiu com parada cardiorrespiratória durante o transporte.
Dificuldade para entubar no transporte devido a presença de estenose de
traquéia, segundo informações de médico assistente. Chegou a emergência
em parada cardiorrespiratória, em assistolia. Iniciado manobras de
reanimação cardiorrespiratória, entubado com tubo número 7, porém não
houve resposta as ações tomadas. Constatado óbito as 13h50'. 3) Certidão
de óbito, timbrado do terceiro subdistrito de Belo Horizonte, de onde extraio o
que diz:' causa da morte: acidose metabólica, insuficiência respiratória aguda
e edema agudo de pulmão'. (...) COMENTÁRIOS: em resposta ao quesito
formulado por Vossa Exma Juíza a seguir: 'com vistas a corroborar o nexo da
causalidade existente entre as lesões provocadas pelo disparo da arma de
fogo e a causa mortis da vítima já descrita em sua certidão de óbito'
respondo: NÃO nos foi enviado relatórios médico-hospitalares relacionados
as lesões provocadas por arma de fogo, portanto, não temos elementos de
convicção e certeza para afirmar, negar ou restabelecer nexo de
causalidade, baseado apenas nos relatórios médicos e certidão de óbito
acima descritos, com a morte. (...)", f. 305/306 (grifo meu)

Como se vê dos autos, o ofendido fora atingido com um disparo de


arma de fogo no dia 13 de janeiro de 2011, devidamente atendido no
Hospital João XXIII e recebeu posterior alta "pós oclusão de TQT", conforme
se infere da denúncia, f. 03, do BO, f. 19, e do Relatório Médico de f.
305/306.

Entretanto, tão somente 02 (dois) meses após a alta

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concedida no hospital, veio a vítima a apresentar quadro de parada


cardiorrespiratória, sem, contudo, haver no processo qualquer elemento que
possa vincular esse quadro clínico com o disparo sofrido meses antes.

Há caso análogo, julgado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande


do Sul, em que, diferentemente do presente caso, foram juntados os
relatórios médicos atestando a inexistência do vínculo entre as lesões
sofridas e a causa mortis da vítima. Veja-se:

"APELAÇÃO-CRIME. HOMICÍDIO CULPOSO NO TRÂNSITO. AUSÊNCIA


DE NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE A CONDUTA E O RESULTADO
MORTE. SUPERVENIÊNCIA DE CAUSA RELATIVAMENTE
INDEPENDENTE. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS DA CULPA. ABSOLVIÇÃO.
Nexo de causalidade. O óbito ocorreu por embolia pulmonar decorrente de
causa relativamente independente, consoante atestado por perícia realizada
pelo Departamento Médico-Legal do Instituto-Geral de Perícias. O
documento constatou que inexistiu "perigo de morte" até o momento em que
esta efetivamente ocorreu, de forma súbita, quatro dias após procedimento
cirúrgico. O óbito ocorreu 15 dias após o acidente e que ao ofendido havia
sido concedida alta hospitalar de estabelecimento em que esteve internado
anteriormente. Há documentação indicando "boa evolução pós-operatória"
com avaliação no dia anterior ao da morte sem registrar qualquer
intercorrência. Nesse contexto, demonstrada a causa superveniente
relativamente independente, que não pode ser compreendida como
encadeamento direto e decorrência natural do evento narrado na inicial, seria
caso de desclassificação da imputação, nos termos do parágrafo 1º do artigo
13 do Código Penal. Todavia, a prova produzida é insuficiente para
evidenciar que o réu agiu com culpa, sendo impositiva sua absolvição.
Insuficiência de provas. Não há prova concreta de que o acusado se
encontrava em excesso de velocidade. Nem sequer consta nos autos qual
seria o limite de velocidade permitido para o tráfego na via." (TJRS - 3ª
Câmara Criminal - Rel. Des. Diógenes V. Hassan Ribeiro - ACR n.º 0434211-
70.2012.8.21.7000 - DJ 19/09/2013)

Vale repisar que, assim como no caso supracitado, no

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presente a vítima recebeu alta do hospital em que fora internado inicialmente,


vindo a apresentar quadro de acidose metabólica, insuficiência respiratória
aguda e edema agudo de pulmão tão somente 02 (dois) meses após a alta
concedida.

Não bastasse o grande lapso temporal decorrido entre os fatos


narrados na denúncia e o efetivo óbito do ofendido, não há nos presentes
autos prova de que essas enfermidades tenham decorrido do disparo sofrido.

Repise-se: o único laudo realizado quanto à vítima José Luiz é


categórico em afirmar que "NÃO nos foi enviado relatórios médico-
hospitalares relacionados as lesões provocadas por arma de fogo, portanto,
não temos elementos de convicção e certeza para afirmar, negar ou
restabelecer nexo de causalidade, baseado apenas nos relatórios médicos e
certidão de óbito acima descritos, com a morte", f. 306.

A doutrina, inclusive, leciona sobre a causa superveniente


relativamente independente e, segundo Guilherme de Souza Nucci, há,
nesses casos, que se utilizar do critério do "juízo hipotético de eliminação",
ou seja, se retirar-se do contexto que o réu sofreu um disparo de arma de
fogo 02 (dois) meses antes de sua morte, poderia ele, ainda assim, vir a
óbito? Data venia, creio que a resposta é positiva, até porque, como já dito e
repetido, o laudo pericial não comprovou o nexo existente entre os fatos.

Confira-se os ensinamentos doutrinários:

"(...) Para apurar se alguma circunstância fática é causa do crime, deve-se


utilizar o critério do juízo hipotético de eliminação, ou seja, abstrai-se
determinado fato do contexto e, se ainda assim o resultado se produzisse,
não seria ele causa do resultado. (...)" (NUCCI, Guilherme de Souza - Código
Penal Comentado - Ed. 2010 - p. 144)

Neste raciocínio, deve o agente responder tão somente pelos atos


a que deu causa, e não ao homicídio, já que não há prova

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nos autos a indicar que o disparo de arma de fogo fora a causa de sua morte.
Continua a doutrina:

"(...) Por outro lado, existem causas relativamente independentes, que


surgem de alguma forma ligadas às causas geradas pelo agente (por isso,
são relativamente independentes), mas possuindo força suficiente para gerar
o resultado por si mesmas. Exemplo tradicional da doutrina: se, por conta de
um tiro, a vítima vai ao hospital e, lá estando internada, termina morrendo
queimada num incêndio que toma conta do nosocômio, é preciso considerar
que o fogo foi uma casa relativamente independente, a produzir o resultado
morte. É causa do evento porque não fosse o tiro dado e o ofendido não
estaria no hospital, embora o incêndio seja algo imprevisível. Daí por que o
legislador resolveu criar uma válvula de escape ao agente, a fim de não
responder por algo imponderável. 15. Efeito da causa relativamente
independente: ela tem força para cortar o nexo causal, fazendo com que o
agente responda somente pelo que já praticou (...)" (NUCCI, Guilherme de
Souza - Código Penal Comentado - Ed. 2010 - p. 156/157)

Em resumo: não há prova do nexo causal supostamente existente


entre o disparo efetuado pelo réu e a causa da morte da vítima José Luiz, o
que a meu ver, data venia, implica na conclusão de que a decisão do júri que
condenou o apelante pela prática do delito de homicídio qualificado contra o
ofendido José Luiz Teles Magalhães se mostra em manifesta oposição à
prova dos autos.

Verificado, portanto, o equívoco do Tribunal do Júri ao acolher


integralmente a acusatória, imperioso que se dê provimento ao recurso
defensivo para anular parcialmente o julgamento e oportunizar ao Conselho
de Sentença da Comarca de Esmeraldas nova chance de apreciar e decidir o
processo quanto ao delito praticado contra o ofendido José Luiz Teles
Magalhães, ainda que novamente a conclusão seja idêntica.

Por fim, tendo em vista que ainda vislumbro a presença dos


requisitos do art. 312 do CPP e levando-se em conta que o réu já está

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pronunciado, mantenho a prisão cautelar anteriormente imposta.

Conclusão:

Ante ao exposto, rejeito a preliminar e dou provimento ao apelo


defensivo para cassar parcialmente a decisão do Tribunal do Júri Popular,
pois manifestamente contrária à prova dos autos quanto ao delito
supostamente praticado contra a vítima José Luiz Teles Magalhães,
determinando-se a realização de outro julgamento.

Sem custas.

É como voto.

DES. MATHEUS CHAVES JARDIM (REVISOR) - De acordo com o(a)


Relator(a).

DES. CATTA PRETA - De acordo com o(a) Relator(a).

SÚMULA: "REJEITARAM A PRELIMINAR E DERAM


PROVIMENTO AO RECURSO. CASSARAM PARCIALMENTE O
JULGAMENTO DE PRIMEIRO GRAU. COMUNICAR"

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