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LINGUAGEM DOCUMENTÁRIA E TERMINOLOGIA 231

ARTIGO

Linguagem documentária e terminologia1

Documentary language and terminology

Marilda Lopes Ginez de LARA2

R E S U M O

A linguagem documentária deve ser formulada rigorosamente para se constituir


em sistema de organização e de comunicação da informação, qualquer que
seja seu universo (bases bibliográficas, sites na WEB, conteúdos de manuais
técnicos). O uso da terminologia teórica e da terminologia concreta contribui à
consecução desses objetivos, à medida que fornece princípios para a
identificação dos domínios, delimitação de conceitos e termos, estabelecimento
de relações entre conceitos apoiadas em definições, além de prover referência
concreta aos descritores. Visando melhor compreensão dos conceitos
terminológicos, exploramos as normas terminológicas ISO 704:2000 e ISO
1087-1:2000, no que tange aos conceitos e à modelagem de sistemas de
conceitos, destacando que a importância da Terminologia (teórica e
metodológica) para a construção da linguagem documentária, transcende o
uso normalizado dos termos: a apropriação de procedimentos e de conceitos
terminológicos pela Ciência da Informação (e pela Lingüística Documentária)
se relaciona à especificidade de seu objeto e objetivos. A utilização da
terminologia, ao lado de contribuições de outras áreas, vai ao encalço da
constituição de unidades de informação.

Palavras-chave: linguagem documentária, organização da informação,


terminologia, normas terminológicas, lingüística.

1
Apoio do CNPq, através de bolsa de Produtividade em Pesquisa, Processo Número 304635/003-0.
2
Docente, Departamento de Biblioteconomia e Documentação, Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo.
Av. Prof. Lúcio Martins Rodrigues, 443, 05508-900, São Paulo, SP, Brasil. E-mail: <larama@usp.br>.
Recebido em 8/7/2003 e aceito para publicação em 28/6/2004.

Transinformação, Campinas, 16(3):231-240, setembro/dezembro, 2004


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ABSTRACT

Documentary language must be built rigorously to constitute itself as information


organizing and information communication system, in any area of its utilization
(bibliographic bases, web sites or technical manuals’ contents). Theoretic and
concrete terminologies contribute to such objectives, as they provide principles
to identify subject fields (domains), to delimit concepts and terms, and to establish
concept relations supported by definitions, besides providing concrete references
to descriptors. In order to make the comprehension of terminoloical concepts
more accessible, we explore the terminological standards ISO 704:2000 and
ISO 1087-1:2000, related to concepts and the modeling of concept systems. We
emphasize the importance of Terminology to documentary languages
construction, as it transcends the normalized use of terms: the appropriation of
terminological procedures and concepts by the Information Science (and the
Documental Linguistics) is closely related to its object specificity and objectives,
since terminology usage, side by side with contributions from other domains,
pursues the constitution of information units.
Key words : documentary language, information organization, terminology,
terminological standards, Linguistics.

INTRODUÇÃO É por esse motivo que, no momento em


que as tecnologias digitais têm sido utilizadas
A denominação linguagem documentária, na comunicação, as metodologias de construção
além de referir-se ao conjunto dos diferentes tipos da linguagem documentária são referidas como
de instrumentos especializados no tratamento meios para tratar também universos não exclusi-
da informação bibliográfica (sistemas de vamente bibliográficos, como sites na WEB,
classificação enciclopédicos ou facetados e conteúdos de manuais técnicos, de cd-roms de
tesauros), designa, de modo mais amplo e
distintos assuntos, etc. Essas metodologias são
completo, a linguagem especialmente construída
essenciais à arquitetura da informação.
para organizar e facilitar o acesso e a transfe-
rência da informação. Os investimentos teóricos O interesse pela aplicação dos princípios
que marcaram o aprimoramento de metodologias de construção da linguagem documentária se
de construção da linguagem documentária, num deve, em grande medida, às bases conceituais
diálogo com disciplinas como a Lógica, a da Lingüística Documentária. Esta, constituída
Lingüística, a Terminologia 3 , entre outras, pela apropriação e transformação de conceitos
mostram que seu caráter instrumental é antes de outras disciplinas sob a ótica da Ciência da
uma decorrência das características que a Informação, permite aperfeiçoar as formas pelas
relacionam efetivamente à linguagem natural, na quais podem ser atingidos os objetivos de
sua capacidade de prover formas de estruturação comunicação da informação. Dentre tais con-
e de organização de inúmeros e variados ceitos destacam-se, da Lingüística, o princípio
conjuntos informacionais. estrutural de organização da linguagem; da

3
Para efeito de clareza, utilizaremos Terminologia (com T maiúsculo) para referirmo-nos à Terminologia teórica e metodológica,
e terminologia (com t minúsculo) para referirmo-nos à terminologia concreta.

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Lógica, a identificação das formas de raciocínio mediação entre sistemas ou conjuntos informa-
e de organização de conjuntos; da Terminologia, cionais e usuários. Ou, sob outra perspectiva,
a modelagem do conceito e dos sistemas de e’um instrumento que exerce a função de ponte
conceitos, além das referências concretas para entre ao menos duas linguagens: a linguagem
a interpretação dos termos por meio dos do sistema e a linguagem do usuário. Essa
glossários e dicionários terminológicos potencialidade da linguagem documentária
especializados, que são seus produtos. decorre do fato de que ela constitui, em si
O campo da informação não é, entretanto, mesma, um produto autônomo, um sistema
exclusivo dos profissionais bibliotecários e significante, ou seja, um meio organizado em
documentalistas. Um grande número de expe- torno de uma área temática, que é uma das
riências, gestadas por distintas áreas (inteligên- condições para possibilitar as operações de
cia artificial, informática) e reunindo especialistas representação e de acesso à informação.
das áreas da lingüística, da engenharia, da Enquanto sistema de significação e de comuni-
filosofia, da psicologia e da própria Ciência da cação, a linguagem documentária permite orientar
Informação, estão hoje compreendidas sob o a busca, ou seja, a navegação através de uma
termo Ciências da Cognição. Dentre os proposta de segmentação do universo focado.
instrumentos propostos incluem-se as taxono- Para que a linguagem documentária dê
mias, as ontologias, os mapas semânticos forma ao conteúdo, propondo-se como um modo
ou conceituais, os topic maps (MOREIRO de organização, e para que simultaneamente
GONZÁLEZ, 2004), designações que remetem desempenhe o papel de instrumento de
a experiências desenvolvidas com graus variados comunicação, ela deve reunir determinadas
de inovação, profundidade ou método. Não nos qualidades, tais como: a) funcionar como código
ocuparemos, neste artigo, destes produtos, de inteligível e fonte para interpretação do sentido,
seus méritos, ou de seus problemas. Embora b) caracterizar-se como metalinguagem, c)
alguns deles sejam peças mercadológicas para incorporar o usuário como integrante do
atrair os menos avisados, nosso propósito ao processo.
mencioná-los se deve às referências comuns
muitas vezes utilizadas. Deste modo, a elucida- A presença de todas essas caracterís-
ção das bases que sustentam a construção da ticas depende do rigor metodológico utilizado na
linguagem documentária, pode congregar vários sua construção, principalmente quanto à
interesses pela convergência de objetivos. normalização semântica, ou seja, quanto ao
Neste artigo, restringimo-nos a apontar processo de delimitação do sentido de suas
alguns elementos da Terminologia, relacionados unidades e, conseqüentemente, de seu todo
à formação do conceito e à modelagem de (LARA, 1999).
sistemas conceituais. Estes, apropriados pela Para realizar a mediação e se constituir
Lingüística Documentária (subdomínio da Ciência em fonte de sentido, não basta reunir as
da Informação), auxiliam o trabalho com a expressões retiradas dos documentos. Ao
organização da informação, preparando-a para contrário, a linguagem documentária deve dispor
o acesso, a transferência e a apropriação. os seus elementos, uns em relação aos outros,
para que, no conjunto, obtenha-se um sistema
Linguagem e linguagem documentária uno e dotado de significado. Uma linguagem
documentária é “simultaneamente, um modo de
A linguagem documentária é um organização e uma forma de comunicação da
instrumento por meio da qual se realiza a informação” (TÁLAMO, 1997).

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Os operadores de sentido, mecanismos do por um público heterogêneo, sua condição


para interpretação de uma linguagem são, no de inteligibilidade se relaciona às características
caso da linguagem documentária, constituídos particulares que lhe conferem certa homoge-
de forma complexa, pois têm sua origem na neidade. O público de um sistema deve
articulação de distintos códigos: a) no código reconhecer - ou ter condições de conhecer - o
da língua, b) no subcódigo relativo ao domínio- que está sendo veiculado, o que diz respeito
objeto (área de atividade, conjunto de informa- eminentemente à linguagem. Nasce daí o diálogo
ções tematicamente ligadas, mas ainda não com a Terminologia
necessariamente organizadas), c) e no subcódi-
Quando os universos-foco são especiali-
go da Ciência da Informação (em função de seus
zados - domínios do saber ou áreas de atividade-
objetivos, os de facilitar o acesso e a apropriação
o papel da Terminologia é bem claro, fornecendo
da informação).
referencial concreto para a interpretação dos
O código da língua remete a um saber termos, tal como eles são definidos em cada
prévio, implícito, condição primeira para que se um dos domínios de especialidade (em suas
realize a comunicação. É preciso ter domínio da terminologias). As definições desses termos
língua na qual as informações são veiculadas. respaldam a organização das redes de relaciona-
Os subcódigos do domínio-objeto (das áreas de mento entre eles. Porém, mesmo quando não
atividade, saber ou especialidade, ou mesmo do se trata de universos especializados, ou seja,
repertório focado) remetem a significados trata-se de universos cujos contornos não são
particulares: uma palavra que tem, na língua bem determinados, os princípios terminológicos,
geral, inúmeros sentidos, ganha um significado associados aos documentários, são essenciais
preciso e definido no seio de uma linguagem de para referir o processo de organização espacial
especialidade, num contexto preciso, ou num e visual dos elementos do repertório em jogo.
universo delimitado. O subcódigo da Ciência da
Nesse trabalho, a Lingüística Documen-
Informação, por sua vez, caracteriza-se como o
tária propõe associar, por exemplo, a norma
modo próprio como são efetuados os recortes
documentária ISO 2788 (1986) BS 5723 (1987)4
nas áreas de especialidade, ou nos universos-
relativa à elaboração de tesauros (tipo de
foco de arranjo ou representação, e na linguagem
linguagem documentária), à norma terminológica
natural, transformando as unidades desses dois
ISO 704..., (2000), relativa ao trabalho terminoló-
códigos em unidades de informação, expressos
gico com vocabulários, cujas definições são o
em linguagem documentária: a delimitação de
objeto da norma ISO 1087-1..., (2000). O uso
tais unidades depende de objetivos institucionais
conjunto dessas normas permite compreender
e das características dos usuários ao qual o
e operar o processo de organização de redes
sistema informacional se dirige. O usuário
relacionais semântico-pragmáticas.
participa do processo de construção da
mensagem veiculada (LARA, 1999).
Para funcionar como metalinguagem e A Terminologia
integrar o usuário como participante do processo,
a linguagem documentária deve utilizar referên- A Terminologia é uma área interdisciplinar
cias de linguagem - e de significado - que sejam que dá suporte a várias disciplinas no estudo
razoavelmente compartilhadas. Mesmo que o dos conceitos e sua representação em lingua-
sistema (o site, por exemplo) possa ser acessa- gens de especialidade. Termo polissêmico,

4
Constitui versão da referida norma, o documento: Diretrizes para o estabelecimento e desenvolvimento de tesauros monolíngües.
(AUSTIN, D.; DALE, 1993).

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terminologia se refere tanto à teórica e metodoló- Através de normas terminológicas inter-


gica, como à terminologia concreta. Na primeira nacionais, a Terminologia prescreve procedi-
acepção, a Terminologia fornece metodologia para mentos para a manipulação de informação
a descrição, ordenamento e transferência do terminológica e para o planejamento do trabalho
conhecimento, indicando princípios que regem de administração dessa informação. Dentre as
a compilação, formação dos termos, estrutura- principais atividades terminológicas, podemos
ção de campos conceituais, uso e administração citar: a identificação de conceitos e das relações
de terminologias. Na segunda acepção, refere- entre os conceitos; a análise e modelagem de
se a um conjunto de termos relacionados a uma sistemas de conceitos através de diagramas de
língua de especialidade. O recurso à Terminologia conceitos; o estabelecimento de representação
(teórica e concreta) é fundamental para identificar dos sistemas de conceitos através de diagramas;
o subconjunto da língua em que as palavras a definição de conceitos; a atribuição de
significam de modo determinado, pela rede designações (predominantemente termos) a cada
articulada de relacionamentos que lhes confere conceito, em uma ou mais línguas; o registro e
sentido. apresentação de dados terminológicos (termi-
A principal característica da linguagem nografia) (ISO 704, 2000).
documentária é dar acesso a conteúdos por um
meio econômico de representação. Tanto para
as bases bibliográficas, como para os sites ou Principais elementos da Terminologia
os manuais técnicos, a unidade de acesso é
Os elementos centrais da Terminologia
um indicador sintético (tal como as definições
são os objetos, conceitos, termos e definições.
por condensação), ou seja, um descritor, através
Os conceitos se referem a objetos e são
do qual se chega aos conteúdos ou aos
representados por termos - designações dos
conjuntos de documentos cujo conteúdo é
conceitos - que são descritos através de
correspondente5 . O sentido desse descritor,
definições. Não se pode, porém, conceber um
isolado no processo de coleta, ganha referência
conceito a não ser através de uma designação,
ao ser contextualizado relativamente a outros
já que a linguagem é condição mesma do
termos, ou ao ser acompanhado de uma
pensamento.
definição ou explicação.
Uma interpretação semiótica da relação
Para a Terminologia, as palavras, que têm
objeto, termo, conceito afirmaria que o termo (o
inúmeros sentidos enquanto unidades da língua
signo) remete ao conceito de uma forma
(a representação do léxico da língua está no
dinâmica, via interpretante. O triângulo semiótico
dicionário de língua, onde cada verbete é
utiliza uma linha pontilhada entre signo e objeto
acompanhado de inúmeros significados) se para mostrar a ambigüidade desta última noção,
transformam em ‘termos’ quando localizados nos bem como para pôr em relevo que o interpretante
discursos dos domínios do conhecimento ou não é o produto fixo dessa relação. Na proposta
áreas de atividade (a representação dos domínios de Morris (DASCAL, 1978), ao processo
de especialidade ou áreas de atividade é feita semiótico concorrem, além do “objeto, signo e
nos dicionários especializados) (LE GUERN, interpretante”, mais dois elementos: o “contexto”
1989). e o “intérprete”. O interpretante, portanto, também

5
A Arquitetura da Informação fala em label ou etiqueta (ROSENFELD,; MORVILLE, 2002), termo preterido pela Ciência da
Informação para não levar à ideia de algo pudesse ser “colado às coisas”. Outro termo utilizado genericamente para se referir
a descritor, é palavra-chave, termo que ficou reservado, entretanto, pela terminologia da Ciência da Informação, aos processos
de extração da informação, não necessariamente acompanhados de arranjo ou organização.

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depende necessariamente do domínio, do privilegia a linguagem da ciência, como se


discurso, das condições de enunciação e da poderia pensar numa análise apressada, já que
experiência colateral do receptor. Sob essa trabalhos terminológicos podem ser desenvolvi-
perspectiva, verifica-se que o “termo” não é uma dos em áreas não tão formalizadas. É necessário
etiqueta colada ao objeto, nem o “conceito” é considerar, entretanto, que os limites entre as
uma idéia irremediavelmente presa à designação. duas linguagens não são sempre nítidos, uma
Embora a terminologia clássica, base das vez que a linguagem de especialidade nada
normas terminológicas, dê excessiva ênfase ao mais é do que um subconjunto do sistema
referente extralingüístico e atribua à língua apenas lingüístico - portanto, parte da língua -, usado
o papel de designação - levando a crer que o numa área de assunto particular e caracterizada
conceito não variaria segundo as línguas -, a por uma terminologia específica (LARA, 1999).
Terminologia contemporânea questiona essa É inegável verificar, todavia, que existem diversas
rígida separação, vendo a terminologização como linguagens de variados graus de especificidade,
um processo que não é imune às diferentes como espécies de ‘normas’ dentro do sistema
línguas. Disso decorre a aceitação das variações da língua. Existem linguagens separadas, espe-
lingüístico-semânticas, devidas às diferentes cíficas (as terminologias, relativas a disciplinas
formas culturais de delimitar o significado distintas), como existem níveis de saber diversos
(CABRÉ, 1999). (SAGER, 1993).
A focalização no domínio opera a espe-
cialização da palavra, à medida que fornece o
Os domínios e áreas de atividade como contexto necessário ao seu pleno entendimento
focos do trabalho terminológico e significação. Este é um recurso importante para
a elaboração da linguagem documentária, uma
O trabalho terminológico é realizado nos
vez que a delimitação do domínio permite
domínios ou áreas de atividade, verificando seus
recompor a referência, para a interpretação de
meios de expressão lingüística particulares, que
palavras que, na coleta, foram descontextuali-
englobam uma terminologia e uma fraseologia
zadas de seus textos de origem.
próprias, podendo também apresentar traços
estilísticos ou sintáticos particulares. Os limites
de um domínio não são fixos e dependem de
Objetos e conceitos
propósitos e pontos de vista particulares (ISO
1087-1..., 2000). Para as normas terminológicas, a relação
Para a norma 704, os conceitos são entre objetos e signos lingüísticos é feita via
representações mentais dos objetos dentro de conceitos (ISO 704..., 1987). O “conceito” (termo
contextos ou campos especializados. Sob nosso equivalente e preferido à “noção”6 ) é uma unidade
ponto de vista, essa distinção pretende separar de conhecimento criada por uma combinação
fatos da linguagem geral, de fatos da linguagem única de características. Embora não estejam
de especialidade, para mostrar que, num trabalho necessariamente ligados às línguas particulares,
terminológico, a linguagem das ciências e a das os conceitos são geralmente influenciados pelo
técnicas têm características diferentes da contexto sociocultural, do que decorre a
linguagem do senso comum. A distinção não possibilidade de categorizações diferentes

6
Embora alguns autores estabeleçam diferenças entre conceito e noção, a terminologia brasileira tende a aceitar mais a
primeira designação. A ISO 1087-1:2000, em sua edição bilingüe, prescreve concept, em inglês; para a língua francesa, concept
ou notion são designações aceitas, destacando-se a primeira como entrada principal.

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segundo as diversas línguas (ISO 1087-1..., intersubjetiva. A delimitação de características


2000). permite dar forma aos conceitos (intenção) e
A formação de um conceito é considerada organizá-los em classes (extensão), operação
fundamental na organização do conhecimento, essa que não é isenta de condicionantes
porque provê os meios necessários ao culturais e funcionais. A norma não indica algo
reconhecimento dos objetos e seu agrupamento artificial, mas propõe realizar metodologicamente
em unidades significativas num domínio um procedimento inerente ao processo de
particular. Esse agrupamento é realizado pela conhecimento e de representação. O processo
identificação de características ou propriedades de delimitação de conceitos é uma importante
comuns, compartilhadas por tais objetos, ou, ferramenta para a modelagem dos sistemas de
cuja combinação pode diferir entre culturas, conceitos, para a formulação de definições e,
campos ou escolas de pensamento (ISO 704..., muitas vezes, para o processo neológico de
2000). A característica, portanto, é a propriedade criação de designações.
abstraída de um objeto, ou de um conjunto de
objetos, que serve para descrever um conceito
As relações entre os conceitos
(ISO 1087-1..., 2000). Citamos como exemplo
Lápis: feito de uma longa e fina peça de grafite, Do mesmo modo que as palavras na
o corpo de grafite é envolvido por um invólucro língua, os conceitos não existem isoladamente,
de madeira, o envólucro é amarelo, numa ponta mas relacionados uns aos outros. Para a
existe uma borracha, em outra ponta, o grafite e Terminologia, de base lingüística, isso deve ser
o envólucro devem ser apontados, é usado para entendido como conseqüência da própria
escrever ou fazer marcas (ISO 704, 2000). característica das línguas naturais, já que, como
As características são agrupadas em parte de subconjuntos lingüísticos, o significado
tipos de características (como por exemplo, pelas dos termos que correspondem a conceitos, se
categorias cor, material, composição, forma, resolve internamente a esses subconjuntos.
função, uso, origem, localização, etc.) que Portanto, é a estrutura de relacionamento entre
servem de critério de subdivisão quando do os termos (que correspondem a conceitos) que
estabelecimento de sistemas de conceitos (ISO permite dotá-los de significado.
704..., 2000). A utilidade das características As relações entre os conceitos são
depende de propósitos práticos. O conjunto de constantemente redefinidas em função da área
características que se combinam para constituir de conhecimento e dos objetivos dos usuários.
o conceito corresponde à intenção(ou compreen- Modelar um sistema de conceitos é montar sua
são) do conceito; a extensão é a totalidade dos estrutura de relacionamento. Nesse processo,
objetos aos quais um conceito corresponde. Ex.: são identificadas relações de superordenação e
o conceito ave tem uma intenção maior do que o subordinação - as relações hierárquicas (gené-
conceito animal, que tem uma extensão maior ricas e partitivas) e relações associativas (ISO
(e vice-versa). 704..., 2000). A visualização dessas relações
As características, como os conceitos, pode ser facilitada pelo uso de diagramas ou
não existem de forma independente. Elas são representações gráficas.
abstrações produzidas pela segmentação, A determinação da natureza das relações
necessária à demarcação dos objetos no mundo, depende do exame das características. A
pela língua. É da natureza humana segmentar terminologia de um domínio não é uma coleção
e, depois, generalizar, como meio de conhecer, arbitrária de termos, mas uma coletânea de
organizar o mundo e possibilitar a comunicação designações que representam os conceitos e

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que formam a estrutura de conhecimento de um é aquecido por uma corrente elétrica de modo
domínio. Os conceitos devem refletir um sistema que ela emita luz (característica distintiva) (ISO
coerente de conceitos, a partir das relações 1087-1..., 2000).
estabelecidas entre eles. A posição de um con-
Já a definição extensional, descreve o
ceito dentro de um sistema é determinada pela
conceito enumerando todos os conceitos subordi-
sua intenção - conjunto singular de ca-
nados que correspondem a um critério de
racterísticas que o constituem - e pela sua
subdivisão.
extensão - totalidade de objetos aos quais
corresponde o conceito, conforme já vimos. Os Ex. Família 18 da Tabela Periódica de
sistemas de conceitos variam em sua organiza- Elementos Químicos: hélio, neônio, argônio,
ção, uma vez que diferentes abordagens dos criptônio, xenônio, radônio (ISO 1087-1..., 2000).
domínios são possíveis: sistemas genéricos, A literatura terminológica prescreve,
partitivos ou associativos de conceitos, conforme todavia, outros tipos de definição, uma vez que,
as relações (genéricas, partitivas ou associati- de fato, são poucas as que seguem o padrão
vas) em jogo. aristotélico “gênero próximo, diferença
específica”. As definições podem ser feitas
também por sinonímia, por paráfrase, por síntese,
A definição por implicação (usando a palavra num contexto
explicativo), por demonstração (a definição
Através do relacionamento entre os
ostensiva), além das definições que combinam
conceitos pode-se chegar a uma definição. Para
vários dos tipos anteriores (SAGER, 1990).
as normas terminológicas, a definição é uma
representação de um conceito por um enunciado
descritivo que permite diferenciá-lo dos conceitos A designação
associados (ISO 1087-1..., 2000). “A definição
é, por excelência, classificadora, hierarquizante, A cada conceito corresponde, também,
estruturante” (DESMET, 1990). uma designação, que é uma representação feita
As definições previstas pelas normas por um signo, lingüístico ou não. Há três tipos
terminológicas são as intencionais ou exten- de designações: os símbolos, os nomes7 e os
sionais, que definem o conceito como unidade termos. O nome é uma designação verbal de
com uma única intenção e extensão. Uma um conceito único (por exemplo, Escola de
definição intencional (ou definição por compreen- Comunicações e Artes). O termo é uma designa-
são) descreve a intenção do conceito, indicando ção verbal de um conceito geral dentro de um
o conceito imediatamente superordenado,
domínio específico (por exemplo, escola) (ISO
seguido da(s) característica(s) que distingue(m)
1087-1..., 2000). O símbolo pode designar tanto
o conceito de outros conceitos coordenados (ISO
um conceito geral como um conceito individual
1087-1..., 2000), mostrando mais claramente
(por exemplo: Ag, que denota Argentum; Ω, que
suas características essenciais. Elas correspon-
denota ômega) (ISO 704..., 2000).
dem à definição aristotélica: gênero próximo,
diferença específica, sendo iniciada pela menção
ao conceito genérico seguido das características
CONSIDERAÇÕES FINAIS
distintivas do conceito sob definição.
Ex.: lâmpada incandescente: lâmpada Afirmamos, de início, que uma linguagem
elétrica (conceito superordenado) cujo filamento documentária deve se caracterizar como um

7
Apellation ou name, em inglês; appellation ou nom, em francês (ISO 1087-1..., 2000).

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código (ou mais que isso, um sistema de não utilizar suas contribuições como meros
significação e de comunicação uno, coerente), mecanismos operacionais.
funcionar como metalinguagem (estabelecer uma Do mesmo modo, a interface entre a
relação de isotopia com um corpus discursivo) e Ciência da Informação e a Terminologia não se
incorporar, no seu processo de construção, faz pela mera agregação de conceitos. Muitos
referências institucionais e dos usuários-alvo. terminólogos vêem na Ciência da Informação (ou
Apresentamos, em seguida, algumas noções da mais precisamente, na Documentação) o apoio
Terminologia relacionadas aos conceitos e à sua concreto para a existência da Terminologia: os
modelagem, que são referência à Lingüística terminólogos elaboram produtos artificiais
Documentária e à Ciência da Informação. A (glossários, dicionários) a partir das formas
exploração desses conceitos teve como objetivo naturais dos termos, tal como eles aparecem
demonstrar que há um diálogo profícuo entre a nos discursos, para o que é necessário contar
Terminologia e a Ciência da Informação, no que com documentação especializada. Sob o ponto
tange ao tratamento dos dados informacionais. de vista dos terminólogos, a utilidade da
Terminologia à Documentação se dá pelo seu
É necessário acrescentar, porém, que a
caráter normativo, já que o uso de termos
apropriação das contribuições terminológicas
padronizados confere à representação dos
para a elaboração da linguagem documentária
conhecimentos transmitidos por um documento,
transcende o uso normalizado dos termos. A
sistematicidade e univocidade (CABRÉ, 1999).
padronização, apesar de seu caráter coercitivo,
Nossa opinião é a de que o referido
permite ampliar as chances de circulação da
intercâmbio entre disciplinas pode assumir
informação; no entanto, a padronização não é o
características diferentes, dependendo, por um
principal objetivo do trabalho terminológico, como
lado, de como a área de Ciência da Informação
também não deve ser o da Ciência da Informa-
se apresenta às outras áreas e à Terminologia
ção. Mais do que a utilização de produtos
em particular; por outro lado, esse intercâmbio
terminológicos prescritivos, a Terminologia
depende de como a Ciência da Informação se
oferece parâmetros para operar com maior rigor apropria dos conceitos terminológicos. Com
a organização e a delimitação dos universos de efeito, a Ciência da Informação, ao estabelecer
informação, base indispensável para o estabele- mais claramente seu objeto e campo de trabalho,
cimento das conjunções, disjunções, asso- pode mostrar melhor, tanto os produtos de sua
ciações e equivalência entre conceitos, sedimen- atividade, como a sua especificidade (que não
tadas em definições e na observação do uso. A é, reafirmamos, em nenhuma hipótese definida
Terminologia, tanto teórica como concreta, pelo empréstimo de conceitos das várias
auxilia a decupagem dos domínios e a organiza- disciplinas com as quais se relaciona). Não é
ção da rede lógico-semântica entre os termos. nosso objetivo, neste artigo, discutir as
contribuições da Ciência da Informação à
No âmbito dos estudos terminológicos,
Terminologia. Sobre a relação inversa, podemos
tal como acontece em quaisquer disciplinas, não afirmar que, uma vez que a Ciência da
existe unanimidade teórica. As várias escolas Informação se imponha como área que visa
terminológicas conferem importância diferenciada organizar e transferir informação - objeto concreto
à Lógica, à Lingüística e às Ciências Cognitivas, do campo da Lingüística Documentária que é
o que influencia as abordagens da realidade e um de seus subdomínios -, o uso da Termino-
confere diferentes ênfases aos aspectos logia se fará em direção à constituição de
prescritivos ou descritivos. É preciso conhecer unidades de informação, que não são
tais escolas para proceder a escolhas e para constituídas apenas de termos normalizados.

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