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Concepções
religiosas
afro-brasileiras e
neopentecostais:
uma análise
simbólica
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Nas últimas duas décadas tem-se verificado no

Brasil uma intensificação do ataque promovido

pelas igrejas neopentecostais contra as religiões

afro-brasileiras. Na verdade, esse ataque, visto

por seus agentes como uma “guerra santa” ou

“batalha espiritual” do bem contra o mal (sen-

do este representado pelos demônios que se

travestem preferencialmente de divindades do

panteão afro-brasileiro para causar malefícios), faz

parte, em diferentes graus, do sistema teológico

£Ê "Ê «i˜ÌiVœÃÌ>ˆÃ“œÊ ÃÕÀ}iÊ ˜œÊ e doutrinário do pentecostalismo desde seu sur-


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Nas décadas de 1950 e 1960, o movimento

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pentecostal assumiu novos contornos no Brasil
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expandindo a base de suas igrejas, adensando o

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`>Ê k˜XKœÊ ­ iœÊ œÀˆâœ˜Ìi]Ê número de denominações e ganhando maior vi-
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À>ȏÊÌi“ÊVÀiÃVˆ`œÊL>ÃÌ>˜Ìiʘ>ÃÊ sibilidade (2). Distinguindo-se pela ênfase do dom
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ÌiÃiÃÊ>V>`k“ˆV>Ã]ÊÀivœÀX>˜`œÊ>Ê da cura divina (por isso chamada muitas vezes
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iÃÌÕ`>`œ° de “igrejas da cura”) e pelas estratégias de prose-
litismo e conversão em massa, essa segunda nopólio religioso que possui vínculos com
onda (3) do pentecostalismo preservou as diversas esferas da sociedade brasileira? O
características básicas do movimento que episódio do “chute na santa” e suas reper-
já havia quarenta anos, como a doutrina cussões negativas (Mariano, 1999, p. 81)
dos dons carismáticos (fé, profecia, discer- são um bom exemplo da dificuldade desse
nimento, cura, línguas, etc.), o sectarismo enfrentamento aberto. O ataque às religiões
e o ascetismo (Mariano, 1999, p. 31). afro-brasileiras, mais do que uma estratégia
A terceira fase do movimento pentecos- de proselitismo junto às populações de bai-
tal, iniciada nos anos de 1970, com grande xo nível socioeconômico, potencialmente
projeção nas duas décadas seguintes, foi consumidoras dos repertórios religiosos
marcada por algumas diferenças significati- afro-brasileiros e neopentecostais, como
vas no perfil das igrejas surgidas e práticas querem alguns estudiosos, parece ser uma
adotadas, o que lhe valeu a classificação espécie de estratégia à la “cavalo de Tróia”
de “neopentecostal”. Pelo acréscimo do às avessas. Combate-se essas religiões
prefixo latino “neo”, pretendeu-se expressar para monopolizar seus principais bens no
algumas ênfases que as igrejas identificadas mercado religioso, as mediações mágicas e
nessa fase assumiram em relação ao campo a experiência do transe religioso, transfor-
do qual, em geral, faziam parte: abandono mando-o em um valor interno do sistema
(ou abrandamento) do ascetismo, valoriza- neopentecostal. Em posse destes é possível
ção do pragmatismo, utilização de gestão partir para ataques às outras denominações
empresarial na condução dos templos, ên- cristãs com maiores chances de vitória. A
fase na teologia da prosperidade, utilização resposta do catolicismo carismático parece
da mídia para o trabalho de proselitismo atestar a importância dessas mediações
em massa e de propaganda religiosa (por para um grande segmento da população.
isso chamadas de “igrejas eletrônicas”) No Brasil, enquanto os processos de se-
e centralidade da teologia da batalha es- cularização e racionalização atingiram os
piritual contra as outras denominações setores cristãos (catolicismo, protestantismo
religiosas, sobretudo as afro-brasileiras e histórico, etc.), o pentecostalismo surge
o espiritismo. como uma possibilidade, ainda tímida na
Por que a escolha dessas religiões como primeira e segunda fase, mas muito forte
principal alvo? Será que uma igreja tão orga- na terceira, de valorização da experiência
nizada e com um apurado tino empresarial e do avivamento religioso. No neopentecos-
administrativo, interessada na conversão em talismo essa característica se radicaliza em
massa, como a Igreja Universal do Reino de termos de transformá-lo em uma religião da
Deus, principal representante do segmento experiência vivida no próprio corpo, carac-
neopentecostal, iria se importar com reli- terística que tradicionalmente esteve sob a
giões (candomblé, umbanda e espiritismo) hegemonia das religiões afro-brasileiras e
que juntas, segundo o Censo Demográfico do espiritismo kardecista. Combater essas
do IBGE de 2000, somam apenas 1,7% da religiões é menos uma estratégia proselitista
população? Ainda que consideremos esses voltada para retirar fiéis desse segmento,
ÎÊ Ê ÀiVœÀÀi˜ÌiÊ i˜ÌÀiÊ œÃÊ >Õ̜ÀiÃÊ embora também tenha essa função, e mais
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valores subestimados pelos motivos histó-
ۈ“i˜ÌœÊ «i˜ÌiVœÃÌ>Ê i“Ê ÌÀkÃÊ ricos que geraram o duplo pertencimento uma forma de atrair fiéis ávidos pela expe-
œ˜`>Ã]Ê v>ÃiÃÊ œÕÊ “œ“i˜ÌœÃÊ
…ˆÃ̝ÀˆVœÃ]Ê ˜Õ“>Ê V>ÃÈwV>XKœÊ dos adeptos às religiões afro-brasileiras e ao riência de religiões com forte apelo mágico
œÀ>Ê VÀœ˜œ}ˆVœ‡ˆ˜Ã̈ÌÕVˆœ˜>Ê catolicismo, o ataque neopentecostal não se- e extáticas, com a vantagem da legitimidade
i“Ê Ài>XKœÊ >œÊ «iÀ‰œ`œÊ `iÊ
v՘`>XKœÊ`>Ãʈ}Ài>Ã]ʜÀ>Ê`iÊ ria “muita pólvora para pouco passarinho”? social conquistada pelo campo religioso
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>ëiV̜ÃÊ `œÊ ÃiÕÊ VœÀ«œÊ Ìiœ‡ Ou seja, o “bom combate” a ser travado cristão.
}ˆVœÊœÕÊ`œÕÌÀˆ˜?ÀˆœÊ­ÛiÀ]Êi˜ÌÀiÊ não seria contra o catolicismo, que, apesar Entre o neopentecostalismo, sobretudo
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£™™™®° da diminuição de fiéis verificada nas duas do tipo praticado pela Igreja Universal do

œ“œÊ Ìi“Ê È`œÊ «À?̈V>Ê i˜ÌÀiÊ últimas décadas, ainda representa, segundo Reino de Deus (Iurd) (4), e as religiões
“Ո̜ÃÊ iÃÌÕ`ˆœÃœÃÊ >`œÌ>ÀiˆÊ >Ê as mesmas fontes, 73,7% da população? afro-brasileiras, há, portanto, muito mais
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ˆ}Ài>°Ê Mas como declarar guerra aberta a esse mo- proximidades do que distâncias. Por isso,

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analisarei neste artigo as razões dessa bata- continua presente na configuração desse
lha espiritual (5) seguindo a máxima levis- sistema teológico (6).
traussiana na qual a diferenciação social é No neopentecostalismo, a palavra
conseqüência das semelhanças estruturais. falada ocupa lugar central nos processos
Ou seja, pretendo entender algumas dimen- mágico-religiosos. Nas sessões de cura, por
sões desse ataque (que se expressa, muitas exemplo, é comum que o pastor peça para
vezes, por meio da violência simbólica e as pessoas fecharem os olhos (7), enquanto
mesmo física) partindo do trânsito de certos ele faz uma oração na qual suas palavras
“termos” entre os sistemas religiosos em são carregadas de ênfase. Ao final, “ordena”
disputa, os quais produzem, sob a aparência veementemente, “em nome de Jesus”, que
de uma ruptura formal dos seus modelos, os males saiam do corpo dos enfermos.
continuidades significativas (ao menos no É no momento dessa “ordem verbal” que
nível estrutural) para o processo de apro- Deus, acredita-se, opera a cura. As pessoas
ximação e diferenciação dessas práticas que se sentem curadas são convidadas a dar
religiosas. Esse trânsito tem sido objeto de pública e oralmente um testemunho sobre
vários estudos recentes, nos quais me baseio a bênção recebida.
para sistematizar os argumentos apresen- Também no processo de exorcismo, o
tados, além da observação de campo e da uso da palavra assume grande importância
literatura de divulgação religiosa produzida tanto no momento em que o pastor ordena
nos meios neopentecostais. que os demônios se manifestem no corpo
dos fiéis, quanto no momento em que são
expulsos do corpo endemoninhado. Nesse
momento há inclusive um ato de efervescên-
 1-Ê Ê""ÆÊ""Ê -Ê cia coletiva em que a multidão grita efusiva-
mente: “Sai! Sai!” ou “Queima! Queima!”.
*6,- O uso do verbo “queimar” remete, aliás,
a um duplo simbolismo: o da “língua de
Baseado num episódio bíblico, descrito fogo” do Espírito Santo e o do poder que as
no Ato dos Apóstolos 2, em que o Espírito palavras ditas com fé têm de realizar a coisa
Santo se revelou entre os cristãos no dia proferida, nesse caso a destruição (queima)
de Pentecostes (quinquaségimo dia depois do demônio. Como mostra Mariano (1999, xÊ
œ˜Ãˆ`iÀ>˜`œÊ µÕiÊ >ÃÊ ˆ}Ài>ÃÊ
da Páscoa) por meio das línguas de fogo, o p. 153), para os defensores desse poder “o «i˜ÌiVœÃÌ>ˆÃÊÌk“ÊÜvÀˆ`œÊˆ˜yÕk˜‡
Vˆ>Ê`>Ãʈ}Ài>Ãʘiœ«i˜ÌiVœÃÌ>ˆÃ]Ê
pentecostalismo prega a presença “concre- exemplo vem de cima”: “Deus, como relata “ÕˆÌ>ÃÊ V>À>VÌiÀ‰Ã̈V>ÃÊ `iÃÃ>Ê
L>Ì>…>Ê Ì>“Lj“Ê «œ`i“Ê ÃiÀÊ
ta” de Deus no mundo e sua comunicação o livro de Gênesis, criou o universo por i˜Vœ˜ÌÀ>`>ÃÊ ˜>ÃÊ «Àˆ“iˆÀ>ðÊ
efetiva com os homens por meio do Espírito meio da palavra” (8). "Ê ÕÃœÊ µÕiÊ v>XœÊ `œÊ ÌiÀ“œÊ
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Santo e de seus dons, entre os quais o de A Bíblia, vista como o conjunto de ins- …œÊ ˜KœÊ `iÛiÊ ÃiÀ]Ê «œÀÌ>˜Ìœ]Ê
falar em línguas (glossolalia) e o de curar. crições da palavra revelada, cujo estudo e ÀiÃÌÀˆÌˆÛœÊDÃʈ}Ài>Ãʈ`i>“i˜ÌiÊ
ˆ`i˜ÌˆvˆV>`>ÃÊ ˜iÃÃ>Ê ÌiÀViˆÀ>Ê
A glossolalia, embora tenha sido um dom reflexão permite a conversão racional em v>ÃiÊ`œÊ“œÛˆ“i˜ÌœÊ«i˜ÌiVœÃÌ>]Ê
ÜLÀiÌÕ`œÊµÕ>˜`œÊÌÀ>̜Ê`œÊÌi“>Ê
fundante e importante do pentecostalismo várias denominações que nela se baseiam, `>ÊL>Ì>…>ÊiëˆÀˆÌÕ>°
clássico, na segunda e terceira fases desse no neopentecostalismo transforma-se numa ÈÊ -œLÀiÊ>ʈ“«œÀÌ@˜Vˆ>Ê`iÊv>>ÀÊi“Ê
movimento perdeu espaço para outros dons, gramática ou mitologia explícita útil sobre- ‰˜}Õ>Ã]ÊÛiÀÊ>Vi`œ]Ê£™™È]Ê«°Ê
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como o da cura, e para ênfases em outros tudo para a construção de ritos, muitos dos
ÇÊ "ÕÊ Ãi>]Ê ˜iÃÃiÊ “œ“i˜ÌœÊ …?Ê
aspectos teológicos, como a libertação quais situados na fronteira com as religiões Փ>ÊVœ˜Vi˜ÌÀ>XKœÊ`>Ê>Ìi˜XKœÊ
dos demônios e a prosperidade (Mariano, afro-brasileiras e espírita, como veremos `œÊwiÊ˜œÊÃi˜Ìˆ`œÊ`>Ê>Õ`ˆXKœ°

1999, p. 33) adiante. Curiosamente, recupera-se por nÊ ÃÊÀiviÀk˜Vˆ>ÃÊL‰LˆV>ÃÊDÊ«>>ÛÀ>Ê


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Mas ainda que a ênfase na glossolalia meio desse livro sagrado a dimensão das tra- >œÊÜ«ÀœÊµÕiÊ`?Êۈ`>Ê­œÕÊ>œÊ
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tenha sido amenizada nas fases recentes do dições orais, as quais, tal como acontecia no >Ê«Àœ`ÕXKœÊ`>Ê«>>ÛÀ>Êv>>`>®Ê
pentecostalismo, a forte relação existente passado, também hoje podem servir como ÃKœÊˆ˜Ö“iÀ>Ã°Ê >Ãʈ}Ài>Ãʘiœ‡
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entre “as línguas de fogo” (como expressão balizas para condutas rituais. Há, portanto, œÊ«>Ã̜ÀÊÜ«À>ʘ>Ê`ˆÀiXKœÊ`œÃÊ
do poder do Espírito Santo) e a “força das nesse movimento uma recuperação da pa- wjˆÃÊ«>À>Ê«ÀœÛœV>À‡…iÃÊ>ʵÕi`>Ê
˜œÊ ë‰ÀˆÌœÊ ->˜ÌœÊ ­>Àˆ>˜œ]Ê
palavras” (proferidas em nome de Deus) lavra falada, comumente associada às tra- £™™™]Ê«°ÊÎn®°

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dições orais, como agente mágico-religioso igrejas emanação de um poder mágico
transformador da realidade, o que permite auto-referente que aproximou em muitos
aproximar o universo neopentecostal, com aspectos o fogo da língua do Espírito Santo
suas palavras de fogo, línguas de anjos, do poder de realização de Exu.
ordenações de cura divina e expulsão de
demônios, do contexto afro-brasileiro em
que a palavra falada também é revestida
dos mesmos poderes simbólicos. /, - -Ê Ê/, -/"
No candomblé, por exemplo, a palavra
pronunciada é considerada emanação de Em trabalho sobre a guerra neopentes-
axé, importante mecanismo de movimen- costal contra as religiões afro-brasileiras,
tação de forças sagradas. A fala (seja para Ronaldo Almeida (1996, p. 62) escreve
coletar as folhas dos orixás, proferir rezas, que a Iurd tem praticado uma verdadeira
consagrar a iniciação religiosa por meio “antropofagia da fé inimiga”:
de invocações ou anunciar a presença di-
vina) possui um poder de realização que “[…] mais que o transitar das entidades, o
faz com que a transmissão do saber que que de fato transitou e adquiriu uma nova
ela expressa seja vista não no nível de fórmula foi o próprio transe. Pois somente
uma compreensão racional, mas de uma quando a Igreja Universal admitiu o transe,
dinâmica comportamental. recriando-o de forma específica, cravando-
Por esses motivos os tabus e preceitos o no centro do seu ritual mais elaborado,
referentes à fala são inúmeros no candom- é que as entidades puderam irromper no
blé: os orixás pouco falam, pois sua fala seu universo religioso […]. A guerra santa
emanaria um axé excessivo aos ouvidos travada consegue, dessa forma, conjugar
humanos; os nomes iniciáticos não podem um sincretismo invertido com a idéia de
ser proferidos fora dos contextos rituais; pluralismo religioso. E, como conseqüência,
usa-se preferencialmente a “língua do a Igreja Universal combate aquilo que, em
santo” (conjunto de expressões oriundas parte, ajudou a criar”.
das línguas africanas que contém segredos
rituais) nos contextos religiosos, etc. Como A glossolalia, como sinal do batismo
o domínio da fala pertence a Exu, numa clara (presença) do Espírito Santo, reintroduziu
alusão ao poder de realização que as palavras no campo das religiões cristãs uma relação
possuem (9), oferendas a esse orixá podem de proximidade (ou intimidade) do indiví-
propiciar beneficamente o uso dessa força. duo com o sagrado, mediada pelo corpo
Muitos sacerdotes, por esse motivo, mas- em êxtase religioso, que há muito tempo
cam um tipo de pimenta preferida de Exu fora banida desse campo, em virtude da
para que suas palavras estejam carregadas valorização da conversão racional e da
dessa força ou aspergem os assentamentos secularização. Obviamente que esse bani-
desse orixá com algum tipo de aguardente mento deve se matizado se considerarmos
lançado com a própria boca. as diferentes práticas religiosas e não ape-
Se o “falar em línguas” foi uma marca nas a ortodoxia das igrejas. Porém, mesmo
de distinção na origem do pentecostalismo, nas devoções populares mais próximas de
em sua vertente mais recente as performan- alguma forma de êxtase, a possibilidade
ces orais associadas aos ritos (como os de de receber na pele o próprio espírito de
libertação, cura, etc.) adquiriram tamanha Deus em pessoa não era o mais comum. A
™Ê “Ê “ÕˆÌ>ÃÊ iÃVՏÌÕÀ>Ã]Ê ÝÕÊ jÊ importância que fizeram muitas igrejas neo- novidade do movimento pentecostal foi,
Ài«ÀiÃi˜Ì>`œÊÌi˜`œÊՓ>ʏ‰˜}Õ>Ê
µÕiÊ ÃiÊ iÃÌi˜`iÊ >ÌjÊ >Ê >ÌÕÀ>Ê
pentecostais ultrapassarem as fronteiras que portanto, recuperar a experiência extática
`>ÃʓKœÃ]ʘՓ>ÊV>À>Ê>ÕÃKœÊ separavam as religiões de tradições escritas no cristianismo, descartando os intermediá-
>œÊ «œ`iÀÊ `iÊ Ài>ˆâ>XKœÊ `>Ê
«>>ÛÀ>ʘœÊ“Õ˜`œÊ`œÊˆ˜ÛˆÃ‰Ûi]Ê das de tradição oral. A força da fala, mais rios e enfatizando o monoteísmo na figura
Vœ“«>À?ÛiÊ >œÊ `>ÃÊ “KœÃÊ ˜>Ê do que um meio privilegiado de pregação do Espírito Santo. Daí a importância do
ÌÀ>˜ÃvœÀ“>XKœÊ `>ÃÊ VœˆÃ>ÃÊ ˜œÊ
“Õ˜`œÊۈÉÛi° da palavra escrita divina, tornou-se nessas episódio de pentecostes como mito bíblico

£x{ , 6-/Ê1-*]Ê-KœÊ*>Տœ]ʘ°ÈÇ]Ê«°Ê£x䇣Çx]ÊÃiÌi“LÀœÉ˜œÛi“LÀœÊÓääx
legitimador desse movimento, nomeando-o
inclusive.
No Brasil, o desenvolvimento do pen-
tecostalismo se faz num campo religioso
em que o transe ocupa um papel histórico
central na mediação entre os grupos étnicos
e sociais portadores, a princípio, de dife-
rentes patrimônios culturais que entraram
em contato. Foi por meio do transe, por
exemplo, que deuses africanos romperam
suas linhagens e se “abrasileiraram” ao
descerem nos corpos dos seus filhos na
nova terra: negros, mestiços e, finalmente,
brancos. Ou que índios e escravos, na con-
dição de divindades veneradas, puderam
voltar à terra para a remissão das injustiças
sociais e habitar os mais diferentes corpos
na forma de caboclos e pretos-velhos. En-
fim, a mestiçagem do espírito certamente
correspondeu a uma mestiçagem do corpo,
fato que o duplo sentido do verbo “possuir”
(como intercurso místico e sexual) parece
indicar (Matory, 1988). e como agem os encostos sobre o corpo e
Ainda que consideremos as diferenças a pessoa, condena todas as religiões que
entre o transe do Espírito Santo e o das di- invocam os espíritos:
vindades afro-brasileiras (ou mesmo as dife-
renças entre transe e possessão (10)), o fato “Não sabeis que sois o santuário de Deus e
é que essa experiência extática, sobretudo que o Espírito de Deus habita em vós? Se
entre as camadas populares, preferenciais na alguém destruir o santuário de Deus, Deus
adesão ao pentecostalismo, põe os conteú- o destruirá; porque o santuário de Deus, que
dos desses sistemas em trânsito permanente, sois vós, é sagrado. 1 Coríntios 3.16,17”
na medida em que abre as portas para um (Macedo, 1996, p. 74).
conjunto de “experiências místicas” corre-
latas às do transe. No neopentecostalismo, No neopentecostalismo, como no cristia-
como acontece principalmente na Iurd, nismo em geral, o corpo é pensado como a
isso é mais evidente pelo lugar central que morada do Eu e de Deus que o criou como
o transe das divindades da umbanda (exus um “santuário”. A constante tentativa do
e pombagiras) assumiu na cosmogonia do demônio de se apoderar desse corpo visa a
culto, inclusive em detrimento do transe destruir esta que é a principal obra do cria-
do próprio Espírito Santo, já não mais en- dor: o homem na sua dupla condição, corpo
fatizado como em sua origem (Mariano, e alma. Fortalecer o Eu junto ao espírito de
1999, p. 129). Deus é a única forma de vencer esse inimi-
A experiência do transe não é apenas go, daí a possessão do Espírito Santo ser
um potencial caminho vicinal entre esses aceita legitimamente, pois pousa no corpo
sistemas religiosos, mas também, ou so- da criatura o espírito do criador.
bretudo, uma experiência na fronteira entre Nas religiões cristãs, desde que o homem
diferentes percepções de noção de pessoa sucumbiu pela primeira vez à tentação do £äÊ-i}՘`œÊœ>˜Êi܈Ã]Ê>Ê«œÃÃiÇ
que se articulam muitas vezes como ângulos mal (representado por um animal, a cobra), ÃKœÊ«œÀÊՓ>Êi˜Ìˆ`>`iÊiÝÌiÀ˜>Ê
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opostos pelo vértice. ele foi punido com a perda do paraíso. Nesse XKœÊ`œÊÌÀ>˜Ãi]ʵÕiʺ«œ`iÊVœ“‡
Em Orixás, Caboclos e Guias, Edir Ma- momento o que era uno tornou-se dual ou «Àii˜`iÀÊ `ˆÃÜVˆ>XKœÊ “i˜Ì>Ê
Vœ“«iÌ>Ê œÕÊ >«i˜>ÃÊ «>ÀVˆ>»Ê
cedo, depois de definir o que é a possessão múltiplo e o fluxo com o sagrado deixou ­i܈Ã]Ê£™Ç£]Ê«°Ê{£®°

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de ser contínuo. Foi necessário o sangue obrigações de um, três, cinco e sete anos
derramado do Cordeiro de Deus como visam por meio dos sacrifícios de animais e
sacrifício máximo para que o homem que outras cerimônias fixar no ori da pessoa esse
nele cresse pudesse redimir seus pecados, “enredo”. A partir de sete anos de iniciada,
reunindo o que fora separado e reconquis- a pessoa se torna um ebomi (e potencial-
tando o direito ao paraíso. mente um sacerdote), e ainda que tenha de
Nas religiões afro-brasileiras a noção de periodicamente continuar a fazer obrigações
pessoa admite um Eu ao qual se agregam as (em intervalos mais longos, como catorze e
demais divindades (orixás, erês, caboclos vinte e um anos) considera-se que seu axé
etc.) em forma de um “enredo de santo”. No (força) está estruturalmente estabelecido.
candomblé, esse Eu (ou Ori, que significa Nesse período, o transe é cada vez menos
cabeça) é também visto como uma divindade freqüente, sendo a própria pessoa vista como
criada por ordem do deus supremo, Olodu- uma “imanência” do seu orixá.
mare. Conta o mito (Abimbola, 1973) que na Como se vê, nas religiões afro-brasilei-
olaria do orun (espaço invisível) as cabeças ras, o Eu se sacraliza à medida que o adepto
dos homens são modeladas do barro, e nelas vai compondo seu “enredo de santo”, ao
são colocadas simbolicamente parcelas da longo de seu processo iniciático. Segundo
natureza (rios, matas, etc.) as quais estão Márcio Goldman (1985, p. 46), no can-
sob a regência dos orixás. Quando essas domblé “a ‘pessoa’ é postulada então como
cabeças nascem no aiye (a terra, espaço fragmentada, e todo o esforço do sistema
visível) geralmente “esquecem” do que parece voltado para fundi-la numa grande
foram feitas e as escolhas de destino reali- unidade”. Esse processo que concebe a
zadas. Por isso, os oráculos (como o jogo pessoa como “folheada” e múltipla esta-
de búzio) são importantes; por meio deles ria, entretanto, fadado ao insucesso, pois
pode-se identificar a “matéria mítica” que a unidade pretendida nunca é totalmente
compõe a cabeça de cada um e, portanto, os atingida. A exigência dos constantes ritos
orixás que a regem. É preciso, pois, cultuar sacrificiais visa exatamente a provocar “uma
em primeiro lugar a cabeça (no rito do bori, continuidade entre a divindade e os homens,
ou “dar comida à cabeça“) para que ela através de um animal colocado como inter-
possa receber convenientemente (a partir do mediário e que, ao ser abatido, deixa aberto
rito do orô) os deuses que com ela mantêm um canal para que a ‘graça divina’ flua até o
vínculos imanentes. Ou seja, no rito do bori mundo humano”. A possessão é a evidência
a pessoa “nasce” para o orixá e no rito do da eficácia desse canal. Ou seja, podemos
orô o orixá “nasce” para a pessoa. A pessoa dizer que na relação entre as categorias deus,
é vista como uma agregação mítica que pode homem e animal, estes dois últimos termos
englobar, variando conforme as várias mo- mantêm uma proximidade “perigosa” já
dalidades de culto, o ori (Eu), um orixá de que o homem é tanto um ser da cultura
frente, um juntó (segundo orixá que forma (divino) quanto da natureza (animal). A
com o primeiro o casal de orixás tidos como eliminação, no sacrifício, do último termo
“pai” e “mãe“), orixás de herança, erê, Exu, aproximaria, segundo a mitologia implícita
caboclo, etc. Esse enredo de santo segue do ritual, o divino do humano ou vice-versa.
uma lógica definida pelo orixá de frente. No transe do candomblé, o homem que se
Se este for, por exemplo, Ogum (orixá da individualizou ao nascer recebe um deus
forja, da guerra, associado aos caminhos), único porque também individualizado e
o segundo santo poderá ser Iansã (também “nascido” em sua cabeça. Assim ambos,
uma guerreira, associada aos ventos), o erê como individualizações de categorias ge-
££ÊÃÊ`ˆviÀi˜ÌiÃÊVœ˜Vi«XªiÃÊ`œÃÊ
iÝÕÃÊ ˜>Ê Õ“L>˜`>Ê iÊ ˜œÊ V>˜‡
pode se chamar Mariozinho (mariô é a folha néricas, podem “conviver” num só corpo,
`œ“LjÊ ÃiÀKœÊ `ˆÃVṎ`>ÃÊ “>ˆÃÊ de dendezeiro que cobre a roupa de Ogum), mas sempre como complementaridades que
>`ˆ>˜Ìi°Ê-œLÀiÊ>ʜÀ}>˜ˆâ>XKœÊ
`iÃÃ>ÃÊ ˆ˜…>ÃÊ iÊ VœÀÀi˜ÌiÃÊ `iÊ o caboclo, Trilheiro, e o Exu, Tiriri, Tranca- se tocam mas não se sobrepõem. Quando o
i˜Ìˆ`>`i]ÊÜLʜʫœ˜ÌœÊ`iÊۈÃÌ>Ê Rua, Porteira, etc. (nomes associados aos deus “vem”, o homem “vai” (perde a cons-
`>ÊՓL>˜`>]ÊÛiÀÊ>ÌÌ>ÊiÊ-ˆÛ>]Ê
£™Èä° caminhos) (11). Os rituais de iniciação e as ciência) e vice-versa. Na unidade do corpo

£xÈ , 6-/Ê1-*]Ê-KœÊ*>Տœ]ʘ°ÈÇ]Ê«°Ê£x䇣Çx]ÊÃiÌi“LÀœÉ˜œÛi“LÀœÊÓääx
compartilhado, os homens se divinizam e tural os responsáveis pelos desvios humanos
os orixás se humanizam, mas só podem de sua jornada ao sagrado. Considerando a
fazê-lo como seres únicos e não gerais, um dicotomia existente nesse plano entre o bem
de cada vez (12). e o mal e que o sacrifício pleno de um desses
Os ritos de exorcismo neopentecostal lados (o do Cordeiro de Deus) já tenha ocor-
parecem aproveitar a seu favor essa cons- rido para a salvação dos homens, nas sessões
trução da pessoa em relação ao panteão neopentecostais sacrifica-se continuamente
das religiões afro-brasileiras para enfatizar o demônio (na condição animalesca que
uma nova relação entre o homem e deus. assumem os transes de exus e pombagiras)
Ronaldo Almeida descreve um desses ritos como forma de se garantir a comunicação
no qual o pastor explora com um aparente com o sagrado. Ou seja, se o Cristo morreu
conhecimento de causa a presença das vá- em nome desse fluxo, agora se trata de sacri-
rias entidades que compõem essa “pessoa ficar o “anticristo”, ou o demônio/exu, para
múltipla”: garantir a continuidade do fluxo.
Nas religiões afro-brasileiras o transe
“Às vezes, o pastor não se contenta com (das diversas divindades) e o sacrifício (dos
a resposta e pergunta novamente ao de- animais) são ritos que garantem a comu-
mônio se ele é o espírito mais forte entre nicação entre a terra e o mundo sagrado,
os inúmeros que estão ocupando aquele constituindo uma noção de pessoa por
corpo. ‘Quem é o mais forte? Quem é o adição e acréscimo contínuos de parcelas
chefe?’, pergunta o pastor. Na realidade, do sagrado que se individualizam. No £ÓÊ œÊV>˜`œ“LjÊ>VÀi`ˆÌ>‡ÃiʵÕiÊ
ele quer saber à qual entidade a cabeça do neopentecostalismo, ao contrário, o transe ˜KœÊjʜʺœÀˆÝ?Ê}iÀ>»]ʓ>ÃÊՓÊ`iÊ
ÃiÕÃÊ>Û>Ì>ÀiÃʈ˜`ˆÛˆ`Õ>ˆâ>`œÃÊ
endemoninhado foi oferecida nos rituais de (de uma única divindade) e o “sacrifício” µÕiÊ º`iÃVi»Ê ˜œÊ …œ“i“]Ê «œˆÃÊ
iÃÌiÊ ˜KœÊ >}Øi˜Ì>Àˆ>Ê Ìœ`>Ê >Ê
Umbanda ou de Candomblé. A mulher que (dos demônios/exus) visam a constituir i˜iÀ}ˆ>Ê `iÊ Õ“Ê ÌÀ>˜ÃiÊ «i˜œÊ
incorporou a Maria Padilha, por exemplo, uma noção de pessoa por subtração (ex- `>Ê i˜Ìˆ`>`i°Ê Ãȓ]Ê >«i˜>ÃÊ
Փ>Ê «>ÀVi>Ê ˆ˜`ˆÛˆ`Õ>ˆâ>`>Ê
tinha a princípio incorporado o Exu do pulsão) permanente da presença de um `>Ê i˜Ìˆ`>`iÊ ÃiÊ “>˜ˆviÃÌ>Ê ˜œÊ
Lodo. Em seguida, o pastor ordenou que “sobrenatural maligno” que insiste em …œ“i“°Ê >Ê “iÓ>Ê vœÀ“>]Ê jÊ
«ÀiVˆÃœÊµÕiÊ>Ê«iÃÜ>ÊÀi>wÀ“iÊ
o chefe se ‘manifestasse’. A mulher que habitar o corpo dos fiéis (14). Nesse caso ÃÕ>ʈ˜`ˆÛˆ`Õ>ˆ`>`iʘœÊÀˆÌœÊ`œÊ
LœÀˆÊ «>À>Ê «œ`iÀÊ ÀiViLiÀÊ œÊ
estava de joelhos e com as mãos para trás é o “Eu” que se diviniza ao se libertar de œÀˆÝ?°
– representação física do Exu – levantou-se uma espiritualidade tida como maligna e £ÎÊ œÊ ˜iœ«i˜ÌiVœÃÌ>ˆÃ“œÊ œÊ
e, com as mãos na cintura, começou a rir, errada em contato com um espírito não ÌÀ>˜Ãiʓ>ˆÃÊvÀiµØi˜ÌiÊjÊ`iÊiÝÕÊ
iÊ«œ“L>}ˆÀ>]ʓ>ÃÊi݈ÃÌiÊ>Ê«œÃ‡
afirmando ser Maria Padilha. No caso do individualizado, o Espírito Santo. Por isso, ÈLˆˆ`>`iÊ`iÊ>Ê«iÃÜ>ÊÀiViLiÀÊ
adolescente que inicialmente tinha incor- o diabo (exu) quando nele se manifesta œÕÌÀ>ÃÊ i˜Ìˆ`>`iÃÊ `œÊ «>˜ÌiKœÊ
>vÀœ‡LÀ>ȏiˆÀœ]Ê i“LœÀ>Ê ˆÃÜÊ
porado a Pombagira, ao final do exorcismo fala a língua dos homens e de sua cultura œVœÀÀ>ÊVœ“Ê“i˜œÃÊvÀiµØk˜Vˆ>°
mudou para transe de Erê, começando a agir (compreensível), enquanto a pessoa está £{Ê6i>Ê >Ê >˜?ˆÃiÊ `iÊ ,œ˜>`œÊ
“iˆ`>Ê­£™™ÈL]Ê«°Êx£®ÊÜLÀiÊ
como uma criança” (13). inconsciente, narrando suas façanhas ma- iÃÃiÃÊ ÀˆÌœÃÊ `iÊ iݫՏÃKœÊ `œÊ
lévolas. Moralmente, esse “Eu” é visto, `i“ž˜ˆœÊ˜iœ«i˜ÌiVœÃÌ>ÊۈÃ̜ÃÊ
ºVœ“œÊՓ>ʈ˜ÛiÀÃKœÊȓLˆV>Ê
Se nas religiões afro-brasileiras a pessoa portanto, como essencialmente bom e certo `œÃÊ ÀˆÌÕ>ˆÃÊ i˜Vœ˜ÌÀ>`œÃÊ ˜œÃÊ
e, a princípio, não poderia ser responsabi- ÌiÀÀiˆÀœÃ»\Ê º-iÊ «>À>Ê >µÕi>ÃÊ
se “completa” à medida que vai se distancian- QÀiˆ}ˆªiÃÊ >vÀœ‡LÀ>ȏiˆÀ>ÃRÊ >ÃÊ
do da “natureza” (por meio de contínuos ritos lizado pelos atos maus e errados cometidos i˜Ìˆ`>`iÃÊ ÃKœÊ ˆ˜ÛœV>`>ÃÊ >Ê
`iÃViÀi“Ê ˜œÃÊ ÃiÕÃÊ ¼V>Û>œÃ½]Ê
de sacrifício animal) e incorporando em si sob a influência dessa outra “persona” que ˜>Ê }Ài>Ê 1˜ˆÛiÀÃ>Ê i>ÃÊ ÃKœÊ
um panteão sagrado, no neopentecostalismo o invade. Da mesma forma, esse “Eu”, ˆ˜Ìˆ“>`>ÃÊ>ÊÃiʼ“>˜ˆviÃÌ>Ài“½°Ê
-iÊ ˜i>ÃÊ >Ê «œÃÃiÃÃKœÊ jÊ œÊ
a sacralidade decorre de um a priori no qual ao ser visitado pelo Espírito Santo e falar «œ˜ÌœÊ VՏ“ˆ˜>˜Ìi]Ê `iÊ iÝÌÀi“>Ê
Ã>VÀ>ˆâ>XKœÊ`œÊÀˆÌÕ>ÊqÊ>w˜>]Ê
o humano já é divino, basta se distanciar das a língua dos anjos (incompreensível aos >˜ÌiÃÊ`iÊÌÕ`œ]Ê>Ê«œÃÃiÃÃKœÊ`>ÃÊ
tentações que vêm de fora. homens), não perde sua consciência, ou, se i˜Ìˆ`>`iÃʘ>ÃÊÀiˆ}ˆªiÃÊ>vÀœ‡LÀ>‡
ȏiˆÀ>ÃʜVœÀÀiÊVœ“œÊՓ>ÊviÃÌ>Ê
Nessa lógica ritual, não se trata de sa- quisermos, a da trindade divina, se torna q]ʘiÃÌ>]Ê>Ê«œÃÃiÃÃKœÊjʜʫœÊ
“várias pessoas em uma”. ˜i}>ÌˆÛœÊ iÝÌÀi“œÊ `>Ê “>˜ˆviÇ
crificar (eliminar) a animalidade associada Ì>XKœÊ`œÊÃ>}À>`œÊ«œÀÊÌÀ>Ì>À‡ÃiÊ
ao homem para abrir canais com o sagrado, Certamente o sistema neopentecostal é `>ʈÀÀÕ«XKœÊ`œÊ“>°Ê ]Ê>ˆ˜`>]Ê
ÃiÊ«>À>Ê>µÕi>ÃÊ>ÃÊi˜Ìˆ`>`iÃÊ
como fazem as religiões afro-brasileiras, um reforço importante para uma noção de Ài̜À˜>“Ê>œÊÃiÕÊ«>˜ÌiKœ]Ê«>À>Ê
mas, seguindo a tradição do cristianismo, pessoa que opera com dicotomias éticas e >Ê}Ài>Ê1˜ˆÛiÀÃ>ÊœÃÊ`i“ž˜ˆœÃÊ
ÃKœÊ iÝ̈À«>`œÃÊ `œÃÊ VœÀ«œÃÊ iÊ
buscar nos seres que vêm do plano sobrena- morais claras e precisas. Como apontou i˜Ûˆ>`œÃÊ>œÊˆ˜viÀ˜œ»°

, 6-/Ê1-*]Ê-KœÊ*>Տœ]ʘ°ÈÇ]Ê«°Ê£x䇣Çx]ÊÃiÌi“LÀœÉ˜œÛi“LÀœÊÓääx £xÇ
Marisa Soares (1990), no cristianismo o diferentes de uma mesma tríade formada
Certo está para o Errado assim como o por homens, deuses e animais. No primeiro,
Bem está para o Mal. Pode-se dizer que, celebra-se a morte do Cordeiro de Deus em
eliminando o mal do indivíduo, ele se torna nome dos homens; no segundo, a morte do
bom e certo. Já no candomblé nem sempre demônio nos homens por meio do sangue
essa equivalência se verifica, nem sempre do Cordeiro e, no candomblé, a morte dos
“o Certo é bom nem tampouco o Errado é animais (cordeiros) em nome dos deuses e
necessariamente mau. O Errado pode ser dos homens.
ótimo e o Certo pode ser profundamente
penoso. Existe uma lei, mas de certa for-
ma a busca do prazer pode driblar a lei. A
culpa vem de ter, por exemplo, quebrado
"-"" -Ê
,1< -
um preceito, mas nunca de ter desejado a
mulher do próximo”. Privilegiando o demônio em detrimento
No neopentecostalismo os homens se da celebração do Cordeiro, é compreensível
tornam “divinos” superando neles o que há que, do ponto de vista da cosmogonia, as
de “humano”, tendo como exemplo a fé e principais entidades manifestadas na sessão
resistência de um semideus (Jesus) às tenta- descarrego ou de libertação da Iurd sejam os
ções do mal e do errado. No candomblé, foi exus e pombagiras, representações do diabo
o divino que se tornou humano, rejeitando subtraídas das religiões afro-brasileiras.
os maniqueísmos ou aceitando as nuanças Vimos os significados do exu como inter-
que há entre as categorias do bem e do mal, mediário nessas religiões e as conseqüên-
do certo e do errado, do humano e do divino. cias de sua “derrota” no neopentecostalis-
Aqui a noção de pessoa é uma composição mo para a construção do lugar e carisma
de forças sagradas e humanas cujo equilíbrio do pastor como intermediário legítimo.
sempre precário é aceito de antemão e sem Outro papel importante dessa entidade é
culpas. Afinal, nessa religião são os animais estabelecer linhas de demarcação entre os
que morrem como homens (no lugar destes) vários modelos de culto afro-brasileiro e
£xÊ ÃÃiÊ Vœ˜Ìˆ˜ÕÕ“Ê jÊ Õ“Ê “œ`iœÊ em nome dos deuses. No cristianismo, ao deste com o segmento cristão. Traçando,
`iÊ œÀ}>˜ˆâ>XKœÊ `œÊ «>˜ÌiKœÊ
µÕiÊ ÛˆÃ>Ê >Ê iÃÌ>LiiViÀÊ >}Շ contrário, foi o deus que teve de morrer como conforme quadro abaixo, um continuum
“>ÃÊ ÀiVœÀÀk˜Vˆ>ÃÊ «>À>Ê iviˆÌœÊ
`iÊ >˜?ˆÃi°Ê
iÀÌ>“i˜Ìi]Ê ÃÕ>Ê
animal em nome dos homens. (15) englobando as principais divindades
Û>ˆ`>`iÊ i“«‰ÀˆV>Ê `i«i˜`iÊ Na constituição da pessoa humana em cultuadas no segmento afro-brasileiro e no
`œÃÊ `ˆviÀi˜ÌiÃÊ Vœ˜ÌiÝ̜ÃÊ >œÃÊ
µÕ>ˆÃÊÃiÊ>«ˆV>°Ê-œLÀiʜÊÕÜÊ`œÊ contato com o divino podemos concluir, cristianismo observamos que caboclos e
Vœ˜ViˆÌœÊ`iÊVœ˜Ìˆ˜ÕՓʘœÊiÃÌÕ`œÊ portanto, que catolicismo, neopentecos-
`>ÊՓL>˜`>ÊiÊ`œÊŽ>À`iVˆÃ“œ]Ê
exus representam “categorias de fronteiras”
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>“>À}œ]Ê£™È£° talismo e candomblé enfatizam termos importantes, entre eles.


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Os terreiros de tradição jeje-nagô enfati-

2EPRODU ÎO
zam o culto aos orixás (nagôs), voduns (je-
jes) e erês, entidades infantis que respondem
pelos orixás. Os de tradição banto cultuam os
inquices e, geralmente, acolhem os caboclos
tidos como donos (ancestrais) da terra. O
caboclo pode ser pensado como um divisor
de águas no interior do candomblé (entre
os terreiros de tradição jeje-nagô e angola)
e entre este e a umbanda (Silva, 1995). A
partir do culto do caboclo, preto-velho e
das entidades situadas, segundo o quadro
acima, no pólo considerado de “menos luz
(esquerda)”, vigoraria o modelo da umban-
da, tendo como variante a quimbanda, que
enfatiza o culto às entidades “mais radicais”
da esquerda, como exus e pombagiras. Na
umbanda as entidades foram agrupadas em
linhas ou falanges, o que permite que o seu
sistema englobe todo o continuum de deuses
citados acima, inclusive os do candomblé,
porém modificando-os parcialmente, em
termos de seus significatos, formas de tran-
se, culto etc. Essas linhas ou falanges, sob a
influência do espiritismo kardecista, foram
classificadas segundo o grau de evolução
espiritual atribuído às divindades: os orixás
do candomblé foram vistos como espíritos
(ou energias) mais iluminados (da direita), dente sua relação mítica com as categorias
caboclo e preto-velho como espíritos em sociais marginalizadas, como prostitutas,
estágio intermediário de evolução (da di- malandros, migrantes, etc. Para distinguir
reita, mas abaixo dos orixás) e zé pilintra, essas duas representações do exu, no can-
baiano, marinheiro, exu e pombagira como domblé e na umbanda, o povo-de-santo
entidades das trevas (da esquerda). No pólo normalmente usa os termos “exu africano”
da esquerda, a umbanda (também o can- e “exu brasileiro”, respectivamente. Con-
domblé, em menor escala) absorveu a visão siderando o papel do caboclo e do exu na
cristã que desde o colonialismo europeu na conformação desses sistemas, vemos que,
África associou o Exu ioruba ao Diabo, em em termos ideais, o caboclo – sendo uma
razão das características já mencionadas representação mítica do índio brasileiro
(culto à sexualidade, fecundidade, etc.). – serviu como uma “dobradiça simbólica”
Assim, enquanto no candomblé Exu é um que permitiu a abertura de um modelo
orixá singular, na umbanda ele designa auto-referendado como “mais africano” e
uma categoria (linha ou legião) que agrupa “purista” de culto (jeje-nagô) para um mo-
entidades masculinas (como Exu Veludo, delo mais “nacionalizado” (embora ainda
Tranca-Rua, Exu Caveira, etc.) e femininas, africano), como o candomblé de angola
£ÈÊ*>À>Ê `ˆviÀi˜Vˆ>ÀÊ >Ê V>Ìi}œÀˆ>Ê
conhecidas como pombagiras (Maria Padi- e, posteriormente, para a constituição da `œÊiÝÕʘ>ÊՓL>˜`>ÊiÊ`œÊ ÝÕ]Ê
Vœ“œÊ œÀˆÝ?Ê `œÊ V>˜`œ“Lj]Ê
lha, Maria Molambo, Sete Saias, etc.) (16). umbanda, ideologicamente marcada pela }À>viˆÊ˜iÃÌiÊÌÀ>L>…œÊÃiÕÃʘœ“iÃÊ
Por serem tidos na umbanda como entidades idéia de se mostrar como uma “religião ˆ˜ˆVˆ>˜`œÊ Vœ“Ê iÌÀ>Ê “ˆ˜ÖÃVՏ>Ê
«>À>ʜʫÀˆ“iˆÀœÊV>ÜÊiʓ>ˆÖÇ
pouco evoluídas ou “anjos caídos”, os exus brasileira”. À categoria do exu coube o VՏ>Ê«>À>ʜÊÃi}՘`œ°Ê œÃÊV>ÜÃÊ
e pombagiras geralmente estão associados papel de aproximar os sistemas religiosos i“ʵÕiʓiÊÀiwÀœÊiÝ«ˆVˆÌ>“i˜ÌiÊ
>Ê>“LœÃ]ʜ«ÌiˆÊ«œÀÊ}À>v>ÀÊ>ʏiÌÀ>Ê
aos vícios e pecados humanos, sendo evi- africanos e o catolicismo pela incorporação ˆ˜ˆVˆ>Êi“Ê“ˆ˜ÖÃVՏ>°

, 6-/Ê1-*]Ê-KœÊ*>Տœ]ʘ°ÈÇ]Ê«°Ê£x䇣Çx]ÊÃiÌi“LÀœÉ˜œÛi“LÀœÊÓääx £x™
do imaginário demoníaco cristão (dicotô- pode fazer o bem. Isso fica mais evidente na
mico entre o bem e o mal) no imaginário terceira fala, quando a idéia africana de Exu
do “exu africano” (relativista). Elementos como senhor dos caminhos é plenamente
na estatuária do “exu brasileiro” (tridente, invocada. Exu como categoria e elemento
garfo de três pontas, chifres, rabo, patas no de passagem entre o sistema africano e o
lugar dos pés, capas pretas, cartola, etc.) cristão possui portanto as duas dimensões:
demonstram esse trânsito de representações. orixá e demônio.
Mas, tal como acontece com o caboclo, não Ao ser eleito como “bode expiatório”
nos enganemos, pois mesmo o “exu brasi- das sessões de libertação ou descarrego
leiro”, ou da umbanda, sob a sua aparência neopentecostais, Exu, cujo papel demoníaco
demoníaca preserva vários “conteúdos foi atribuído outrora por um sistema cristão
africanos”. Uma das provas disso é o “exu e aceito, parcialmente, pelos afro-brasileiros
brasileiro” não ser o “mal absoluto”. Ele (sobretudo na umbanda), retorna ao sistema
é tido como muito poderoso exatamente cristão onde ele é acusado (injustamente)
por sua condição liminar, podendo inclu- de fingir não ser o demônio que lhe foi
sive fazer o bem. Alguns depoimentos de imputado. Se, outrora, em nome de Deus, o
umbandistas coletados por Liana Trindade espírito do demônio cristão foi identificado
(1985) em pesquisa sobre essa entidade nos corpos possuídos por Exu, agora que
revelam essa característica: esses corpos aprenderam a receber e lidar
(negociar) com o demônio, relativizando o
“Tem os Exus diabos, vieram daqueles mal, invoca-se neles o espírito de Exu para
diabos que queriam ficar no lugar de Deus, que este revele sua “verdadeira” identidade
tomar o lugar dele. E tem os Exus espíritos e assim novamente polarizado possa ser
das pessoas [mortas]” (Trindade, 1985, p. expulso radicalmente em nome de Deus.
105). Mas se, do ponto de vista afro-brasileiro, ou
mais especificamente da umbanda, nunca
“Exu é o diabo, mas o diabo não é ruim. Se foi “segredo” que exus e pombagiras são
a gente pede as coisas ele dá. A gente tem demônios, espíritos das trevas, anjos caídos,
sempre que levar as coisas pra ele pôr na conformados, inclusive, segundo a descri-
casinha dele ou na encruzilhada” (Trindade, ção bíblica (“diabos que queriam ficar no
1985, p. 106). lugar de Deus”, como na fala acima), qual é
a grande revelação ou novidade que o pastor
“Exu é escravo do santo, ele leva todos os arranca da boca desses espíritos? Não é o
males, abre todos os caminhos. Exu é bom, fato de serem demônios, mas a confissão de
mas se você pedir o mal, ele vai ser mau” que eles, em vez de ajudar seus filhos, os
(Trindade, 1985, p. 104). estavam enganando e prejudicando o tempo
todo, por não serem suscetíveis à negociação
Vê-se que, no primeiro depoimento, como se pensava. Assim, afirma-se que o
exu segue a teologia cristã. No segundo, espírito existe, tem “vida própria”, mas en-
apesar da aceitação de que o exu é o diabo, gana seus filhos fazendo-se passar por algo
há uma ressignificação do diabo segundo o que não é. O “conteúdo do exu brasileiro”,
sistema africano, pois o maniqueísmo entre na carne dos possessos, dá vida a um perso-
o bem e o mal é dissolvido por uma atitude nagem bíblico, o demônio judaico-cristão,
relacional. Em terreiros de umbanda (e em reafirmando a estrutura virtual desse sistema
muitos de candomblé) é comum que se use teológico que assim pretende “demonstrar
correntes e cadeados nos assentamentos de na prática” suas afirmações de fé.
exu para “amarrar” essa entidade quando se Descartando-lhe a qualidade relativista
quer controlar sua força e deles obter alguma (de origem africana) de ser ao mesmo tempo
obediência. Essa é uma das razões de serem o bem e o mal, exu no contexto neopentecos-
chamados de “escravos” dos orixás. Ou tal é a absolutização do mal cuja presença
seja, negocia-se com o mal, que, inclusive, “concreta” na terra é colocada ao alcance

£Èä , 6-/Ê1-*]Ê-KœÊ*>Տœ]ʘ°ÈÇ]Ê«°Ê£x䇣Çx]ÊÃiÌi“LÀœÉ˜œÛi“LÀœÊÓääx
das mãos e dos olhos das pessoas. Mais voga. Nesse processo, o candomblé sempre
ainda, o neopentecostalismo, ao condenar procurou marcar sua distinção em relação
qualquer possibilidade de intermediação à umbanda criticando-a como uma versão
com essas “forças das trevas”, enaltece um “fraca” e “deturpada” de suas tradições,
sistema igualmente absolutista de combate transformadas sob a influência exacerbada
a elas, em nome do bem. É o que prega Edir do catolicismo e do espiritismo kardecista.
Macedo (1996, p. 119). Segundo o candomblé, a umbanda traba-
lharia com entidades tidas como tabus: os
“A igreja tem de agir. Já vivemos o clima eguns ou espíritos de mortos, representados
da pregação protestante com Lutero, o da em categorias como caboclo, preto-velho,
pregação avivalista de John Wesley e, agora, exu, pombagira, etc. Até mesmo os orixás
temos de sair da mera pregação pentecostal, da umbanda, pelas diferenças de culto e de
para a pregação plena que promova um formas de transe, foram considerados eguns
verdadeiro avivamento do Espírito de Deus. “disfarçados”. Na visão do candomblé, os
Temos de sair por aí, dizendo que Jesus eguns, também chamados de encostos, ao
Cristo salva, batiza com o Espírito Santo mas se manifestarem nas pessoas causam-lhes
também, e antes de tudo, liberta as pessoas perturbações, devendo ser afastados para
oprimidas pelo diabo e seus anjos”. que não atrapalhem o culto aos orixás, pois
no corpo ou no terreiro em que se recebe
Por oposição ao sistema afro-brasileiro, orixá não se recebe egum (18). Para muitos
decretando-lhe uma guerra sem trégua, o membros de candomblé a manifestação dos
neopentecostalismo adotou o diabo como exus e pombagiras nas igrejas neopente-
protagonista tornando-se refém de quem costais é vista como possível e até mesmo
pretendia aprisionar, pois o que seria do compreensível já que eles são “eguns” e
céu sem o inferno, da glória do vencedor não “orixás”. Os orixás raramente baixa-
sem as contínuas legiões de vencidos? (Al- riam nessas sessões e se baixarem, dizem
meida, 1996; Oro, 1997; Mariano, 1999). os adeptos do candomblé, é porque são
E mais, a aproximação acentuada da Iurd “orixás da umbanda”. Ou seja, as entidades
em relação às religiões afro-brasileiras, o umbandistas manifestadas nas igrejas neo-
que já lhe valeu o epíteto de “igreja ma- pentecostais, ao serem classificadas como
cumbeira” (Oro, 1997) (17), rearticula, por eguns, fazem com que a “vitória” do pastor
conta dos fluxos dos fiéis e panteões entre sobre elas não desqualifique o sistema afro-
as denominações, novas versões de antigos brasileiro por inteiro, ao contrário, reafirme
trânsitos existentes entre o cristianismo e dicotomias e divergências existentes em
as religiões afro-brasileiras e destas entre seu interior, como, por exemplo, a visão
si. Vejamos de perto este ponto. dos riscos a que as cabeças não protegi-
O desenvolvimento do candomblé em das adequadamente estariam sujeitas. Em
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São Paulo e Rio de Janeiro, ocorrido a partir função dessa visão, aliás, as entidades da µØk˜Vˆ>ÃÊ`>Ê>«ÀœÝˆ“>XKœÊ`>Ê
dos anos de 1960, deu-se em grande parte às umbanda, muito antes de serem expulsas em ÕÀ`Ê i“Ê Ài>XKœÊ DÃÊ Àiˆ}ˆªiÃÊ
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custas da conversão de fiéis formados pela massa nas sessões de descarrego neopente- â>XKœ»Ê`>Ê«Àˆ“iˆÀ>°
umbanda. Um dos motivos dessa conversão costais, foram expulsas das cabeças de seus £nÊ1“ÊÌiÀÀiˆÀœÊ`iÊV>˜`œ“LjÊ«œ`iÊ
foi a procura por uma religião cujo repertório filhos umbandistas que se converteram ao ÌiÀÊi}ՓÊ>ÃÃi˜Ì>`œ]ÊÜLÀiÌÕ`œÊ
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mágico era tido como mais eficaz e radical candomblé. Nesse caso, não porque fossem v՘`>`œÃÊ «œÀÊ Ã>ViÀ`œÌiÃÊ ?Ê
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para solução de problemas em momentos demônios disfarçados de exu e seus asse- ÈÃÌi“?̈VœÊ >Ê iÃÃ>ÃÊ i˜Ìˆ`>`iÃÊ
de crise (Silva, 1995). Além disso, nesse clas, mas eguns “disfarçados” de orixás e jÊ viˆÌœÊ i“Ê ÌiÀÀiˆÀœÃÊ «À«ÀˆœÃÊ
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período, o candomblé passou a ser mais suas falanges. Essa lógica de conversão, na >˜Ìi«>ÃÃ>`œÃʜÕÊ>˜ViÃÌÀ>ˆÃʵÕiÊ
qual se “reconhece” o panteão da religião i“Êۈ`>ÊvœÀ>“ʓՈ̜ʈ“«œÀÌ>˜ÌiÃÊ
bem aceito nos grandes centros urbanos do >œÊVՏ̜Ê`œÃʜÀˆÝ?Ã°Ê œÊ À>ȏ]ʜÃÊ
Sudeste, incentivado por artistas e intelec- anterior do converso, mas transforma os ÌiÀÀiˆÀœÃÊ`iÊi}ՓʏœV>ˆâ>“‡Ãi]Ê
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tuais que nele identificavam tradições tidas “conteúdos” de suas entidades, presente no «>ÀˆV>]ʘ>ÊVœÃÌ>ÊL>ˆ>˜>]ʜ˜`iÊ
como “mais puras” ou “fiéis” aos princípios trânsito de adeptos da umbanda para o can- >ÃÊ ViÀˆ“ž˜ˆ>ÃÊ ÃKœÊ Ài>ˆâ>`>ÃÊ
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africanos e inspiradoras de uma estética em domblé e vice-versa, parece agora nortear `iÃVi˜`i˜ÌiÃÊ`iÊ>vÀˆV>˜œÃ°

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o trânsito de adeptos dessas religiões para tregues oferendas em locais de passagem,
o neopentecostalismo. Nessa denominação, como encruzilhadas e cemitérios (19).
os conversos encontrariam um discurso Sexta-feira é também o dia consagrado a
sobre a existência de um deus onipotente Oxalá, no candomblé. Por ser o orixá da
em nome do qual é possível subjugar os criação que se veste de branco (e não recebe
deuses anteriores e fornecer soluções radi- oferendas com óleo de dendê ou sacrifício
cais aos problemas terrenos e de salvação. de sangue), Oxalá foi associado a Jesus
Como se vê, as freqüentes reinterpretações ou às suas denominações, como o Senhor
dos deuses desse continuum, ainda que do Bonfim, na Bahia. Muitos iniciados se
por caminhos diferentes, têm possibilitado vestem de branco nesse dia e evitam comer
novas articulações entre os sistemas cristão carne vermelha, preferindo o peixe. Existe,
(católico e neopentecostal) e afro-brasileiro nessa associação, uma alusão ao tabu da
(candomblé e umbanda), considerando suas Quaresma ou da Sexta-feira Santa, dia em
demarcações internas e externas. que Cristo foi crucificado, o que torna essa
data em um dia de morte, mas também de
esperança na ressurreição. A associação
com o simbolismo do fogo transformador
/1,-ʺ,"‡* /
"-/-» também é evidente. A sexta-feira pode
indicar, portanto, uma aproximação estru-
A proximidade entre o neopentecosta- tural tanto com Exu-Demônio, pelo seu
lismo e o sistema mágico-religioso afro- simbolismo com a morte, como com Oxalá-
brasileiro e espírita tem gerado práticas no Jesus, pelo seu simbolismo com a criação e
mínimo inusitadas para uma denominação transformação. Ambos os pares podem estar
cristã, como a Iurd, ainda que revisio- associados ao simbolismo do fogo. Assim
nista em relação à pregação pentecostal. como Exu é obrigatoriamente o primeiro a
Vejamos algumas dessas práticas e seus ser saudado no candomblé, Oxalá deve ser
significados. o último, após o qual se encerra um ciclo
O calendário das sessões neopentecos- de rituais. Portanto, os pares de oposição
tais apresenta uma correspondência explí- do sistema afro-brasileiro, Exu-Oxalá, e do
cita com o calendário ritual estabelecido sistema cristão, Demônio-Jesus, podem ser
pelas religiões afro-brasileiras para celebrar intercambiáveis, até mesmo porque, tal qual
suas divindades. Nessas religiões, acredita- Exu, Jesus também é o mensageiro entre os
se que o tempo é um sistema discreto sob a homens e Deus (“Eu sou o caminho, a ver-
regência de divindades específicas. Os dias dade, a vida. Ninguém chega ao Pai senão
da semana ou meses do ano podem indicar por mim”; Jo 14, 1-12). Essa associação de
regências de princípios simbólicos organi- fato ocorreu em Cuba onde o sincretismo
zadores como, por exemplo, os elementos aproximou Exu de Jesus e não do Demônio,
água, terra, fogo e ar. como ocorreu no Brasil.
Os dias iniciais ou terminais da sema- Nas igrejas neopentecostais, embora
na são consagrados ao domínio do fogo, haja diversos cultos por dia e em todos os
elemento transformador. Assim, segunda dias da semana, as sessões de libertação ou
e sexta-feira são dias consagrados a Exu, de descarrego realizadas às sextas-feiras à
£™ÊÃʜviÀi˜`>ÃÊiÊÃiÃêiÃÊviˆÌ>ÃÊDÃÊ que, sendo orixá dos caminhos e das passa- noite ganharam especial evidência, sendo as
Ãi}՘`>ÇviˆÀ>ÃÊ «œ`i“Ê >ˆ˜`>Ê gens, é cultuado nesses dias liminares que mais concorridas, segundo constatou Marisa
>ÃÜVˆ>ÀÊiÝÕÊDÊ`iۜXKœÊDÃÊ>‡
“>Ã]ÊՓ>Ê«À?̈V>Ê`œÊV>̜ˆVˆÃ“œÊ circunscrevem as mudanças entre períodos Soares (1990, p. 87) ao analisar o calendário
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de trabalho e descanso. Suas horas consagra- de uma Iurd do Rio de Janeiro (20):
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>i˜`?Àˆœ\Ê ºÓ >‡viˆÀ>\Ê *ÀœÃ‡
«iÀˆ`>`iÆÊ Î>‡viˆÀ>\Ê œÕۜÀÊ iÊ
das são as de mudanças de períodos, como
“«œÃˆXKœÊ`>ÃʓKœÃÆÊ{>‡viˆÀ>\Ê a meia-noite. Por esse motivo, nesses dias “A meia-noite ‘hora grande’ de sexta para
->Ö`iÆÊ x>‡viˆÀ>\Ê >“‰ˆ>ÆÊ È>‡
viˆÀ>\Ê ˆLiÀÌ>XKœÆÊ Ã?L>`œ\Ê e horário são feitas, preferencialmente, as sábado é o momento em que os Exus se
*ÀœÃ«iÀˆ`>`i]Ê
œÀÀi˜ÌiÊ `>ÃÊ giras de exus (ou dos guias de esquerda) manifestam e trabalham [na umbanda].
VÀˆ>˜X>ÃÆÊ `œ“ˆ˜}œ\Ê œÕۜÀ»Ê
­-œ>ÀiÃ]Ê£™™ä]Ê«°ÊnÈ® nos terreiros de umbanda e lhes são en- É justamente nesta mesma hora que nas

£ÈÓ , 6-/Ê1-*]Ê-KœÊ*>Տœ]ʘ°ÈÇ]Ê«°Ê£x䇣Çx]ÊÃiÌi“LÀœÉ˜œÛi“LÀœÊÓääx
igrejas estão sendo realizadas as cerimônias
onde esses Exus são invocados para, em
seguida, serem expulsos, dos corpos das
pessoas presentes”.

A predileção pelas giras de exus e sessões


de libertação realizadas nesse dia e horário
(ainda que no caso neopentecostal esteja
se modificando em função da crescente
demanda e diferenciação de fiéis) e as re-
lações de aproximação e oposição entre as
entidades envolvidas nesses rituais parecem
indicar que a manutenção das referências
do sistema afro-brasileiro no modelo neo-
pentecostal tem sido uma forma eficaz para
gerar novos significados neste a partir de
uma gramática disponível anteriormente. Se
o simbolismo da sexta foi bom para pensar
os entrelaçamentos entre Jesus e Oxalá,
Demônio e Exu, agora ele serve para se
pensar a desvinculação dessas divindades
guardando entretanto seus lugares de força
em ambos os sistemas. Ou, por outro lado,
se é em nome de Jesus que se despacha o
Exu/Demônio, é porque Jesus é ele mesmo
uma espécie de Oxalá ou, quem sabe, o
próprio Exu.
O calendário anual de rituais afro-bra-
sileiros também tem servido à Iurd para
organizar suas próprias sessões e atividades
periódicas, como mostrou Mariano (1999).
Sendo o ciclo dos rituais afro-brasileiros
resultado, em grande parte, da utilização
do calendário de homenagem aos santos
católicos e eventos nacionais, ocorre uma
relação de continuidade entra a Iurd e esses
dois universos.
Em janeiro, devido ao dia de São Se-
bastião, os terreiros saúdam Oxóssi, deus
da caça associado ao mártir cristão que fora
torturado com flechas lançadas sobre seu
corpo. As giras de caboclo realizadas sema-
nalmente nos terreiros também consagram
essas divindades da mata que, incorporadas
em seus filhos, atendem o público utili-
zando o conhecimento que possuem sobre
as propriedades mágicas dos elementos
da natureza. Nessas giras, é comum, por
exemplo, que os caboclos recomendem
benzimentos com ervas, infusões, uso de
sal grosso, óleos, etc. Na Iurd esses mesmos

, 6-/Ê1-*]Ê-KœÊ*>Տœ]ʘ°ÈÇ]Ê«°Ê£x䇣Çx]ÊÃiÌi“LÀœÉ˜œÛi“LÀœÊÓääx £ÈÎ
elementos fazem parte de rituais feitos nos do jejum e da penitência ao corpo que esse
templos ou recomendados pelos pastores período prescreve. Na Sexta-feira da Paixão,
para que os fiéis os façam em casa. Ricardo as atividades são retomadas realizando-se o
Mariano (1999, p. 134) cita que ritual do fechamento de corpo por meio de
incisões rituais na pele (curas ou aberês). Na
“Pastor Gilberto convida os telespectadores Sexta-feira da Paixão, Exu é homenageado
a buscar o ‘sabão abençoado’ na congre- não só porque é o início do ano litúrgico,
gação de Caxias, com o qual iriam ‘lavar mas porque está associado a ritos de vida
a peça de roupa daquela pessoa que está e morte (Paixão e Aleluia). Na umbanda,
internada, que está com Exus em cima, está as giras em homenagem aos exus e pomba-
com Tranca-Rua, com Omolu, alguém que giras ocorrem semanalmente e envolvem,
colocou seu nome lá no cemitério na cabeça como já se disse, uma relação com o corpo
de defunto fresco’. Fala ainda da cura da e a sexualidade. Na Iurd esse imaginário é
fiel que iria amputar a perna: ‘Olha, a Sra. absorvido por meio de rituais com flores
vai pegar três petalazinhas dessa rosa, fazer (preferidos pelas pombagiras), perfume do
um chá, um banho e vai durante sete dias amor, banhos com água fluidificada, sabo-
de manhã banhar a perna em nome de Jesus netes abençoados de descarrego, limpeza
com toda a fé. E ela fez isso e não precisou ritual das roupas dos enfermos, etc.
mais cortar a perna’”. O uso nos rituais neopentecostais de
objetos com panos coloridos, chás de sete
Na Quaresma, por influência do catoli- dias, “galhos de arruda, molhados em ba-
cismo, muitos terreiros entram em recesso cias cheias de água benta e sal” (Mariano,
evitando fazer sacrifício de sangue por conta 1999, p. 135) e aspergidos nos fiéis para que
estes sejam libertos, indica uma apropria-
ção nesse universo de uma magia popular
difusa, mas muito comum nos rituais de
umbanda. O preto-velho, por representar
o espírito do ancestral africano cheio de
sabedoria e conhecimento de feitiçarias,
mas também convertido ao catolicismo,
aglutinou em torno de si essa memória.
São típicos de suas receitas os vários usos
de ervas, como arruda.
O simbolismo do fogo também está pre-
sente no neopentecostalismo numa relação
com os rituais que envolvem esse elemento
nas religiões afro-brasileiras, geralmente
associados aos orixás dos raios (Xangô e
Iansã), da forja (Ogum) e dos caminhos
(Exu). Ou, ainda, à queima da pólvora, muito
usada na umbanda para limpezas espirituais
de pessoas e ambientes. Descrevendo um
desses rituais, Mariano (1999, p. 135) afirma
que “a arruda às vezes é conduzida pelo fiel
para captar o mal presente em casa e nos
moradores, sendo depois levada de volta
ao templo para ser queimada”. Envelopes
contendo dinheiro e os pedidos dos fiéis
escritos num papel também são levados
para a “terra santa de Jerusalém” onde são
queimados ritualmente. Aparentemente,

£È{ , 6-/Ê1-*]Ê-KœÊ*>Տœ]ʘ°ÈÇ]Ê«°Ê£x䇣Çx]ÊÃiÌi“LÀœÉ˜œÛi“LÀœÊÓääx
somente os envelopes e os pedidos são de pessoas costumam oferecer presentes
queimados para que estes sejam atendidos (perfumes, flores, espelho, pente, etc.) a essa
por Deus. divindade. Diz-se que o banho nas águas do
Em agosto, mês relacionado à terra mar nesses dias “limpa” o corpo das forças
onde se depositam o corpo dos mortos e se negativas e traz sorte e felicidade. No neo-
veneram os ancestrais, é quando se cultua pentecostalismo da Iurd, o simbolismo da
Obaluaiê e Omolu, orixás associados às água salgada ou do sal grosso também está
doenças e sua cura. Na Iurd, essa época foi presente em rituais, como a utilização de um
declarada o “mês dos encostos”, espíritos prato plástico contendo sal, que é indicado
malignos dos cemitérios. Os orixás mencio- para “purificar o local de trabalho e o lar”.
nados, também associados aos cemitérios, Outra cerimônia realizada nessa igreja é a
tornaram-se, na visão da Iurd, apenas os do Vale do Sal, quando os fiéis são incitados
causadores de epidemias, perdendo o ca- a andar sobre esse produto espalhado pelo
ráter de curadores destas, como se viu na chão da igreja. Muitos manifestam exus e
citação acima. pombagiras nesse momento, outros atiram
As festas de erês são celebradas em ao chão pedaços de papel com seus pedidos
setembro, por causa da homenagem aos escritos. Numa tentativa de desqualificar a
santos católicos Cosme e Damião, médicos festa a Iemanjá, muitos fiéis neopentecostais
tidos como protetores das crianças. Nessas têm feito pregação em meio à população
festas há geralmente farta distribuição de de devotos usando alto-falantes ou mesmo
brinquedos e guloseimas para as crianças. distribuindo panfletos nos locais públicos
Nas igrejas neopentecostais, temendo que de culto. Em um desses panfletos, que não
as crianças sejam endemoninhadas pelos trazia a identificação da igreja que o produ-
alimentos ofertados por ocasião dessas ziu, distribuído em 2 de fevereiro de 2000
festas, é feita também distribuição de balas na festa de Iemanjá que anualmente ocorre
e doces abençoados (Almeida, 1996b, p. no Bairro do Rio Vermelho, em Salvador,
44; Mariano, 1999, p. 135). o conteúdo seguia a mesma estrutura da
No período que marca a peregrinação à literatura de ataque aos cultos afro-brasi-
cidade de Aparecida do Norte, em outubro, leiros: primeiro, uma “explicação” sobre
para a celebração de Nossa Senhora Apa- quem é Iemanjá (“a mãe dos orixás”); em
recida, também ocorrem grandes eventos seguida, o que ela recebe como oferendas
neopentecostais, como cultos em estádios. (flores, velas, perfumes, espelhos, etc);
Em 12 de outubro de 1995, um dos bispos a origem dessas oferendas (o medo das
da Iurd, durante programa transmitido pela pessoas diante da natureza, sendo que uma
rede Record, chegou a pisar numa estátua dessas oferendas “consistia no sacrifício de
de Nossa Senhora Aparecida, expressando meninas virgens, amarrando-as nos barcos,
seu repúdio ao culto da imagem. A reação soltando-as à deriva” para aplacar “a ira”
católica, contando com o apoio da mídia e do mar); e, finalmente, a condenação com
de autoridades políticas, foi grande, o que base na Bíblia:
acabou provocando a transferência do bispo
iconoclasta para fora do Brasil (Mariano, “Não adore outros deuses; adore somente a
1999, p. 83). mim. Não faça imagens de nenhuma coisa
Em dezembro e fevereiro, períodos que há lá em cima no céu, ou aqui embaixo
consagrados às águas, ocorrem eventos na terra, ou nas águas debaixo da terra. Não
públicos de grande popularidade, como se ajoelhe diante de ídolos, nem os adore,
as homenagens a Iemanjá, Oxum e Nanã, pois eu, o Eterno, sou o seu Deus e não
divindades femininas associadas à mater- tolero outros deuses – Êxodo 20.2-4”.
nidade. Nas festas de Iemanjá, realizadas
em diversos pontos do litoral brasileiro, Enfim, sintetizo a seguir, em forma de
por volta do dia 8 dezembro, na passagem quadro, as principais características dessas
do ano e no dia 2 de fevereiro, milhares liturgias “afro-pentecostais”:

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correntes amarrando suas imagens. De fato,
no neopentecostalismo atribui-se a quebra
de uma corrente (ciclo específico em que o
Alguns rituais na Iurd têm trabalhado fiel deve ir à igreja ou cumprir um ritual) à
com vários elementos simbólicos do campo força dos demônios que não querem que a
religioso afro-brasileiro. Gostaria de citar pessoas se “acorrentem” a Deus. Também a
dois grupos de rituais que considero entre expressão “tá amarrado” é freqüentemente
os mais importantes para a análise dos me- usada nos rituais de exorcismo para dizer
canismos simbólicos dessa reapropriação: que o demônio está subjugado (Mariano,
as correntes e as consultas espirituais. 1999, p. 145). O termo linha está associado
As correntes são séries seqüenciais à forma como as divindades foram separadas
de cultos que o fiel deve freqüentar, sem por faixas ou domínios de energia espiritu-
interromper, com o risco de não conseguir al e serviu, sobretudo na umbanda, como
atingir os objetivos almejados. Segundo forma de estruturar um panteão diversifi-
Mariano (1999, p. 135), como o discurso cado e expressar um conhecimento sobre
das igrejas neopentecostais é “altamente a potência e o uso dessas energias. Esse
repetitivo e enfadonho”, lidando com os conceito umbandista de linha é tributário,
mesmos problemas e apresentando os mes- por sua vez, da teoria espírita das faixas
mos diagnósticos e soluções, vibratórias segundo a qual o “pensamento
e a vontade de um espírito (encarnado ou
“[…] várias são as formas dos rituais, bem não) emite vibrações” (Laura, 1990, p.
como o modo de participar deles e o sacrifí- 153) que denotam seu estágio moral e seu
cio (a quantia de dinheiro) exigido para o fiel progresso. As correntes neopentecostais,
habilitar-se a receber as bênçãos desejadas ao prescreverem que o sacrifício (oferta),
ou propostas. Sua capacidade [dessas igre- a fidelidade e a escolha de um objetivo (um
jas] de diversificar o repertório simbólico de cada vez) a ser alcançado são essenciais
parece inesgotável. Daí encontrarmos cor- para seu sucesso, de certo modo absorvem
rente: de Jó, de Davi, do tapete vermelho, em seu sistema a idéia espírita segundo
dos 12 apóstolos, do nome de Jesus, da mesa a qual o pensamento em “sintonia” com
branca, do amor, das 91 portas, campanha uma “faixa vibratória” adquire o poder de
do cheque da abundância, vigília da vitória “ordenar” a transformação das coisas ao
sobre o Diabo, semana da fé total”. redor. Na citação de Mariano acima, ve-
mos que a denominação de correntes com
As correntes, medidas em ciclos de dias nomes de personagens bíblicos (Jó, Davi,
ou semanas (7, 9, 12 ou mais), remetem Jesus, etc.) parece enfatizar qualidades
à visão mágica da segmentação temporal presentes na vida destes (Paciência, Luta,
mencionada acima e revelam a absorção no Santidade), que atuariam como modelos
sistema neopentecostal de valores relaciona- de conduta (faixas vibratórias morais) para
dos à prática católica de ritos cíclicos como o pensamento e ação do fiel e, ao mesmo
a reza do terço, as novenas, trezenas, etc. tempo, alude aos princípios classificatórios
Guardam, ainda, semelhanças com os ciclos da umbanda com suas correntes de Iemanjá,
iniciáticos das religiões afro-brasileiras nos Oxalá, das crianças, etc. As correntes com
quais o axé (força) cresce à medida que o nome de objetos (“tapete vermelho“), de
indivíduo periodicamente reforça seus laços números aparentemente cabalísticos (12
de aliança com as divindades por meio da rea- apóstolos, 91 portas) ou de rituais espíritas
lização de “obrigações”. Começando pelo (“mesa branca” (21)), indicam fortemente
próprio termo, vemos que corrente alude a absorção do universo mágico-religioso
ӣʜÊÀi`œÀÊ`iÊՓ>ʓiÃ>ÊLÀ>˜V>Ê
aos léxicos afro-brasileiros: amarração e afro-brasileiro e kardecista. Corrobora œÃÊ ië‰ÀˆÌ>ÃÊ Ž>À`iVˆÃÌ>ÃÊ ÃiÊ
Ài֘i“Ê«>À>ÊÀiViLiÀʜÃÊië‰ÀˆÌœÃÊ
linha. O primeiro termo está associado aos essa idéia o ritual da unção do copo d’água `iÃi˜V>À˜>`œÃ°Ê*œÀʈÃÜ]ÊiÃÃ>Ê
cultos de exu e pombagira, os quais, como feito pelos pastores da Iurd e transmitido Àiˆ}ˆKœÊÌ>“Lj“ÊwVœÕÊVœ˜…iVˆ‡
`>Ê«œ«Õ>À“i˜ÌiÊVœ“œÊº“iÃ>Ê
foi dito, são representados muitas vezes com via televisão. Essa bênção é feita tanto às LÀ>˜V>»°

, 6-/Ê1-*]Ê-KœÊ*>Տœ]ʘ°ÈÇ]Ê«°Ê£x䇣Çx]ÊÃiÌi“LÀœÉ˜œÛi“LÀœÊÓääx £ÈÇ
18h (hora do Angelus) como no final de pai-de-santo que, freqüentemente, confirma
alguns programas dessa igreja. A novidade tratar-se de “trabalho de bruxaria” (feitiça-
da prática neopentecostal dessa bênção ria ou macumbaria) e explica em detalhes
(22) é que o pastor também pede para que como esses “trabalhos” são feitos e quais
as pessoas se aproximem da televisão e a suas conseqüências para as vítimas. O ros-
toquem com as mãos estendidas. O pastor, to do ex-pai-de-santo nunca aparece, pois
então, faz uma prece alegando que a energia este fica atrás de um biombo que reflete a
nele presente irá passar para o telespectador. sombra de seu perfil. Nesses programas,
Posteriormente o pastor recomenda que os ex-sacerdotes também são entrevistados
a água seja bebida para que o espírito de pelo pastor para que narrem suas histórias
Jesus possa ser absorvido. Nos termos do de vida “de anos servindo aos encostos” até
espiritismo, esse rito poderia ser chamado serem libertados.
de “água fluidificada”. Outra característica Quando realizadas na igreja, as consul-
da aproximação entre esses universos reli- tas espirituais ocorrem geralmente antes
giosos, já salientada, é a vestimenta de cor do culto e estabelecem um contato direto
branca usada pelos pastores, a mesma cor e individual do consulente com o ex-pai-
das roupas rituais dos adeptos dos terreiros de-santo. Nesse caso, assemelham-se mais
de candomblé, umbanda e espíritas. ao modelo encontrado nos terreiros de
As consultas espirituais, no âmbito candomblé. Durante o culto também são
das religiões afro-brasileiras, podem ser feitos os “corredores” (espécie de túnel
entendidas como uma prestação de serviço formado por duas fileiras paralelas de ex-
mágico-religioso por meio do contato com pais-de-santo e pastores que ficam com os
as divindades que diagnosticam proble- braços levantados) para que as pessoas ao
mas e orientam para a sua resolução. No passarem por eles possam se libertar de
candomblé elas geralmente são feitas por encostos e dos “trabalhos” feitos. Recen-
meio do jogo-de-búzio realizado pelo pai- temente, esses ex-pais-de-santo têm sido
de-santo (sem incorporação). Na umbanda identificados por “ex-pai-de-encostos”. A
é mais comum o contato face a face do mudança de termo é, provavelmente, uma
consulente com as entidades incorporadas precaução para evitar processos judiciais,
nos médiuns. pois o termo usado anteriormente aludia à
No âmbito da Iurd, as consultas espiri- condição do sacerdote das religiões afro-
tuais são feitas durante os programas tele- brasileiras. Além disso, a troca de nomes
visivos e no espaço da igreja. No primeiro permite algumas reflexões.
caso, os pastores apresentadores do pro- Na consulta espiritual da Iurd articula-
grama são identificados como “consultores se uma teoria da possessão (presença dos
espirituais” e são assessorados por ex-pais encostos) e das doenças a ela associadas
e mães-de-santo convertidos à igreja. Os largamente tributária de uma fusão entre os
telespectadores fazem contato por telefone exemplos bíblicos de possessão, os conceitos
em busca de ajuda para suas aflições. Como espíritas de obsessão e a concepção existente
o diagnóstico dado pelo pastor para as causas no candomblé e na umbanda da influência
da aflição dos consulentes freqüentemente dos orixás sobre o corpo humano.
envolve a presença do demônio ou de “tra- Na teoria espírita acredita-se que os
balhos feitos”, os ex-sacerdotes desempe- espíritos inferiores desencarnados entram
ÓÓÊ ÃÃ>Ê «À?̈V>Ê wÊVœÕÊ Vœ˜…iVˆ`>Ê
˜œÃÊ «Àœ}À>“>ÃÊ ÌÀ>˜Ã“ˆÌˆ`œÃÊ nham um papel estratégico na confirmação em contato com o corpo dos homens cau-
˜œÃÊ>˜œÃÊ`iÊ£™ÈäÊ«œÀÊ*i`ÀœÊ desse diagnóstico. Muitos telespectadores sando-lhes obsessões, isto é, influências
iÀ>`œÊ
œÃÌ>]Ê µÕiÊ iݜÀÌ>Û>Ê
ÃiÕÃʜÕۈ˜ÌiÃÊ>ÊVœœV>Ài“ÊÕ“Ê descrevem, por exemplo, que encontraram negativas que podem chegar à possessão
Vœ«œÊ`½?}Õ>ÊÜLÀiʜÊÀ?`ˆœÊ>ÊwʓÊ
`iÊÃiÀÊ>Li˜Xœ>`œÊ«iœÊ«>`ÀiÊ
objetos em sua casa ou em seu trabalho completa, ou perda do livre-arbítrio. A
œ˜ˆâiÌi]Ê̈`œÊVœ“œÊ“ˆ>}ÀiˆÀœ°Ê (alimentos, bonecos amarrados, pedaços de possessão, entretanto, pode ser benéfica ou
>ÃÊvœˆÊœÊºÌiiÛ>˜}iˆÃÌ>»Ê,iÝÊ
ՓL>À`]ʘœÃÊ>˜œÃÊ`iÊ£™nä]Ê carne crua, pó preto, etc.) e querem saber causada por espíritos de luz interessados
µÕi“Ê̜À˜œÕÊv>“œÃ>Ê>ÊLk˜XKœÊ se isso representa algum tipo de “feitiço”. em passar alguma mensagem. A influência
`œÊVœ«œÊ`½?}Õ>Ê>Ê`ˆÃÌ@˜Vˆ>Êۈ>Ê
ÌiiۈÃKœ° Nesse momento, o pastor consulta o ex- dos espíritos obsessores se apresenta em

£Èn , 6-/Ê1-*]Ê-KœÊ*>Տœ]ʘ°ÈÇ]Ê«°Ê£x䇣Çx]ÊÃiÌi“LÀœÉ˜œÛi“LÀœÊÓääx
forma de doenças físicas ou espirituais, por Macedo (1996, p. 64): “Milhares de pais-
isso a terapia espírita procura seguir alguns de-santo e mães-de-santo que chegaram até
“protocolos” de tratamento de acordo com nós ficaram surpreendidos ao verificarem
os casos. No candomblé, excetuando os que o ‘encosto’ que possuíam era o mesmo
transes socialmente aceitos (como a pos- ‘guia-de-frente’ [orixá] que dava conselho,
sessão das divindades africanas e dos erês, consultas e parecia bonzinho”.
principalmente), todos os demais tendem a Estando previstas no sistema do candom-
ser vistos como anômicos (sob influência blé e da umbanda (por influência maior ou
dos encostos ou espíritos de mortos). Na menor do espiritismo) as categorias “orixá”,
umbanda, o panteão socialmente aceito é “encosto”, “possessão” (legítima) e “obses-
muito maior devido ao acolhimento nesta são” (anômica), o neopentecostalismo não
dos chamados espíritos inferiores e à adoção rompe a credibilidade de crenças desses
da teoria da evolução espiritual kardecista. sistemas como um todo, apenas inverte
Um dos mitos de origem da umbanda des- seus pólos significativos para em seguida
creve-a como proveniente da ação de um submetê-los a uma relação significativa com
ex-espírita inconformado com o fato de não a polaridade cristã entre o bem e o mal. Pri-
poder receber nas sessões de mesa branca meiro o “encosto” (obsessor) “toma o lugar”
kardecista que frequentava os espíritos tidos do “guia-de-frente” ou orixá (possessão
como inferiores ou obsessores, na visão legítima) para depois se revelar “demônio”.
espírita, como os caboclos e pretos-velhos Assim, essas etapas de transformação possi-
que ingerem bebida alcoólica e fumam bilitam que “ex-pais-de-santo” se tornem e
(Giumbelli, 2004). se vejam, aos seus próprios olhos e aos dos
Na Iurd, acredita-se que qualquer que seja outros, como “ex-pais-de-encosto”. Mas ao
o tipo de manifestação (possessão de orixá, serem consultados nos programas ou darem
obsessão por espírito inferior, etc.), “a pessoa consultas para os fiéis na igreja, ainda que
se encontra sob a influência de um espírito sem o uso de qualquer jogo divinatório ou
imundo, um demônio”. Como afirma Edir da incorporação, continuam mantendo, no
âmbito desse espaço, algum prestígio que
advém do posto ocupado na umbanda ou
no candomblé. Porém, como ex-lideranças
dos “exércitos inimigos”, mantêm o estigma
do perigo e do mistério, que o biombo a
esconder-lhes o corpo parece preservar.
Com relação à classificação do corpo
e suas doenças, a teoria espírita kardecista
afirma que os espíritos obsessores causam
inúmeras doenças ao corpo que, sendo “sím-
bolo da imperfeição humana, é fonte ines-
gotável de vícios (tabagismo, alcoolismo,
drogas, sexo desregrados, etc.) que devem
ser combatidos” (Cavalcanti, 1990, p. 153).
No candomblé, o corpo está sob a regência
dos diversos orixás que se encarregam de
cuidar de suas partes específicas, equilibran-
do-as para evitar doenças e perda de axé. A
Iemanjá pertence a cabeça; a Exu, os órgãos
sexuais; doenças da pele são domínio de
Obaluaiê ou Omolu, e assim por diante. No
neopentecostalismo também as doenças se
tornaram sinais privilegiados para detectar
a possessão demoníaca, pois se “nem todo

, 6-/Ê1-*]Ê-KœÊ*>Տœ]ʘ°ÈÇ]Ê«°Ê£x䇣Çx]ÊÃiÌi“LÀœÉ˜œÛi“LÀœÊÓääx £È™
doente é endemoninhado, com certeza todo ninhados a seus descendentes, surgem em
o endemoninhado é doente” (Macedo, 1996, função de vários fatores, como uma mal-
p. 66). Ou seja, as pessoas possessas sempre dição lançada a alguém, mas extensiva aos
apresentam alguma enfermidade. Macedo seus familiares e descendentes. No universo
(1996, p. 65) aponta algumas doenças que do candomblé, essa concepção de herança
caracterizam a possessão: nervosismo, espiritual é muito comum; acredita-se que
dores de cabeça, insônia, medo, desmaios os orixás de pessoas iniciadas e já faleci-
ou ataques, desejo de suicídio, doenças de das, ainda que sejam despachados em ritos
causas não diagnosticadas pelos médicos, fúnebres apropriados, podem querer voltar
visões de vultos ou audição de vozes, para serem cultuados pelos descendentes do
vícios e depressão. Essa lista, seja pelos morto. Esses orixás, chamados de “santo de
males físicos ou pela menção aos “vultos herança”, muitas vezes representam elos de
ou vozes”, recupera duplamente a relação continuidade entre as várias gerações de
entre enfermidade e “endemoninhamento” praticantes do candomblé, como menciona
presente na Bíblia, porém “atualizada” so- a mãe-de-santo Georgina:
bretudo pela teoria espírita da obsessão. Em
relação ao candomblé essa teoria se apro- “Ao completar 15 anos, meu pai foi à Bahia
veita da regência dos orixás sobre órgãos, buscar-me trazendo-me com ele para o
partes do corpo, comportamentos sexuais, Rio de Janeiro, onde me revelou a herança
etc. para inverter seus sentidos, conforme de minha bisavó. Até aquele momento eu
afirma Macedo (1966, p. 54): desconhecia ser ela mãe-de-santo e praticar
o rito do Candomblé” (apud McAlister,
“Omulu, por exemplo, que se intitula rei da 1983, p. 39).
calunga ou do cemitério, é um dos grandes
responsáveis por esse tipo de enfermidade Vistos pela ótica neopentecostal, os
[ataques epilépticos]. Da mesma forma, pes- “santos de herança” tornam-se “demônios
soas que sofrem de feridas e chagas que os hereditários” a causar no presente os mes-
médicos não conseguem curar e ficam anos
com as pernas feridas, normalmente são
possuídas desse demônio que é associado a
São Lázaro, da Igreja Católica […] pessoas
viciadas em tóxicos, bebidas alcoólicas,
cigarro ou jogo, na maioria dos casos o
responsável por tudo é o exu chamado ‘zé
pilintra’ ou ‘malandrinho’ ou outro desta
casta. Prostitutas, homossexuais e lésbicas
sempre são possuídos por ‘pomba-giras’,
‘marias-mulambo’, etc. Nos casos em que
as pessoas estão perdendo tudo o que têm
e caindo em desgraça, normalmente, por
trás estão demônios que se dizem chamar
‘exu-do-lodo’, ‘da vala’ e outros”.

Entre as várias formas de possessão


demoníaca, vimos que Macedo cita a
possessão por hereditariedade, isto é, um
demônio pode causar malefícios a várias
gerações de uma família, migrando do
parente falecido para o parente vivo. Esses
demônios, chamados de hereditários por
serem “heranças” deixadas pelos endemo-

£Çä , 6-/Ê1-*]Ê-KœÊ*>Տœ]ʘ°ÈÇ]Ê«°Ê£x䇣Çx]ÊÃiÌi“LÀœÉ˜œÛi“LÀœÊÓääx
mos males que causaram no passado. cajado para abertura dos caminhos, marte-
Também os demônios territoriais, assim lo para quebrar demandas, perfumes para
chamados por habitarem determinados limpeza de ambientes, etc.). Entretanto,
lugares e nestes causarem acidentes e tra- a justificativa dada pelos pastores para a
gédias, têm uma correspondência direta presença e o uso desses elementos baseia-se
com a associação que se faz entre as di- em referências a estes descritas na Bíblia,
vindades do panteão afro-brasileiro e seus o que legitima os rituais feitos com base
domínios territoriais, como rios, matas, neles no campo religioso cristão. Vejamos
mar, cachoeira, estradas de terra, cemité- alguns exemplos.
rios, etc. Esses lugares tidos como locais No frasco de óleo bento distribuído para
de culto por excelência das divindades que “fechar” o corpo, afastar “maus-olhados”,
neles preservam seu axé podem ser vistos expulsar demônios e curar, lê-se no rótulo o
no neopentecostalismo como domínios de versículo “Expeliram numerosos demônios,
forças demoníacas causando malefícios ungiam com óleo a muitos enfermos e os
aos que neles transitam desprotegidos. Em curavam” (Marcos 6:13). Muitas vezes esse
suma, se os orixás se manifestam nas pessoas óleo contém mirra, resina de uma árvore
(pela iniciação), podem ser herdados pela africana que é usada em incensos e que
linhagem familiar e representam a nature- foi um dos presentes que o menino Jesus
za, os demônios também se manifestam recebeu dos magos: “Entrando [os magos]
no corpo das pessoas, podem ser herdados na casa, acharam o menino com Maria, sua
e, finalmente, se fixam em lugares. Como mãe. Prostrando-se diante dele, o adoraram.
se vê, a eficácia simbólica da consulta es- Depois, abrindo seus tesouros, ofereceram- ÓÎÊ œÊV>˜`œ“LjʜÊÌiÀ“œÊº˜>XKœ»Ê
`iÈ}˜>Ê “œ`>ˆ`>`iÃÊ `iÊ ÀˆÌœ]Ê
piritual neopentecostal resulta em grande lhe presentes: ouro, incenso e mirra” (Mt Vœ“œÊii‡˜>}ž]Ê>˜}œ>]ÊiÌV°
parte da manipulação de vários conceitos 2: 1-12). Nas sessões de descarrego, esse Ó{Ê*ÀœÛ?ÛiÊÀiviÀk˜Vˆ>Ê>œÊi«ˆÃ`ˆœÊ
dos sistemas afro-brasileiro e espírita, como óleo com mirra é derramado no corpo das i“ʵÕiÊLÀ>KœÊÀi֘iÊΣnÊ`œÃÊ
ÃiÕÃʓi…œÀiÃÊiʓ>ˆÃÊVœÀ>œÃœÃÊ
a relação das entidades espirituais com o pessoas para que os demônios se manifes- ÃiÀۜÃÊ «>À>Ê ÕÌ>ÀÊ Vœ˜ÌÀ>Ê œÃÊ
corpo, linhagem e espaços. tem. Na embalagem do sabonete de arruda, ÀiˆÃʵÕiÊ>«ÀˆÃˆœ˜>À>“ÊœÌ]ÊÃiÕÊ
«>Ài˜ÌiÊ­˜Ê£{\£{®°
Quais os sinais diacríticos que permitem distribuído no ritual de descarrego para que
ÓxÊ1“Ê«iµÕi˜œÊV>>`œÊ­Vœ“ÊViÀV>Ê
aos olhos dos agentes estabelecer conti- os adeptos, segundo a indicação do pastor, `iÊÈÊV“®ÊœVœ]ÊviˆÌœÊ`iÊ>VÀ‰ˆVœ]Ê
jÊ`ˆÃÌÀˆLՉ`œÊ«>À>ʵÕiʜÊwÊiÊœÊ
nuidades e rupturas entre esses universos possam livrar o corpo de impurezas, está i˜V…>ÊVœ“Ê?}Õ>ÊLi˜Ì>ÊiÊv>X>Ê
contíguos e de práticas intercambiáveis? impresso o versículo: “Vai, lava-te sete ÃiÕÃÊ«i`ˆ`œÃ°Ê"ÊV>>`œÊVœ“Ê
?}Õ>Ê >Õ`iÊ >œÊ i«ˆÃ`ˆœÊ `iÊ
Do ponto de vista dos termos, vimos vezes no Jordão e tua carne ficará limpa” vÕ}>Ê`œÊ«œÛœÊ…iLÀiÕÊ`œÊÕ}œÊ
que um léxico comum está sendo com- (II Livro de Reis 5:10). Com base nesse i}‰«VˆœÊµÕ>˜`œÊœˆÃjÃ]Ê`ˆ>˜ÌiÊ
`œÊ>ÀÊ6iÀ“i…œ]ÊiÀ}ÕiÕÊÃiÕÊ
partilhado nesses universos, tais como versículo, muitos rituais de purificação são V>>`œÊi]ʈ˜ÛœV>˜`œÊ>Ê«ÀœÌiXKœÊ
`iÊ iÕÃ]ÊۈÕÊ>ÃÊ?}Õ>ÃÊ`iÃÃiʓ>ÀÊ
“encosto”, “demanda”, “fechamento de feitos na Iurd utilizando-se a água (25). Em ÃiÊ >LÀˆÀi“Ê «>À>Ê >Ê «>ÃÃ>}i“Ê
corpo”, “consulta espiritual”, “sessão do alguns destes, os pastores garantem que a `œÃÊÀivÕ}ˆ>`œÃÊ­ ÝÊ£{\£È®°Ê œÊ
“iӜʓœ`œ]Ê>VÀi`ˆÌ>‡ÃiʵÕiʜÊ
descarrego” (ou “sessão forte do descarre- água veio do próprio Rio Jordão, como se «œÀÌ>`œÀÊ`œÊV>>`œÊµÕiʈ˜ÛœV>ÀÊ
>Ê«ÀœÌiXKœÊ`iÊ iÕÃÊÌiÀ?ÊÃiÕÃÊ
go” e “sessão espiritual do descarrego”), vê no rótulo do frasco da colônia “Águas V>“ˆ˜…œÃÊ>LiÀ̜ð
“obsessão”, “desobsessão”, “correntes”, do Jordão – Nardo” (26). A indicação de ÓÈÊ >À`œÊ jÊ Õ“>Ê «>˜Ì>Ê >È?̈V>Ê
“círculos da divindade”, “nação (23) dos 318 números exatos para a quantidade de vezes “ÕˆÌœÊ Ṏˆâ>`>Ê ˜>Ê v>LÀˆV>XKœÊ
`iÊ «iÀvՓiÃ°Ê >ÀÀ>Ê >Ê ‰Lˆ>Ê
pastores” (24), etc. Também a polissemia que os rituais devem se repetir também µÕiÊՓ>ʓՏ…iÀ]Ê«>À>Ê`i“œ˜Ã‡
dos símbolos é acionada por meio dos ele- se apóia em versículos bíblicos, como o ÌÀ>ÀÊ ÃÕ>Ê >`œÀ>XKœÊ >Ê iÃÕÃ]Ê
L>˜…œÕ‡…iÊ>ÊV>LiX>ÊVœ“ÊiÃÃiÊ
mentos litúrgicos utilizados para promover mencionado acima. O uso da roupa branca «iÀvՓiÊ “ÕˆÌœÊ V>Àœ°Ê ˆ>˜ÌiÊ
`>Ê ˆ˜`ˆ}˜>XKœÊ `iÊ >}Փ>ÃÊ
o trânsito de alguns significados nos vários pelos pastores também encontra fundamen- «iÃÜ>ÃÊ «iœÊ `iëiÀ`‰VˆœÊ `œÊ
sistemas religiosos, como o simbolismo das to bíblico: “Traja sempre vestes brancas e «Àœ`Õ̜]Ê iÃÕÃÊ i“LÀ>Ê µÕiÊ >Ê
“Տ…iÀÊ ˜KœÊ “i`ˆÕÊ iÃvœÀXœÃÊ
cores (uso do branco), dos números (sete, haja sempre azeite (perfumado) sobre sua «>À>Ê>`œÀ?‡œÊiÊ`iV>À>\ʺ"˜`iÊ
treze, vinte e um, trezentos e dezoito), dos µÕiÀʵÕiÊvœÀÊ«Ài}>`œÊi“Ê̜`œÊ
cabeça” (Ecl 9:8). Freqüentemente afirmam œÊ “Õ˜`œÊ œÊ Û>˜}i…œ]Ê ÃiÀ?Ê
elementos da natureza (água, fogo, azeite, que o branco, segundo a Bíblia, é o símbolo Vœ˜Ì>`œÊ «>À>Ê ÃÕ>Ê “i“Àˆ>Ê œÊ
µÕiÊi>Êviâ»Ê­VÊ£{\™®°Ê Ýi“«œÊ
óleo, flores, sal grosso, arruda) e produtos de da vitória. Muitas vezes o uso dessa cor “ÕˆÌœÊ >`iµÕ>`œ]Ê >ˆ?Ã]Ê «>À>Ê
suposta força mágico-religiosa (sabonetes também é estimulado entre os adeptos. Ao œÊ iÃ̉“ՏœÊ ˜iœ«i˜ÌiVœÃÌ>Ê >œÊ
Ã>VÀˆv‰VˆœÊ­œviÀÌ>®ÊÃi“Ê“i`ˆXKœÊ
para limpeza espiritual, chaves da fortuna, anunciar pela televisão uma sessão em que `iÊiÃvœÀXœÃ°

, 6-/Ê1-*]Ê-KœÊ*>Տœ]ʘ°ÈÇ]Ê«°Ê£x䇣Çx]ÊÃiÌi“LÀœÉ˜œÛi“LÀœÊÓääx £Ç£
se faria na igreja uma espécie de louvação Nesse círculo de “imitações” em que o
ao trono de Deus, os pastores solicitaram demônio rouba Deus e os pastores assediam
que as pessoas interessadas em comparecer o demônio para devolver a Deus o que é de
se vestissem de branco. Ao chegarem as Deus, a absorção por parte da Iurd das litur-
pessoas recebiam na entrada da igreja uma gias afro-brasileiras tem como conseqüência
rosa branca. A justificativa dada estava no a produção de sucedâneos bem-sucedidos
livro do Apocalipse: “Depois disso, vi uma de rituais afro no campo neopentecostal,
grande multidão que ninguém podia contar, ao mesmo tempo em que estes são desle-
de toda a nação, tribo, povo e língua: con- gitimados fora deste campo. Pessoas que
servavam-se em pé diante do trono e diante nunca freqüentaram as religiões afro-brasi-
do Cordeiro, de vestes brancas e palmas na leiras têm manifestado na Iurd demônios na
mão, e bradavam em alta voz: ‘A salvação é forma dos exus e pombagiras da umbanda.
obra de Deus, que está assentado no trono, e Como apontou Ronaldo Almeida (1996b),
do Cordeiro’” (Apoc 9-10). A palma, nesse essa igreja já se tornou auto-suficiente na
caso, foi substituída pela rosa branca, mui- produção de seus próprios exus.
to presente, aliás, no imaginário religioso
popular afro-brasileiro. A distribuição das
flores feita à porta da igreja e a louvação das
pessoas em frente ao trono estabeleciam uma
"
1-"
relação de continuidade entre o templo neo-
pentecostal e o afro-brasileiro. No terreiro As conseqüências da batalha espiritual
de candomblé a porta de entrada e o trono declarada pelo neopentecostalismo, do tipo
(cadeira onde se senta o orixá incorporado praticado principalmente pela Iurd, contra
no pai-de-santo) são pontos sagrados que, as religiões afro-brasileiras certamente
durante as cerimônias, devem ser saudados destoam do imaginário que se faz do Brasil
ÓÇÊ6i>Ê Ì>“Lj“Ê œÊ iÃÌÕ`œÊ `iÊ por todos os adeptos e pelas entidades logo como país da “tolerância religiosa” ou das
*iÌiÀÊÀÞÊÜLÀiÊ>ÊÀi>XKœÊi˜ÌÀiÊ
ºÌÀ>`ˆXKœ»ÊiʺVˆÛˆˆâ>XKœ»Ê˜>ÃÊ após incorporarem seus filhos, ou quando “misturas” (de cores, corpos, sabores, cre-
«À?̈V>ÃÊÀiˆ}ˆœÃ>ÃÊi“ÊœX>“‡
LˆµÕi°Ê -i}՘`œÊ œÊ >Õ̜À\Ê º"Ê vão embora. dos, etc.). Como sugere o título do artigo
“œÛˆ“i˜ÌœÊ «ÀœÌiÃÌ>˜ÌiÊ }>˜…>Ê As semelhanças entre as práticas mági- de Marisa Soares (1990), “Guerra Santa no
>`i«ÌœÃÊ «i>Ê ÃÕ>Ê «Àœ“iÃÃ>Ê
`iÊi˜vÀi˜Ì>Àʜʓ>Ê`>ÊviˆÌˆX>Àˆ>Ê co-religiosas da Iurd, justificadas pela Bí- País do Sincretismo”, parece haver um certo
«œÀÊ “iˆœÊ `iÊ Õ“Ê «ÀœiÌœÊ `iÊ
>`iÃKœÊ DÃÊ Ài}À>ÃÊ VÀˆÃÌKÃÊ µÕiÊ
blia, e as práticas religiosas afro-brasileiras descompasso entre uma guerra declarada
}>À>˜Ìi“Ê>Ê«ÀœÌiXKœÊ`œÊ ë‰ÀˆÌœÊ e espíritas são vistas, segundo os pastores, por convicções religiosas numa sociedade
->˜ÌœÊiÊ>Ê܏ˆ`>Àˆi`>`iÊÜVˆ>Ê
`>ÃÊ ˆ}Ài>Ã°Ê iÃÌiÊ Ãi˜Ìˆ`œ]Ê como mais uma das façanhas do demônio, em que a ideologia do “sincretismo” e
>Ê ¼“œ`iÀ˜ˆ`>`i½`>ÃÊ ˆ}Ài>ÃÊ que “rouba” os fundamentos bíblicos para do “encontro” vem deitando suas raízes
˜KœÊµÕiÃ̈œ˜>Ê>ÊÀi>ˆ`>`iÊ`>Ê
¼ÌÀ>`ˆXKœ½ÆÊ>«i˜>ÃÊÃiÊ>«ÀiÃi˜Ì>Ê inverter-lhes o significado. É o que escre- seculares.
Vœ“œÊՓ>ÊvœÀ“>ʓ>ˆÃÊiwVˆi˜ÌiÊ
iÊ `iw˜ˆÌˆÛ>Ê `iÊ ÃiÊ ÀiÃ}Õ>À`>ÀÊ ve Edir Macedo e, antes dele, McAlister, Essa percepção não é, entretanto,
Vœ˜ÌÀ>Ê >ÃÊ i݈}k˜Vˆ>ÃÊ `iÊ Vœ“‡ conforme vimos anteriormente. compartilhada pelos agressores. O “exu
«i˜Ã>XKœÊ«œÀÊ«>ÀÌiÊ`œÃʓœÀ̜ÃÊ
iÊ`iÊÃiÊ«ÀœÌi}iÀÊ`œÃʈ˜ˆ“ˆ}œÃÊ tradição”, que representa essa cultura de
µÕiʘKœÊ`iˆÝ>“Ê`iʏ>˜X>ÀʓKœÊ
`>ÊviˆÌˆX>Àˆ>°Ê ÃÃ>Ê>Vi«XKœÊ`iÊ
“O diabo confundindo as pessoas, age com deuses africanos, indígenas e católicos
¼“œ`iÀ˜ˆ`>`i½]Ê Vœ“œÊ >˜Ì‰ÌiÃiÊ muito misticismo em rituais com as oferen- em constante diálogo, deve ser, segundo
`>Ê ¼ÌÀ>`ˆXKœ½]Ê «>ÀiViÊ ÃiÀ]Ê `iÊ
v>̜]Ê Õ“>Ê ˆ˜ÌiÀ«ÀiÌ>XKœÊ `œÊ das que exige. Costuma usar o número sete, Edir Macedo, exorcizado não apenas do
VÀˆÃ̈>˜ˆÃ“œÊ>Ê«>À̈ÀÊ`>ʏ}ˆV>Ê usado por Deus na Bíblia, numa flagrante campo religioso brasileiro, mas de outras
L?ÈV>Ê `>Ê «À«Àˆ>Ê ¼ÌÀ>`ˆXKœ½»Ê
­ÀÞ]ÊÓääx]Ê«°Ê£Î™®°Ê/>“Lj“Ê imitação e desrespeito ao Senhor, Criador instâncias que mantêm com este alguma
˜œÊ V>ÃœÊ LÀ>ȏiˆÀœ]Ê >ÌjÊ œ˜`iÊ
«Õ`iÊ «iÀViLiÀ]Ê i“LœÀ>Ê …>>Ê de todas as coisas. Costuma, por exemplo, ligação (27). Efetivamente, alguns sím-
«œÀÊ«>ÀÌiÊ`>Ãʈ}Ài>Ãʘiœ«i˜‡ pedir sete velas, sete charutos, sete galinhas, bolos das religiões africanas presentes em
ÌiVœÃÌ>ˆÃÊՓÊ`ˆÃVÕÀÜÊVœ˜ÌÀ>Ê>Ê
ºÌÀ>`ˆXKœ»Ê­œÊº ÝÕÊÌÀ>`ˆXKœ»]ʍ?Ê pede trabalhos em sete encruzilhadas, sete outras manifestações, religiosas ou não, da
“i˜Vˆœ˜>`œ®]ʜʓœ`iœÊ`iÊÀ>‡
Vˆœ˜>ˆ`>`iÊ՘ˆÛiÀÃ>ˆÃÌ>Ê`iÃÃ>ÃÊ
catacumbas, durante sete dias, sete sextas- cultura brasileira têm sido ostensivamente
ˆ}Ài>ÃʘKœÊÃÕLÃ̈ÌՈ]ʘ>Ê«À?̈V>]Ê feiras etc. […] Dependendo do exu, orixá negados ou substituídos por uma “versão
>ÊVÀi˜X>Êi“ÊviˆÌˆX>Àˆ>]ÊVœ“œÊÃiÊ
ۈÕ]ʘiÃÌiÊÌÀ>L>…œ]Êi“ÊiÝi“«œÃÊ ou guia […] usam flores, cachaça, animais, pentecostal”. É o caso, entre outros, da
`>ÊiÃÌÀÕÌÕÀ>ʏˆÌÖÀ}ˆV>Ê`>ÊÕÀ`ÊiÊ velas, farofa e até bife acebolado!!!” (Ma- proibição do aprendizado da música de
i“Ê Vœ˜Vi«XªiÃÊ Vœ“œÊ œÃÊ `œÃÊ
º`i“ž˜ˆœÃʅiÀi`ˆÌ?ÀˆœÃ»° cedo, 1996, p. 106). percussão, associada ao demônio, ou da

£ÇÓ , 6-/Ê1-*]Ê-KœÊ*>Տœ]ʘ°ÈÇ]Ê«°Ê£x䇣Çx]ÊÃiÌi“LÀœÉ˜œÛi“LÀœÊÓääx
prática da capoeira, que é substituída pela conflito, em outro nível há conseqüências
capoeira gospel ou evangélica na qual são sociológicas visíveis e importantes para o
retiradas das letras das cantigas quaisquer campo religioso onde a batalha se desenrola,
referência ao candomblé e aos santos ca- tais como: 1) uma crescente institucionaliza-
tólicos, substituindo-as por referências a ção da magia, para usar um termo de Ricardo
Jesus. Também o acarajé, tradicionalmente Mariano, no âmbito de uma vertente cristã
uma comida votiva de Iansã, vendido nas tradicionalmente acostumada aos processos
ruas pelas “baianas” quituteiras, associadas de conversão racional e secularização ou,
às filhas-de-santo do candomblé, pode ser para usar os termos de Cecília Mariz, a
alvo dessa restrição, sendo substituído pelo ênfase numa “magia moral” ou no “poder
“acarajé do senhor”, feito pelas evangélicas ético da magia”; 2) a convivência paradoxal
que negam esses vínculos. Nesse processo da lógica mágica com a valorização da idéia
até mesmo livros escolares que abordem a de “direito adquirido”, substituindo a idéia
importância das religiões afro-brasileiras na do “favor”; 3) a construção de uma noção
constituição da sociedade nacional podem de pessoa isenta de culpa (pelas fraquezas
ser contestados (28). pessoais e pelo lugar que ocupa na estrutura
Se o confronto declarado unilateral- social), ao menos antes do processo de li-
mente pelas igrejas neopentecostais contra bertação ou conversão; e 4) a perspectiva de
os terreiros afro-brasileiros parece promo- que “apoderar-se de si” é o primeiro passo
ver um aparente afastamento entre essas de uma transformação social e de conquista
instituições, beneficiando o crescimento de bens (materiais e sociais) e de bênçãos
das primeiras e a evasão de adeptos dos (sagradas). Nesse aspecto parece haver um
segundos, além da degeneração da ima- hiato mais profundo entre os sistemas em
gem pública destes, há em sentido inverso contato, pois nas religiões afro-brasileiras
um entrelaçamento desses campos que os aceita-se a “margem” não para transfor-
aproxima, como tem sido demonstrado por má-la, mas para consagrá-la em seu poder
vários estudiosos do tema. contestador (afinal, os próprios deuses ÓnÊœˆÊœÊµÕiʜVœÀÀiÕÊVœ“Ê>ÊVœiXKœÊ
`iʏˆÛÀœÃÊ`ˆ`?̈VœÃʺˆÃ̝Àˆ>Ê*>‡
Essa afirmação parece consistente ao podem ser falíveis, egoístas, malandros, À>̜`œÃ»Ê­ ˜Ãˆ˜œÊ՘`>“i˜Ì>]Ê
`ˆÌœÀ>Ê-Vˆ«ˆœ˜i]Ê`iÊ>Õ̜Àˆ>Ê`iÊ
observamos que a produção literária, con- adúlteros, vingativos ou exercitarem uma >Àˆ>Ê`>Ê
œ˜ViˆXKœÊ
>À˜iˆÀœÊ
cepções religiosas, uso da oralidade e do espécie de homoerotismo), tudo isso sem `iÊ"ˆÛiˆÀ>®°Ê œÊۜÕ“iÊ`iÃ̈‡
˜>`œÊ DÊ Ó>Ê ÃjÀˆi]Ê ˜œÊ V>«‰ÌՏœÊ
transe, cosmogonias, ritos e liturgias que culpas a expiar ou desafios a cumprir. Já º œÃÃ>ÃÊ ,>‰âiÃÊ vÀˆV>˜>û]Ê >Ê
>Õ̜À>ÊÌÀ>Ì>Ê`>ÊvœÀ“>XKœÊ`>ÃÊ
constituem a teologia neopentecostal da no neopentecostalismo abraça-se a todos Àiˆ}ˆªiÃÊ >vÀœ‡LÀ>ȏiˆÀ>Ã°Ê 1“>Ê
batalha espiritual parecem fornecer uma os estigmatizados e marginais (alcoólatras VœœÀ`i˜>`œÀ>Ê «i`>}}ˆV>Ê
iÛ>˜}jˆV>Ê `iÊ ivœÀÌÊ ,œÝœ]Ê
“pedagogia” em que há um propósito de (29), homossexuais (30), drogados, pros- ,ˆœÊ`iÊ>˜iˆÀœ]Ê«ÀœÌiÃ̜Õʍ՘̜Ê
aproveitar o conhecimento do, ou iniciar titutas, etc.) com a promessa de libertá-los DÊi`ˆÌœÀ>Ê>i}>˜`œÊµÕiʜʏˆÛÀœÊ
v>âˆ>Ê >«œœ}ˆ>Ê `>ÃÊ Àiˆ}ˆªiÃÊ
os adeptos no léxico e na gramática do de seus exus-demônios e curá-los. Afinal, a >vÀœ‡LÀ>ȏiˆÀ>ÃÊ iÊ µÕiÊ ˜KœÊ Ãi‡
Àˆ>Ê >`œÌ>`œÊ i“Ê ÃÕ>Ê iÃVœ>]Ê
sistema detratado em seu próprio benefí- conversão da “margem” valoriza o “centro”: œ˜`iÊ >Ê “>ˆœÀˆ>Ê `œÃÊ >Õ˜œÃÊ iÊ
cio. Valer-se da lógica mágico-religiosa Deus, igreja, bispo… «ÀœviÃÜÀiÃ]Ê Ãi}՘`œÊ i>]Ê iÀ>Ê
iÛ>˜}jˆV>°ÊʓiÓ>ÊVœiXKœÊ
do outro parece ser o primeiro passo para Finalizando, se o exu africano foi bati- Ì>“Lj“Ê }iÀœÕÊ «ÀœÌiÃÌœÊ ˜>Ê

@“>À>Ê `>Ê Vˆ`>`iÊ `iÊ *>̜Ê
tentar garantir a operacionalidade dessa zado de diabo cristão e se converteu em exu À>˜Vœ]Ê *>À>˜?]Ê œ˜`iÊ Õ“Ê
lógica quando aplicada em seu próprio brasileiro, agora este, vestindo a carapuça, ÛiÀi>`œÀÊ iÊ «>Ã̜ÀÊ iÛ>˜}jˆVœÊ
`i˜œ“ˆ˜œÕÊ>ʜLÀ>Ê`iʺˆÛÀœÊ`œÊ
sistema, a partir de outros pressupostos. rouba a cena nos cultos neopentecostais se `i“ž˜ˆœ»ÊiÊ«i`ˆÕÊ>ÊV>ÃÃ>XKœÊ
A “inversão”, também sendo uma versão, passando por demônio. Versões diferentes `>ÊVœiXKœ°Ê"ÊÀiviÀˆ`œÊ“>ÌiÀˆ>Ê
`ˆ`?̈VœÊvœˆÊ>Û>ˆ>`œÊiʜLÌiÛiÊ
só faz sentido quando se conhece o que se de um mesmo mito no qual Exu, Satanás ou «>ÀiViÀʓՈ̜Êv>ۜÀ?Ûi]ÊÃi˜`œÊ
ÀiVœ“i˜`>`œÊ«iœÊՈ>Ê`œÊ*>‡
inverte. No limite, porém, ambas, versões Jesus são caminhos de uma mesma jornada. ˜œÊ >Vˆœ˜>Ê`œÊˆÛÀœÊ ˆ`?̈VœÊ
e inversões, dependem umas das outras Ou, como cantam os umbandistas: ­*  ‡Óää{®°

para ampliar seus significados e afirmar әÊ*>À>ÊՓ>Ê>˜?ˆÃiÊ`œÊ`ˆÃVÕÀÜÊ


«i˜ÌiVœÃÌ>ÊÜLÀiʜÊ>VœœˆÃ“œ]Ê
suas identidades por contraste. “Exu tem duas cabeças ÛiÀ\Ê>Àˆâ]Ê£™™{°
Se assim opera a lógica simbólica de um Exu faz sua gira de fé ÎäÊ-œLÀiÊ>ÊۈÃKœÊ`œÊ˜iœ«i˜ÌiVœÃ‡
ponto de vista intelectivo, constituindo con- Na esquerda é Satanás do inferno Ì>ˆÃ“œÊi“ÊÀi>XKœÊDʅœ“œÃÃi‡
ÝÕ>ˆ`>`i]Ê ÛiÀ\Ê >̈ۈ`>`i]Ê
tinuidades estruturais entre os sistemas em Na outra, Jesus de Nazaré”. Óääx°Ê

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