Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Amados, não creiais a todo o espírito, mas provai se os espíritos são de Deus, porque já muitos
falsos profetas se têm levantado no mundo. Nisto conhecereis o Espírito de Deus: Todo o
espírito que confessa que Jesus Cristo veio em carne é de Deus;
Além disso, se Jesus tivesse tido somente um corpo “aparentemente físico”, não
teria podido mostrar suas feridas aos apóstolos logo da ressurreição. Vejamos,
com tal propósito, algumas passagens do Evangelho de João (20, 26-28):
E oito dias depois estavam outra vez os seus discípulos dentro, e com eles Tomé. Chegou Jesus,
estando as portas fechadas, e apresentou-se no meio, e disse: Paz seja convosco.
Depois disse a Tomé: Põe aqui o teu dedo, e vê as minhas mãos; e chega a tua mão, e põe-na no
meu lado; e não sejas incrédulo, mas crente.
E Tomé respondeu, e disse-lhe: Senhor meu, e Deus meu!
Sejais surdos, pois, quando alguém vos fale aparte de Jesus Cristo, que era da raça de Davi,
que era o Filho de Maria, que verdadeiramente nasceu e comeu e bebeu e foi certamente
perseguido baixo Pôncio Pilatos, foi verdadeiramente crucificado e morreu à vista dos que
existem no céu e os que existem na terra e os que existem debaixo da terra; o qual, além disso,
verdadeiramente ressuscitou dos mortos, havendo sido ressuscitado por seu Pai, o qual, da
mesma maneira nos levantará a nós os que temos acreditado nele—seu Pai, digo, nos
ressuscitará em Cristo Jesus, aparte do qual não temos verdadeira vida.
Ninguém tem maior amor do que este, de dar alguém a sua vida pelos seus amigos.
É verdadeiro Deus por poder “tirar o pecado do mundo” (Evangelho de João 1, 29)
e, com a ressurreição, demostrar que venceu o pecado e a morte.
Voltemos agora ao gnosticismo cristão, que foi uma espécie de sincretismo entre
conceitos gnósticos e o cristianismo.
Os gnósticos pensavam “poder elevar” o cristianismo de uma escala que eles
consideravam “inferior” à escala sublime do conhecimento (gnose).
Com este fim, começaram a produzir uma notável quantidade de escritos que se
podem distinguir em três categorias.
Primeiro que tudo foram relatos escritos anônimos que mostravam paralelismos
com os livros canônicos do Novo Testamento. Tinham como objetivo
apresentar doutrinas gnósticas através de supostas revelações de Jesus Cristo aos
apóstolos.
Nesta primeira categoria estão os chamados Evangelhos Gnósticos, os Atos
Apócrifos dos Apóstolos e algumas Cartas Apócrifas dos Apóstolos.
Os Evangelhos Gnósticos anônimos mais importantes são: a Pistis Sophia, uma
exaltação do rol de Maria Magdalena, que seria a encarnação do Eón Sophia
(séculos II-III); o Apócrifo de João, que transmite a concepção da tripartição dos
homens entre terrenos, psíquicos e espirituais (final do século II); o Evangelho de
Maria, que exalta o rol de Maria Madalena (metade do século II); o Evangelho de
Tomás, que é uma recopilação de provérbios de Jesus, considerados em chave
gnóstica (século II). Entre os Atos Apócrifos dos Apóstolos recordam-se os Atos
de João, de Pedro, de André e de Paulo (final do século II), pertencentes ao ciclo
leuciano, e os Atos de Tomás (século III), todos os textos com fortes influências
gnósticas.
Há, além disso, numerosas cartas apócrifas de influências gnósticas, como a Carta
dos Coríntios a Paulo (século II) e a Carta de Pedro a Felipe (século II).
Na segunda categoria há vários “Apocalipses Gnósticos”, como o Apocalipse de
Paulo (final do século II – IV século) ou o de Pedro (final do século II- III
século).
Na terceira categoria há vários escritos teológicos, éticos, dogmáticos, atribuídos
a pensadores gnósticos como Valentino (100-165 d.C., Evangelho da Verdade,
Evangelho segundo Felipe, Tratado sobre a Ressurreição), Basílides (ativo do 117
ao 138 d.C., Evangelho de Basílides), Marcião (85-160 d.C., Antítese, Canon
Marcionita).
Mas, qual era a cosmologia do gnosticismo cristão?
Na visão gnóstica-helenística, Deus, chamado também o Uno ou Mônada (do
grego µονάς monas, "unidade" de µόνος monos, "uno", "só", "único"), tinha
gerado 30 cópias de eones, compostos sempre por uma entidade masculina e
uma entidade feminina. Esses eóns tinham formado o “pleroma”, ou a plenitude
de Deus, portanto não devem ser vistos como distintos da divindade, senão
como abstrações simbólicas da natureza divina. A transição do mundo imaterial
ao espiritual tinha sido causada por uma imperfeição, um defeito ou um
“pecado”, em um desses eóns.
Em muitas versões dos mitos gnósticos, e também segundo o estudioso alemão
Albert Ehrhard, seria a entidade feminina Sophia a que tinha causado essa
imperfeição, porque tinha querido ser igual a Mônada. Logo dessa confusão,
Sophia, com seu temor e sua angústia, produziu ao demiurgo, que a sua vez criou
a matéria e as almas. Porém, o demiurgo foi gerado de um erro, um defeito e é
por isso que cria um mundo imperfeito, falaz, errôneo, onde dominam a dor e o
mal. Na “Pistis Sophia”, o eón Cristo foi emanado por Deus para devolver a
Sophia ao pleroma. O eón Sophia, mostrando-se na forma humana de Maria
Madalena, tinha sido assim “reconduzido ao caminho correto” pelo eón Cristo,
aparecido na forma do homem Jesus, que foi enviado por Deus à terra para
proporcionar aos humanos a gnose necessária para poder abandonar o mundo
físico e poder voltar ao mundo espiritual.
Nota-se de imediato que a cosmologia do gnosticismo-cristão deriva de uma
estranha cópia da cosmologia bíblica. Sophia e seu erro ou “pecado” recordam o
“pecado original” de Eva.
É como se os pensadores gnósticos tivessem se inspirado no “Gênesis” bíblico
para logo construir uma cosmologia própria, que carece, no entanto, de
originalidade.
Em geral, os escritos gnósticos refletem uma visão negativa da criação. Deus
vétero testamentário (YHWH) seria, na visão gnóstica, justamente o demiurgo.
Daí que, para os gnósticos, o mundo estaria corrompido e dominado pelo mal,
porque, segundo eles, o demiurgo era imperfeito.
Porém, da leitura da Bíblia deduzimos claramente que Jesus Cristo, o Verbo
encarnado, é Yahweh, ou seja, o Deus vétero testamentário.
Vejamos algumas passagens para deixar claro esse ponto. Na seguinte passagem
de João (8, 23-24), Jesus, atribuindo a si mesmo o nome com o qual Deus
revelou-se a Moisés (“Eu sou”, em Êxodo 3, 14) se põe a par com Deus.
E também, nesta passagem do Evangelho de João (8, 58):
Disse-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo que antes que Abraão existisse, eu sou.
Vejamos um ponto dos Salmos (Salmos 33:6): “Pela palavra de Jehová foram feitos os
céus e todo o exército pelo alento de sua boca”.
De modo que nos Salmos afirma-se que o Eterno (Deus) criou os céus.
Porém, no Evangelho de João (1, 3) afirma:
Todas as coisas foram feitas por ele, e sem ele nada do que foi feito se fez.
Com uma lógica simples se entende que Deus criou os céus (Salmos) e o Verbo
criou cada coisa (João 1,3). Óbvio, porque o Verbo é Deus.
Assim diz Jehová, Rei de Israel, e seu Redentor, Jehová dos exércitos: Eu sou o primeiro, e eu
sou o último e fora de mim não há Deus.
E eu, quando o vi, caí a seus pés como morto; e ele pôs sobre mim a sua destra, dizendo-me:
Não temas; Eu sou o primeiro e o último;
E o que vivo e fui morto, mas eis aqui estou vivo para todo o sempre. Amém. E tenho as
chaves da morte e do inferno.
Deduz-se, portanto, que para o evangelista João, Jesus Cristo, o Primeiro e o
Último, coincide perfeitamente com o Deus descrito por Isaías, também o
Primeiro e o Último.
Outra frase importante com a qual Jesus declarou sua plena identidade e
coincidência com YHWH é a seguinte, em resposta ao sumo-sacerdote, extraída
do Evangelho de Marcos (14, 61-62):
Mas ele calou-se, e nada respondeu. O sumo sacerdote lhe tornou a perguntar, e disse-lhe: És tu
o Cristo, Filho do Deus Bendito?
E Jesus disse-lhe: Eu o sou, e vereis o Filho do homem assentado à direita do poder de Deus, e
vindo sobre as nuvens do céu.
E o sumo sacerdote interrogou Jesus acerca dos seus discípulos e da sua doutrina.
Jesus lhe respondeu: Eu falei abertamente ao mundo; eu sempre ensinei na sinagoga e no templo,
onde os judeus sempre se ajuntam, e nada disse em oculto.
Para que me perguntas a mim? Pergunta aos que ouviram o que é que lhes ensinei; eis que eles
sabem o que eu lhes tenho dito.
Além disso, no cristianismo está o conceito de que os pobres de espírito (os que
não se vangloriam de sua condição espiritual, já que são conscientes de não ter
chegado ao Reino de Deus), podem ascender ao Reino se estão arrependidos dos
próprios pecados e reconhecem que Jesus Cristo veio para tirar o pecado do
mundo. Todos, então, podem ascender ao Reino de Deus. Também um rico,
também uma pessoa que tenha poder terreno, se é humilde e se despoja de suas
riquezas ou de sua presunção, pode ascender ao Reino.
Então, observamos que o cristianismo antigo e o gnosticismo não podiam estar
de acordo, porque são contrários. Os gnósticos, portanto, não renunciaram à
suas tradições misteriosas, já que adaptaram Jesus Cristo à sua tradição,
tergiversando os conceitos básicos do Novo Testamento e, portanto, predicando
um Jesus que não existiu jamais.
Qual foi a resposta às primeiras comunidades de cristãos ao culto sincrético do
gnosticismo-helenístico?
Primeiro que tudo houve uma resposta eclesiástica. Nenhum dos gnósticos-
helenísticos que predicavam mais que tudo em um ambiente alexandrino e
romano foi nomeado bispo. O alexandrino Valentino foi inicialmente nomeado
diácono em Roma, sob os bispos Igino e Aniceto. Porém, não foi nomeado
bispo, portanto escolheu o caminho da predicação gnóstica independente e
morreu em Chipre, possivelmente no ano 165.
Houve uma densa resposta teológica às teses sincréticas dos gnósticos. O
principal escritor e teólogo anti-gnóstico foi Irineu de Lyon (130-202 d.C.), mas
também Tertuliano (155-230 d.C.) e Hipólito de Roma (170-235 d.C.) escreveram
no intento de defender a originalidade da fé cristã.
Irineu nasceu em Esmirna e foi discípulo de Policarpo. Durante a perseguição de
Marco Aurélio, foi sacerdote na cidade de Lyon, cujo bispo era Potino. Após o
regresso de uma viagem a Roma, deu-se conta de que Potino morreu após uma
perseguição e foi nomeado segundo bispo de Lyon. Muitos de seus escritos
tiveram o objetivo de demostrar o infundado e falso das doutrinas gnóstico-
cristãs. Sua obra anti-gnóstica mais importante foi Adversus haereses ou Desmascarar
e Refutar a falsamente chamada Ciência.
Nessa obra, Irineu confuta a Valentino e a seus predecessores, que remontam a
Simon Mago, personagem descrito nos Atos dos Apóstolos (cap. 8). Irineu faz
notar que simplesmente os textos gnósticos não fazem parte dos escritos
apostólicos pertencentes ao cânone. Justo na segunda metade do século II, de
fato, o cânone testamentário estava por tomar forma, como logo se provou com
o descobrimento do fragmento muratoriano (2). Além disso, Irineu demostra que
nem no Antigo nem no Novo Testamento há doutrinas gnósticas. Faz notar,
além disso, que nenhum dos sucessores dos apóstolos ensina doutrinas gnósticas.
Irineu demostra, portanto, já ao final do século II, que o gnosticismo-helenístico
não é outra coisa que um culto não original e não apostólico. Demostra que os
gnósticos divulgaram um Jesus que não existiu nunca, que refletia somente sua
tradição, mas que não tinha nada que ver com o verdadeiro Jesus Cristo,
divulgado pelos apóstolos tanto oralmente como nos escritos canônicos do
Novo Testamento.
Segundo o imperador Flávio Cláudio Juliano (331-363), existiam escolas
valentianas na Ásia Menor até seus tempos. No século IV, quando o Cristianismo
foi aceito e logo imposto como religião de Estado, o culto gnóstico-docético
declinou e foi marginalizado em algumas zonas periféricas do império como, por
exemplo, Arábia (3).
Certos conceitos gnósticos, no entanto, não se extinguiram, pois se
transformaram e sobreviveram até e mais além da Idade Média, para logo
renascer na época moderna através do pensamento de pessoas como o poeta
William Blake, o maçom Albert Pike, a esotérica H. P. Blavatsky (fundadora da
sociedade teosófica) e o psicanalista Carl Gustav Jung.
YURI LEVERATTO
Copyright 2015