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REFLEXÃO

VIOLÊNCIA
Das GANGUES DA AMÉRICA CENTRAL

Harry E. Vanden

E
m 21 de junho do ano passado uma gan-
gue salvadorenha atacou a tiros um mi-
croônibus nos arredores de São Salvador.
Depois dos tiros, os indivíduos não deixa-
ram os passageiros saírem, encheram o ôni-
bus com gasolina e o incendiaram. Morre-
ram 14 pessoas, apesar dos esforços da polícia em retirar os
que estavam sendo queimados vivos. Em 2004 outra gangue
(mara – assim são chamados esses grupos na América Cen-
tral) atacou um ônibus em Honduras com um fuzil AK-47,
matando 19. Os passageiros dos ônibus nada tinham feito,
somente estavam tentando viver. Nos dois casos, os jovens
membros destas novas gangues juvenis estavam vitimando
inocentes para demonstrar seu poder e sua brutalidade fren-
te aos esforços dos governos para controla-las. Atualmente
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Eles se dividem em
bandos, têm regras
próprias e se utilizam de
disciplina mortal para
manter o controle.

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há mais de 100.000 mareros no triângulo cartéis que estão utilizando a América
norte da América Central (Guatemala, Central para transportar as drogas que
Honduras e El Salvador) e segundo vá- vão para os Estados Unidos.
rias estimativas eles são responsáveis Nos anos 70 e 80 milhares de
por 70% dos homicídios nessas peque- centro-americanos escaparam das vio-
nas nações. As taxas de homicídio em lentas guerras civis na América Central,
El Salvador e na Guatemala estão iguais deixando sociedades com violações de
ou maiores do que eram durante suas direitos humanos e uma cultura predo-
guerras civis. Em El Salvador, a taxa minante de violência. Muitos chegaram
anual é de 56 mortos para cada 100.000 aos Estados Unidos onde viveram em
pessoas, o que é cinco vezes mais do bairros pobres em Los Angeles e outras
que se considera para classificar uma cidades; lá os jovens salvadorenhos,
epidemia pela Organização Mundial de guatemaltecos e uns hondurenhos en-
Saúde. Violentam as jovens que negam contraram gangues norte-americanas
ser suas namoradas, ou cujas famílias que dominavam muitos desses bair-
resistem a seu controle nos bairros, ou ros. Como forma de defesa, uns for-
que vão à polícia para testemunhar em maram suas próprias gangues como a
relação aos crimes. Matam outros jo- Mara Salvatrucha (M.S. ou M.S. 13) ou
vens que negam incorporar-se a seus se apoderaram do que foi uma gangue
bandos ou que resistam à seu controle, mexicana, a ‘Eighteenth Street Gang’
e fazem guerras brutais contra as gan- ou M 18. Quando milhares deles foram
gues rivais e, muitas vezes, decapitam deportados dos Estados Unidos por
suas vítimas. Nos últimos anos estão causa de seus crimes, reconstituíram as
envolvidos em sequestros e com os gangues em seus países de origem, in-

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corporando a mesma violência extrema abandonadas ou mesmo nas ruas. Pou- Para os rapazes
que as forças militares de El Salvador e co a pouco se ia desenvolvendo uma deportados, as gangues
da Guatemala utilizaram durante anos identidade bairrista e os vários grupos oferecem um tipo de
para liquidar os guerrilheiros e reprimir marginais iam se apoderando de bairros família substituta.
as massas e a violência que a guerrilha onde viviam e agiam. Se financiaram
liberava para resistir e libertar seus paí- por meio de roubos de crianças quando
ses do controle oligárquico. foram às escolas, jovens e maiores que
Muitas das crianças deportadas encontraram na rua, a “renda” ou cota
deixaram suas famílias nos Estados semanal que faziam com cobranças a
Unidos e viveram com parentes que não negócios que funcionavam no bairro ou
conheciam, em condições econômicas com os próprios vizinhos, ou a cota que
muito marginais e sem o amor e o apoio cobravam dos ônibus e táxis que pas-
de suas famílias nucleares. Uns viveram savam por seu bairro. Inicialmente se
nas ruas e outros buscaram segurança concentravam nos bairros pobres (colô-
onde puderam. Para eles, as maras que nias) em São Salvador, Santa Ana, São
iam se formando, ofereceram um tipo Pedro Sula, Tegucigalpa, ou na Cidade
de família substituta. Agruparam-se em da Guatemala, mas nos últimos anos se
bairros utilizando as ruas e algumas pra- encontram dispersas em quase todas as
ças e espaços que puderam ocupar como partes do território nacional, especial-
pontos de referência. Uns viveram com mente nos locais pobres urbanos ou
suas famílias, outros viveram em casas semiurbanos onde os governos não go-

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vernam. Muitas vezes estão em número mandam ordens a seus companheiros
superior ao da polícia local e, frequen- por celulares clandestinos ou mensa-
temente, estão mais bem armados, utili- gens secretas.
zando não somente pistolas e escopetas Os governos lutaram para contro-
de fabricação caseira, mas também sub- lar o aumento de poder e violência das
metralhadoras AK-47 e M16 e até gra- gangues, implementando políticas de
nadas. Dividem-se em “bandos” locais, ‘mão dura’ e ‘super mão dura’, coorde-
dirigidos por um home boy, têm suas pró- nando em nível regional e trabalhando
prias regras, e se utilizam de disciplina com o FBI, mas obtiveram muito pouco
corporal e até mortal para manter seu êxito e as maras se adaptaram, mudando
controle. Põem luz verde naquele que suas roupas de gangue para o tipo pre-
sai da mara e qualquer um poderá matá- ppy, removendo as tatuagens, estabele-
lo. Se acolhem meninas, por regra geral cendo melhores linhas de comunicação
jovens, para incorporar-se, elas devem entre si e estreitando sua comunicação
se submeter a uma surra brutal de 13 com os cartéis.
segundos para o M 13 ou 18 segundos Em 2011 o problema continua
para M 18, administrada pelos mareros. aumentando, a população civil está trau-
Geralmente têm entre 12 e 22 anos, mas matizada e vários especialistas acredi-
há uns mais velhos, além de crianças de tam que as maras já estejam funcionando
9 ou 10 anos. Comunicam-se entre eles como governos de fato, nos territórios
e com outros bandos por meio de seus que controlam. Sem as mudanças eco-
celulares, e os poucos que são presos nômicas e sociais necessárias, é duvido-
(que tem que ser separados por ‘afilia- so que desapareçam.
ção’ para que não matem os membros
da mara rival) utilizam a experiência para
aperfeiçoar suas habilidades criminais e
fazer contato com membros de outros
bandos. Os líderes que permanecem na Harry Vanden é professor de Ciências
prisão por mais tempo, frequentemente Políticas da Universidade de South Florida.

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