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Memória - Tipos e Mecanismos PDF
Memória - Tipos e Mecanismos PDF
tipos e mecanismos –
achados recentes
Iván Antonio Izquierdo
Jociane de Carvalho Myskiw
Fernando Benetti
Cristiane Regina Guerino Furini
RESUMO ABSTRACT
C
om relação ao conteú- brais. A demência mais comum é a doença IVÁN ANTONIO
IZQUIERDO
do, as memórias podem de Alzheimer, na qual predomina o déficit é professor titular
ser divididas em dois de memória. Nela ocorrem lesões nas áreas de Neurologia
da Faculdade de
grandes grupos: as de- cerebrais responsáveis pela memória decla- Medicina da PUC-RS,
clarativas (eventos, rativa (córtex entorrinal, hipocampo), e mais coordenador do
Centro de Memória
fatos, conhecimentos) tarde em outras partes do cérebro. A doença do Instituto do
e as de procedimentos de Parkinson, nos seus estágios avançados Cérebro da PUC-RS e
pesquisador principal
ou hábitos, que adquirimos e evocamos de (em que ficam comprometidos circuitos que do Instituto Nacional
maneira mais ou menos automática (andar ligam o núcleo caudato ao córtex), a depen- de Neurociência
Translacional do
de bicicleta, usar um teclado). Na memória dência crônica do álcool, da cocaína e ou- CNPq.
declarativa participam o hipocampo (uma tras drogas, as lesões vasculares do cérebro,
JOCIANE DE
região cortical filogeneticamente antiga), a o traumatismo craniano repetido (no boxe, CARVALHO MYSKIW
amígdala, ambos localizados no lobo tem- por exemplo) e algumas doenças metabólicas é professora adjunta
de Geriatria e
poral, e várias regiões corticais (pré-frontal, (Síndrome de Creutzfeld-Jacob, doença de Gerontologia da
entorrinal, parietal, etc.), enquanto, nas Pick), também causam quadros demenciais. PUC-RS.
memórias de procedimentos ou hábitos, o FERNANDO
hipocampo parece estar envolvido apenas AS MEMÓRIAS ESTÃO BENETTI
é professor adjunto
nos primeiros momentos após o aprendiza- NAS SINAPSES da Faculdade
do, sendo elas dependentes basicamente de de Medicina do
Departamento de
circuitos subcorticais que incluem o núcleo Em fins do século XIX, Santiago Ramón Medicina Interna da
caudato e circuitos cerebelares. y Cajal, fundador da neurociência, postulou PUC-RS.
Denomina-se amnésia, em geral, a perda que as memórias obedecem a modificações CRISTIANE REGINA
de memória declarativa, pois as doenças que da estrutura e função das sinapses. Nos úl- GUERINO FURINI
é bolsista pós-
a provocam afetam em maior proporção as timos trinta anos se demonstrou que isso é doutoral do
áreas vinculadas com esse tipo de memória. verdade, e agora conhecemos as alterações Instituto Nacional
de Neurociência
A depressão é a causa mais frequente, mas moleculares sinápticas que subjazem à for- Translacional do
a menos grave. Em geral não se acompanha mação, persistência e evocação das memó- CNPq.
de dano neuronal irreversível e, ao tratá-la, rias em muitas regiões encefálicas.
a amnésia desaparece. As demências (de: Denominam-se sinapses as junções entre
partícula privativa; mens: mente) são pro- neurônios, geralmente entre as terminações
gressivas e mais graves; envolvem perda de seus prolongamentos. Chamam-se axô-
definitiva de neurônios e de funções cere- nios os prolongamentos que se dirigem a ou-
tros neurônios, e dendritos aqueles sobre os tém a informação “viva” durante segundos
quais terminam os axônios. A maioria das si- ou poucos minutos, enquanto ela está sen-
napses funciona através da liberação de subs- do percebida ou processada. Essa forma de
tâncias denominadas neurotransmissores, os memória é sustentada pela atividade elétrica
quais se ligam a proteínas específicas deno- de neurônios do córtex pré-frontal, em rede
minadas de receptores, e sua ativação desen- via córtex entorrinal com o hipocampo e a
cadeia sequências complexas de processos amígdala, durante a percepção, a aquisição
moleculares. Os neurotransmissores podem ou a evocação. A memória de trabalho dura
estimular ou inibir o neurônio seguinte. O segundos e não deixa traços: depende exclu-
neurotransmissor excitatório mais comum é sivamente da atividade neuronal on line. Um
o glutamato, e o inibitório mais comum é exemplo é a terceira palavra da frase ante-
o ácido gama-amino-butírico. Outros neu- rior: durou 2 ou 3 segundos, para dar sentido
rotransmissores (dopamina, noradrenalina, à frase e conectá-la com a seguinte, mas já
serotonina e acetilcolina) desempenham em desapareceu de nossa memória para sempre.
geral funções moduladoras (ver adiante), Na esquizofrenia há falhas graves da memó-
relacionadas com as emoções, o alerta e o ria de trabalho, que causam uma percepção
estado de ânimo. Sua liberação está alterada distorcida ou alucinatória da realidade.
na ansiedade e na depressão. As memórias que persistem além de
segundos denominam-se memória de cur-
FUNÇÃO E DURAÇÃO ta duração e memória de longa duração.
DAS MEMÓRIAS A primeira dura 0,5-6 horas e utiliza pro-
cessos bioquímicos breves no hipocampo
Todas as memórias são associativas: se e córtex entorrinal, largamente estudados
adquirem através da ligação entre um grupo em nosso laboratório. A memória de longa
de estímulos (um livro, uma sala de aula) e duração perdura muitas horas, dias ou anos.
outro grupo de estímulos (o material lido, Quando dura anos, denomina-se remota. Sua
aquilo que se aprende; algo que causa prazer formação requer uma sequência de passos
ou penúria). O do segundo grupo, que é de moleculares que dura de 3 a 6 horas, no hi-
maiores consequências biológicas, chama-se pocampo, nos núcleos amigdalinos, e em
estímulo condicionado ou reforço. Em algu- outras áreas, durante as quais é suscetível a
mas formas de aprendizado, associa-se um numerosas influências. A memória de cur-
grupo de estímulos com a ausência do outro ta duração mantém a cognição funcionando
ou de qualquer outro. A forma mais simples durante as horas que a memória de longa
dessas formas de “aprendizado negativo” duração leva até adquirir sua forma defini-
associa um estímulo repetido (um som, uma tiva. Equivale a “morar num hotel enquanto
cena) com a falta de qualquer consequência; constroem sua casa”.
esse tipo de aprendizado se chama habitua-
ção. Permite que seja possível trabalhar em A CONSTRUÇÃO DA
ambientes cheios de ruídos, ou dormir em MEMÓRIA DE LONGA
ambientes iluminados, por exemplo. Alguns DURAÇÃO
autores consideram a habituação uma memó-
ria não associativa. O hipocampo é a estrutura central da for-
Do ponto de vista da função, há um tipo mação de memórias declarativas. Integra um
de memória que é crucial tanto no momento circuito que inclui o córtex temporal vizinho
da aquisição como no momento da evocação (córtex entorrinal), o núcleo da amígdala e
de toda e qualquer outra memória, declarati- áreas corticais distantes. O hipocampo, a
va ou não: a memória de trabalho. Operacio- amígdala e o córtex recebem também ter-
nalmente, representa aquilo que a memória minações de vias nervosas vinculadas com o
RAM representa nos computadores: man- afeto, os estados de consciência e o maior ou
devida a essa associação (Pavlov, 1959). enorme scanning de tudo o que tem guarda-
A extinção é simplesmente mais uma for- do nele e começa com a letra do abecedário
ma de aprendizado, ou seja, de fazer memórias. com que se inicia a leitura (a: abelha, alma,
Muitos pensam que se deve à LTD mais que à avô, etc.; b: barbaridade, burro, beijo, etc.; c:
LTP de sinapses hipocampais. A interpolação casa, corpo, cabelo, etc., e assim por diante),
de uma experiência nova, que desencadeia uma e depois com cada letra sucessiva. Ao fazê-
potenciação de longa duração no hipocampo -lo, põe em funcionamento a memória visual,
durante a extinção de uma memória traumá- verbal e até de imagens: lembra fugazmente
tica, também se acompanha de uma LTP ou do aspecto das abelhas, avós, burros, casas,
LTD no hipocampo. A modificação de um etc. Nenhuma outra atividade cerebral tem
aprendizado resultante de uma LTP ou LTD essa capacidade nesse grau. Por isso é o
hipocampal por outro aprendizado resultante exercício de escolha para a memória, que é o
de outra LTP ou LTD também hipocampal é a maior exemplo de que “a função faz o órgão”.
consequência da produção de novas proteínas 2) Permitir ao cérebro que descanse um tem-
perto da sinapse que primeiro foi estimulada; po adequado cada dia, dormindo de prefe-
outras proteínas, sintetizadas perto de outra rência nas horas apropriadas.
sinapse na mesma célula hipocampal, migram 3) Manter “viva” a memória de trabalho e a
à sinapse anterior e “capturam” as proteínas memória de curta duração, através da conver-
sintetizadas nela. Esse processo denomina-se sa, da leitura, de filmes, etc. Sem elas, será di-
“marcação sináptica” (synaptic tagging), des- fícil ter uma boa base para formar memórias
coberto por Frey e Morris em 1997, e explica as de longa duração, e não há base para o diálogo
interações entre memórias próximas no tempo, e a compreensão de eventos rápidos.
uma mais forte que a outra e ambas dependen- 4) Todas as drogas de abuso, a começar pelo
tes de LTP ou LTD (Myskiw et al., 2013). álcool, são, em qualquer dose ou em qual-
quer padrão de consumo (diário, esporádico,
NA SALA DE AULA, muito intenso, pouco intenso), prejudiciais
NA VIDA DIÁRIA para a memória em suas diversas formas e
fases. Já que este é o caso, é evidentemen-
1) O melhor exercício para manter a memória te melhor se abster delas por completo que
é a leitura. Ao ler, o cérebro faz um rápido e utilizá-las muito ou pouco.
B I B LI O G R AFIA
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