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Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros (Volume 2)

Book · January 2009

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2 authors:

Roque Rabechini Junior Marly Monteiro de Carvalho


Universidade Nove de Julho University of São Paulo
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Gerenciamento de projetos
na prática: casos brasileiros

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gerenciamento de projetos na práticav2.indb ii 23/11/2009 09:16:53
Roque Rabechini Jr.
Marly Monteiro de Carvalho
(Organizadores)

Gerenciamento de projetos
na prática: casos brasileiros

Ana Maria Mota Garcia Lopes


André Vidal Campos
Antonio Cesar Amaru Maximiano
Camila Aparecida Santos
Daniel Leroy
Edílson Lippi
Emerson Maccari
Eva Stal
Guilherme Silveira Martins
Henrique Rozenfeld
Isak Kruglianskas
Ivete Rodrigues
João Mário Csillag
José Eduardo Módica
Leandro Alves Patah
Maicon G. Oliveira
Marcello Muniz
Marcelo Binder
Marcelo Martins
Marly Monteiro de Carvalho
Michele Esteves Martins
Milton de Abreu Campanário
Paulo Augusto Cauchik Miguel
Roberto Carlos Martins de Gouveia
Roberto Sbragia
Rodrigo Andrés Barros Villalobos

2 Roque Rabechini Jr.


Sibele Gomes de Santana Faria

SÃO PAULO
EDITORA ATLAS S.A. – 2010

00 iniciais.indd iii 24/11/2009 14:58:08


© 2009 by Editora Atlas S.A.

1. ed. 2009 (2 impressões)


ABDR
Capa: Roberto de Castro Polisel
Composição: Formato Serviços de Editoração Ltda.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Gerenciamento de projetos na prática : casos brasileiros / Roque Rabechini Jr., Marly Monteiro de Carvalho
(organizadores). – – São Paulo : Atlas, 2009.

Vários autores.
Bibliografia
ISBN 978-85-224-5698-7

1. Administração de projetos  I. Rabechini Junior, Roque.  II. Carvalho, Marly Monteiro de.

09-10627 CDD-658.404

Índice para catálogo sistemático:

1. Gerenciamento de projetos : Administração   658.404

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS –­ É proibida a reprodução total ou parcial, de qualquer


forma ou por qualquer meio. A violação dos direitos de autor (Lei no 9.610/98) é crime
estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal.

Depósito legal na Biblioteca Nacional conforme Lei no 10.994, de 14 de dezembro de 2004.

Impresso no Brasil/Printed in Brazil

Editora Atlas S.A.


Rua Conselheiro Nébias, 1384 (Campos Elísios)
01203-904 São Paulo (SP)
Tel.: (011) 3357-9144
www.EditoraAtlas.com.br
Sumário

Parte I – A PRÁTICA DO GERENCIAMENTO DE PROJETOS, 1


1 Gerenciamento de projetos em uma perspectiva organizacional: a
abordagem de estudo de caso deste livro (Marly Monteiro de Carvalho e
Roque Rabechini Jr.), 3

Parte II – CASOS BRASILEIROS EM GERENCIAMENTO DE


PROJETOS, 21
2 Concepção de um curso de mestrado profissional sob a ótica da
gestão de projetos (Milton de Abreu Campanário, Marcello Muniz, Emerson
Maccari,Sibele Gomes de Santana Faria e Marcelo Binder), 23

3 Aplicação da gestão de portfólio na seleção de projetos de produtos


de uma pequena empresa de base tecnológica (Henrique Rozenfeld e
Maicon G. Oliveira), 56

4 Estrutura organizacional para a gestão de projetos no contexto do


desenvolvimento de novos produtos (Paulo Augusto Cauchik Miguel), 73

5 Avaliação de desempenho em projetos complexos: uma abordagem


tridimensional – prazo, custo & qualidade (André Vidal Campos e Marly
Monteiro de Carvalho), 95

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vi Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

6 Inovação de produtos para o mercado externo: a experiência da Sadia


em exportações e investimentos diretos no exterior (Eva Stal e Ana
Maria Mota Garcia Lopes), 116

7 Sucesso em projetos a partir de uma perspectiva contingencial: casos


práticos de empresas atuantes no Brasil (Leandro Alves Patah e Marly
Monteiro de Carvalho), 146

8 Sistema de gerenciamento de projetos tecnológicos: diagnóstico e


proposições em uma empresa do setor automobilístico (Roque Rabechini
Jr., Ivete Rodrigues e Roberto Sbragia), 167

9 Gerenciamento de risco de operações de docagens de navios


petroleiros (Roque Rabechini Jr., Marcelo Martins e José Eduardo Módica), 186

10 Gestão estratégica de projetos (Isak Kruglianskas, Edílson Lippi, Roberto


Carlos Martins de Gouveia e Rodrigo Andrés Barros Villalobos), 204

11 Gerenciamento da qualidade e da sustentabilidade: um estudo de caso


na França (Antonio Cesar Amaru Maximiano e Daniel Leroy), 221

12 Um projeto empreendedor: caso Freeddom (João Mário Csillag, Guilherme


Silveira Martins, Michele Esteves Martins e Camila Aparecida Santos), 239

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Parte I

A prática
do gerenciamento
de projetos

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1
Gerenciamento de projetos em uma
perspectiva organizacional: a abordagem
de estudo de caso deste livro
Marly Monteiro de Carvalho e Roque Rabechini Jr.

1 Introdução

Nas duas últimas décadas, a gestão de projetos consolidou-se não só no


ambiente empresarial, mas também profissional e acadêmico.
A comunidade de profissionais e pesquisadores interessados na área tem
crescido na mesma proporção em que a inovação assumiu papel preponderante
no cenário competitivo atual.
Além disso, o país tem vivido nos últimos anos novamente a experiência de
grandes projetos de infraestrutura e de engenharia, para acompanhar o cresci-
mento da economia, mesmo com o percalço da crise de 2008.
Ao longo deste livro, busca-se, através de casos reais em empresas brasileiras,
mostrar a evolução da área de gerenciamento de projetos (GP), bem como as
soluções que as empresas vêm adotando para gravar a GP em seu DNA.
Este capítulo faz uma breve apresentação dos temas tratados neste livro e
orienta na utilização dos casos.

2 O gerenciamento de projetos em uma perspectiva organizacional

O modelo estratégico de gerenciamento de projetos, MEGP© (Figura 1), foi


criado para suprir as necessidades das empresas, no que tange ao atendimento
dos quesitos da segunda onda. Criado para adicionar valor aos projetos, o modelo
discute uma série de elementos que, na medida em que forem implementados
adequadamente, trarão benefícios à organização em termos de resultados.

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4 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

O modelo serve assim para ampliar a visão não só dos gerentes de projetos,
mas também dos estrategistas das organizações, na medida em que seus ele-
mentos se integram.

Estratégias da Organização

M
Escopo Prazo
a

at
t ur

uri
Estru

dade
RH Risco

Integração

Suprimentos Comunicação

Custo Qualidade

Com
petências

Ambiente Competitivo
Fonte: Carvalho e Rabechini Jr. (2005 e 2007).
Figura 1 MEGP© – Modelo Estratégico de Gerenciamento de Projetos.

Diferentemente de adicionar valor ao gerenciamento, o modelo é, essen-


cialmente, centrado nos resultados que os projetos poderão dar à organização.
Adicionar valor, neste contexto, inclui, além da valorização do gerenciamento,
também, a maturidade dos envolvidos com o projeto; as competências relaciona-
das; a estrutura organizacional adequada. Isso tudo alinhado externamente com
o ambiente competitivo e internamente com as estratégias organizacionais.
O modelo serve assim para ampliar a visão não só dos gerentes de projetos,
mas também dos estrategistas das organizações, na medida em que seus ele-
mentos se integram.
A construção deste modelo vem no sentido de apoiar as empresas que op-
taram por adotar o gerenciamento de projetos como forma de administrar seus
empreendimentos. Entende-se que a adoção de gerenciamento de projetos em
âmbito organizacional é decorrente de mudanças culturais profundas em vários
níveis de competências, no uso das diversas técnicas e ferramentas gerenciais,

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Gerenciamento de projetos em uma perspectiva organizacional: a abordagem de estudo de caso deste livro 5

considerando seus mais distintos aspectos (CARVALHO; RABECHINI JR., 2005,


2007).
A implementação de gerenciamento de projetos nas organizações, assim,
deve enfatizar não só questões de ordem tática, mas essencialmente estratégicas.
Ou seja, as mudanças organizacionais implicam, certamente, em alterar o fluxo
de informação, o modelo gerencial e as regras de poder interno. Isso tudo leva a
organização a uma espécie de revolução no que diz respeito à organização das ati-
vidades não rotineiras. As resistências decorrentes dessa “revolução” são muitas
e, portanto, precisam ser trabalhadas. Nesse aspecto, alguns cuidados devem ser
tomados e ações devem ser empreendidas no intuito de evitar inibir ou mesmo
evitar fluxos contrários de atuação que impedem o adequado desenvolvimento
de ações das empresas rumo ao gerenciamento de projetos. Os trabalhos nesta
área levam em conta, desde a atuação na integração de pessoas envolvidas, até
a comunicação e marketing na direção das ações de implementação e institucio-
nalização de gerenciamento de projetos.
Além disso, os gerentes de projetos e os estrategistas ligados à implementação
devem estar atentos, não só a questões internas, mas também às questões exter-
nas, pois é preciso monitorar o ambiente considerando os diversos interessados
na mudança gerencial, sobretudo os clientes, os concorrentes e os fornecedores
e parceiros.
As mudanças no enfoque estratégico com maior ênfase no gerenciamento de
projetos devem ser acompanhadas por uma adequada estrutura organizacional
que atenda à flexibilidade necessária à atividade de projetos, mas também reflita
seu poder de tomada de decisão ao longo da estrutura. Questões relacionadas à
carreira do gerente de projeto são também críticas nesse contexto.
O modelo conceitual mostra o que seria preocupação das questões das com-
petências necessárias, configurando uma trajetória de crescimento e aprendizado
que resulte na maturidade da organização.
As competências devem, assim, ter um crescimento consistente e também
coerente, levando em conta os aspectos das equipes de projetos e áreas organi-
zacionais envolvidas. Esses aspectos constituem as preocupações em relação ao
preparo da organização, para adoção da opção gerenciamento de projetos, como
alternativa de administração de empreendimentos, promovendo a mudança
cultural necessária.
Nesse aspecto, vale a pena ressaltar que, em geral, quando as organizações
precisam dominar as competências organizacionais, tendem a querer abrangê-las
todas, ao mesmo tempo. As pautas que orientam o modelo, entretanto, deixam
claro que o processo de maturação é lento, requer aprofundamento no domínio
de cada área, sendo, portanto, gradual.

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6 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

As considerações estratégicas apresentadas até aqui têm um caráter analítico/


conceitual, ou seja, servem para auxiliar os interessados na institucionalização
do gerenciamento de projetos nas empresas, a entender as variáveis do ambiente
de projeto. O estabelecimento de uma forma de avaliação e a configuração de
um sistema de indicadores utilizado para mostrar a evolução do gerenciamento
de projetos nas empresas precisavam ser evoluídos. Nessa linha de raciocínio,
visando aprimorar o Modelo Estratégico de Gerenciamento de Projetos MEGP©,
com enfoque de implementação que contemple o assessment, criou-se o Modelo
de Valor em Gerenciamento de Projetos – Pró-Valor©.
Para compreender melhor o conceito de cadeia de valor em projetos, o siste-
ma terrestre, em princípio, pode servir de base para se traçar um paralelo, para
efeitos de analogismo, com o modelo Pró-Valor©, conforme ilustra a Figura 2.
A proposição desse modelo levou em conta os diversos elementos que devem
ser explorados pelas organizações que visam institucionalizar o gerenciamento
de projetos. Além de uma busca na literatura especializada sobre o assunto, o
modelo Pró-Valor© foi proposto baseado também na experiência dos autores
com a vivência das diversas organizações.
O modelo é o resultado de uma analogia com as camadas existentes no
planeta Terra.

Modelo Pró-Valor®
Eficácia Aprendizagem
Ambiente
Competitivo

Estratégia & Estrutura


Valor em Projetos

Portfólio

Competências

Maturidade

Boas Práticas

Eficiência Conhecimento

Figura 2 Modelo de Valor em Gerenciamento de Projetos – Pró-Valor© (CARVALHO;


RABECHINI JR., 2007).

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Gerenciamento de projetos em uma perspectiva organizacional: a abordagem de estudo de caso deste livro 7

A Terra possui, em linhas gerais, um núcleo, manto e crosta. O modelo Pró-


Valor© é similar. Em seu núcleo, encontram-se as atividades-meio da cadeia de
valor, sintetizadas pelas boas práticas de gerenciamento de projetos, que trans-
ferem energia para as demais camadas. Conforme discutida na primeira onda,
a eficiência no gerenciamento dos projetos é obtida através do uso sistemático
das boas práticas de gerenciamento, que envolvem as áreas de conhecimentos,
os grupos de processo e o disciplinado monitoramento do ciclo de vida. As
empresas, recentemente, têm adotado essas práticas, que são propagadas pelos
guias de gerenciamento de projetos, dentre os quais se destaca pela sua difusão
o PMBoK do Project Management Institute (PMI, 2004).
O manto, a camada intermediária, no modelo Pró-Valor©, conforme discuti-
do, é o processo de mudança em âmbito organizacional, que envolve estrutura,
competência e maturidade em gerenciamento de projetos.
A crosta, última camada, representa a estratégia organizacional, que, assim
como na Terra, sofre as pressões externas da atmosfera, no modelo representado
pelo ambiente competitivo.
Empresas preocupadas em ser excelentes em gerenciamento de projetos,
considerando-se as evidências apresentadas no modelo, começaram suas traje-
tórias com organização e planejamento de ações de mudanças consistentes em
termos de práticas efetivas de administração.

3 As preocupações gerenciais e a abordagem deste livro

A adoção de técnicas e ferramentas em gerenciamento de projetos pelas


empresas ocorreu de forma mais acentuada a partir do início dos anos 2000. A
percepção notada pelos executivos da potencialidade do alcance dessa disciplina
fez com que empresas de diversos setores investissem na intensa utilização de
suas práticas.
Se não é possível associar a utilização das práticas de gerenciamento de pro-
jetos com a otimização dos resultados das empresas, sabe-se, no entanto, que o
desempenho dos projetos, em tese, pode melhorar com elas. Com a adoção das
práticas de gerenciamento de projetos, algumas organizações passam a medir
as diferenças alcançadas em relação aos resultados dos projetos. Sendo assim, é
possível verificar que os prazos acabam sendo mais bem administrados, os custos
também alcançam patamares de controle melhor, além das entregas serem passí-
veis de serem feitas na íntegra e com devida qualidade. Pesquisas desta natureza
(IBBS; KUAK, 2000) têm apresentado resultados animadores com relação ao
desempenho de projetos após a adoção das práticas de gerenciamento.

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8 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

Decorrente dessa onda que acerca o interesse pelo gerenciamento de projetos


no Brasil e no mundo, observa-se que a busca pelo conhecimento da disciplina
é intensa, evidenciada pelo crescimento de cursos de graduação, pós-graduação
stricto census e lato sensus.
A evolução do conhecimento da disciplina tem uma conexão relevante, sem
dúvida, com a prática e, nesse aspecto, apresenta um componente empírico que
é refletido na forma em que são conduzidos os empreendimentos pelas organi-
zações. Essa evolução, de um lado, aprofunda o conhecimento, pois é possível,
através da observação das práticas gerenciais adotadas pelas empresas, entender
melhor suas aplicações. E, de outro, é possível perceber o rumo que a disciplina
vem tomando pela observação das necessidades por novas abordagens.
Observar o desenvolvimento de uma disciplina gerencial através de casos
ocorridos em empresas traz aos interessados em estudar a matéria novas possi-
bilidades de desenvolvimento de conhecimento. É um “olhar” na teoria através
dos óculos da prática.
Este livro, ampliando as abordagens em gerenciamento de projetos através
da construção de casos brasileiros, complementa nossa ideia inicial em reunir o
que há de mais representativo nas empresas brasileiras nesse assunto. Expande
as abordagens e faz uma espécie de costura com outras disciplinas correlatas.
Foi idealizado para ser utilizado da mesma forma que o livro anterior, de
nossa autoria – Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros (São Paulo: Atlas,
2006). Obedeceu ao mesmo processo de desenvolvimento. E, por isso, apresen-
tamos na próxima sessão o processo de utilização ipsis litteris ao livro anterior.

4 Processo de utilização do livro

Os trabalhos reunidos nesta obra refletem a experiência de autores brasilei-


ros envolvidos em gerenciamento de projetos que têm interesses complemen-
tares e podem ser percebidos sob vários ângulos. Uns trataram a questão de
gerenciamento de projetos sob o prisma do relato de experiência como observa-
dores e pesquisadores que visavam entender um determinado fenômeno. Outros
atuaram como sendo os próprios gerentes de projetos, e assim se apresentam
proporcionando um “olhar” mais pragmático.
Considerando esses pontos de vista, os trabalhos deste livro se enquadram
como fonte relevante de informações que visam atender às necessidades de ca-
pacitação e formação profissional em gerenciamento de projetos.

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Gerenciamento de projetos em uma perspectiva organizacional: a abordagem de estudo de caso deste livro 9

A capacitação em gerenciamento de projetos, quando realizada de forma


ampla e consequente, pode ser vista considerando-se três dimensões concei-
tuais distintas e complementares. A primeira dimensão se refere à aquisição
de conhecimento teórico e visa contribuir para o saber do indivíduo. Nessa
dimensão, os livros, artigos de revistas especializadas, trabalhos publicados em
congressos, entre outros, são, de maneira geral, as grandes e significativas fontes
de conhecimento. Nessa dimensão, é essencial o papel do professor que, como
um condutor, tem o dever de transformar a teoria em conhecimento. No entanto,
muitos interessados no tema conseguem, com disciplina, avanços significativos
através de autoestudo.
A segunda dimensão se refere à aquisição de capacitação através de práticas, e
isso é possível na medida em que seja factível exercer o gerenciamento de projetos.
Nesse aspecto, os indivíduos que estão incluídos nas organizações que fazem uso
de gerenciamento de projetos para obter resultados de seus empreendimentos
conseguem adquirir e formar competências, adequadamente. Nessa dimensão,
também é possível avançar na formação de competências através de analogias
com casos e estudos referentes ao tema em questão.
A terceira dimensão se refere à aprendizagem-ação em que a formação de
competência se dá através de vivência de indivíduos expostos em situações de-
terminadas. Nesses casos, é necessária a realização, por exemplo, de oficinas,
onde são apresentadas situações em que os participantes fazem uso de conceitos
e práticas adquiridas nas dimensões anteriores.
Os casos aqui descritos se inserem na segunda dimensão e podem ser ex-
plorados por professores em sala de aula, em cursos realizados especificamente
para empresas, entre outras modalidades. Isso não impede que os alunos ou
interessados em gerenciamento de projetos leiam e absorvam as experiências e
pesquisas aqui relatadas.
Para aproveitar os casos aqui descritos e auxiliar os interessados em desenvol-
vimento de competências em gerenciamento de projetos, foi possível estabelecer
pelo menos um processo de utilização dos mesmos.
A Figura 3 mostra a sequência de ações que os professores podem utilizar
para exploração dos casos em questão.

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10 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

Introdução
teórica

Leitura do Análise
caso individual

Discussão
em
grupo

Respostas Preparação
às questões apresentação

Apresentação
para
classe

Interferência
do
professor

Fechamento
teórico

Avaliação do
aprendizado

Figura 3 Processo de abordagem dos casos.

Considerando a utilização deste livro como um processo formado por fases,


é preciso, inicialmente, propor a abertura teórica do tema, em gerenciamento
de projetos a ser desenvolvido. A riqueza de técnicas, conceitos e ferramentas
existentes na disciplina de gerenciamento de projetos, de um lado, fornece um
arcabouço teórico abundante de abordagens, mas, de outro, é preciso esforço
para focar o tema a ser desenvolvido.
Uma vez feita a abertura com ênfase na abordagem teórica possível e deseja-
da, propõe-se a leitura cuidadosa do caso. Um dos aspectos mais importantes do
leitor neste momento diz respeito à concentração e dedicação ao caso, no intuito
de absorver os dados do texto. Nesse aspecto, é possível, concorrentemente,

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Gerenciamento de projetos em uma perspectiva organizacional: a abordagem de estudo de caso deste livro 11

que sejam feitas as conexões e análise individual. Na verdade, espera-se que o


leitor possa levantar o máximo de informações sobre o texto para, que, de forma
original e consistente, possa dar sua contribuição na discussão em equipe que
deve ocorrer em seguida.
A discussão em equipe, pedagogicamente, traz a socialização do conhecimen-
to e, portanto, o aprendizado se torna de fato real. Aqui, vale a pena ressaltar a
importância da organização da equipe (grupo de alunos) para que a discussão
flua na direção da abrangência, mas, também, no sentido de ter profundidade
adequada. Os pontos compreendidos individualmente devem ser discutidos e
aprimorados, de tal forma que o resultado conseguido pela equipe seja, de ma-
neira geral, completo.
A equipe deve desenvolver um conjunto de respostas às questões que apa-
recem no texto, proporcionadas pelos autores. Deve também preparar seus
membros, simultaneamente, para uma apresentação convincente que, em última
estância, seja traduzida em resultado de aprendizado. Cabe aqui mencionar a ne-
cessidade de como apresentar os dados levantados para que seja possível realizar
uma discussão ampla. A contribuição da equipe só será real quando o processo
de convencimento e transformação intelectual for possível.
Durante a apresentação para a classe, faz-se necessária a interferência do
professor para que evitem desvios e que as proposições sejam, definitivamen-
te, abordadas. Alguns autores mencionam que está aqui um dos segredos das
competências de ensinar. A construção das competências passa pela discussão e
pelo aprimoramento das informações, como se fosse uma espécie de “lapidação
de dados”. Portanto, a contribuição do professor é fundamental nessa fase do
processo.
Uma vez encerradas as apresentações, cabe ao professor fazer então o fe-
chamento teórico, “amarrando” os conceitos vistos através dos casos. Isso deve
ser feito considerando-se a abertura, a incisão feita durante a apresentação dos
alunos e a apresentação final consolidada, expressa na literatura de gerenciamento
de projetos.
Por fim, faz-se necessário avaliar se o aprendizado foi efetivamente con-
seguido. Mas não uma avaliação tradicional do tipo prova, ou similares. Aqui,
propõe-se uma discussão aberta conduzida pelo professor ou até o preenchimento
de um formulário previamente preparado. Acredita-se que com isso o aluno
intuitivamente passe momentos fazendo uma reflexão de tudo que foi visto e,
efetivamente, aprendido.

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12 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

5 Abordagem segundo os casos

5.1 Caso: Mestrado profissional em gerenciamento de projetos

O quadro atual dos trabalhos desenvolvidos neste livro inicia-se com um caso
de construção do primeiro curso de mestrado profissional em administração com
ênfase em gerenciamento de projetos no Brasil.
O caso foi desenvolvido seguindo as práticas de gerenciamento de projetos.
Nesse sentido, inicialmente, uma vez aprovado o projeto, deu-se prosseguimento
com o detalhamento do escopo. O caso mostra a WBS (Work Breakdown Structure
– Estrutura Analítica do Projeto) da construção de um mestrado profissional em
gerenciamento de projetos.
Embora mereçam destaque os aspectos ligados à consistência gerencial com
a utilização das técnicas de gerenciamento de projetos, o caso tem como ponto
forte a concepção do curso. Ancorado nas rígidas restrições de órgãos reguladores
e apoiado na criatividade de seus autores, foi concebido um mestrado profissional
único, original e ousado!
O Prof. Milton Campanário organizou o trabalho que teve um time de peso
na sua realização. São eles os Profs. Maccari, Binder, Marcelo Muniz e a mes-
tranda Sibele Faria.
Estudando o caso, os organizadores deste livro consideraram as seguintes
questões:

1. Examinando este caso, identifique na WBS os trabalhos inerentes ao


desenvolvimento de aprendizado. Classifique-os e priorize os mais
importantes.
2. Você incluiria outros trabalhos que não fizeram parte do escopo deste
caso?
3. Quais os pontos fortes e fracos que você considera para o delineamento
deste caso?
4. Como você acha que um PMO (Project Management Office) deve funcionar
na estrutura que foi gerada para este mestrado?
5. Qual a interação ideal entre alunos e professores neste caso?

5.2 Caso: Aplicação da gestão de portfólio na seleção de projetos de produtos


de uma pequena empresa de base tecnológica

O desenvolvimento deste caso vem no sentido de explorar o gerenciamento


de portfólio de projetos com ênfase nos aspectos de seleção.

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Gerenciamento de projetos em uma perspectiva organizacional: a abordagem de estudo de caso deste livro 13

Os aspectos interessantes abordados no trabalho referem-se à utilização do


conceito de gerenciamento de portfólio de projetos fazendo a conexão entre as
estratégias organizacionais com os projetos.
Desenvolvido como consequência da dissertação do Maicon com a sempre
original orientação do Prof. Rozenfeld, o caso aborda a Nanox, empresa de base
tecnológica resultante de spin-off da Universidade Federal de São Carlos. Está
fundamentado em alicerces teóricos representados pelos principais autores que
abordam o tema gerenciamento de portfólio de projetos.
A partir de um modelo proposto e de uma lista de projetos, o caso explorou
aspectos relevantes como: seleção de projetos, avaliação das características de
projetos, entre outros.
Os organizadores deste livro consideraram as seguintes questões:

1. Qual deve ser a periodicidade de controle da carteira de projetos? Quais


os resultados possíveis decorrentes desse controle?
2. Identifique cinco critérios gerais que você acha relevantes para formar
os indicadores de seleção de projetos. Identifique mais dois critérios
específicos de sua empresa que poderiam fazer parte desse conjunto.
3. Como garantir a não interferência da entrada de projetos oriundos da
alta administração? Explore essa questão.
4. Como garantir a realocação de recursos quando as prioridades da car-
teira são alteradas?
5. Como deve funcionar um comitê de avaliação de projetos?

5.3 Caso: Estrutura organizacional para a gestão de projetos no contexto do


desenvolvimento de novos produtos

O caso escrito pelo Prof. Paulo Cauchik descreve uma iniciativa de


implementação de conceitos estratégicos associados para o gerenciamento de
projetos considerando-se o desenvolvimento de novos produtos. Entre os ele-
mentos estratégicos, considera-se a estruturação organizacional um destaque no
desenvolvimento deste trabalho.
O caso retrata uma empresa do setor industrial fabricante de filmes de poli-
propileno, que pertencia ao Grupo Votorantim, e apresentava na época do relato
deste caso dificuldades no desenvolvimento de novos projetos.
Utilizando a abordagem metodológica da pesquisa-ação, o trabalho, após um
diagnóstico, implementou uma nova estrutura organizacional, capaz de absorver
o fluxo de desenvolvimento de novos produtos.

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14 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

Os organizadores deste livro consideraram as seguintes questões:

1. Quais os principais problemas encontrados na implementação de uma


nova estrutura organizacional?
2. Como garantir que o comitê de projetos tenha poder em relação à alta
administração?
3. Um dos problemas no gerenciamento de portfólio de projetos está no
ciclo de avaliação da carteira para realocação dos recursos e mudança
na prioridade dos projetos. Compare as informações do texto e discuta
como isso deve ser superado. Na sua empresa (ou alguma empresa que
trabalhou), como esses problemas deveriam ser resolvidos? Explore
essa questão.
4. O gerenciamento de portfólio de projetos de novos produtos poderia
ser aplicado nos projetos de desenvolvimento de software? Quais as
semelhanças e quais as diferenças?

5.4 Caso: Avaliação de desempenho em projetos complexos

O caso desenvolvido pelo André e orientado pela Profa. Marly apresenta a


questão do gerenciamento de projetos complexos.
Nessa aproximação, os autores apresentam um novo critério de avaliação de
desempenho de projetos: valor agregado pela qualidade incluindo os indicadores
de variação de qualidade e indicador de desvio de qualidade.
Através de um método que incorpora a qualidade ao quadro de avaliação de
desempenho de valor agregado de projetos, os autores argumentaram que em
projetos complexos essa variável poderá dar informações ao gerente de projetos
mais confiáveis.
Os organizadores do livro, complementando as questões do capítulo, con-
sideraram estas outras:

1. Como devem ser preparadas as informações para que seja possível


aplicar o conceito de variação da qualidade em projetos?
2. A observação do andamento da qualidade em projetos pode ser feita
de forma subjetiva alcançando resultados iguais aos propostos pelos
autores?
3. Quais outras áreas de conhecimento ou outros indicadores poderiam
ser candidatos à inclusão na avaliação de desempenho de projetos?
4. A análise nos requisitos do projeto constitui a base para implementação
de avaliação de desempenho da qualidade em projetos. Qual a diferen-

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 14 23/11/2009 09:16:55


Gerenciamento de projetos em uma perspectiva organizacional: a abordagem de estudo de caso deste livro 15

ça entre requisitos e escopo de projetos? Monte uma tabela com três


projetos de naturezas distintas e informe para cada um três requisitos
e três escopos, típicos.
5. Qual o nível esperado de maturidade e quais os condicionantes e de-
terminantes para uma organização adotar um sistema de avaliação de
desempenho de qualidade em projetos?

5.5 Caso: Inovação de produtos para o mercado externo: a experiência da


Sadia

A Ana Maria desenvolveu um trabalho de mestrado em que, com a orientação


da Profa. Eva Stal, apresentou uma análise do processo de inovação de novos
produtos para o mercado externo. O caso, desenvolvido pouco antes da fusão
das empresas Sadia e Perdigão (Brasil Foods) contribui relevantemente com
os novos administradores quando da necessidade de refletir e equacionar essa
questão para a nova empresa.
Apoiadas nas bases teóricas da internacionalização de empresas e na litera-
tura sobre inovação, as autoras avaliaram os processos gerenciais da empresas
no que se refere ao ciclo de inovação de novos produtos e apresentaram sua
situação atual.
Rico em informações sobre o posicionamento das empresas no mercado
internacional e cheio de detalhes de iniciativas de gerenciamento, o caso explora
e aprofunda as questões ligadas à internacionalização – com destaque à área de
P&D e gerenciamento de projeto.
Os organizadores do livro, para este caso, propuseram as seguintes ques-
tões:

1. O processo de desenvolvimento de novos produtos visando a internacio-


nalização que foi aplicado pela indústria alimentícia pode ser aplicado
em outro segmento? Identifique as semelhanças e diferenças. Explore
essa questão.
2. Há alguns produtos que são aceitos no mercado interno, mas dificil-
mente são explorados internacionalmente. Na indústria alimentícia, um
exemplo sempre citado entre os stakeholders desse mercado é o produto
“pão-de-queijo”. Quais as possíveis causas e como a gestão de novos
produtos poderia contribuir para minimizar a questão, uma vez que
existe uma grande potencialidade em torno do produto citado?

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 15 23/11/2009 09:16:55


16 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

3. Quais aspectos podem ter sido inibidores da abertura de um escritório


para exportação entre Perdigão e Sadia no início dos anos 2000 e como
a fusão entre as duas empresas foi possível?
4. Como o gerenciamento de projetos pode ser um elemento diferencial
no suporte aos gerentes de desenvolvimento de novos produtos? Quais
as competências distintivas que um gerente de projetos desta área tem
que ter?

5.6 Caso: Categorização e tipologia de projetos, casos práticos de empresas


atuantes no Brasil

Este caso explora o sucesso em projetos e para isso os autores argumentam


sobre a necessidade de avaliação e comparação entre eles, considerando a defi-
nição de critérios predefinidos.
Leandro, mais uma vez presente em nosso livro, orientado pela Profa. Marly,
vem, agora, mostrar parte dos resultados de seu projeto de doutorado.
Baseado em dois casos: um, de uma empresa do setor elétrico eletrônico e
outra, do setor de construção civil, os autores trabalharam na estruturação de
categorização de indicadores para mostrar a possibilidade de gerar a tipologia
de seus respectivos projetos.
Os organizadores do livro propuseram as seguintes questões:

1. Como deve ser feita a avaliação de um projeto visando ao estabeleci-


mento de uma tipologia? Que aspectos devem ser levados em conta?
2. O que ocorre quando um projeto recebe uma avaliação por um setor
da empresa e uma avaliação diferente de outro setor?
3. Qual a necessidade de as organizações estabelecerem uma tipologia
para os projetos? Explore essa questão.
4. Faça uma comparação dos resultados apresentados nos dois casos
apresentados.

5.7 Caso: Sistema de gerenciamento de projetos tecnológicos: diagnóstico e


proposições em uma empresa do setor automobilístico

Este caso, desenvolvido para uma empresa pertencente à cadeia produtiva


do setor automobilístico, mostrou a necessidade de organizar as atividades de
gerenciamento de projetos.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 16 23/11/2009 09:16:55


Gerenciamento de projetos em uma perspectiva organizacional: a abordagem de estudo de caso deste livro 17

Desenvolvido pelo Prof. Roque em parceria com a Profa. Ivete Rodrigues, que
estava presente no livro anterior, e com o Prof. Roberto Sbragia da FEA/USP, o
caso obedeceu ao seguinte processo metodológico: revisão sobre o tema, levan-
tamento primário e secundário de informações, diagnóstico e proposições.
Para esse caso, os organizadores do livro propuseram as seguintes ques-
tões:

1. Quais aspectos devem ser levados em conta para organizar as atividades


de projetos quando uma empresa tem intensa departamentalização e
apresenta fortes características mecanicistas?
2. Imagine um diretor técnico com muito poder neste tipo de organização
que seja contra a organização da atividade de gerenciamento de proje-
tos na empresa. Quais argumentos devem ser apresentados para ele se
tornar mais sensível?
3. A implementação de um escritório de projetos neste tipo de organização
é uma alternativa. Baseado nas informações do caso, explore como deve
ser constituído este escritório e como deve ser implementado?
4. Um aspecto observado pelos autores foi a falta da realização nos pro-
jetos de registro e lições aprendidas. Como resolver estas deficiências?
Como convencer os interlocutores?

5.8 Caso: Gerenciamento de risco de operações de docagens de navios


petroleiros

O caso apresentado neste capítulo se refere ao exame no processo de


gerenciamento de riscos em projetos voltados à área de manutenção de navios.
O caso explora as deficiências existentes em processos de avaliação de riscos
em projetos. Aprofunda sobre a questão do julgamento dos especialistas.
Foi desenvolvido pelo Módica, especialista em gerenciamento de projetos e
mestre em engenharia pela Poli/USP-Naval, sob a orientação do Prof. Marcelo
Martins e em parceria com o Prof. Roque.
Para esse caso, os organizadores do livro propuseram as seguintes ques-
tões:

1. Como entender os aspectos ligados ao julgamento dos especialistas


visando refletir melhor suas opiniões?
2. Qual o papel do gerente de projetos quando ocorre a seguinte situa-
ção: dois especialistas em determinada tecnologia são convocados para

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 17 23/11/2009 09:16:55


18 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

avaliar os riscos dessa tecnologia no projeto, sendo que um deles tem


propensão ao risco e o outro não?
3. É possível ter um indicador que expresse o risco geral do projeto? Quais
variáveis devem ser consideradas?
4. O controle de risco em projetos muitas vezes não é feito de maneira
adequada. Identifique as possíveis razões para isso.

5.9 Caso: Gestão estratégica de projetos

O caso apresentado neste capítulo se refere ao gerenciamento estratégico de


projetos em que o gerente de projetos passa a ter uma visão muito mais próxima
do negócio que o gerenciamento de projetos tradicional.
O texto foi organizado pelo Prof. Isak Kruglianskas, e contou com a cola-
boração dos alunos do MBA da FIA Edílson Lippi; Roberto Carlos Martins de
Gouveia e Rodrigo Andrés Barros Villalobos.
O gerenciamento de projetos tem um forte componente tático-gerencial que
tem sido explorado pela literatura especializada que, por sua vez, tem dado pouco
destaque às questões estratégicas. Olhar o gerenciamento de projetos perto da
estratégia foi um desafio bastante singular desse caso. Considerando esse ponto,
os organizadores do livro propuseram as seguintes questões:

1. Explore as causas da falta de alinhamento dos projetos com a estratégia.


Dê exemplos.
2. Quais as diferenças entre a viabilização das estratégias por processos
ou por projetos?
3. Em termos de gerenciamento de riscos, indique as incertezas envolvidas
na ausência de alinhamento de projetos × estratégia.
4. Faça uma avaliação comparativa entre os resultados apresentados das
três empresas estudadas.

5.10 Caso: Gerenciamento da qualidade e da sustentabilidade: um estudo de


caso na França

O caso apresentado pelo Prof. Amaru em parceria com Daniel Leroy, da Uni-
versité François Rabelais, França, aborda a empresa Alstom Transporte.
O trabalho apresenta conceitos bem sedimentados sobre as atividades de
projetos da Alstom e discute o processo de desenvolvimento dos empreendi-
mentos.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 18 23/11/2009 09:16:55


Gerenciamento de projetos em uma perspectiva organizacional: a abordagem de estudo de caso deste livro 19

Os organizadores do livro sugerem as seguintes questões, para serem deba-


tidas sobre este caso:

1. Qual o papel do gerente de projetos e do gerente de portfólio numa em-


presa como a Alstom? Quais os limites de atuação de cada um deles?
2. Considerando as áreas de conhecimento em gerenciamento de projeto,
ordene as atividades envolvidas na fabricação de trens, levando-se em
conta a intensidade de esforço dedicado a elas.
3. Quais procedimentos, decisões e ações que supostamente a Alstom
toma ao adquirir uma empresa fabricante de trens que não tem a abor-
dagem por projetos?
4. Como melhorar o desempenho dos times de projetos em organizações
como a Alstom Transport?

5.11 Caso: Um projeto empreendedor– Caso Freeddom

O caso coordenado pelo Prof. Csillag, tendo como coautores Guilherme,


Michele e Camila, aborda o planejamento de um projeto empreendedor da
Freeddom – empresa brasileira de base tecnológica.
A Freeddom desenvolveu um produto inovador para a operadora de telefo-
nia Oi, com capacidade de realizar operações de crédito com o uso de aparelho
celular.
Para o desenvolvimento de tal produto, cuja base é a tecnologia de informação,
foi desenvolvido um projeto fazendo-se uso das boas práticas de gerenciamento
de projetos.
Os organizadores deste livro elaboram as seguintes questões sobre este
caso:

1. Procure informações sobre desenvolvimento ágil de projeto e discu-


ta suas vantagens e desvantagens quando aplicadas em projetos de
softwares para celular.
2. Os autores não abordaram o gerenciamento de riscos em projetos.
Identifique, avalie e dê respostas a dez riscos considerados importantes
para este tipo de projeto.
3. Quais os principais fatores críticos de sucesso de projetos de software
para celulares?
4. Quais as características dos projetos de inovação? O que deve ser levado
em conta na hora de gerenciá-los?

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 19 23/11/2009 09:16:55


gerenciamento de projetos na práticav2.indb 20 23/11/2009 09:16:56
Parte II

Casos brasileiros
em gerenciamento
de projetos

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gerenciamento de projetos na práticav2.indb 22 23/11/2009 09:16:56
2
Concepção de um curso de
mestrado profissional sob a
ótica da gestão de projetos
Milton de Abreu Campanário, Marcello Muniz, Emerson Maccari,
Sibele Gomes de Santana Faria e Marcelo Binder

1 Introdução

O objetivo deste capítulo é apresentar a concepção e o desenvolvimento


de um curso de Mestrado Profissional sob a ótica da teoria e das técnicas do
gerenciamento de projetos, tendo como caso a experiência da Universidade
Nove de Julho (UNINOVE). A relevância deste estudo se pauta na utilização
dos preceitos da gestão de projetos para o desenvolvimento de um projeto de
curso de mestrado, com seus critérios estruturantes, especificidades e fatores
críticos, incluindo o seu credenciamento pela Coordenadoria de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Adicione-se que o projeto de mestrado
foi concebido para a modalidade profissional, em uma Instituição de Ensino
Superior (IES) privada, de grande porte.1 Trata-se de caso único, por se tratar da
realização de um Mestrado Profissional em Administração em Gestão de Projetos
(MPA-GP), temática que até então só era tratada nos cursos de especialização,
incluindo cursos de MBA. Destaca-se que o Mestrado Profissional, ao contrário
dos cursos de especialização, é uma modalidade stricto sensu, pois provê o título
de Mestre ao término de cumprimento dos créditos pelo estudante.
Enquanto projeto, o MPA-GP adota a concepção clássica de ter uma atividade
temporária (início, meio e fim bem definidos), seguindo a orientação do plano
estratégico da IES e as responsabilidades pedagógicas para atender a demandas

1 Atualmente, a UNINOVE atua em praticamente todas as áreas do conhecimento, atendendo


mais de 110 mil alunos distribuídos em quatro grandes campi na cidade de São Paulo. Na pós-
graduação stricto sensu, são cinco mestrados e dois doutorados e ações visando ampliar sua atuação.
Na modalidade lato sensu (especialização), são dezenas de cursos, fundados como aprimoramentos
dos cursos de graduação.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 23 23/11/2009 09:16:56


24 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

do Sistema Nacional de Pós-Graduação (SNPG) administrado pela CAPES (CA-


PES, 2009; BRASIL, 1996). Desde a sua concepção original até sua entrega final
para apreciação das entidades competentes do Ministério da Educação (MEC),
este empreendimento esteve centrado na melhoria das atividades planejadas
e no uso de recursos específicos, ambos devidamente integrados pela equipe
responsável.
A proposta foi constituída no ambiente do Programa de Mestrado e Dou-
torado em Administração (PMDA) da UNINOVE, que carrega a experiência de
conceber e operar dois cursos anteriores em administração, um de mestrado
acadêmico e outro de doutorado, ambos devidamente recomendados pela CAPES
(UNINOVE, 2009). A essa competência na atividade educacional deve ser adicio-
nada a sua experiência em gestão de projetos enquanto disciplina científica, sendo
essa característica um dos fatores críticos para que o resultado obtido pudesse
atingir um desempenho igual ou superior ao originalmente previsto. Em seu de-
senvolvimento, o projeto foi estruturado por meio de etapas clássicas: iniciação,
planejamento, execução, controle e encerramento. A gênese do empreendimento
se deu em meio à formulação das ideias sobre o tema nas atividades do PMDA,
seguida de debates no âmbito do Colegiado do Programa, constituído por todos
os professores atuantes no mestrado e no doutorado. O processo de iniciação foi
feito por meio da elaboração, submissão e posterior apreciação de documentos
formais, elaborados pela equipe do projeto, junto com a Pró-Reitoria Acadêmi-
ca da UNINOVE, que aprovou sua incorporação ao Plano de Desenvolvimento
Institucional (PDI), por meio de documentação discutida no Conselho Univer-
sitário (CONSUN).2 O documento contemplou os seguintes itens: impacto na
imagem da instituição e na comunidade externa; declaração preliminar de escopo;
recursos humanos e materiais envolvidos; riscos correspondentes; competências
básicas requeridas; padrões pedagógicos aplicáveis; fator de crescimento; equipe
envolvida e definição da gerência.
O Planejamento do projeto esteve orientado, fundamentalmente, ao perfil
de profissional que o curso deseja formar, em consonância com o atendimento
dos requisitos previstos no Aplicativo para Propostas de Cursos Novos (APCN)
da CAPES (CAPES, 2008). Esses requisitos formais orientaram a definição dos
objetivos do projeto, identificação de produtos, estabelecimento de milestones, a
definição de padrões de desempenho, a estratégia e o modelo de gestão do pro-
jeto, bem como a definição dos critérios de alocação dos recursos.
O processo de Execução envolveu a integração de pessoas e a alocação dos
recursos para atender as diretrizes do plano. Os processos de Monitoramento e
Controle dizem respeito à criação de avaliações sistemáticas para aferir o pro-

2 Universidade Nove de Julho (UNINOVE). Decisão CONSUN no 8, de agosto de 2008.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 24 23/11/2009 09:16:56


Concepção de um curso de mestrado profissional sob a ótica da gestão de projetos 25

gresso de cada atividade prevista, propondo ações corretivas, quando necessário.


O processo de Encerramento inclui a entrega do projeto a ser julgado em seu
mérito por uma comissão de área da CAPES, que envolve duas etapas: a apre-
ciação documental e a diligência técnica in loco por uma comissão de avaliadores
ad hoc designada pelo coordenador da Área de Administração na CAPES. No
encerramento, cabe destacar também o aprendizado e as lições da experiência
incorporadas pela instituição proponente. O resultado habilitou a introdução do
MPA-GP nos processos normais de ensino, aprendizado e pesquisa na UNINO-
VE, com a recomendação formal da CAPES e de outras instâncias do Ministério
da Educação.
Ao discutir a experiência, sob a ótica da concepção e do emprego de concei-
tos de gerenciamento de projetos, o presente capítulo encontra-se organizado
em torno de cinco seções, além dessa introdução. A seção 2 estabelece uma
revisão acerca dos fundamentos de gerenciamento de projetos. Na seção 3, são
apresentados os elementos que nortearam a concepção do projeto do MPA-GP:
caracterização do ambiente de imersão do projeto; tipo de formação mínima a ser
oferecida; escolha da modalidade profissional; e justificativa para a proposta. O
detalhamento dos fatores ambientais, a tipificação da estratégia e a imersão do
projeto na estrutura da UNINOVE são fatores apresentados na seção 4. A seção
5 traça um detalhamento dos processos de gerenciamento do projeto do MPA-
GP. E, finalmente, as considerações finais e os elementos críticos da proposta
são apresentados na seção 6.

2 Aspectos ambientais, concepção, processos e tipologia de fases do


projeto

Sob a perspectiva da teoria de sistemas (OLIVEIRA, 1995; LOBATO, 1997),


o gerenciamento de projetos pode ser visto por meio de dois grandes ambientes:
o externo, constituído tanto pelas instituições (legais, normativas etc.), merca-
dos e pela estratégia da organização em que o projeto está sendo desenvolvido
(sob a ótica de um projeto, a organização que o promove é tida como “ambiente
externo”); e o interno ao próprio projeto, que, ao utilizar recursos da organiza-
ção, é constituído por um fluxo de entradas, processamentos e saídas, tal qual
apresentado na Figura 1.
Kerzner (2006) descreve que os insumos (inputs ou entradas) fornecidos para
utilização nos projetos (materiais, informação, instrução, instrumento, serviço
etc.) são processados e convertidos em um resultado (outputs ou saídas), que é
o projeto pronto a ser operado. Os insumos podem ser tangíveis (recursos hu-
manos, financeiros, materiais etc.), intangíveis (informação, conceitos, modelos,
conhecimentos, know how, cultura etc.) ou mais provavelmente uma combinação

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 25 23/11/2009 09:16:56


26 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

dos dois. Os insumos intangíveis (HALL, 1991, 1993; ITAMI, 1987) muitas vezes
são os responsáveis pela vantagem competitiva porque são de imitação difícil
pelos concorrentes (BARNEY, 1991), especialmente os desenvolvidos e acumu-
lados internamente pela organização (DIERICKX; COOL, 1989). A mediação
entre insumos e resultados é feita por meio de um conjunto de processos que visa
gerar resultados planejados (VALERIANO, 1998) e feedbacks (LEWIS, 1995). Em
outros termos, ao se orientar pelas entregas específicas (resultados ou saídas),
a análise e elaboração de projetos depende da disponibilidade e qualidade dos
recursos necessários para o empreendimento (insumos ou entradas) e da forma
como os processos de gerenciamento são desenvolvidos. Os processos constituem
o objeto da atividade de gerenciamento e sua combinação evolui para padrões
tais quais os advogados pelo PMBoK® (2004).

Mercado
MACROAMBIENTE Instituições-leis
•concorrentes
EXTERNO: •infraestrutura
•novos entrantes
instituições e •marco regulatório
•fornecedores
mercado •políticas de incentivo
•clientes

Estratégia Governança Dotações


MICROAMBIENTE • missão •shareholders •cultura organizacional
EXTERNO: • visão •estrutura organizacional •capacitações
organizações • valores •estruturas de análise •competências
• metas •processos decisórios •dotações de recursos
• táticas •sinergias diversas

Inputs Outputs
•tangíveis • tangíveis
• recursos humanos • novos produtos
• máquinas e • novos processos
AMBIENTE equipamentos • serviços
EXTERNO: • insumos e materiais Processo • documentos
projeto •intangíveis Processador • intangíveis
• conhecimentos • conceitos
tácitos e codificados • conhecimentos
• redes (profissionais, • redes de
organizações etc.) profissionais

Fonte: Elaborada pelos autores baseados em OLIVEIRA (1995) e LOBATO (1997).


Figura 1 Ambientes e projeto como sistema.

De acordo com o PMBoK® (2004), a condução de um projeto envolve, no


âmbito interno, cinco grupos de processos ou fases: iniciação, planejamento, exe-
cução, monitoramento e controle e encerramento. Essas fases estão contidas por
três grandes momentos. Primeiro, a adequação ou imersão estratégica do projeto
na organização (microambiente externo) por meio de sua concepção original e

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 26 23/11/2009 09:16:56


Concepção de um curso de mestrado profissional sob a ótica da gestão de projetos 27

dimensionamento. Segundo, o enquadramento desse projeto no macroambien-


te externo, verificando suas implicações maiores no ambiente competitivo. Os
estudos de viabilidade tecnológica, econômica, jurídica e ambiental constituem
uma atividade que normalmente fundamenta o projeto nesses dois ambientes
externos. Por fim, trata-se de bem gerenciar o projeto em seu ambiente interno,
com seus processos operacionais específicos. Somente após essas etapas, surge
a não menos importante fase de operação das atividades resultantes do projeto,
que não é objeto do presente estudo. A Figura 2 ilustra esse modelo completo.
Em termos do seu núcleo interno de gerenciamento, este quadro geral pode
ser interpretado de diferentes maneiras. O PMBoK® (2004) apresenta uma matriz
que estabelece o mapeamento sistemático entre o gerenciamento de projetos e os
grupos de processos relacionados a cada área de conhecimento: integração, esco-
po, prazo, custo, qualidade, recursos humanos, comunicações, riscos e aquisições.
Lewis (1995) propõe um modelo baseado em 15 passos e iterações, abrangendo
as fases de concepção até o encerramento do projeto. Maximiano (2006), por
sua vez, sustenta que este roteiro básico de um projeto envolve a preparação do
projeto, a garantia ou viabilidade dos recursos necessários, a realização e controle
das atividades e o encerramento de todos os processos.
Sob a ótica da teoria de sistemas, processos são ações que conduzem a resul-
tados. Disso resulta que esses têm duração finita. Essa é a visão apresentada na
Figura 2. Trata-se da necessidade de atingir certo resultado, em um prazo deter-
minado, por meio do emprego de certa quantidade de recursos (VALERIANO,
1998). A rigor, grandes projetos são divididos em fases que, em seu conjunto,
são comumente denominadas de ciclo de vida. Cinco fases são críticas, de acor-
do com o PMBoK® (2004): (1) Conceitual ou de iniciação: momento em que a
ideia inicial é formulada, podendo derivar em uma proposta aprovada com uma
visão de escopo, prazo e custo; (2) Planejamento: detalhamento do plano do
projeto, com todas as entregas e atividades correlatas descritas e programadas;
(3) Execução: realização do trabalho de montagem do projeto em seus detalhes;
(4) Monitoramento e controle: atividade permanente ao longo de toda a vida do
projeto, tendo como objetivo verificar a adequação entre plano e execução; e (5)
Encerramento: momento em que os resultados são avaliados, o produto final do
projeto é entregue e as lições são registradas pela equipe e gerente do projeto
(MERIDITH; MANTEL, 1997).

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28 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

Fronteiras
do projeto
Ambiente e
competências
internas Processos de
monitoramento e controle Entregas Usuários
do projeto finais
Processos de
planejamento

Demanda e
Entradas do Processos Processos de
financiamento projeto
do projeto de iniciação encerramento

Registros Ativos de
Processos de do projeto processos
execução
Ambiente
externo

ESTRATÉGIA/ PROJETO ENTREGA(S)


PORTFÓLIO/PROGRAMA
Fases do ciclo de vida do projeto ou ciclo do Início das operações ou
Concepção do projeto, projeto: definição, emprego e gestão de ciclo operacional (atuação
processos de avaliação/ recursos (atuação no mercado de fatores de no mercado de bens e
seleção e captação de produção para suprir o projeto) serviços e de fatores de
recursos financeiros produção)

Fonte: Adaptada de Silva (2009).


Figura 2 Interação entre processos de gerenciamento de projeto.

O caso do MPA-GP da UNINOVE é apresentado a partir das particularida-


des do ambiente em que se desenvolveu, com destaque para as estratégias de
ensino da UNINOVE. Da análise do ambiente (FAHEY; NARAYNAN, 1986) e
da definição do produto (AAKER, 2001), foi desenvolvido um modelo para tra-
çar o percurso entre a Estratégia geral e gestão do projeto propriamente dito,
passando pela definição do Portfólio de projetos alternativos e pelo Programa
em que o Projeto MPA-GP se insere. Na seção 4, a formatação dos processos
do projeto do MPA-GP é apresentada, seguindo as boas práticas do PMBoK®:
iniciação; planejamento; execução e controle das atividades; e encerramento. A
opção por essa forma de exposição permite explorar certos aspectos particulares
da formatação de um projeto de cunho orientado ao ensino e à pesquisa. Pode-se
afirmar que as principais características do projeto do MPA-GP foram: a plena
concepção do escopo e seus produtos e a busca de integração entre ensino
e pesquisa na formatação do projeto e seus resultados. Isso se deu pela busca
de obtenção de sinergias com o uso de recursos intangíveis (HALL, 1992, 1993),
típicos de projetos onde o conhecimento representa o principal insumo.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 28 23/11/2009 09:16:56


Concepção de um curso de mestrado profissional sob a ótica da gestão de projetos 29

3 Concepção do projeto de mestrado profissional

Maximiano (2006) sustenta que a parte mais importante de um projeto é a


definição do produto, com uma concepção detalhada dos seus elementos. Para
Rabechini (2005), o sucesso ou fracasso de um projeto envolve o equilíbrio de
dois grupos de exigências: (1) escopo, prazo, custo e qualidade; e (2) aderência
às necessidades e expectativas das partes interessadas (stakeholders). Isso implica
em identificar a necessidade social (macroambiente externo) e da organização
(microambiente externo) e conceber o produto correlato que atenda a um objetivo
estratégico específico, envolvendo ainda o respeito às regulamentações públicas,
normas técnicas e outras instituições.
A fase de concepção do projeto está marcada pela interação sinérgica de variá-
veis internas e externas ao projeto, a definição de objetivos e conceitos relaciona-
dos que condicionam a seleção de opções estratégicas e sua viabilidade (HART,
1999; HITT et al., 2002). O produto esperado é uma concepção bem definida
do projeto que se pretende desenvolver, realizada por meio de quatro grupos de
variáveis: ambientes interno e externo; tipo de formação educacional almejado;
definição da gestão de projetos como disciplina; e tipo de abordagem de curso
pretendido. Esses elementos são descritos a seguir, incluindo a regulamentação
pública, explorada de forma mais detalhada nas seções 4 e 5.

3.1 Caracterização do ambiente

Enquanto esforço temporário orientado à implantação de novos produtos


ou serviços no mercado e/ou de processos nas organizações, os projetos são
responsáveis pela gestão de mudanças e introdução de inovações no sistema
produtivo e de serviços. Do ponto de vista operacional, compreendem as ações
empreendidas a criar algo novo e único, em meio a um ambiente mais amplo de
processos que envolvem o próprio projeto (KERZNER, 2006; LEWIS, 1995). A
elaboração, a análise ou a execução de projetos ocorrem em meio a um ambiente
que pode ser classificado de diferentes formas, tal como apresentadas na Figura 1,
e aplicadas ao caso em estudo no Quadro 1. O ambiente compreende um espaço
amplo onde interagem diferentes forças. Estas interferem na escolha, viabilidade
e formatação do projeto, e em seu provável sucesso ou fracasso (CLELAND;
IRELAND, 2007).
A concepção inicial do MPA-GP está inserida no âmbito do Programa de Mes-
trado e Doutorado em Administração (PMDA) da UNINOVE, que iniciou suas
atividades em 2001, por meio de um Mestrado, e, em 2007, por um Doutorado,
com o envolvimento então de 18 docentes em regime de dedicação integral. As
competências instaladas em termos de recursos humanos, infraestrutura e co-

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 29 23/11/2009 09:16:56


30 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

nhecimento da área acadêmica são requisitos necessários para a elaboração de


um projeto com a responsabilidade de formar mestres em campo de pesquisa
ainda ausente da estrutura de mestrados e doutorados no Brasil, como é o caso
de gestão de projetos. De fato, esse ambiente interno carrega toda uma série de
especificidades do setor educacional de pós-graduação stricto sensu, que é um
segmento de ensino muito regulamentado no Brasil.

Quadro 1 Tipologia de ambientes de imersão de um projeto.

Macroambiente externo: dinâmica de mercado, concorrentes e instituições que cristalizam


as “regras do jogo”, no caso as regulamentações do setor educacional e o mercado existente e
seus atores principais. O PMBoK® (2004) reitera a necessidade de considerar o ambiente cultural
e social (influenciados pela educação, crenças e valores), o ambiente internacional, nacional e
político (marcado por leis e normas) e o ambiente físico (envolvendo aspectos ecológicos, geo-
lógicos etc.) que podem impactar positiva ou negativamente um projeto.
Microambiente externo: estrutura organizacional, competências, disponibilidade de tecnologia
empregada e recursos disponíveis que condicionam a estratégia, as metas e sua correspondente
cristalização em atividades orientadas a novos empreendimentos, no caso a existência de uma
organização educacional que opera, em grande escala, vários cursos stricto sensu e um programa
de mestrado e doutorado em administração. Nessa linha, Rabechini (2005) aponta a interferência
do ambiente de marketing (calcado no conhecimento de mercado), onde é gerado o conheci-
mento técnico e científico (orientado pela busca de inovações) e a produção de onde derivam
bens e/ou serviços (condicionados por um paradigma científico e tecnológico específico).
Ambiente interno: insumos, processos e produtos esperados pelo gerenciamento de projetos,
incluindo todos os fatores e atividades sob controle dos processadores que geram entregas e sua
integração. No caso, são os recursos tangíveis e intangíveis disponibilizados pela UNINOVE para a
execução do projeto e as condições de sua condução. Kerzner (2006) aponta que neste ambiente
é necessário considerar os fatores de liderança, formação de equipes, cultura de projetos na
organização, estruturas matriciais e projetos, tecnologias disponíveis, entre outros elementos.

Fonte: Elaborado pelos autores baseados em OLIVEIRA (1995) e LOBATO (1997).

Em 2006, a Gestão de Projetos foi introduzida pelo PMDA com algumas


iniciativas pontuais de pesquisa aplicada. A aproximação de alguns membros do
Colegiado a este tema de pesquisa, para o que muito contribuiu a sua formação
pretérita, e o acolhimento de novos docentes também especialistas na área am-
pliaram o horizonte da proposta de atuação. Em 2007, foi criado formalmente
no âmbito do PMDA e relatado no aplicativo COLETA de dados – sistema anual
de informações para acompanhamento dos cursos (mestrados e doutorado) pela
CAPES – um “Projeto Isolado” em Gestão de Projetos. O Grupo de Pesquisa res-
ponsável buscava uma focalização temática para o desenvolvimento de pesquisas
e produção científica. O termo isolado significa a sua relativa autonomia frente
aos seis grupos de pesquisa e 18 projetos já existentes no PMDA.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 30 23/11/2009 09:16:56


Concepção de um curso de mestrado profissional sob a ótica da gestão de projetos 31

Na UNINOVE, o grupo Gestão de Projetos já foi concebido com um enfoque


profissional e aplicado, distante da visão acadêmica, típica das outras linhas
de pesquisa do PMDA. Mas havia claramente a percepção de uma lacuna nos
estudos de administração no Brasil, com pouca produção de trabalhos sobre o
gerenciamento de projetos. Elevar um simples grupo de pesquisa à condição de
um projeto de mestrado aceito pela CAPES demandou uma justificativa sólida,
particularmente no que se refere à sua inserção social externa (macroambiente)
e à compatibilidade com as estratégias maiores da UNINOVE (microambiente).
Para tanto, constatou-se, já em 2007:

• A CAPES não indicava a existência no Brasil de programa de mestrado


ou doutorado com área de concentração ou mesmo linhas de pesquisa
em gestão de projetos.
• Este tema não é contemplado como área de pesquisa pela Associação
Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração (ANPAD),
sendo raramente citado nos trabalhos do encontro anual desta organi-
zação – EnANPAD.
• Havia uma forte demanda em São Paulo para formação e capacitação
de profissionais nessa disciplina, atendida somente por meio de cur-
sos de aperfeiçoamento ou de especialização.
• A profissão de gestor de projetos se institucionaliza rapidamente no
Brasil por meio da atuação de associações internacionais, inclusive crian-
do mecanismos de certificação crescentemente aceitos pelo mercado,
como é o caso do Project Management Institute (PMI).

A criação de mestrados e doutorados não é somente uma questão de desen-


volver a pesquisa, mas também de adquirir status e responsabilidade institucional
para a formação de pessoal de nível superior, mestres e doutores (CAMPANARIO
et al., 2007). A cultura de pesquisa também favorece o entendimento dos proce-
dimentos e exigências da CAPES, sendo relevante a formação de um competente
e estável corpo de docentes doutores, uma proposta pedagógica consistente e
um público-alvo bem definido.

3.2 O tipo de formação desejado

Existem vários atributos ou traços para que normalmente uma disciplina


possa ser considerada um campo de atuação profissional. Certamente, essa
questão envolve ponderações na medida em que ela mesma se constitui uma área
de investigação acadêmica, com inúmeros recortes teóricos e de análise (DEZA-
LAY; SUGARMAN, 1995). Esses atributos evoluem e se legitimam no tempo,

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 31 23/11/2009 09:16:57


32 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

variando de acordo com a complexidade de cada disciplina. Normalmente, existe


um conjunto de normas e procedimentos profissionais, que em alguns casos são
definidos pela prática, enquanto outros demandam uma regulamentação legal. Em
muitos casos, as exigências para a prática profissional são mais fluídas (BOTERF,
1995, 1999). Em outros casos, são fortemente contestadas. Para os propósitos
da proposta de projeto, ao menos cinco atributos foram destacados para definir
o tipo de formação profissional almejado, tal qual exposto no Quadro 2.

Quadro 2 Requisitos básicos para a formação de um campo profissional.

Formação mínima: os profissionais atuantes devem ter uma formação mínima, adquirida por
meio da prática e da educacional formal.

Barreiras de entrada: o mercado de trabalho cria barreiras de entrada relacionadas a certas habi-
lidades e ao conhecimento adquirido impondo, em alguns casos, a certificação profissional.

Grau de autonomia: o grau de autonomia sobre os termos e as condições de exercício da profissão


deve ser conquistado de forma incremental.

Rede de relacionamentos: uma rede de relacionamentos no mercado normalmente é estabelecida,


caracterizada por um padrão ético, cultural, de lutas com objetivos comuns e mesmo de normas
de conduta.

Corpo de conhecimento: o monopólio sobre um corpo de conhecimento específico e habilidades


relacionadas.

Fonte: Elaborado pelos autores com base no MPA-GP/UNINOVE.

Segundo esses critérios, a formação em Gestão de Projetos pode ser consi-


derada uma disciplina com um campo profissional emergente. O corpo de co-
nhecimento da área tem raízes científicas e está evoluindo por meio da difusão
e sucesso obtido pelo emprego de boas práticas. Há ainda divergências sobre o
alcance ou abrangência da profissão, bastando para tanto comparar as concep-
ções americanas e europeias a esse respeito. Mas, em vários sentidos, há uma
convergência sendo construída. A rede de relacionamentos é relativamente con-
sistente e formal, particularmente com a constituição das seguintes instituições
que congregam profissionais que militam no campo:

• International Project Management Association (IPMA): Suíça, que re-


presenta 42 associações europeias.
• Project Management Institute (PMI): Estados Unidos da América, com
representação em 171 países, incluindo o Brasil.
• Australian Project Management Institute (APMI).

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 32 23/11/2009 09:16:57


Concepção de um curso de mestrado profissional sob a ótica da gestão de projetos 33

• Association of Project Management (APM) na Inglaterra.


• Project Management Association of Japan (PMAJ).

Essas associações estão se firmando no mundo inteiro, sendo que, no Brasil,


o PMI tem representações formais em 13 estados da federação, a mais antiga
em São Paulo (<www.pmi.org.br>). Essas redes de relacionamento profissio-
nal tendem a formar uma cultura própria, com “Manuais de Conhecimento”,
revistas, sites, simpósios, encontros e publicações científicas no campo. Os mais
conhecidos na área são:

• PM Network: revista mensal que cobre tendências, ferramentas, técnicas


e melhores práticas da profissão.
• PMI’s Career Track: publicação bianual distribuída pelo PM Network
voltada para o aprimoramento e planejamento profissional.
• Leadership in Project Management: publicação que busca desenvolver
habilidades como liderança e atitudes repassadas por experiências de
executivos da área pública e privada.
• Project Management Journal: revista acadêmica e de pesquisa trimestral,
com sistema de Double Blind Review e outras práticas acadêmicas.
• PMI Today: boletim mensal distribuído pelo PM Network, mantendo no-
tícias atualizadas sobre eventos, encontros e acontecimentos na área.

Outros elementos da profissão devem ser destacados. Já existem barreiras


de entrada (PORTER, 1986), com a instituição de certificações que influenciam
a demanda por profissionais qualificados. De fato, há cerca de 200 mil profissio-
nais certificados pelo PMI no mundo (<www.pmi.org>), com 490 mil filiados à
associação. Corporações como IBM, SIEMENS, KPMG e muitas outras adotam
como critério de admissão a certificação do PMI. No Brasil, esses processos de
certificação são frequentes e demandam o treinamento prévio dado por institui-
ções profissionais. Ademais, o grau de autonomia é respeitado exatamente por
ser sustentado por um corpo de conhecimento cada vez mais codificado, mas
que alcança um leque muito amplo de aplicações. Um recente levantamento
feito pelo PMI entre seus associados por área de atuação mostra que cerca de
30% atuam na área de Tecnologia da Informação e 15% nas áreas que envolvem
conhecimento financeiro. Afora essa concentração, há uma grande presença de
profissionais de gestão de projetos em serviços de infraestrutura, consultoria
de engenharia e meio ambiente, engenharia e construção, atividades de governo
em geral (incluindo defesa e segurança), saúde e áreas sociais como educação,
habitação, urbanismo, saneamento, entre outras.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 33 23/11/2009 09:16:57


34 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

3.3 Justificativa: o papel da gestão de projetos nas organizações

A administração é uma área de conhecimento e de prática profissional, sendo


definida genericamente como um processo de alocação eficiente de recursos e
pessoas de forma a dirigir atividades a objetivos de uma organização. A gestão,
por sua vez, é entendida como um subconjunto de atividades da administração,
especificamente associada a funções mais técnicas, finitas ou funcionais da ope-
ração de uma organização.
As atividades administrativas são definidas por meio de funções, que re-
cortam campos de especialização: finanças, marketing, pessoas, organizações,
suprimentos, entre outras. Existem diferentes escolas ou teorias sobre a admi-
nistração como disciplina ou campo de conhecimento. No entanto, essa discipli-
na está relacionada com um conjunto de atividades estratégicas, burocráticas e
operacionais que podem ser divididas em dois grandes grupos de atividades:

• Contínuas: processos funcionais ou integrados de uma organização


hierarquizada, apoiada em estrutura burocrática, metas e produtos
variados, controles diversos, internos e externos.
• Temporárias: projetos com um escopo claro, um conjunto de insumos
ou recursos que são processados por atividades planejadas que originam
produtos, tendo tempo de duração estabelecido, integração de atividades e
controle de custos rígido, com a especificação e atendimento de padrões
de qualidade.

“Projeto” tem sido promovido como uma aplicação de atributos do adminis-


trador, sendo constituído por um grupo de competências técnicas e ferramentas
que permitem uma integração de equipes multidisciplinares voltadas para uma
finalidade temporária bem definida em termos de escopo (produto ou resultado),
prazos e custos. A gestão de projetos tem conquistado o espaço de uma compe-
tência crítica para aplicação em ambientes incertos e de conhecimento intensivo,
com uma relevância que vai muito além das suas aplicações iniciais na indústria
pesada e projetos militares.
Como visto, a Gestão de Projetos constitui-se em um conjunto de conhe-
cimentos específicos da área de ciências sociais aplicadas, com forte influência
das disciplinas de administração, engenharia de produção e economia. Mais
precisamente, a disciplina de Gestão de Projetos se caracteriza pela aplicação de
conhecimentos, habilidades e técnicas na elaboração de atividades integradas
para atingir um conjunto predefinido de objetivos (escopo), num prazo (tempo)
preestabelecido, com custos (e riscos) controlados, nas mais diferentes áreas de
aplicação e em diferentes escalas de empreendimentos (KERZNER, 2001). Com
essa definição abrangente, é possível afirmar que projetos existem em todo tipo

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Concepção de um curso de mestrado profissional sob a ótica da gestão de projetos 35

de atividade econômica, social, política e cultural, desde a construção de grandes


obras, equipamentos militares e desenvolvimento de softwares até a organização
de recursos para atendimento de demandas sociais diversas, ações ambientais,
entre inúmeros outros. A evolução do corpo de conhecimento para aplicação em
áreas específicas, como desenvolvimento de softwares, reflete essa diversidade.
No âmbito da proposta do MPA-GP, a gestão de projetos é vista como parte
da evolução do que se convencionou chamar de administração científica, lidera-
da por Frederick Taylor e seus parceiros ou colaboradores como Frank e Lilian
Gilbreth, Hugo Munstenberg e, principalmente, Henry Gantt. Este último, tido
como um dos idealizadores das técnicas de planejamento e controle da produção,
conhecido pela disseminação do uso do gráfico de barra como instrumento de
gerenciamento de projetos, que hoje leva o nome de Gráfico de Gantt, é reconhe-
cido como o criador da gestão ou do gerenciamento de projetos como disciplina
da administração aplicada. De fato, foi Gantt quem primeiro desenvolveu fer-
ramentas de gerenciamento como o Work Breakdown Structure (WBS), que nada
mais é do que uma forma de dissecar os “produtos” (ou resultados) esperados
(output) em seus elementos críticos a serem concluídos, sob restrições de custo
e prazo. Dessa forma é que se desenhou, inicialmente, o “triângulo de ferro” da
disciplina que viria a ser conhecida como gerenciamento ou gestão de projetos:
custo, tempo e escopo (este último entendido como o produto esperado, dentro
de padrões de qualidade estabelecidos).
Em suas justificativas, o MPA-GP aponta que o WBS é uma ferramenta pre-
cursora de outras técnicas e procedimentos que foram desaguar em instrumentos
conhecidos e difundidos no pós-guerra, particularmente o Program Evaluation
and Review Technique (PERT), traduzido posteriormente para Program Evaluation
Procedure (PEP), de grande aplicação em grandes projetos militares como o do
míssil balístico do submarino Polaris, desenvolvido em conjunto pela Marinha
Americana e a Lockheed Co. Na mesma linha, é citado o conhecido Critical Path
Method (CPM), este aplicado inicialmente para projetos de manutenção de plantas
industriais da DuPont e da Remington Rand Co. O método CPM contém algorit-
mos sofisticados, cuja origem pode ser remetida ao diagrama em rede chamado
Activity-on-Arrow ou método ADM. Talvez o maior exemplo de megaprojeto
que tenha se servido dessas ferramentas, ainda em suas versões mais clássicas,
tenha sido o espetacular, mas polêmico, Manhattan Project, voltado para a ação
nuclear norte-americana durante a Segunda Grande Guerra, além de inúmeras
missões Apollo e atividades da NASA, que incorporaram definitivamente a ges-
tão de projetos como prática profissional no complexo industrial-militar e que,
posteriormente, foi utilizado em larga escala pelo setor privado e organizações
públicas.
Com o desenvolvimento da complexidade dos projetos, a rigidez dos méto-
dos de estimativa de custo implícita no CPM entrou em desuso, tal qual a forma

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 35 23/11/2009 09:16:57


36 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

como incorporar no PERT a variável tempo. O MPA-GP aponta, nesse contexto,


que ferramentas modernas como a conhecida análise de Monte Carlo permitem
incorporar custo e tempo de forma simultânea, com muito mais acuidade que
os métodos anteriores; a moderna Gestão de Projetos incorpora uma pletora
de novos sistemas relevantes como a Gestão de Risco, Earned Value, Precedence
Scheduling, Resource Allocation, Cadeia Crítica, Earned Schedule, entre outros. Mas,
de forma geral, há uma consolidação da disciplina em torno dos três grandes
elementos sempre presentes nas metodologias, os já mencionados escopo, custo
e tempo – mediados pelo emprego de técnicas e critérios cujo objetivo é garantir
a integração, a comunicação, a gestão de riscos, a disponibilidade de recursos e
qualidade.

3.4 A escolha da modalidade de mestrado profissional

A definição do tipo de curso de mestrado na modalidade profissional é uma


tarefa facilitada pela compreensão de que a Gestão de Projetos é tipicamente
uma atividade aplicada nas organizações, calcada em um guia de boas práticas
advindas da experiência, mediadas pelo domínio e emprego de ferramentas e
técnicas, bem como pelo emprego do estudo de casos e aplicação de métodos
científicos em eventos concretos (CAPES, 1995).
Para avançar numa proposição que tenha substância específica de um mestra-
do profissional, mesmo sabendo que este conteúdo será o resultado de um proces-
so de aprendizagem, há inicialmente que se considerar os seguintes parâmetros
críticos, adotados no projeto de MPA-GP e apresentados no Quadro 3.

Quadro 3 Parâmetros críticos adotados no projeto MPA-GP.

Curso terminal: a concepção de um mestrado, no Brasil, é de um curso que prepara o indivíduo


para uma etapa da sua carreira na academia, tendo à frente ainda o percurso de um doutorado.
Desde sua criação, o mestrado profissional está concebido para ser um curso terminal, voltado
para atender uma demanda do setor produtivo, fora da academia, embora sem restringir ou inibir
formalmente a carreira docente.

Produto específico: a área de administração abarca uma ampla classificação de campos de atua-
ção ou disciplinas. Quanto mais genérica ou abstrata, mais adequada ela se faz para a modalidade
acadêmica, dada a amplitude de investigação e colocação profissional possível. Mas, no caso do
Mestrado Profissional, o “produto” envolve necessariamente a formação de um profissional que,
embora com habilidades de docência e pesquisa, possa agregar valor do conhecimento científico
e teórico nas atividades externas à academia, estando apto a utilizar métodos de pesquisa no quo-
tidiano de trabalho das organizações, públicas ou privadas.

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Concepção de um curso de mestrado profissional sob a ótica da gestão de projetos 37

Diferenciação no PMDA: o MPA-GP é proposto no âmbito de uma IES que já contempla um Mes-
trado Acadêmico e Doutorado em Administração. Torna-se mais clara a tarefa de distinguir muito
bem o escopo, os objetivos, os campos de atuação, o foco e o público-alvo de cada programa,
identificando áreas de sobreposição, mas garantindo a autonomia relativa em cada caso, o que
pode ser considerado um processo de aprendizado contínuo, mas já com condições favoráveis de
sucesso no seu início.

Corpo de conhecimento delimitado: no campo profissional, há que se especificar a demanda


a ser atendida, delimitando por esse critério a área de conhecimento a ser ofertada, como é o caso
em Gestão de Projetos. De fato, o ambiente profissional escolhido é caracterizado pela demanda
por profissionais que atuam por meio de um “corpo de conhecimento” muito bem definido. Em
inglês, os manuais desta área, com ênfases e mesmo algumas concepções diferentes, são deno-
minados exatamente de Project Management Body of Knowledge (PMBok), tanto na sua versão
norte-americana do Project Management Institute (PMI) ou versão europeia do Association for
Project Management (APM).

Conhecimento profissional como ativo: o Mestrado Profissional deve reconhecer que a expe-
riência e o conhecimento profissional acumulado na área de sua vocação são um ativo relevante.
Nos Mestrados Acadêmicos, esse ativo é relativamente depreciado. No profissional, ele deve ser
devidamente lapidado pela metodologia científica para ganhar uma dimensão que incorpore
valor na prática profissional, esta eminentemente prática e aplicada. Sendo assim, o perfil ideal
do candidato é marcado também pela experiência acumulada em gestão, além do treinamento
formal, que é condição necessária, mas não suficiente para uma prática profissional socialmente
útil e responsável.

Avaliação por processo e produto: em conformidade com os critérios de avaliação da CAPES,


o projeto do MPA-GP foi desenhado para atender todos os parâmetros necessários ao bom desem-
penho de um curso de mestrado profissional. Além dos clássicos itens de processo e produto da
avaliação convencional, são criadas métricas específicas da produção técnico-profissional, relevantes
para a avaliação desta modalidade.

Fonte: Elaborado pelos autores com base no MPA-GP/UNINOVE.

O MPA-GP aponta que, para um mestrado profissional isolado, estabelecer o


contorno de sua atuação é difícil, sendo grande a propensão de atuar em atividades
acadêmicas, dada a própria falta de experiência em sua avaliação pela CAPES,
que carrega um viés de avaliar os cursos com critérios estritamente acadêmicos
(BERTERO, 1998; MATTOS, 1997). Dessa forma, é de grande valia ter como
referência a existência simultânea das duas modalidades de curso (acadêmico e
profissional), pois cria uma referência mútua, uma espécie de “efeito demons-
tração”, em que as práticas do acadêmico criam parâmetros de delimitação do
profissional e vice-versa.
A delimitação de uma área da administração que possa mais diretamente
contribuir para os objetivos de um Mestrado Profissional não é tarefa trivial
(SPINK, 1997). Ela depende de uma evolução incremental e experimentação.

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38 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

Em muitas situações, o Mestrado Acadêmico gera conhecimentos de tal forma


práticos ou aplicados que estariam normalmente enquadrados como produção
de um Mestrado Profissional. Também não existem métricas consagradas para
medir o que seria a produção técnica típica de um Mestrado Profissional em
administração. Daí a relevância da estrutura de planejamento descrita a seguir
(RUAS, 2003).

4 A hierarquia estratégica

Para Kerzner (2006), os princípios de gestão de projetos são cada vez mais
utilizados para operacionalizar a implantação dos planos estratégicos, bem como
melhorar o fluxo de trabalho horizontal e vertical nas unidades de negócio de
uma organização. A relação entre a moderna gestão de projetos e o planejamen-
to estratégico das organizações é sintetizada por meio de um modelo de cinco
camadas, inspirado no PMBoK® (2004). Apresentado na Figura 3, este modelo
foi utilizado para direcionar o MPA-GP no contexto das estratégias de ensino
da UNINOVE.

ESTRATÉGIA

PLANEJAMENTO E
GESTÃO DE PORTFÓLIO
DE PROJETOS

PLANEJAMENTO E GESTÃO DE
PROGRAMAS DE PROJETOS

GERENCIAMENTO DE PROJETOS – EMPREGO


DE PROCESSOS
(iniciação, planejamento, execução,
controle e finalização)

Fonte: Elaborada pelos autores.


Figura 3 Modelo de hierarquia: estratégia, portfólio, programas e projetos.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 38 23/11/2009 09:16:57


Concepção de um curso de mestrado profissional sob a ótica da gestão de projetos 39

A camada superior é dada pela Estratégia da organização, com o seu des-


dobramento em um Portfólio de projetos pedagógicos gerais de graduação e
pós-graduação, contemplando particularmente o grupo de cursos do stricto sensu
(mestrados e doutorados). Compondo esse portfólio, encontramos Programa, re-
presentado pelo Programa de Mestrado e Doutorado em Administração (PMDA),
ambiente que permite a agregação de um novo Projeto, aqui representado pelo
curso de Mestrado Profissional em administração, objeto do presente caso.
Uma vez definido o ambiente de um projeto, frequentemente a sua imersão
na organização ocorre em meio a uma hierarquia de planejamento e gestão re-
lacionada às dimensões apresentadas no Quadro 4.

Quadro 4 Dimensões da hierarquia de planejamento estratégico e gestão de projeto.


Estratégia: visa aumentar a competitividade da organização, tendo como base o ambiente inter-
no, externo, oportunidades e ameaças. Normalmente, envolve o estabelecimento prévio de metas,
sendo os projetos a forma de atingi-las. Permite a criação de um campo de consenso sobre rumos
gerais e os critérios críticos de seleção de projetos.

Portfólio: tem como objetivo fixar e orientar a priorização entre diferentes projetos, considerando
o objetivo estratégico e as metas previamente definidas. O portfólio abre o leque de alternativas
das ações possíveis. Permite o alinhamento e o balanceamento da estratégia, ponderando riscos
e verificando a criação de valores mais eficientes e eficazes. Estabelece critérios de seleção, cálculo
de custos de oportunidade e risco controlável.

Programa: responde pela coordenação entre diferentes projetos como meio de aumentar a
eficiência e eficácia em seu controle, gerando economias de escala. Garante a apresentação de
resultados unificados e logicamente integrados. Promove a sinergia e a economia na alocação
de recursos escassos.

Projeto: prevê a entrega de um produto ou resultado final, contando com recursos finitos e utili-
zando processos racionais para o seu desenvolvimento. Essa atividade deve estar alinhada com o
programa ao qual agregará valor. Constitui-se em um sistema relativamente autônomo de desen-
volvimento de atividades independentes dos processos administrativos convencionais.

Fonte: Elaborado pelos autores.

Essa modelagem é uma idealização desenvolvida para facilitar a localização


do Projeto do MPA-GP na grande organização educacional que é a UNINOVE.
Atendido o critério de relevância social e organizacional, vista nos ambientes que
o cercam, haveria que ter a inserção do projeto no âmbito da estratégia geral da
UNINOVE e dos demais níveis previstos na hierarquia acima definida.

4.1 Estratégia geral

O Decreto no 5.773 do MEC estabelece que todas as IESs devem ter um Plano
de Desenvolvimento Institucional (PDI), renovável a cada cinco anos, para traçar

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40 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

seus planos de expansão física dos campi, de docentes e de discentes e da dimensão


pedagógica. Nesse plano, as instituições incrementam sistematicamente a sua
estrutura de ensino e pesquisa e estabelecem um canal formal de informação e
metas com as autoridades do Ministério da Educação (MEC). Na UNINOVE,
toda proposta pedagógica relevante incorporada ao PDI é discutida no Conselho
Universitário (CONSUN), por meio de um plano de metas entregue pelos coor-
denadores de curso. Desde 2001, vislumbrando melhorar a qualidade do ensino
e da pesquisa, o PDI da UNINOVE prevê a criação e desenvolvimento de cursos
de mestrado e de doutorado stricto sensu, que são recomendados pela CAPES.
Do ponto de vista do objetivo estratégico, a existência desses cursos stricto
sensu auxilia a formulação de práticas de ensino e pesquisa, permitindo uma IES
qualificada como “Centro Universitário”, entidade dedicada prioritariamente ao
ensino, transformar-se em “Universidade”, entidade voltada ao ensino, pesquisa
e extensão. Essa mudança traz maior autonomia, típica das universidades, que se
traduz na responsabilidade de formar professores graduados, com a atuação em
pesquisa na fronteira do conhecimento. Instrumentalmente, no Brasil esse status
dá o direito à obtenção de bolsas de estudos, provê o acesso a bases de dados
oficiais e tratamento acadêmico diferenciado no MEC. Nesse contexto é que o
MPA-GP e outros cursos stricto sensu estão inseridos e devidamente justificados
como elementos que compõem o rumo estratégico da UNINOVE e sua inserção
social como universidade.

4.2 Portfólio

Para atingir o status de universidade, é requerida a existência de ao menos


três cursos de mestrado e um doutorado. Assim, vislumbra-se a segunda camada
do modelo, com a constituição de um Portfólio de projetos de mestrados e dou-
torados, vinculados a um Centro de Pós-Graduação stricto sensu da UNINOVE.
Esse centro está diretamente ligado à Pró-Reitoria Acadêmica. Os dois primeiros
programas de mestrado foram aprovados em 2001, em educação e administra-
ção. Em 2008, havia quatro mestrados em Administração, Educação, Ciências
da Reabilitação e Engenharia de Produção e um doutorado, este em Adminis-
tração, situação que garantiu a entrada na IES na categoria de Universidade. Em
2009, começaram as atividades de mais um doutorado em educação e também
foi aprovado pela CAPES o mestrado em Gestão de Projetos, que inspirou o
presente texto. Essa situação deu uma margem mais confortável para o futuro
desenvolvimento da pesquisa na IES.
Estabelecida pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), a regra de condi-
cionar o status de universidade à existência de mestrados e doutorados direciona
as estratégias das IES que pretendem ampliar sua atuação em pesquisa. Mas há

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 40 23/11/2009 09:16:57


Concepção de um curso de mestrado profissional sob a ótica da gestão de projetos 41

muitas opções para escolha na construção de um grupo de cursos de mestrado


e doutorado. Há que se considerar que a UNINOVE tem um foco muito preciso
ao tratar o grande portfólio de cursos de forma complementar, com alinhamento
estratégico em cada projeto. A possibilidade de um curso de graduação avançar na
direção da pós-graduação stricto sensu está condicionada a processos de priorização
envolvendo: relevância social e científica da área; existência de cultura de pesquisa
nos grupos disciplinares; qualificação de docentes; e demanda social pelos cursos.
Há também uma padronização no tocante ao tratamento aos programas no que
se refere a: remuneração docente diferenciada; incentivos à produção acadêmica;
sistema de bolsa universal a todos os estudantes ingressantes (isso a partir de
2009); dedicação dos professores à graduação; envolvimento dos docentes com
projetos de iniciação científica; formação de parcerias de pesquisa com docentes
da graduação; e escala de operação.

4.3 Programa

Seguindo esses parâmetros, o projeto do MPA-GP foi concebido como uma


unidade a mais no contexto da camada de Programa do modelo proposto. Como
dito anteriormente, esse curso nasceu no âmbito do Programa de Mestrado e
Doutorado em Administração (PMDA), que foi constituído já em 2001. Isso exige
que a equipe do projeto tenha entendimento claro de sua missão e da conjuntura
maior do programa, do portfólio e da estratégia da qual deriva (LEWIS, 1995). Há
que se considerar ainda que um curso de mestrado acadêmico já existente pode
ajudar a compor formalmente uma equipe de um mestrado profissional, dentro
de uma área de conhecimento compatível. Dois grandes elementos de sinergia
surgem com esse entrosamento no nível do programa:

• O mestrado acadêmico ou profissional demanda no mínimo oito do-


centes para compor a equipe de professores. Um mestrado profissional,
criado a partir da convivência com um mestrado acadêmico, por seu
turno, deve alocar um número X de docentes integrais e exclusivos,
podendo recrutar os demais Y suplementares (sempre Y sendo igual
ou inferior a X) no curso de mestrado (ou doutorado) acadêmico, to-
talizando no mínimo os oito docentes.
• A produção científica de quem produz em parceria nos dois programas é
contabilizada em ambos os programas, ao passo que em qualquer outra
situação a produção científica só é contabilizada uma única vez.

Tais parâmetros são fundamentais para tornar um mestrado profissional


atrativo como área de atuação suplementar, mas não subordinada, às atividades

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42 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

de um mestrado acadêmico, sendo esse um elemento crítico na escolha do projeto


de curso profissional, entre outros possíveis.

4.4 Gestão do projeto

A gestão do projeto é a unidade mais básica da hierarquia estratégica de


uma organização (KERZNER, 2006). Tendo como foco o atendimento de uma
necessidade específica, o projeto envolve um conjunto de processos e atividades
bem definidas e inter-relacionadas que transforma um conjunto de recursos
tangíveis e intangíveis em um produto preestabelecido, pronto para entrar em
operação. Quando apoiado pela alta gestão, o projeto é conduzido pela missão
e priorizado pelo planejamento estratégico da organização, o que é o caso em
questão. Sendo o objeto primordial do presente estudo, as fases de implantação
e a conduta adotada em cada caso serão examinadas: iniciação, planejamento,
execução, controle e entrega.

5 Os processos de gestão do projeto

Esta seção segue as linhas traçadas pelo PMBoK® (2004) sobre a condução
de um projeto, tal qual apresentadas acima. Cinco grupos de processos são tra-
tados, todos referenciados ao estudo de caso em análise:

• Iniciação: define as grandes linhas e autoriza um projeto na organiza-


ção.
• Planejamento: refina objetivos, planeja ações, detalha o escopo do
projeto.
• Execução: integra equipe e recursos para realizar o plano do projeto.
• Monitoramento e Controle: mede e avalia regularmente o progresso.
• Encerramento: formaliza a aceitação do produto conduzindo ao seu
término.

5.1 Iniciação

Como no caso da análise da viabilidade, que antecede o início de um projeto,


os processos de iniciação são geralmente realizados fora do ambiente ou escopo
de controle do projeto. Isso se deve ao fato de essas ações estarem, em geral, sob
controle direto da alta gestão ou serem realizadas pelos processos de portfólio ou
programas (PMBoK®, 2004), descritos acima. Nesse contexto, os requisitos do

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 42 23/11/2009 09:16:58


Concepção de um curso de mestrado profissional sob a ótica da gestão de projetos 43

negócio são documentados, bem como os macro-objetivos, as razões para exis-


tência do projeto e a necessidade de recursos (KERZNER, 2006). Formalmente,
a iniciação é o primeiro processo que deve ser implantado no ciclo de vida de
um projeto e constitui a primeira etapa no gerenciamento do escopo. Sua função
é autorizar o projeto e vinculá-lo às atividades e aos objetivos estratégicos da
empresa (FRANCIS; HORINE, 2005).
Do ponto de vista prático, esse processo relaciona as informações mais rele-
vantes do projeto: desenvolver, registrar e obter a aprovação acerca da visão geral
do projeto; descrever objetivos e/ou metas, produtos, restrições e premissas;
abordar riscos e principais milestones; fixar estimativas preliminares de recursos,
custos e critérios de desempenho; e identificar a equipe do projeto e seu gerente.
Tais dados devem ser registrados e validados em documento formal de aprovação
conhecido como Project Chart (HELDMAN, 2006). Essa série de informações
pode ser associada a dois momentos: desenvolvimento do termo de abertura e
da declaração preliminar do escopo do projeto. No caso em questão, este Project
Chart está contido nas atas do Conselho Universitário da UNINOVE (CONSUN),
contendo o escopo, justificativas e implicações do projeto do MPA-GP.
Há que atentar para o fato de que, antes da iniciação, a fase de concepção
e imersão estratégica do projeto já havia sido concluída, com o detalhamento
preciso do escopo do produto e algumas métricas básicas envolvidas as quais
são apresentadas no Quadro 5:

Quadro 5 Caracterização do escopo e alguns requisitos do produto do MPA-GP.

Mestrado profissional: característica de ser curso terminal visando a criação e transferência de


conhecimento aplicado a profissionais atuantes no mercado.

Foco em gestão de projetos: disciplina ainda pouco trabalhada academicamente no Brasil.

Grande demanda social: constituída por busca crescente de certificação profissional e conheci-
mento prático e científico na área.

Composição sinérgica: com o PMDA tanto em termos de recursos humanos (docentes) como
materiais e de produção intelectual.

Definição de equipe: constituída pelo colegiado do PMDA e liderada pelo seu coordenador.

Estimativa de custos: basicamente formada por custos de docentes em regime de dedicação


integral, compondo uma equipe de 12 profissionais, sendo seis restritos ao MPA-GP e outros seis
do PMDA.

Fonte: Elaborado pelos autores com base no MPA-GP/UNINOVE.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 43 23/11/2009 09:16:58


44 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

Seguindo essas práticas, há de se observar que um projeto de mestrado


stricto sensu segue regras muito rígidas e precisas para obter o credenciamento
da CAPES e homologação do MEC. O Conselho Técnico e Científico do Ensino
Superior (CTC) da CAPES impõe, de início, cinco categorias de exigências para
que uma IES aprove um curso stricto sensu (<http://www.capes.gov.br/avaliacao/
cursos-novos>). Essas regras, apresentadas a seguir, foram perseguidas para dar
início às atividades do projeto:

• Comprometimento institucional: a proponente deve ser uma IES


reconhecida pelo Ministério da Educação e deve estar de fato compro-
metida com a implantação, a manutenção e o desenvolvimento do curso
no nível pleiteado. Esta exigência está implícita na elaboração da docu-
mentação que é encaminhada à CAPES. Internamente, é formalizada
por ata do Conselho Universitário (CONSUN), que contém a proposta
de criação do MPA-GP.
• Competência técnico-científica: a simples agregação de doutores para
formatarem um projeto de novo curso não garante o atendimento desse
requisito, sendo necessária a sua constituição e articulação anterior à
proposta de criação de um novo curso. Nesse sentido, é necessária a
existência de um grupo de pesquisa anterior e a composição de uma
equipe para liderar o projeto, incluindo os docentes específicos do MPA-
GP e alocando seis professores do PMDA para integrar o conjunto de
docentes do novo curso.
• Definição da proposta pedagógica: a concepção do projeto do curso
deve ser clara e possuir componentes específicos:
• objetivos;
• pesquisa: área de concentração, linhas e projetos de pesquisa;
• estrutura curricular, com o conteúdo das disciplinas;
• inserção social;
• regulamento interno do curso.
• Corpo docente qualificado: o corpo docente deve estar envolvido com
a proposta, mostrando produção intelectual suficiente para garantir
a qualidade e estabilidade do curso no longo prazo. O MPA-GP foi
concebido como resultado de uma estrutura de pesquisa anterior, que
demandou a contratação de mais profissionais para compor os requisitos
da CAPES, sem comprometer a qualidade do PMDA.
• Infraestrutura de ensino e de pesquisa: a IES deve prover uma in-
fraestrutura consistente e de qualidade, incluindo instalações físicas,
biblioteca, laboratórios, acesso a base de dados, registros acadêmicos,
entre outros. Adicionalmente à infraestrutura existente na UNINOVE,

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 44 23/11/2009 09:16:58


Concepção de um curso de mestrado profissional sob a ótica da gestão de projetos 45

foi programada a instalação de um Laboratório de Gestão de Projetos


denominado PM9.

5.2 Planejamento

O processo de planejamento especifica os produtos, as atividades, os re-


cursos (tangíveis e intangíveis) do projeto e a melhor forma de integrá-los
(FRANCIS; HORINE, 2005). O plano do projeto deve agregar as informações
críticas para seu gerenciamento. Em meio ao envolvimento da equipe na coleta
de um maior volume de informações, são refinados o escopo, as estimativas de
custo, os riscos, as oportunidades e as restrições. Normalmente, ênfase é dada à
exploração de escopo, riscos e custos. Por sua natureza, um projeto educacional
desse tipo tem mais o envolvimento do escopo, sendo os custos limitados aos
itens de corpo docente e riscos ao bom atendimento da concepção pedagógica.
De qualquer forma, os processos são sempre progressivos, iterativos e contínuos
(HELDMAN, 2006; PMBoK®, 2004).
De acordo com o PMBoK® (2004) e Rozenfeld et al. (2006), o planejamento
do projeto circunscreve informações precisas sobre: o escopo do projeto; o deta-
lhamento das atividades necessárias; o sequenciamento entre essas; estimativas
de duração e o cronograma; os recursos materiais e de pessoal alocados para a
execução de cada atividade; a avaliação dos riscos; os processos de integração,
comunicação e qualidade; entre outros elementos. Tecnicamente, essas informa-
ções estão relacionadas à construção da WBS (Work Breakdown Structure), que
compreende um agrupamento de componentes do projeto (relacionando entregas,
atividades e pacotes de trabalho). Quando há a alocação de recursos materiais
de grande monta, que não é o caso do projeto em tela, há que apresentar o re-
gistro de estimativas de recursos alocados, das atividades e seu sequenciamento,
cronograma, estimação de custos, qualidade, comunicação e riscos, bem como
contratações e aquisições (HELDMAN, 2006).
O planejamento do projeto está fortemente amarrado ao atendimento dos
requisitos previstos no Aplicativo para Propostas de Cursos Novos (APCN) da
CAPES. A geração de conteúdos para o devido preenchimento desse aplicativo é o
produto final do projeto a ser apreciado para aprovação pela CAPES. Ele contém
19 telas, que podem ser agrupadas em tópicos: identificação formal da proposta
e do proponente; infraestrutura; caracterização da proposta; e composição do
corpo docente. Essas telas são preenchidas digitalmente na forma de textos. A
produção científica dos docentes, por exemplo, é retirada do Currículo Lattes dos
professores envolvidos; essas informações são obtidas por meio digital. Assim são
também as informações sobre os vínculos empregatícios, os grupos de pesquisa
e a atuação em ensino de cada componente da equipe.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 45 23/11/2009 09:16:58


46 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

O Comitê Técnico Científico do Ensino Superior (CTC) da CAPES, por sua


vez, elabora uma Ficha de Avaliação composta de cinco quesitos: (I) Proposta
do Programa; (II) Corpo Docente; (III) Corpo Discente, Teses e Dissertações;
(IV) Produção Intelectual; (V) Inserção Social. Não é atribuído peso ao quesito
I, Proposta do Programa, que é eliminatório e não classificatório; os itens desse
quesito deverão, porém, ser objeto de apreciação criteriosa pela Comissão de Área
Disciplinar (no caso a de Administração) sobre a situação do Programa no que
diz respeito aos aspectos por eles focalizados. Aos itens deverão ser consignados
atributos: Muito Bom, Bom, Regular, Fraco ou Deficiente. Os três outros quesitos:
II representa 20% da avaliação; III e IV, que correspondem a 70% da avaliação,
têm seus pesos calibrados pela área de Administração. O quesito Inserção Social
tem seu peso definido pelo CTC: 10%, a ser aplicado por todas as áreas.
A definição de entregas é assim pautada por três elementos: sistema que
administra o APCN, o qual formata o produto final; os critérios de avaliação
correspondentes a cada tópico do CTC; e a formatação permitida pelos templates
disponíveis nos sistemas da CAPES. Este último disponibiliza um espaço livre
para justificativas e esclarecimentos em “Outras Informações”.
A estrutura WBS foi então formulada, sendo as entregas finalizadas por
meio do preenchimento do APCN, este constituindo em uma entrega. Todo esse
sistema é composto de textos e arquivos digitais, com campos específicos para
preenchimento.
Há que observar os muitos insumos e entregas intangíveis presentes, decor-
rentes da dificuldade objetiva de qualificação e medição, tais como a caracterização
da proposta, a definição de áreas de concentração, linhas e projetos de pesquisa
e perfil do curso. Já a infraestrutura, o corpo docente e a grade de disciplinas são
apreciados por métricas palpáveis. Também o sistema de avaliação do projeto é
constituído por processo (Caracterização da Proposta) e por produto (Quadro
Docente e Produção Científica). Observa-se que, neste caso em estudo, os cus-
tos estão dados pelo volume de docentes e outros profissionais envolvidos. Os
mais importantes fatores de risco identificados foram a garantia da sinergia das
diversas peças do APCN do MPA-GP e o prazo da entrega, esse estipulado pelo
regulamento da CAPES.

5.3 Execução

A WBS inclui todas as entregas (ou deliverables) do projeto, o que indica o


caminho para a execução. A orientação do WBS facilita o entendimento das
contrapartes envolvidas, o comprometimento de cada atividade do projeto e o
esforço em manter o foco nas entregas. Essa visão também permite descentralizar
o monitoramento e permite maior controle pelo gerente do projeto (FRANCIS;
HORINE, 2005). Em suma, a WBS é a chave para a integração de todos os ele-

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Projeto Mestrado
Profissional em
Administração –

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 47


Gestão de Projetos
– MPA-GP

Fixação do Perfil e Fixação da Fixação da Inserção Fixação de Sistema Preenchimento


Estabelecimento Estrutura Temática Institucional, de Créditos, de APCN
de Atividades do do Mestrado Normas e Atividades
Corpo Docente Profissional e de Regulamentos Curriculares e Organização de
Atividades de Infraestrutura Documentos
Pesquisa (Word, Excel,
MS Project etc.)
Definição do Perfil Definição de Inserção Definição de
do Corpo Docente Atividade de Institucional Normas e Sistemas Práticas de Infraestrutura Entendimento do
Docência Concepção de Definição de e Social Regulamentos de Crédito Projetos Sistema APCN
Perfil do Colegiado Mestrado Estrutura de Salas de Aula, Encaminhamento,
Levantamento Pesquisa Histórico do Curso Critérios de Disciplinas Laboratório de Estudos e
Curriculum Lattes Apresentação,
e Credenciamento Bibliográfico Conceito de Avaliação Obrigatórias Pesquisa Projeto e Diligência
Características Núcleo de
Profissão Área de Institucionais, Processo de e Efetivas Excelência em Serviços de ad hoc do CNPq
Grade de Disciplina
Grupos de Pesquisa e Ementas Conceito de Concentração Regionais e Sociais Seleção Perfil da Gestão de Projetos Secretaria
Gestão de Projetos Linhas de Inserção Social, Critérios de Dissertação
Definição da Site e formas de Bibliotecas
Atividades Docentes Pesquisa
Carga Horária Fixação de Cooperação/Intercâmbio Credenciamento Processo de Difusão de
Temática e Perfil Projetos de Docente Orientação Conhecimentos
Articulação da
Grade e Atividades do Egresso Pesquisa Regulamentos (produção técnica
Produção
de Pesquisa do Curso Acadêmica e acadêmica)
Formação de
Grupos de e Técnica
Pesquisa CNPq

Fonte: Elaborada pelos autores com base no MPA-GP/UNINOVE.


Figura 4 WBS do MPA-GP/UNINOVE.
Concepção de um curso de mestrado profissional sob a ótica da gestão de projetos
47

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48 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

mentos do plano do projeto, dando sentido na execução. A execução envolve


mobilizar equipes, orientar e gerenciar a execução do projeto tal qual definido
no plano, garantindo a qualidade, a distribuição de informações e a seleção de
prioridades. Para o MPA-GP, cabe apontar para a atividade de mobilização de uma
equipe de 12 docentes e uma auxiliar de pesquisa, por meio do coordenador do
PMDA, que assumiu a gerência do projeto. A divisão de tarefas contidas visando
as entregas previstas no WBS foi feita de acordo com os conteúdos contidos no
Quadro 6.

Quadro 6 Divisão de tarefas para o projeto MPA-GP.

Concepção: trata-se de conteúdo estratégico do projeto, envolvendo as Justificativas, os Objetivos,


a Caracterização da Proposta, e a Caracterização do Curso, o alinhamento de Projetos e Linhas de
Pesquisa com a Área de Concentração, a delimitação do escopo, custos e prazos. Esses conteúdos
foram designados ao gerente do projeto.

Criação: referem-se a este item os Projetos, Linhas de Pesquisa e Área de Concentração, a Grade
Curricular, incluindo as disciplinas e ementas, e a integração entre pesquisa e ensino, com desta-
que para a criação do Laboratório de Gestão de Projetos da UNINOVE (PM9). Esses itens foram
designados a líderes de duas Linhas de Pesquisa, cada um contando com seis docentes para o
desenvolvimento de atividades.

Descrição: esse tipo de conteúdo envolve as informações da IES, da infraestrutura existente e dos
docentes envolvidos, inclusive sua produção científica, estas por meio dos Currículos Lattes, a se-
rem inseridos no sistema APCN. Sob a supervisão do coordenador, esta parte foi desenvolvida pela
auxiliar de pesquisa e secretária do PMDA.

Operação: foram definidas ações executivas pontuais entre os membros docentes para o cum-
primento de atividades ditas operacionais, como o desenvolvimento do regulamento, processo
seletivo, critérios de credenciamento docente e métricas de avaliação e de desempenho e convênios
existentes.

Fonte: Elaborado pelos autores com base no MPA-GP/UNINOVE.

5.4 Monitoramento e controle

A ideia de que algo que não pode ser medido não pode ser gerenciado pode
ser utilizada para realçar a importância do monitoramento e do controle. No
plano teórico, o processo de monitoramento e controle abrange ações que res-
pondem pela verificação do escopo, garantia de qualidade, prazos/cronograma,
custos, monitoramento de riscos e gestão de contratos, bem como a comunicação
com a equipe, gestão das partes interessadas, garantindo e corrigindo desvios
em relação ao plano original. Também abarca a elaboração de relatórios de de-
sempenho (HELDMAN, 2006).

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 48 23/11/2009 09:16:58


Concepção de um curso de mestrado profissional sob a ótica da gestão de projetos 49

Maximiano (2006) aponta que o controle consiste, fundamentalmente, em


acompanhar e avaliar a execução da estratégia, isto é, em medir sistematicamente
se o escopo, prazo e risco estão sendo observados. Na mesma linha de raciocínio,
Batelman (2000) afirma que o controle deve estar voltado para a verificação de
resultados frente aos objetivos traçados. Esse autor define como críticas a defini-
ção de padrões de desempenho das atividades, o monitoramento dos membros da
equipe frente a tarefas, a integração da equipe para fornecimento e obtenção de
feedback e a identificação de problemas e as ações corretivas correspondentes.
No âmbito do projeto do MPA-GP, os processos de monitoramento e controle
foram garantidos por meio da técnica conhecida como stage-gates, muito aplicada
ao desenvolvimento de produtos (ROZENFELD et al., 2006). Esse processo
enfatiza revisões contínuas desde a concepção de uma ideia, passando por seu
desenvolvimento e verificação até a aceitação do produto final. Seguindo as eta-
pas e os portões de verificação apresentados na Figura 5, a técnica foi aplicada
como meio de dar maior consistência e aumentar a taxa de sucesso por meio da
adequação e validação às entregas junto ao Colegiado. Isso foi feito para cada
componente crítico do projeto (definição de objetivos, grades, ementas etc.), tal
como apresentado na subseção 5.3: concepção, criação, descrição e operação.

Início
Geração Desenvolvi- Avaliação (escopo,
Portão 1 mento da Portão 2 Portão 3 Portão 4
da Ideia do Negócio custo e
Proposta prazo)

Colegiado Coordenação Pró-Reitoria Equipe


Pró-Reitoria e Colegiado Acadêmica e Equipe Aprovação
Acadêmica Equipe Equipe Reitoria

Concepção Subequipe
Portão 6
Proposta 1

Criação Portão 7 Subequipe


Planejamento Conteúdos 2
Documentos
(WBS, Portão 5 Portão 10 APCN Portão 11
recursos,
prazo, riscos Diligência
etc.) Descrição
Portão 8 Subequipe
Coordenador e Colegiado Informações Coordenador Coordenador Aprovação
3
Equipe Pró-Reitoria e Equipe Capes

Operação Portão 9 Subequipe


Integração 4

Fonte: Elaborada pelos autores com base no projeto MPA-GP/UNINOVE.


Figura 5 Agentes envolvidos, passos e portões de verificação inspirados na metodologia
stage-gates.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 49 23/11/2009 09:16:58


50 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

5.5 Encerramento

Respondendo por dois processos, o encerramento envolve a “finalização


das atividades” ou de todos os grupos de processos e a “liquidação dos con-
tratos”, de forma a não deixar quaisquer pendências em aberto (HELDMAN,
2006). Amparados pela técnica de stage-gates, a validação final do projeto se deu
a partir da aprovação do curso por meio de dois processos: validação do APCN
e apresentação à diligência da CAPES.
A validação do APCN em parte é automática, feita pelo próprio sistema
que confere a digitação de informações e parte de seu conteúdo. No entanto,
é necessário observar que o correto preenchimento do Currículo Lattes de cada
membro da equipe é um insumo absolutamente necessário para a qualidade e
quantidade das informações relatadas no APCN e seu encerramento. Ademais,
a revisão de todos textos e sua inserção no APCN também é tarefa que exige
especial atenção.
Já na diligência, todos os envolvidos no projeto têm que ter uma visão abran-
gente da concepção e das suas partes constitutivas, pois a equipe de consultores
ad hoc da CAPES entra em detalhes sobre cada detalhe, desde bibliografia das
disciplinas e infraestrutura existente, até o foco do curso, entre outras inúmeras
possibilidades de questionamento. Um entendimento profundo do projeto por
todos os docentes e equipe de apoio é necessário, juntamente com a feitura de
slides, apresentação de toda a documentação impressa e elaboração de roteiro
da visita, este sendo feito a partir da consulta prévia à equipe responsável da
CAPES.

6 Considerações finais

Ao abordar este estudo de caso sobre o MPA-GP da UNINOVE, o marco teó-


rico da gestão de projetos é realizado, com destaque para os grupos de processo
de concepção, iniciação, planejamento, execução, controle e encerramento. Esses
instrumentos de gestão formal estruturaram a apresentação deste estudo. De
forma geral, a equipe que executou este projeto não teve dificuldades maiores
em aplicar as técnicas descritas neste capítulo, sinalizando a possibilidade de
sua utilização por outras equipes docentes na elaboração de projetos de novos
cursos de mestrado ou de doutorado. No Brasil, são cerca de dois mil cursos de
mestrado e doutorado em andamento e a previsão é de um crescimento de 10%
ao ano. A existência do APCN e de critérios de avaliação universais por parte
da CAPES permite uma formatação que facilita em muito a adoção da gestão de
projetos nesses casos.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 50 23/11/2009 09:16:58


Concepção de um curso de mestrado profissional sob a ótica da gestão de projetos 51

O exercício efetuado buscou apontar para a hierarquia estratégica do projeto,


que coloca em relevo o caminho entre a definição estratégica e o gerenciamento
de projetos, passando pela análise de portfólio e programa. O ambiente em que
o projeto está inserido é descrito com um detalhamento da sua dimensão interna
e externa, esta última subdividida em ambientes de mercado/institucional e da
organização, com destaque para a relevância de regulação no setor educacional.
Essas tipologias são muito úteis, além de responderem a uma concepção teórica
sólida na literatura de estratégia.
Da análise da ambiência, nasce a concepção básica do projeto, que evolui
para o processo de planejamento, incorporando a definição de escopo, recursos,
atividades principais, entregas, produtos, avaliação de riscos, indicadores de de-
sempenho e prazos. As atividades são estruturadas em WBS, facilitando a iden-
tificação de entregas e atividades correlatas. Essa construção técnica se mostrou
extremamente útil para a execução das fases seguintes. De fato, conforme diz a
literatura, ela é crítica a qualquer projeto.
A fase de execução traz um detalhamento de como a equipe desenvolveu o
processo de otimização de recursos e das atividades previstas na fase de planeja-
mento, particularmente atentando para o fato de que os produtos que compõem
um projeto educacional têm características muito específicas, sendo algumas
delas consideradas intangíveis. A tipologia criada de atividades também pode ser
trabalhada e aperfeiçoada de forma a criar um ambiente produtivo e integrado
em projetos educacionais desse tipo.
Do ponto de vista do produto final, três elementos merecem destaque.
Inicialmente, foram perseguidos cinco critérios como meio de definir o tipo de
formação profissional almejado: formação mínima, barreiras de entrada, grau
de autonomia, rede de relacionamentos e corpo de conhecimento; observa-se a
grande utilidade desses critérios na elaboração de mestrados profissionais, in-
dependentemente da área disciplinar envolvida. O segundo critério diz respeito
à adoção de parâmetros críticos para a estruturação do projeto: curso terminal,
produto específico, diferenciação no PMDA, corpo de conhecimento delimitado,
conhecimento profissional como ativo e avaliação por processo e produto; essa
caracterização está embasada em experiência pretérita da equipe e na literatura
existente sobre mestrados profissionais, o que facilita o trabalho de futuros
empreendimentos neste tipo de projeto. O terceiro tem relação com o processo
de execução do projeto por meio de quatro layers: concepção, criação, descrição
e operação, o que foi implementado e monitorado por meio de um processo
baseado em stage-gates, ilustrado em diagrama apropriado.
O resultado final foi a aprovação do projeto do MPA-GP pela CAPES, após
avaliação documental e diligência formal de equipe da CAPES, verificando in loco
todas as informações relatadas no APCN. Nessa diligência foram apresentados

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 51 23/11/2009 09:16:59


52 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

muitos dos elementos contidos neste capítulo, excluindo-se as abordagens e


justificativas relacionadas aos processos internos de gerenciamento de projetos,
apresentados somente neste case.

Questões para discussão

1. Que fatores são relevante para a estratégia na montagem de um projeto de


curso de mestrado profissional?
2. Em situações de alta regulamentação como a dos mestrados e doutorados,
como se aplica o conceito de risco?
3. Como se define o conceito de escopo em um setor de serviços educacional?
4. Como poderia ser feito um levantamento de grupos de interesse – stakeholders
– para cursos de mestrado profissional?
5. Quais os elementos mais críticos apontados para o gerenciamento do projeto
de mestrado?

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gerenciamento de projetos na práticav2.indb 55 23/11/2009 09:16:59


3
Aplicação da gestão de portfólio na
seleção de projetos de produtos de uma
pequena empresa de base tecnológica
Henrique Rozenfeld e Maicon G. Oliveira

1 Introdução

A gestão de portfólio de projetos é um processo do gerenciamento de projetos


que proporciona a interligação dos objetivos estratégicos com a gestão dos pro-
gramas e projetos. Por meio dela, consegue-se selecionar os melhores projetos e
controlá-los para que continuem satisfazendo os propósitos do negócio, mesmo
depois do início do desenvolvimento.
Esse processo tem surgido como uma abordagem de apoio à tomada de de-
cisão nas organizações. Seus métodos, técnicas e ferramentas contribuem para
a minimização das incertezas e sistematização da decisão. Assim, a gestão de
portfólio garante que o conjunto de projetos seja direcionado para atender aos
objetivos do negócio.
O benchmarking em gerenciamento de projetos realizado em 2007 pelo Project
Management Institute (PMI) mostra que a prática da gestão de portfólio de proje-
tos precisa ser melhorada. Baseado no modelo de gestão de portfólio proposto
pelo PMI (2008), esse estudo indica que apenas 45% das empresas tinham um
processo de identificação, 40% um processo para a seleção e 34% um processo
para priorização. No caso do processo de monitoramento, ele mostra que 75%
das organizações o realizavam, contudo apenas 22% dessas geravam resultados
efetivos a partir das informações adquiridas.
Os estudos realizados por Robert G. Cooper sobre a gestão de portfólio mos-
tram a importância da gestão de portfólio para o sucesso no desenvolvimento de
produtos (COOPER; EDGETT; KLEINSCHMIDT, 2001, 2002, 2004). Segundo
ele, a gestão de portfólio reduz o número de iniciativas falhas de novos produtos

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 56 23/11/2009 09:16:59


Aplicação da gestão de portfólio na seleção de projetos de produtos de uma pequena empresa de base tecnológica 57

e minimiza o investimento em projetos que resultarão em poucos benefícios


para o negócio.
Essa contribuição da gestão de portfólio impacta diretamente na eficiência
do processo de desenvolvimento de produtos. Isso porque o desenvolvimento de
produtos caracteriza-se por um fluxo de investimentos que cresce com o avançar
do projeto (ROZENFELD et al., 2006). Portanto, quanto antes os projetos de
produto desalinhados com as estratégias forem removidos do funil de desenvol-
vimento, menos será gasto com eles. Dessa forma, a gestão de portfólio torna a
empresa capaz de focar seus esforços financeiros e organizacionais apenas nos
projetos capazes de atingir os seus objetivos.
Dentro desse contexto, o desenvolvimento de casos práticos é um caminho
para esclarecer as dificuldades e os benefícios da aplicação da gestão de portfólio
de projetos. Com isso, consegue-se aproximar as empresas do seu uso efetivo
e, consequentemente, contribuir para a melhoria da excelência gerencial da
indústria.
Este capítulo apresenta inicialmente uma revisão dos conceitos da gestão de
portfólio de projetos. Em seguida, ele descreve a aplicação da gestão de portfó-
lio de projetos na seleção de projetos de produtos de uma pequena empresa de
base tecnológica. Por fim, com base nas informações obtidas no estudo de caso,
conclui-se sobre as dificuldades e benefícios da aplicação da gestão de portfólio,
criando subsídios para que outras empresas iniciem ou aprimorem suas próprias
ações.

2 Gestão de portfólio de projetos

A gestão de portfólio de projetos é definida como o gerenciamento coordena-


do dos componentes do portfólio de projetos para alcançar objetivos específicos
da organização (PMI, 2008). Ela aborda um conjunto de práticas que aproxima
a gestão individual dos projetos com a gestão das operações do negócio, isto é,
os projetos são alinhados com as estratégias e recursos da empresa (LEVINE,
2005).
Dentro da visão de aplicação da gestão de portfólio no desenvolvimento
de produtos, a gestão de portfólio de projetos de produtos é definida como um
processo de decisão dinâmico, no qual uma lista de projetos de novos produtos é
constantemente revisada e atualizada. Durante esse processo, novos projetos são
avaliados, selecionados e priorizados, projetos existentes podem ser acelerados,
cancelados ou despriorizados, e recursos podem ser alocados ou removidos de
projetos ativos (COOPER; EDGETT; KLEINSCHMIDT, 2001).

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 57 23/11/2009 09:16:59


58 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

Os pesquisadores Archer e Ghasemzadeh (1999) apresentam uma definição


da gestão de portfólio focada na parte correspondente à seleção dos projetos
de produtos. Eles a definem como uma atividade periódica de seleção de um
portfólio de projetos, dentro de propostas de projetos disponíveis e projetos em
andamento, que atende aos objetivos estabelecidos pela organização de maneira
desejável, sem exceder os recursos disponíveis ou violar outras restrições.
O processo de gestão de portfólio de projetos possui características peculiares:
incerteza e ausência de informações, dinamismo dos projetos, interdependência
entre os projetos, e barreiras organizacionais (PMI, 2008; COOPER; EDGETT;
KLEINSCHMIDT, 2001; LEVINE, 2005; ARCHER; GHASEMZADEH, 1999;
CHIEN, 2002). Essas características dificultam sua realização, ao mesmo tempo
em que tornam suas atividades complexas e multidisciplinares. Entre os princi-
pais temas comumente envolvidos em suas atividades estão: avaliação financeira,
gestão de riscos, gestão de recursos e planejamento estratégico.
Embora, aparentemente, a gestão de portfólio trate da seleção e do controle
individual dos projetos, o que ela busca na verdade é gerenciar o portfólio de
projetos como um todo. Cooper, Edgett e Kleinschmidt (2002) indicam quatro
objetivos para a gestão de portfólio: maximização do valor do portfólio, equilíbrio
entre os projetos do portfólio, alinhamento estratégico do portfólio e alocação
de recursos para o portfólio.
Cooper, Edgett e Kleinschmidt (2002) mostram que a busca simultânea
desses objetivos assegura um portfólio capaz de gerar resultados otimizados
para o negócio. Contudo, os autores também notaram um constante conflito
entre eles, pois, por exemplo, o portfólio que traz o melhor retorno pode não
ser o mais equilibrado.
Existem alguns modelos publicados na literatura para servir de referência
durante a aplicação de um processo de gestão de portfólio. Selecionaram-se três
modelos para análise: Archer e Ghasemzadeh (1999); Cooper, Edgett e Kleins-
chmidt (2001) e PMI (2008). Esses são referências reconhecidas tanto pela
indústria quanto pela academia e abrangem grande parte das melhores práticas
da gestão de portfólio.
O modelo de Archer e Ghasemzadeh (1999) é dividido em três fases prin-
cipais: pré-processo, processo e pós-processo. A Figura 1 mostra essas fases e
suas atividades. O pré-processo representa as atividades de preparação para a
realização da gestão de portfólio. A fase de processo é onde ocorre a seleção dos
projetos. E a fase de pós-processo controla os projetos em andamento.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 58 23/11/2009 09:16:59


Aplicação da gestão de portfólio na seleção de projetos de produtos de uma pequena empresa de base tecnológica 59

Desenvolvimento
Estratégico
Pré-processo

Seleção da Alocação de
Diretrizes
Metodologia recursos
Propostas
de projeto
Processo

Análise Seleção
Ajuste do
Pré-triagem individual Triagem otimizada
portfólio
do projeto de portfólio

Banco de Desenvolvi-
dados de mento do
projeto projeto
Pós-processo

Avaliação
Fase/Gate

Conclusão
com
sucesso

Fonte: Adaptada de Archer e Ghasemzadeh (1999).


Figura 1 Modelo de processo de gestão de portfólio de Archer e Ghasemzadeh.

O modelo de Cooper, Edgett e Kleinschmidt (2001) define três componentes


para a gestão de portfólio: estratégia de negócio e estratégia de produto, revi-
sões de portfólio e gates (portões, pontos de decisão). A Figura 2 mostra esses
componentes e suas atividades. O componente estratégia de negócio e produtos
guia as decisões tomadas, a revisão de portfólio realiza a seleção dos projetos e
os gates (portões) avaliam e controlam os projetos em andamento.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 59 23/11/2009 09:16:59


60 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

Estratégia de negócio &


estratégia de produto
(direciona as decisões)

Revisão de Portfólio: Gates (portões, pontos de


• Revisa o conjunto de projetos decisão):
• Identifica a estratégia do • Avalia se os projetos passam
portfólio Situação do projeto pelos critérios obrigatórios
& pontuação
• Verifica os projetos prioritários • Classifica os projetos nos
• Verifica o equilíbrio do portfólio critérios opcionais
• Toma decisões de continuação
Decisões & ajustes ou cancelamento dos projetos
• Prioriza projetos
• Aloca recursos

Fonte: Adaptada de Cooper, Edgett e Kleinschmidt (2001).


Figura 2 Modelo de processo de gestão de portfólio de Cooper, Edgett e Kleinschmidt.

O modelo de PMI (2008) propõe dois grupos de processos para gestão de


portfólio: grupo de alinhamento e grupo de monitoramento e controle. Ele tam-
bém indica que ambos estão apoiados pelo plano estratégico do negócio. A Figura
3 mostra esses grupos e suas atividades. O grupo de alinhamento considera a
identificação e seleção dos projetos. E o grupo de monitoramento e controle é
responsável por revisar o portfólio de projetos em andamento.

Planejamento estratégico e contexto de processo do negócio

Grupo de alinhamento do Grupo de monitoramento e


processo controle do processo
• Identificar componentes • Monitorar e controlar riscos
• Categorizar componentes do portfólio
• Selecionar componentes • Revisar e reportar
• Identificar riscos do portfólio desempenho do portfólio
• Analisar riscos do portfólio • Monitorar mudanças nas
• Priorizar componentes estratégias do negócio
• Desenvolver respostas para
riscos do portfólio
• Balancear portfólio
• Comunicar ajustes do
portfólio
• Autorizar componentes

Fonte: Adaptada de PMI (2008).


Figura 3 Modelo de processo de gestão de portfólio de PMI.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 60 23/11/2009 09:16:59


Aplicação da gestão de portfólio na seleção de projetos de produtos de uma pequena empresa de base tecnológica 61

A partir da análise dos três modelos apresentados, nota-se que o processo de


gestão de portfólio envolve uma parte referente à seleção dos projetos e a outra
relacionada com o monitoramento e controle dos projetos em andamento. Dentro
da parte de seleção dos projetos, existem quatro principais fases: a identificação
dos projetos, a avaliação individual dos projetos, a análise do portfólio de projetos
e a seleção do portfólio de projetos.
Esta seção apresentou os conceitos principais da gestão de portfólio de
projetos. A partir da próxima seção, inicia-se a parte do capítulo que descreve a
aplicação da gestão de portfólio para a seleção de projetos de produtos em uma
pequena empresa de base tecnológica.

3 A pequena empresa de base tecnológica e o seu processo de gestão de


portfólio

O estudo de caso da aplicação da gestão de portfólio foi realizado na em-


presa Nanox,1 a qual está situada na cidade de São Carlos, interior do estado
de São Paulo. Essa cidade é reconhecida pela presença de várias empresas de
alta tecnologia resultantes de spin-offs da Universidade de São Paulo (USP) e da
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). A empresa foi fundada em 2005
por pesquisadores da UFSCar, seguindo essa tendência da cidade. Desde então,
atua na indústria química desenvolvendo produtos baseados em nanotecnologia.
Atualmente, ela conta com 20 funcionários e tem clientes em vários setores da
economia, como: têxtil, petroquímico e produtos de consumo.
Segundo a classificação para o porte de empresas do Sebrae,2 a Nanox é con-
siderada uma pequena empresa. Dentro dessa classificação ela recebeu em 2007
o prêmio FINEP3 (Financiadora de Estudos e Projetos) de Inovação Tecnológica
como reconhecimento do seu sucesso. Uma das suas características marcantes,
que tem contribuído para o alto grau de inovação tecnológica, é a formação dos
seus funcionários. Em 2008, 35% dos funcionários possuíam título de mestre e
25%, título de doutor.
O interesse da empresa na realização do estudo de caso surgiu com a realiza-
ção de um diagnóstico do processo de desenvolvimento de produtos que indicou
a necessidade de aprimorar a gestão de portfólio de projetos dos seus produtos.

1 Maiores informações sobre a empresa estão disponíveis em seu site: <www.nanox.com.br>.


2 Maiores informações sobre a classificação do porte de empresa do Sebrae podem ser encontradas
em seu site. Disponível em: <www.sebrae.com.br>.
3
Agência do governo brasileiro que investe no desenvolvimento de projetos. Para maiores infor-
mações, visite o site: <www.finep.gov.br>.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 61 23/11/2009 09:17:00


62 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

Além disso, a atual fase de crescimento da empresa e sua estratégia de inovação


motivaram a realização do trabalho.
Os resultados da análise do processo de gestão de portfólio da empresa
mostraram a presença de um processo desestruturado. As atividades eram rea-
lizadas de forma informal, não havendo uma descrição clara dos objetivos e das
responsabilidades dos participantes. Além disso, também existiam oportunidades
de melhoria da gestão de portfólio pela adoção de melhores práticas, inclusão de
novas atividades e pelo alinhamento entre processo, pessoas e ferramentas.
Alguns exemplos dessas oportunidades são: uso de uma equipe multifuncional
no processo de gestão de portfólio, padronização das avaliações dos projetos
facilitando a comparação e seleção, análise dos relacionamentos entre proje-
tos visando otimizar os recursos do portfólio e definição de papéis claros de cada
um dos membros da equipe dentro do processo de gestão de portfólio.
Esta seção apresentou a empresa onde foi realizado o estudo de caso e as
características do seu processo de gestão de portfólio. A próxima seção descreve
os resultados da aplicação da gestão de portfólio.

4 Seleção de projetos de produtos em uma pequena empresa de base


tecnológica

O estudo de caso teve a participação de quatro membros da cúpula da empre-


sa, que representavam as seguintes áreas funcionais: vendas, engenharia, finanças
e diretoria. A formação de um time multifuncional com poder para tomada de
decisões é uma melhor prática da realização da gestão de portfólio mencionada
pela literatura (COOPER; EDGETT; KLEINSCHMIDT, 2001).
As atividades do estudo de caso refletem o modelo de processo de gestão
de portfólio utilizado, o qual foi desenvolvido para atender à parte de seleção de
projetos e seguir os conceitos e melhores práticas encontrados em Archer e
Ghazemsadeh (1999); Cooper, Edgett e Kleinschmidt (2001) e PMI (2008). A
seleção de projetos proposta por esse modelo foi realizada em quatro fases, que
são mostradas na Figura 4 e descritas em seguida:

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 62 23/11/2009 09:17:00


Aplicação da gestão de portfólio na seleção de projetos de produtos de uma pequena empresa de base tecnológica 63

Identificação de novos projetos

Avaliação de projetos
Avaliação da Avaliação do
Análise financeira
probabilidade de potencial estratégico
dos projetos
sucesso dos projetos dos projetos

Análise do portfólio de projetos


Análise do
Classificação dos
relacionamento
projetos no portfólio
entre os projetos

Seleção do portfólio de projetos


Alocação de recursos Verificação do Verificação do Verificação do
para o portfólio de relacionamento equilíbrio do alinhamento
projetos entre os projetos portfólio estratégico

Figura 4 Modelo de processo de gestão de portfólio aplicado no estudo de caso.

• Identificação de novos projetos: essa fase elabora uma proposta de


projeto de produto para as ideias de produtos identificadas no plano
estratégico de produtos. A proposta segue um padrão que especifica as
informações mínimas necessárias para a entrada formal do novo projeto
no processo de gestão de portfólio.
• Avaliação de projetos: essa fase avalia os projetos de produtos em três
requisitos: retorno financeiro, probabilidade de sucesso e potencial
estratégico. Essas informações são utilizadas para embasar a análise e
seleção do portfólio de projetos.
• Análise do portfólio de projetos: essa fase classifica os projetos dentro
do portfólio em função do resultado de cada um na avaliação dos três
requisitos da fase anterior. Em seguida, é conduzida uma análise dos
relacionamentos entre os projetos do portfólio.
• Seleção do portfólio de projetos: essa fase controla a alocação de recur-
sos dos projetos de forma que seja selecionado um portfólio adequado
para as capacidades organizacionais e para os objetivos de investimento
da empresa. Ao final dessa fase, é verificado o relacionamento entre
os projetos, o equilíbrio do portfólio e o alinhamento estratégico dos
projetos que estão dentro dos limites de recursos. Caso o portfólio final
atenda aos objetivos definidos, ele é aprovado para introdução no funil
de desenvolvimento de produtos.

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64 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

A realização das quatro fases teve uma duração total de dez semanas. Sendo
que as duas primeiras levaram três semanas cada, pois precisaram buscar as
informações sobre os novos projetos e também avaliá-los individualmente. As
duas últimas fases representaram o início da tomada de decisão do time para a
formação do portfólio de projetos e duraram duas semanas cada.
O restante desta seção apresenta os resultados das quatro fases seguidas
na aplicação da gestão de portfólio. Para cada uma delas é descrita a aplicação
prática e as lições aprendidas.

4.1 Identificação de novos projetos

As ideias de novos projetos identificadas nessa fase surgiram do planeja-


mento estratégico de produtos feitos antes da aplicação da gestão de portfólio. A
empresa utilizou o technology roadmapping (TRM) para apoiar a construção desse
planejamento. Esse método contribuiu para que fossem encontradas oportunida-
des para o desenvolvimento de novos produtos a partir da análise integrada das
perspectivas de negócio, mercado, produto e tecnologia. Outras informações sobre
a aplicação do technology roadmapping estão disponíveis em Oliveira (2009).
Devido à fase inicial desses projetos, os escopos do produto e do projeto não
estavam precisamente definidos. Assim, o time precisou se esforçar na aquisi-
ção de informações para a definição de projetos de produto que atendessem às
necessidades mínimas do processo de gestão de portfólio.
Como resultado dessa fase, o time identificou quatro novos projetos de pro-
dutos. Para cada um deles, foi preenchido um modelo com as informações do
escopo do projeto e do produto. Então esses projetos passaram a ser considerados
nas próximas fases da gestão de portfólio.

Lições aprendidas na fase de identificação de projetos


• A identificação de projetos a partir do plano estratégico de produtos per-
mitiu que muitas das informações necessárias para definição dos projetos
de produtos fossem facilmente encontradas. Visto que essas estavam
disponíveis na documentação criada durante o desenvolvimento do plano
estratégico.
• A definição de projetos com um padrão mínimo de informações contribuiu
diretamente para a minimização das incertezas relacionadas aos novos
projetos.

4.2 Avaliação de projetos

A primeira atividade dessa fase previu o fluxo de caixa dos quatro novos pro-
jetos, para em seguida calcular os dados do investimento, valor presente líquido

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 64 23/11/2009 09:17:00


Aplicação da gestão de portfólio na seleção de projetos de produtos de uma pequena empresa de base tecnológica 65

(VPL), taxa interna de retorno (TIR), payback e retorno de investimento (ROI).


Os procedimentos de cálculo desses indicadores financeiros podem ser encon-
trados em Rebelatto (2004). O time delegou ao representante da área financeira
a tarefa, porém concordou em validar as informações usadas nos cálculos em
reunião conjunta.
A estimativa do investimento para o desenvolvimento dos projetos seguiu
como referência dados de projetos anteriores. Com relação à quantificação do
volume e do preço de venda dos produtos dos projetos, existiu uma grande difi-
culdade, pois se tratava de produtos novos para o mercado. Assim, o time decidiu
por estimar o volume em função de uma parcela-alvo do mercado potencial e o
preço a partir da expectativa de valor que seria fornecida para cliente.
Em seguida, os projetos foram avaliados em relação a sua probabilidade de
sucesso utilizando uma lista de critérios de riscos técnicos e de riscos comerciais
(DAVIS et al., 2001). A avaliação dos riscos técnicos foi designada para o membro
da engenharia e a avaliação dos riscos comerciais para o representante da área de
vendas, sendo combinada uma reunião do time para validação dos resultados.
A avaliação dos riscos técnicos precisou de uma visão clara do conceito do
produto, pois envolvia assuntos relacionados à complexidade do produto, com-
petências da empresa, disponibilidade de tecnologias e capacidade de produção.
Da mesma forma, a avaliação dos riscos comerciais dependeu do entendimento
do mercado-alvo, dos fornecedores, do canal de distribuição e das legislações.
Como os escopos do produto e do projeto haviam sido bem especificados na fase
anterior, não ocorreram problemas de entendimento sobre o projeto durante a
avaliação.
O procedimento de avaliação adotado atribuía as notas 1, 2, 3, 4 e 5 para os
critérios, sendo que as possíveis notas de cada critério tinham uma descrição
para garantir a equivalência com a percepção do avaliador. Ao final, somaram-
se as notas de cada critério para chegar à nota da probabilidade de sucesso do
projeto.
Na última atividade dessa fase, os projetos foram avaliados usando-se uma
lista de critérios estratégicos (COOPER; EDGETT; KLEINSCHMIDT, 2001). O
time delegou essa avaliação para o representante da diretoria, sendo combinada
uma reunião de validação com o time.
A aplicação dos critérios estratégicos tinha como objetivo medir o alinhamen-
to do projeto com a estratégia, o impacto na estratégia, o potencial de geração
de outras oportunidades de negócio, a vantagem competitiva e a sinergia com
as operações correntes do negócio.
Nessa avaliação, também foram usadas notas com descrições para os crité-
rios a fim de facilitar o trabalho do avaliador. Contudo, como os projetos foram
identificados no plano estratégico de produtos e esse considerou a estratégia no

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 65 23/11/2009 09:17:00


66 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

negócio, essa avaliação pouco diferenciou os projetos entre si. Mesmo assim, os
critérios que mediram a vantagem competitiva e o potencial de geração de outras
oportunidades destacaram o potencial estratégico de dois dos quatro projetos.
Por fim, as notas recebidas pelos projetos em cada critério foram somadas para
se determinar a nota do potencial estratégico do projeto.

Lições aprendidas na fase de avaliação de projetos

• A base de dados de projetos anteriores contribuiu para a previsão dos


investimentos necessários nos novos projetos de produtos. Consequen-
temente, obteve-se maior precisão na análise financeira.
• Como os produtos dos projetos eram novos para o mercado, ainda não
existiam referências para estimativa do preço de venda. Assim, a solução
encontrada foi verificar o valor que o benefício do produto gerava para o
cliente.
• O esforço gasto para adquirir informações e definir de forma clara o es-
copo do projeto e do produto contribuiu para a precisão da avaliação feita
nessa atividade.
• A descrição das possíveis notas dos critérios de avaliação ajudou para que
as notas dadas correspondessem à percepção do avaliador. Além disso,
essa prática também colaborou para justificar os resultados e evitar in-
fluências pessoais.

4.3 Análise do portfólio de projetos

Essa fase iniciou com a classificação dos projetos. O procedimento adotado


para essa classificação depende dos objetivos e necessidades de cada caso. No
entanto, a proposta do modelo de gestão de portfólio seguido é uma combina-
ção entre o valor financeiro, valor estratégico e a probabilidade de sucesso dos
projetos.
Nesse caso específico, o time da empresa decidiu por classificar os projetos
combinando os seguintes dados: taxa interna de retorno, nota do potencial es-
tratégico do projeto e nota da probabilidade de sucesso do projeto. Esses dados
foram disponibilizados pela fase de avaliação de projetos.
A combinação desses valores resultou em uma nota de classificação dos
projetos. Para o cálculo dessa nota, adotou-se a escala de 0 a 5, assim, os valores
que estavam em uma escala diferente foram normalizados para a norma 5. Em
seguida, eles foram multiplicados para se determinar a nota de classificação, que
também foi normalizada para facilitar a comparação entre os projetos. A Tabela
1 mostra um exemplo do cálculo da nota de classificação dos projetos.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 66 23/11/2009 09:17:00


Aplicação da gestão de portfólio na seleção de projetos de produtos de uma pequena empresa de base tecnológica 67

Tabela 1 Cálculo da nota de classificação dos projetos.


Probabilidade Taxa Interna de Potencial
Classificação do projeto
de sucesso Retorno (TIR) estratégico
Projetos
TIR Nota Nota
Nota TIR Nota
normalizada calculada normalizada

Projeto A 4,8 94,12% 5,0 3,8 89,3 4,7

Projeto B 5,0 85,95% 4,6 4,2 95,1 5,0

Projeto C 4,8 40,93% 2,2 3,8 38,8 2,0

Projeto D 4,1 74,22% 3,9 2,9 47,2 2,5

A próxima atividade dessa fase analisou a existência de projetos que de-


pendiam de resultados de outros projetos, que compartilhavam recursos com
outros projetos, que impactavam nos resultados de outros projetos e que tinham
restrições temporais com outros projetos (CHIEN, 2002). Os resultados dessa
análise mostraram que dois projetos dependiam dos resultados um do outro e
que também compartilhavam recursos.

Lições aprendidas na fase de análise do portfólio de projetos

• A decisão de como classificar os projetos deve corresponder aos interes-


ses da empresa para seleção de projetos. Dessa forma, é importante que
o significado da nota de classificação esteja claro para os membros do
processo de gestão de portfólio.
• A análise do relacionamento entre os projetos pode mostrar oportunidades
para melhorar a eficiência do portfólio, uma vez que possibilita melhor
aproveitamento dos recursos e aumenta as chances de sucesso dos projetos
que dependem de outros.

4.4 Seleção do portfólio de projetos

Essa fase iniciou com a alocação de recursos para o portfólio de projetos. O


modelo de gestão de portfólio propõe o uso de duas técnicas descritas por Cooper,
Edgett e Kleinschmidt (2001) na realização dessa atividade. Uma para alocação
de recursos organizacionais que analisa a quantidade de horas disponíveis para
cada competência. E a outra para alocação de recursos financeiros que usa ces-

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 67 23/11/2009 09:17:00


68 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

tas de investimento,4 que são determinadas pela estratégia com o objetivo de


distribuir os recursos disponíveis.
Nesse caso, a empresa possuía tanto os recursos organizacionais quanto os
financeiros para desenvolver os quatro projetos. Portanto, todos foram previa-
mente selecionados para o portfólio de projetos.
Em seguida, a atividade de verificação do relacionamento dos projetos resga-
tou o resultado da análise de relacionamento dos projetos feita na fase anterior.
Essa informação contribuiu para o time decidir se era necessário selecionar al-
gum projeto para aumentar a eficiência do portfólio. O resultado da análise do
relacionamento mostrou que dois projetos deveriam estar juntos para otimizar o
portfólio, porém como os quatro foram previamente selecionados, essa restrição
não causou nenhuma mudança.
A próxima atividade verificou o equilíbrio do portfólio utilizando a técnica
de gráfico de bolhas5 (COOPER; EDGETT; KLEINSCHMIDT, 2001). Os critérios
usados nos eixos do gráfico foram: probabilidade de sucesso, valor presente líqui-
do e duração do projeto. Assim foi possível notar o balanceamento entre curto
e longo prazo, alto e baixo risco, e alto e baixo retorno financeiro do portfólio
de projetos (Figura 5).

Probabilidade de Sucesso (eixo y) × VPL (eixo x) × Duração (anos – bolha)


100,0%
Projeto A
Probabilidade de Sucesso

A Projeto B
75,0% Projeto C
C D B
Projeto D
50,0%
VPL
R$ 0,00

R$ 750.000,00

R$ 1.500.000,00

R$ 2.250.000,00

25,0%

0,0%

Figura 5 Verificação do equilíbrio do portfólio de projetos.

4 As cestas de investimento representam quantidades predefinidas de recursos financeiros que


devem ser gastas com um tipo específico de projetos, como, por exemplo, projetos de produtos
novos para o mercado.
5 O gráfico de bolhas é também conhecido como gráfico BCG (Boston Consulting Group), o qual é

utilizado para analisar o portfólio de produtos vendidos por uma empresa.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 68 23/11/2009 09:17:00


Aplicação da gestão de portfólio na seleção de projetos de produtos de uma pequena empresa de base tecnológica 69

Nessa análise, observou-se que o portfólio escolhido estava localizado


em quadrantes de interesse do negócio. Um fator destacado pelo gráfico foi o
posicionamento quase constante da probabilidade de sucesso dos projetos em
uma taxa levemente acima da média, o que poderia indicar algum risco para o
negócio.
A verificação do alinhamento estratégico dos projetos foi feita por meio da
comparação do portfólio de projetos com o plano estratégico de produtos, que é
de onde surgiram as ideias de produtos (COOPER; EDGETT; KLEINSCHMIDT,
2001).
O resultado dessa comparação mostrou que os quatro projetos estavam
alinhados com o plano estratégico de produtos. Assim, não foi preciso ajustar o
portfólio e foi confirmada a introdução dos quatro projetos de produtos no funil
de desenvolvimento de produtos.

Portfólio de
projetos
Plano estratégico
de produtos

Planejamento do
portfólio de projetos

Figura 6 Verificação do alinhamento estratégico do portfólio de projetos.

Lições aprendidas na fase de seleção do portfólio de projetos

• O número reduzido de projetos permitiu que a empresa tivesse recursos


para desenvolver todos. Esse fato é consequência de terem sido con-
sideradas apenas as ideias de produtos oriundas do plano estratégico
de produtos.
• Após a verificação do equilíbrio do portfólio, o time teve mais certeza
sobre o potencial do portfólio de atender às necessidades do negócio.
Isso porque se agregou mais uma informação explícita que apoiava a
seleção dos projetos.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 69 23/11/2009 09:17:00


70 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

• A verificação do alinhamento do portfólio de projetos selecionados


com o plano estratégico de produtos foi uma solução para garantir o
desdobramento das estratégias da empresa.

5 Considerações finais

O estudo de caso implantou um processo de gestão de portfólio de projetos


de produtos em uma pequena empresa de base tecnológica. O modelo seguido foi
construído com base nas melhores práticas destacadas nos modelos de Archer e
Ghasemzadeh (1999); Cooper, Edgett e Kleinschmidt (2001) e PMI (2008). Esse
modelo considerou apenas a parte do processo referente à seleção de projetos
e é direcionado para utilização na fase inicial do processo de desenvolvimento
de produtos.
Foram realizadas as quatro fases propostas pelo modelo: identificação de
novos projetos, avaliação de projetos, análise do portfólio de projetos e seleção do
portfólio de projetos. Como resultado, a empresa identificou quatro projetos de
novos produtos e, após avaliá-los individualmente e analisar o portfólio formado
por eles, selecionou todos para serem introduzidos no funil de desenvolvimento
de produtos. A aprovação dos quatro projetos foi possível devido à disponibili-
dade dos recursos necessários. Além disso, a tomada de decisão foi confirmada
pelas características positivas de retorno financeiro, probabilidade de sucesso e
alinhamento com a estratégia, demonstradas pelo portfólio.
A quantidade reduzida de projetos identificados pode constituir uma crítica
sobre a necessidade de aplicação da gestão de portfólio em pequenas empresas.
Todavia, essa contribuiu não somente para a seleção de um portfólio dentro da
capacidade de recursos, mas para que as pequenas empresas decidissem por
projetos mais rentáveis, com maiores chances de sucesso e alinhados com sua
estratégia.
A identificação dos projetos a partir do plano estratégico de produtos da
empresa teve um grande impacto nesta aplicação da gestão de portfólio. Essa ca-
racterística funcionou com um filtro inicial que reduziu a quantidade de projetos
analisados no processo e garantiu o alinhamento com a estratégia de produtos
da empresa. Além disso, a quantidade reduzida de projetos agilizou as atividades
e facilitou a tomada de decisão.
Segundo resultados de entrevistas feitas pelo pesquisador no final do estudo
com os membros do time da empresa, a aplicação da gestão de portfólio contribuiu
nos seguintes itens: sistematização do processo de decisão, aumento da precisão
das avaliações dos projetos, seleção com visão no conjunto de projetos e alinha-
mento do portfólio de projetos com o plano estratégico da empresa. Portanto, a

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 70 23/11/2009 09:17:00


Aplicação da gestão de portfólio na seleção de projetos de produtos de uma pequena empresa de base tecnológica 71

aplicação da gestão de portfólio na seleção de projetos de produtos mostrou-se


benéfica para a pequena empresa de base tecnológica.
Da mesma forma que nesse caso, a gestão de portfólio poderia ser estendida
para outras empresas de forma a ajudar na melhoria da excelência gerencial da
indústria.

Agradecimentos

Os resultados apresentados neste capítulo são provenientes de um trabalho


de mestrado do Departamento de Engenharia de Produção da Escola de Enge-
nharia de São Carlos (EESC), da Universidade de São Paulo (USP). Os autores
agradecem ao apoio prestado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado
de São Paulo (FAPESP), pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior (CAPES), pelo Núcleo de Manufatura Avançado (NUMA) e pela
empresa Nanox.

Questões para discussão

1. Quais são as fontes de ideias de projetos que devem ser consideradas pelo
processo de gestão de portfólio de projetos?
2. A gestão de portfólio de projetos contribui com o desdobramento dos planos
estratégicos do negócio e dos produtos?
3. Quais os benefícios da aplicação da gestão de portfólio de projetos nas peque-
nas empresas de base tecnológica?
4. Como a seleção de projetos e o controle de projetos interagem dentro do pro-
cesso de gestão de portfólio de uma pequena empresa de base tecnológica?
5. Como tornar o processo de gestão de portfólio de projetos parte dos processos
de negócio da empresa?

Referências bibliográficas

ARCHER, N.; GHASEMZADEH, F. Integrated framework for project portfolio selection.


International Journal of Project Management, v. 17, no 4, p. 207-216, 1999.
CHIEN, C. A portfolio-evaluation framework for selecting R&D projects. R&D Manage-
ment, v. 32, no 4, p. 359-368, 2002.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 71 23/11/2009 09:17:00


72 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

COOPER, R. G.; EDGETT, S. J.; KLEINSCHMIDT, E. J. Benchmarking best NPD practices


– II. Research Technology Management, v. 47, no 3, p. 50-59, 2004.
; ; . Portfolio management for new products. 2. ed. Cambridge, Massachu-
setts: Perseus Books, 2001.
; ; . Portfolio management: fundamental for new product success.
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DAVIS, J. et al. Determining a project’s probability of success. Research Technology Manage-
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LEVINE, H. A. Project portfolio management. San Francisco: Jossey-Bass, 2005.
OLIVEIRA, M. G. Integração do technology roadmapping e da gestão de portfólio para apoiar
a macrofase de pré-desenvolvimento do PDP. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Pro-
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2009.
PROJECT MANAGEMENT INSTITUTE (PMI), INC. The standard for portfolio management.
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REBELATTO, D. Projeto de investimento. Barueri: Manole, 2004.
ROZENFELD, H. et al. Gestão de desenvolvimento de produtos: uma referência para a melhoria
do processo. São Paulo: Saraiva, 2006.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 72 23/11/2009 09:17:01


4
Estrutura organizacional para a
gestão de projetos no contexto do
desenvolvimento de novos produtos
Paulo Augusto Cauchik Miguel

1 Introdução

Este capítulo descreve uma iniciativa de implementação de conceitos es-


tratégicos associados à gestão de projetos no contexto do desenvolvimento
de novos produtos em uma empresa de médio porte. A partir da necessidade
de buscar maior competitividade mercadológica, a empresa decidiu introduzir
ações que visassem uma melhoria na estrutura organizacional existente. Nesse
sentido, foram abertas frentes de trabalho voltadas para uma reestruturação que
propiciasse maior eficácia e eficiência no gerenciamento dos projetos de novos
produtos. A implementação envolveu ações associadas a gestão de portfolio, a
introdução de um processo de desenvolvimento de novos produtos e ferramen-
tas de suporte, e uma estrutura organizacional visando a articulação das áreas
funcionais no trabalho em equipe e coordenação e gerenciamento dos projetos
de novos produtos.
Nesse contexto, o presente capítulo apresenta as ações voltadas para a coor-
denação e gerenciamento dos projetos de novos produtos, bem como a estrutura
organizacional resultante dessa implementação. Primeiramente, é apresentada
uma breve descrição da teoria relacionada à gestão de projetos enfocando, prin-
cipalmente, as estruturas organizacionais. Posteriormente, são discutidos o con-
texto e motivação na implementação das práticas de gerenciamento de projetos
em uma empresa de médio porte cujas práticas são apresentadas na sequência,
bem como as considerações finais do estudo realizado.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 73 23/11/2009 09:17:01


74 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

2 As estruturas organizacionais sob o ponto de vista da literatura

Um dos fatores estratégicos importantes no desenvolvimento de novos produ-


tos é o ambiente no qual os projetos serão conduzidos. Nas últimas décadas, têm
ocorrido o desenvolvimento e introdução de novas estruturas organizacionais. A
alta administração das empresas tem percebido que as organizações precisam ser
dinâmicas por natureza e capazes de reestruturar-se de acordo com as condições
ambientais, que envolvem o aumento de competitividade do mercado, mudanças
tecnológicas e melhoria do controle gerencial.
Nesse contexto, estão inseridos projetos de natureza diversa que, de acordo
com o PMBoK (2004), mesmo quando são externos às organizações, como as
joint ventures e parcerias, são influenciados por diversos fatores intrínsecos, tais
como: o sistema de gerenciamento de projetos, a cultura organizacional, o estilo
da liderança e a estrutura organizacional. Além disso, o desenvolvimento de pro-
jetos de qualquer natureza considera os stakeholders, ou partes interessadas nesse
projeto, envolvidas direta ou indiretamente com as atividades de planejamento,
execução e controle do projeto, como ilustrado na Figura 1.

Patrocinador
do projeto

Gerente
do projeto

Equipe de gerenciamento
de projetos

Equipe do projeto

Partes interessadas
no projeto

Figura 1 Stakeholders de um projeto (PMI, 2004).

Existe uma grande variedade de estruturas organizacionais que devem con-


tribuir para o cumprimento dos requisitos dos stakeholders. A escolha da estrutura
organizacional mais adequada depende de vários aspectos da empresa, associados
aos seus produtos e resultados, seus processos e às pessoas da organização, além

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 74 23/11/2009 09:17:01


Estrutura organizacional para a gestão de projetos no contexto do desenvolvimento de novos produtos 75

da sua filosofia gerencial, dentre outros aspectos específicos ao projeto (KER-


ZNER, 2006). A escolha da estrutura organizacional é importante, pois essa
escolha é determinante para o sucesso dos projetos (CARVALHO; RABECHINI
JÚNIOR, 2005). Essas estruturas são apresentadas a seguir.

2.1 Tipos de estruturas organizacionais

As estruturas organizacionais podem ser classificadas segundo vários crité-


rios: de acordo com a composição dos membros para o trabalho a ser realizado
(funcional ou multifuncional), conforme a duração do trabalho a ser realiza-
do (temporário ou permanente) ou de acordo com a tomada de decisão (fun-
cional, matricial ou por projetos). Embora esses tipos não sejam excludentes
(por exemplo, pode haver uma estrutura matricial com equipe multifuncional e
temporária), basicamente, os três tipos de estruturas organizacionais relevantes
são do último tipo: funcional, matricial (fraca, balanceada e forte) e por projetos
(CLARK; FUJIMOTO, 2001; PMBoK, 2004).
Na estrutura funcional os funcionários são agrupados por especialidade e
possuem um superior imediato bem definido, geralmente o próprio gerente
funcional ou um indivíduo nomeado por ele. Nos projetos desenvolvidos em es-
truturas desse tipo, o escopo fica restrito aos limites da função. Assim, o projeto
passa de função para função.
Na extremidade oposta, está a organização por projetos (“projetizadas” ou
autônomas), onde os membros da equipe de projetos geralmente são colocados
juntos, em geral por um período temporário. Nesse tipo de estrutura, os geren-
tes de projetos possuem grande autonomia e os especialistas de cada função
reportam diretamente para o gerente de projeto (PMBoK, 2004), que tem a
responsabilidade individual por gerenciar o projeto. A estrutura projetizada vem
apresentando um rápido crescimento nas últimas décadas. Por exemplo, no caso
do desenvolvimento de novos produtos, processos ou serviços, estes requerem
dados e informações das mais diferentes áreas de conhecimento (MEREDITH;
MANTEL JUNIOR, 2000).
As estruturas matriciais são uma combinação de características das ante-
riores. Em uma estrutura matricial, existe uma divisão de autoridade, respon-
sabilidade e obrigação entre o time de projeto e os departamentos funcionais
(CLELAND; IRELAND, 2002). Na interface projeto e função, os papéis relativos
e complementares de autoridade, responsabilidade e obrigação de prestar contas
do gerente de projeto e do gerente funcional são focados.
A Figura 2 ilustra os diversos tipos de estruturas em relação à organização
do grupo de desenvolvimento. As equipes são, em geral, multifuncionais, sendo
formadas a partir das necessidades de cada projeto. Os membros das equipes
normalmente participam de, pelo menos, dois projetos.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 75 23/11/2009 09:17:01


76 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

GF GF GF GF GF GF

eng prod mkg eng prod mkg

“Peso Leve”
Funcional

Nível de
Trabalho C C
GP
GF GF GF
Autônoma

GF GF GF
eng prod mkg

“Peso Pesado”
eng prod mkg

GP C C C
GP
C C C

GF – Gerente Funcional GP – Gerente de Projeto C – Coordenador


eng – Engenharia prod – Produção mkg – Marketing

Fonte: Clark e Wheelwright (1993).


Figura 2 Tipos de organização do grupo de desenvolvimento.

Os tipos apresentados na Figura 2 apresentam vantagens e desvantagens, que


são apresentadas nas Tabelas 1, 2 e 3, respectivamente, relativas às estruturas
funcional, matricial e por projetos.

Tabela 1 Vantagens e desvantagens da estrutura funcional.


Vantagens Desvantagens

Flexibilidade no uso dos recursos humanos Menor motivação das pessoas em relação ao
necessários ao projeto projeto

Especialistas podem ser usados em diferentes A área tende a ser orientada para suas ativida-
projetos des particulares

Facilidade de reunir os membros Tendência de subestimar o projeto

A área funcional é a base para continuidade do Não facilita uma abordagem holística em
conhecimento relação ao projeto

A área funcional proporciona um caminho O cliente não é o foco das atividades da área
natural para o desenvolvimento dos indivíduos que gerencia o projeto

Fonte: Adaptada de Patah (2004).

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 76 23/11/2009 09:17:01


Estrutura organizacional para a gestão de projetos no contexto do desenvolvimento de novos produtos 77

Tabela 2 Vantagens e desvantagens da estrutura matricial.


Vantagens Desvantagens

Respostas rápidas às necessidades dos clientes Podem existir dúvidas quanto à responsabilida-
de pela tomada de decisão dentro do projeto

A estrutura matricial é mais flexível É necessário que o gerente de projeto possua


uma habilidade especial em negociação de
recursos

A estrutura permite maior otimização no uso Os diferentes gerentes de projeto podem


dos recursos da empresa “competir” pelos recursos técnicos disponíveis

Permite o uso de toda capacidade técnica da Em estruturas matriciais fracas, podem ocorrer
empresa atrasos na conclusão do projeto

Existe menor ansiedade no destino das pessoas A estrutura matricial viola o princípio de
após a conclusão do projeto gerenciamento da unidade de comando (duas
chefias)

Fonte: Adaptada de Patah (2004).

Tabela 3 Vantagens e desvantagens da estrutura por projetos.


Vantagens Desvantagens

Comunicação facilitada em comparação à Duplicidade de trabalho em função da criação


estrutura funcional de várias equipes

Membros tendem a desenvolver alto nível de Risco de alocação de pessoas em função de


comprometimento com o projeto disponibilidade e não em função de compe-
tência

Possibilidade de tomada de decisões rápidas Necessidade constante dos especialistas nas


áreas funcionais

Estrutura simples e flexível, relativamente fácil Incerteza quanto ao destino dos membros
de implantar quando o projeto terminar

Permite abordagem holística do projeto Tende a apresentar certa inconsistência nos


procedimentos

Fonte: Adaptada de Patah (2004).

Finalmente, a Figura 3 mostra a influência da estrutura organizacional no


projeto, com base no PMBoK (PMI, 2004).

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78 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

Tipo de Matricial
Organização
Funcional Projetizada
Matriz
Características Matriz Fraca Matriz Forte
Equilibrada
dos Projetos

Autoridade do Gerente Pouca ou De Baixa a De Moderada De Alta a


do Projeto Limitada
Nenhuma Moderada a Alta Quase Total

Percentual do Pessoal da
Organização Executora Virtualmente
0-25% 15-60% 50-95% 85-100%
Alocado em Tempo Nenhum
Integral ao Projeto

Alocação do Gerente do
Tempo Parcial Tempo Parcial Tempo Integral Tempo Integral Tempo Integral
Projeto

Designações mais Coordenador Gerente Gerente


Coordenador Gerente de
Comuns para o Papel do de Projeto/ de Projeto/ de Projeto/
de Projeto/ Projeto/Diretor
Gerente do Projeto Líder de Gerente de Gerente de
Líder de Projeto de Projeto
Projeto Programa Programa

Suporte Administrativo
Tempo Parcial Tempo Parcial Tempo Parcial Tempo Integral Tempo Integral
ao Gerente do Projeto

Fonte: PMI (2004).


Figura 3 Influência da estrutura organizacional.

Existem poucas organizações que usam exclusivamente somente um dos


tipos de estrutura apresentados. A maioria das organizações modernas envolve
mais de uma, se não todas as estruturas descritas. Até mesmo uma organização
essencialmente funcional pode criar um time para desenvolver um projeto es-
pecífico (PMBoK, 2004).

3 Contexto da implementação do gerenciamento de projetos

O presente capítulo1 surgiu da necessidade da empresa que, na ocasião,


relatou sobre suas dificuldades no desenvolvimento de novos produtos.
A empresa já contava com um processo para desenvolvimento de seus produ-
tos, mas que era ineficiente. O desenvolvimento de novos produtos apresentava
diversas limitações, envolvendo os seguintes aspectos: como uma ideia deveria
ser trabalhada para tornar-se um projeto, como o conjunto de projetos de desen-
volvimento deveria ser gerenciado, como envolver outras áreas no desenvolvi-

1
Cabe destacar que outros pesquisadores estiveram envolvidos com o trabalho, em algumas
das fases de implementação e em maior ou menor intensidade. Destacam-se pesquisadores da
FEA-USP e UFMG.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 78 23/11/2009 09:17:01


Estrutura organizacional para a gestão de projetos no contexto do desenvolvimento de novos produtos 79

mento para que este fosse mais eficiente, como reduzir os problemas originários
no projeto quando o produto entrava na fase de aumento de escala de produção,
além de estabelecer como trabalhar os dados de entrada do projeto, advindos
do mercado, transformando-os em especificações dos produtos de forma eficaz.
A partir dessas limitações, foram introduzidas três iniciativas de implantação
(gestão de portfólio de projetos, estrutura organizacional do processo de desen-
volvimento de novos produtos e métodos de suporte para desenvolver novos
produtos). Os aspectos relativos à estrutura organizacional no desenvolvimento
de novos produtos e gestão de projetos fazem parte do escopo deste capítulo e
são descritos em mais detalhes a seguir.

3.1 Perfil da empresa

A implementação do gerenciamento de projetos foi realizada em uma empresa


de médio porte que pertencia2 a um dos maiores grupos privados brasileiros da
América Latina. Na ocasião, o Grupo Votorantim agregava 60 outras organiza-
ções de diversos setores industriais. A empresa foi fundada na década de 40,
fabricando papel celofane. A partir de 1985, iniciou a fabricação de filmes de
Polipropileno Bi-orientado (BOPP). A Figura 4 apresenta a cadeia de produção
do BOPP, ilustrando desde a matéria-prima até o usuário final, que pode ser os
pontos de venda e consumidores finais.

Supermercado Consumidor
(ponto de venda) Final

Usuário Final
(Embalador)
Petróleo

Planta Planta Planta


Petroquímica Petroquímica Petroquímica Transformação
(Resina Convertedor
(Nafta) (Propeno) (Filme de BOPP)
de PP)

Figura 4 Cadeia de produção de filmes de BOPP.

2 A empresa foi vendida por US$ 120 milhões para a Vitopel, vice-líder do segmento na América
Latina, controlada por fundos de investimento dos bancos JP Morgan Chase e CSFB. O grupo
considerava que “o negócio era pequeno e desfocado dentro do grupo”, representando 2% do
faturamento (Valor Econômico, Empresas e Tecnologia, p. B1, 9 de junho de 2005).

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 79 23/11/2009 09:17:01


80 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

Na ocasião do trabalho, a empresa possuía cerca de 350 funcionários, gerando


resultado anual de mais de R$ 100 milhões, com um patrimônio líquido e capital
social dez vezes maior que esse valor. Em termos mercadológicos, a empresa
havia sido estruturada nos seguintes ramos de negócios: embalagem convertida
(filme transparente, opaco ou metalizado para impressão), embalagem direta
(geralmente filme transparente como aqueles que embalam CDs), embalagem de
cigarros e embalagem industrial (por exemplo, fitas adesivas, rótulos e etiquetas
e mercado gráfico, como no caso de aplicação de filmes em capas de cadernos).
Essa estruturação dos negócios da empresa gerou nova denominação dos produtos
junto ao mercado, utilizando-se de nomenclatura autoexplicativa, específica para
cada negócio, desenvolvendo um sistema de classificação e codificação.
Além dessas ações, a empresa vinha implementando práticas organizacionais,
voltadas para a tecnologia, produção e gerenciamento. Notadamente, o volume
produzido nos últimos anos vinha acentuando-se positivamente, com uma pro-
dução de mais de 64.000 t/ano, com uma expansão da capacidade de produção
por meio de investimentos da ordem de R$ 25 milhões, numa produção por
encomenda (make-to-order). Em função da empresa ter como estratégia a busca
da liderança de mercado na América Latina, diversos esforços vinham sendo
despendidos no processo de modernização, destacando-se um aumento da capa-
cidade produtiva, já citado, e implantação de práticas atuais de gestão, tais como
certificação pela ISO 9001:2000 e implantação de um programa de TPM (Total
Productive Maintenance), tendo recebido uma premiação do Japão em 2002.
No contexto do desenvolvimento de novos produtos, a empresa decidiu
então pela reestruturação do gerenciamento de projetos de novos produtos,
considerando a introdução da gestão de portfólio dos produtos da empresa, nova
estruturação do processo de desenvolvimento de novos produtos e implementação
de introdução de ferramentas de suporte para desenvolver novos produtos
(delineamento de experimentos, desdobramento da função qualidade, dentre
outras). Como citado na introdução, o presente capítulo descreve a reestrutura-
ção do processo de desenvolvimento de novos produtos, especificamente sobre
as ações estratégico-organizacionais de gerenciamento de projetos. As outras
ações, tais como a gestão de portfólio e introdução de ferramentas de suporte ao
desenvolvimento de novos produtos podem ser encontradas, respectivamente,
em Cauchik Miguel (2008 e 2009).

3.1.1 Competências da empresa

Na ocasião do trabalho, a empresa criou um Comitê de Novos Negócios para


mapear e estabelecer uma linha mestra para os negócios principais da organização.
Assim, o desenvolvimento dos negócios foi dividido em “novos” e “existentes”

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 80 23/11/2009 09:17:01


Estrutura organizacional para a gestão de projetos no contexto do desenvolvimento de novos produtos 81

cada um com uma segunda subdivisão. Os “existentes” poderiam envolver pro-


jetos de “melhoria contínua” ou de “inovação”, enquanto os “novos” poderiam
ser para “substituição” (de produtos existentes no mercado que estariam em
declínio na curva mercadológica) ou “novos nichos” que poderiam ser desenvol-
vidos. Nesse contexto, o desenvolvimento de negócios passaria por uma análise
levando-se em conta essa classificação, bem como os recursos e competências
necessários para o desenvolvimento de projetos de novos produtos.
Em termos de recursos, a empresa identificou que possuía 80% da capacida-
de produtiva com menos de cinco anos de operação, o que significava potencial
para produtos inovadores, pois não haveria, em tese, problemas de absorção de
nova tecnologia, já que as linhas de produção eram suficientemente atualizadas.
Além disso, duas das quatro linhas de produção tinham escala de produção ade-
quadas para produtos e nichos de mercado novos. A empresa também possuía
diferenciais tecnológicos de produção (processo de extrusão twin, tratamento por
chama, tratamento superficial por depósito de alumínio etc.) que possibilitariam
aplicações diferenciadas de filmes flexíveis.
Para o estabelecimento das competências organizacionais, foram definidos
também direcionadores de desenvolvimento que corresponderiam a práticas
para tornar os novos produtos mais competitivos. Esses direcionadores envol-
viam aspectos tecnológicos e de mercado, tais como: tentativa de diminuição
da complexidade – e custo – de estruturas de embalagens, busca de diferencial
competitivo de propriedades importantes do filme (como, por exemplo, brilho,
alvura, barreira a umidade, capacidade de selagem etc.), bem como o desenvolvi-
mento de soluções específicas voltadas para nichos, principalmente para o setor
industrial gráfico e de alimentos. Como visão de continuidade nos negócios,
estabeleceu-se plano para a inovação tecnológica, identificação de produtos e
mercados diferenciados e adequação das linhas de produção de menos capacidade
ao portfólio de produtos diferenciados.
Um dos resultados deste mapeamento foi o estabelecimento de linhas mes-
tras de negócios e grupos associados às plataformas de desenvolvimento, sejam
no produto ou no processo de fabricação. Assim, definiram-se quatro negócios
(embalagem convertida, embalagem direta, cigarro e industrial) desdobrados em
grupos e subgrupos. Para exemplificar, um dos grupos de “embalagem converti-
da” (isto é, aquele filme que teria impressão posterior feita em outra empresa,
denominada “convertedor”, era o de “alimentos” que, por sua vez, desdobraria
nos subgrupos de biscoitos, snacks, candy-bar, sorvetes, dentre outros). O dife-
rencial competitivo do negócio de “embalagem convertida” estaria vinculado à
capacidade tecnológica da empresa, de modo a incorporar o maior número de
atributos ao produto, visando um processo mais focado de conversão (impressão
pelo convertedor, mostrado na cadeia de fornecimento da Figura 4) e de maior
performance da embalagem final (“usuário final” ou “embalador” na Figura 4).

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 81 23/11/2009 09:17:02


82 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

A mesma lógica de classificação e análise foi feita para os outros negócios. Os


novos desenvolvimentos, viabilizados pelos projetos de novos produtos, deveriam
então enquadrar-se nesses negócios, grupos e subgrupos.
No entanto, nenhuma dessas iniciativas teria sentido se não houvesse um
processo adequado para gerir os projetos, seja no seu conjunto (portfólio) ou
na condução dos projetos individualmente. Assim, após uma análise crítica das
famílias e linhas de produtos foi proposto um plano mestre de desenvolvimento
que envolveria, dentre outras atividades não aqui detalhadas, a gestão dos projetos
por meio de uma reestruturação organizacional, apresentada a seguir.

3.2 Abordagem de implementação

A abordagem metodológica do presente trabalho é caracterizada como pes-


quisa-ação (para detalhes sobre esse tipo de abordagem, ver THIOLLENT, 1997,
e COUGHLAN; COGHLAN, 2002). Essa é um tipo de abordagem de natureza
empírica, concebida e realizada em estreita associação com a resolução de um
problema coletivo, no qual os pesquisadores e participantes representativos da
situação estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo (THIOLLENT,
1997), objetivando endereçar esse problema de pesquisa em uma organização
(EDEN; HUXHAM, 1996). De modo geral, essa abordagem de pesquisa com-
preende três fases principais: uma fase preliminar (diagnóstico), um ciclo de
condução (com seis passos) e uma metafase. A metafase está presente em cada
um desses seis passos como atividades de monitoramento dos resultados. Um
exemplo sobre a adoção desse tipo de abordagem na condução do presente ca-
pítulo pode ser encontrado em Cauchik Miguel (2006).

4 Implementação e resultados

Para a implementação, primeiramente foi feito um diagnóstico inicial com


o objetivo de levantar as lacunas existentes na empresa. Com base nesse diag-
nóstico, foi feita uma proposição de ações voltadas para diversos aspectos do
gerenciamento dos projetos de desenvolvimento de novos produtos, dentre os
quais aqueles apresentados em mais detalhes neste capítulo. As ações envolveram
uma melhor definição da estrutura organizacional, determinação do ciclo de vida
do projeto em fases e gates (portões de decisão), definição de responsabilidades,
dentre outras, resultando na elaboração de um manual de gerenciamento do
projeto. Esse conjunto de ações são descritas a seguir.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 82 23/11/2009 09:17:02


Estrutura organizacional para a gestão de projetos no contexto do desenvolvimento de novos produtos 83

4.1 Diagnóstico inicial

Basicamente, a empresa em estudo desenvolvia novos produtos, com pro-


cedimentos definidos a partir do requisito “4.4 Controle de Projeto” da norma
ISO 9001, na versão de 1994. Praticamente, a empresa não empregava os con-
ceitos relacionados ao gerenciamento de projetos. O desenvolvimento de novos
produtos era centralizado na área de P&D e a empresa seguia um fluxograma
que determinava uma sequência básica de desenvolvimento. O fluxograma con-
siderava a descrição das principais atividades, desde a detecção das necessidades
do mercado e clientes até a consolidação do produto no mercado, estabelecendo
análises críticas do projeto e as interfaces técnicas e organizacionais, como ilus-
trado na Figura 5.

Projeto do Produto
Preliminar

N Projeto
Viabilidade
Abortado

Planejamento do
S
Produto
Produção
Experimental

Testes

Período de
Consolidação do filme
no mercado

S
N Validação do Homologação do
Projeto Produto

Figura 5 Fluxograma de desenvolvimento de novos produtos.

Com base no fluxograma da Figura 5, as necessidades do mercado da produ-


ção e P&D eram determinadas no início do desenvolvimento do novo produto.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 83 23/11/2009 09:17:02


84 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

Em seguida, o projeto do produto preliminar tinha como objetivo traduzir as


necessidades do cliente e mercado em um conjunto de especificações prelimi-
nares, servindo de base para o início de desenvolvimento do projeto. Caso fosse
aprovado, o projeto continuava e, caso contrário, o projeto deveria ser cancelado,
o que raramente ocorria. Antes de realizar a produção experimental, era feito o
planejamento do produto, onde eram identificadas as responsabilidades em cada
uma das atividades de projeto e desenvolvimento. A produção experimental vi-
sava obter o filme em um nível de protótipo e avaliava o produto em relação aos
dados de entrada, processo, características do produto e dos custos envolvidos.
Na sequência, os testes nos clientes (selecionados para o mercado-teste) eram
acompanhados pela área do P&D. A fase de consolidação no mercado tinha como
objetivo o acompanhamento do desempenho do filme flexível experimental no
mercado, para avaliar se as especificações e propriedades mantinham-se com
aumento da escala de produção. Na fase de validação do projeto, ocorria a análise
crítica final dos resultados do período de consolidação do filme experimental,
ou seja, uma análise entre os dados de entrada e os resultados do projeto, para
verificar se estes últimos atendiam às expectativas técnicas (desempenho do pro-
duto) e comerciais (volume de vendas e fatia de mercado alcançada). Finalmente,
obtinha-se então a homologação do produto, tornando o filme desenvolvido
como um item de linha regular de produtos da empresa. Todas as informações
técnicas sobre o produto desenvolvido eram documentadas, e incluídas no catá-
logo de especificações dos produtos da empresa (e também no sistema interno
de informações).
No entanto, essa sequência para desenvolvimento de produtos apresentava
algumas dificuldades na execução dos projetos. Dentre essas dificuldades, não
existia um planejamento inicial antes do desenvolvimento do novo produto
quanto ao planejamento dos prazos, dos recursos e dos custos. Apesar da exis-
tência do fluxograma mostrado na Figura 5, que considerava algumas fases para
o desenvolvimento do novo produto, estas não eram bem definidas e não era
claro quais eram os critérios para que o desenvolvimento do filme flexível evo-
luísse ao longo do tempo e passasse por cada uma dessas fases. Assim, o projeto
seguia de uma forma descontínua e variava (em termos de tempo e de resulta-
dos) conforme quem da área de P&D era responsável pelo projeto. Além disso,
existia uma centralização do desenvolvimento do novo produto em somente uma
área funcional (P&D), com baixo nível de comprometimento a apoio das outras
áreas funcionais. Isso trazia, inclusive, dificuldades para a realização dos testes
necessários ao desenvolvimento do produto, principalmente relativo ao próprio
processo, compartilhamento de informações entre as áreas envolvidas e de know
how sobre os processos de manufatura, e dificuldades para resgate e utilização da
experiência acumulada com outros projetos, bem como lições aprendidas com os
desenvolvimentos anteriores. Faltava, portanto, uma estrutura organizacional que

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 84 23/11/2009 09:17:02


Estrutura organizacional para a gestão de projetos no contexto do desenvolvimento de novos produtos 85

propiciasse um gerenciamento de projetos mais eficiente e eficaz, cuja proposta


é detalhada a seguir.
Assim, a partir dos pontos listados anteriormente, optou-se pela implementa-
ção de uma proposta de processo de desenvolvimento de novos produtos, visan-
do reestruturar a maneira pela qual os produtos vinham sendo desenvolvidos,
incluindo aspectos relevantes de gerenciamento de projetos. A importância
dessa proposição, centrada na gestão por processos, também veio a atender aos
requisitos da nova versão da ISO 9001:2000, prevista para certificação nos anos
subsequentes.

4.2 Estrutura organizacional

Primeiramente, foi estabelecido um comitê de projetos. Esse foi definido


como sendo a instância máxima de gerenciamento dos projetos na empresa. O
comitê foi formado por gerentes funcionais (marketing, P&D, comercial, qua-
lidade, produção, dentre outros participantes) e pelo diretor geral da empresa.
O papel desse comitê envolvia a análise de todas as ideias de novos produtos
propostas na empresa, a condução das reuniões de portfólio de novos produ-
tos, a avaliação dos projetos nos gates, a designação do gerente dos projetos e a
aprovação da equipe multifuncional. A estrutura organizacional para gestão de
projetos na empresa foi estabelecida conforme ilustrado na Figura 6.

Comitê de
Gestão de Projetos
Diretor
Geral
Controladoria
Coordenador
de Projetos

Tecnologia
Marketing

Qualidade

Comercial
Industrial

Pessoas

Gerentes de
Projeto
Equipes de Projeto

Figura 6 Estrutura organizacional da empresa.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 85 23/11/2009 09:17:02


86 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

A estrutura organizacional mostrada na Figura 6 baseia-se na formação de


equipes temporárias multifuncionais, isto é, com membros de todas as áreas
envolvidas no desenvolvimento de novos produtos. Assim, permite-se ou é pos-
sível conduzir vários projetos simultaneamente. Um profissional da empresa é
designado como gerente do projeto, sendo responsável por apresentar e explicar
os planos de projeto para o Comitê de Projetos, além de sugerir à equipe do pro-
jeto suas responsabilidades. Esse profissional pode ser oriundo de qualquer área
funcional da organização e pode assumir como gerente de um ou mais projetos
de desenvolvimento de novos produtos. É importante mencionar que existe um
limite de participação tanto dos gerentes de projeto como dos membros das
equipes em termos de quantidade de projetos. Na verdade, cada empresa deve
identificar qual é a quantidade aceitável. A Figura 7, advinda da literatura, ilustra a
relação entre a quantidade de projetos de que um profissional participa e o tempo
despendido em tarefas relevantes para o projeto. Após a estruturação do processo
de desenvolvimento da empresa estudada, a participação típica dos funcionários
era, em média, em três projetos simultâneos. Anteriormente, os profissionais
da empresa chegavam a trabalhar em mais de seis projetos simultaneamente,
o que não pode ser considerado como adequado, conforme mostra a Figura 7.
Para destacar ainda o envolvimento dos colaboradores, a empresa contava com
64 pessoas envolvidas nas equipes de projeto na ocasião do encerramento do
estudo, correspondendo a quase 70% do pessoal especializado (excluindo pessoal
de produção, ou seja, funcionários horistas e terceiros contratados).
Tempo Despendido em Tarefas

100
que Agregam Valor (%)

80

60

40

20

0
0 1 2 3 4 5

Número de Projetos de Desenvolvimento Designados


Simultaneamente por Engenheiro

Fonte: Clark e Wheelwright (1993).


Figura 7 Capacidade instalada.

Em relação à organização do grupo de desenvolvimento, o arranjo deve ser


definido a partir da importância e função da natureza do trabalho de desenvolvi-
mento (CLARK; WHEELWRIGHT, 1993). Como citado, os arranjos típicos são do

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 86 23/11/2009 09:17:02


Estrutura organizacional para a gestão de projetos no contexto do desenvolvimento de novos produtos 87

tipo funcional, matricial ou por projeto. A empresa adotou o tipo matricial leve
(ou “peso leve”, como ilustrado na Figura 2). O fato de a gerência ser “matricial
leve” ou “matricial pesada” está associado à autoridade que o gerente do proje-
to tem sobre os membros da equipe, que também respondem a sua respectiva
gerência funcional.

4.2.1 Definição de responsabilidades

Na definição das responsabilidades, foi criado também o cargo de coorde-


nador de projetos (ver Figura 6), cujas principais atividades eram relacionadas
à gestão dos gerentes de projetos, suporte técnico aos projetos (por exemplo, o
uso do MS Project® e capacitação dos gerentes e membros das equipes de projeto
na aplicação de metodologias e ferramentas de projeto), planejamento dos pro-
jetos, alocação de recursos para os projetos, desenvolvimento da documentação
de projeto, acompanhamento e controle dos projetos e seus resultados parciais
e finais e interlocução com os gerentes funcionais da empresa.
Um ponto importante foi atender à necessidade de maior definição das res-
ponsabilidades, seja no nível da alta gerência da empresa (por meio do Comitê
de Projetos e Comitê de Novos Negócios), seja pela liderança dos projetos pelos
gerentes de projeto e membros envolvidos nas equipes. Assim, uma definição
precisa das responsabilidades era necessária. A Figura 8 mostra um exemplo de
uma matriz de responsabilidades, específica da fase de concepção e planejamento
do projeto.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 87 23/11/2009 09:17:02


88 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

Coordenador de Projetos
Envolvidos

Comitê de Projetos

Gerente do Projeto
Gestão de Pessoas

Equipe de projeto
Célula Industrial

Controladoria

Diretor Geral
Marketing
Qualidade
Comercial
Atividades/Decisões

P&D
1. Concepção e Planejamento do Projeto

1.1 Monitorar e captar ideias R R R R R R R R

1.2 Preparar e aprovar a proposta básica A R R R R R R R R

1.3 Analisar os recursos necessários P P P P P P P R I

1.4 Atribuir código para o projeto R

1.5 Indicar gerente do projeto A R

1.6 Montar a equipe do projeto P P P P P P R P/I

1.7 Definir responsabilidades no projeto R

1.8 Preparar o plano preliminar R C

1.9 Avaliar o plano preliminar do projeto R

1.10 Aprovar o plano preliminar do pro-


A
jeto

R – responsabilidade pela execução


A – autoridade para a decisão
C – consulta obrigatória a priori e informação a posteriori
I – informação a posteriori
P – participa da atividade/decisão

Figura 8 Exemplo de matriz de responsabilidades.

4.3 Determinação do ciclo de vida do projeto – fases e gates

O ciclo de vida de projetos na empresa corresponde à sequência de atividades


e decisões que vão desde o surgimento da ideia do novo produto até o forneci-
mento desse produto para produção e comercialização. A empresa decidiu pelo
uso da proposta do stage-gates (com base em COOPER, 1993) como modelo de
processo de desenvolvimento de novos produtos. O processo foi composto por
cinco fases: Proposta Básica, Planejamento do Projeto, Desenvolvimento-Fase
Teste 1, Desenvolvimento-Fase Teste 2 e Homologação, como ilustrado na Figura
9. As fases definem o conjunto de atividades a serem realizadas, enquanto os
gates consistem nos pontos de decisão para verificar se as atividades previstas

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 88 23/11/2009 09:17:02


Estrutura organizacional para a gestão de projetos no contexto do desenvolvimento de novos produtos 89

foram cumpridas. Os gates consideram três tipos básicos de decisão: “aprovado”


(segue para o estágio seguinte), “necessita de mais informações” (permanece no
estágio atual) e “reprovado” (o projeto é arquivado – suspenso ou cancelado).
A validação de cada estágio nos gates, descrita mais à frente, é conduzida pelo
Comitê de Projetos.

Proposta Planejamento
Básica do Projeto Fase Teste 1 Fase Teste 2 Homologação

Ideia
Estágio 1 Estágio 2 Estágio 3 Estágio 4 Estágio 5

Gate 1 Gate 2 Gate 3 Gate 4

Figura 8 Ciclo de desenvolvimento de produtos da empresa.

Os estágios mostrados na Figura 8 compreendem as seguintes fases e ativi-


dades (adaptado de CAUCHIK MIGUEL; TELFSER, 2003):

• Proposta básica: envolve informações quanto ao objetivo do projeto,


especificações de desempenho do produto e negócio alvo. Um gerente
de projeto é designado para conduzir o projeto nessa fase e indica a
equipe, que deve ser aprovada pelo Comitê de Projetos. Também são
indicados os recursos e informações para os dados de entrada, são dis-
criminados os documentos de referência para a proposta, bem como
outros recursos (por exemplo, informações preliminares de mercado
potencial, requisitos exigidos pelos clientes etc.). Esse estágio passa
pelo gate seguinte, que analisa se os critérios foram cumpridos ou se há
necessidade de mais informações para prosseguir com o projeto.
• Planejamento do projeto: envolve maior detalhamento das informações
anteriores, definindo com maior precisão o cronograma do projeto, re-
visão na composição da equipe de projeto, dados de entrada advindos
do mercado ou de pesquisas, descrição do produto, requisitos básicos
da qualidade e análise preliminar de viabilidade econômico-financeira.
Também são discriminados os documentos de referência, bem como
confirmação da equipe para a condução subsequente do projeto e re-
confirmação dos dados de entrada.
• Fase teste 1: este estágio compreende o desenvolvimento do processo
e dos primeiros protótipos (denominados “amostras” na empresa). A
partir de vários testes de produção, é feita a escolha da solução mais
adequada, tendo em vista as alternativas dos testes conduzidos. Também
são realizados os primeiros testes para clientes específicos (geralmente,
esses clientes são parceiros mais próximos, considerados como mercado

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 89 23/11/2009 09:17:02


90 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

de teste). Em termos documentais, esse estágio considera uma possível


revisão no cronograma, descrição do produto, descrição dos indicadores
técnicos, industriais e financeiros, bem como estabelece uma relação
entre os dados de entrada e os de saída. Além disso, são discriminados
os documentos de referência, confirmação dos dados de entrada, bem
como uma verificação do cumprimento do cronograma.
• Fase teste 2: este estágio compreende o aumento gradativo na escala de
produção (scale up), para a alternativa final escolhida na fase anterior.
Nesse caso, já devem estar definidos os aspectos legais quanto ao pro-
duto (por exemplo, como no caso de restrições de embalagens que fica-
rão em contato com alimentos). Em termos documentais, este estágio
considera a descrição final do produto, definição final dos indicadores
técnicos, industriais e financeiros, bem como a relação entre os dados
de entrada e os de saída. Também são discriminados os documentos
de referência, bem como uma nova confirmação dos dados de entrada,
além de ser verificado o cumprimento do cronograma inicial.
• Homologação: compreende a disponibilização de um conjunto de
especificações técnicas registradas em um documento do produto,
disponibilização das especificações de processo e planos de controle,
bem como dos argumentos a serem utilizados para a comercialização
do produto. Também deve ser realizada uma revisão nos sistemas de
informação da empresa (cadastramento), bem como estar aprovado o
produto em órgão específico, como por exemplo para o caso de contato
da embalagem com alimentos.

Todas as definições descritas nos itens anteriores foram então registradas em


um manual de gerenciamento de projetos, apresentado a seguir.

4.4 Elaboração de um manual de gerenciamento de projetos

A principal peça na documentação do gerenciamento de projetos foi a elabo-


ração de um manual de projetos, que estabelecia os seguintes pontos básicos:

• Objetivos: finalidade do sistema de gestão de projetos da empresa.


• Estrutura organizacional: o modelo adotado para o gerenciamento
dos projetos da empresa, segundo os princípios do PMBoK do PMI
(2000).

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 90 23/11/2009 09:17:03


Estrutura organizacional para a gestão de projetos no contexto do desenvolvimento de novos produtos 91

• Ciclo de vida do projeto: sequência de decisões e procedimentos a se-


rem seguidos desde o surgimento da ideia de um novo produto até o
fornecimento desse produto em escala comercial (definido pelas fases
e gates apresentados no tópico anterior).
• Organograma linear: visão de conjunto das decisões e procedimentos
dentro da estrutura organizacional da empresa.
• Definição de responsabilidade e autoridade: responsabilidades e ní-
veis de autoridade de cada um dos cargos integrantes do sistema de
gerenciamento de projetos.
• Documentos e formulários: formatos básicos e instruções para preen-
chimento da documentação do sistema.
• Glossário: principais termos e expressões do sistema de gestão de
projetos.

Além do manual de projetos, foi também desenvolvida a documentação a


ser utilizada nos gates. A Tabela 4 apresenta uma síntese do conteúdo dos docu-
mentos principais utilizados nos gates.

Tabela 4 Exemplo de documentação nos gates.


Estágio/gate Itens

Proposta básica/gate 1 Objetivo do projeto; especificação de desempenho do produto; tipo


de filme/negócio alvo.

Resultado da avaliação; documentos de referência; confirmação dos


dados de entrada (revisão 0); gerente do projeto indicado; recursos
alocados.

Planejamento do Resultado da avaliação; documentos de referência; confirmação dos


projeto/gate 2 dados de entrada (revisão 1).

Fase teste 1/gate 3 Resultado da avaliação; documentos de referência; confirmação dos


dados de entrada (revisão 2).

Descrição final do produto; indicadores técnicos; indicadores indus-


triais; indicadores financeiros; dados de entrada × dados de saída.

Fase teste 2/gate 4 Resultado da avaliação; documentos de referência; confirmação dos


dados de entrada (revisão 3).

Toda a reestruturação realizada, utilizando os conceitos advindos do


gerenciamento de projetos e de literatura específica sobre o processo de desen-
volvimento de novos produtos, veio a contribuir para a obtenção de uma estrutura
mais robusta para desenvolver novos produtos na empresa analisada.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 91 23/11/2009 09:17:03


92 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

5 Considerações finais

Primeiramente, pode-se considerar que o presente capítulo cumpriu com seus


objetivos de reestruturação do processo de desenvolvimento de novos produtos
da empresa, com base nos conceitos da gestão de projetos. Além disso, houve
contribuições para a empresa, pois a reestruturação organizacional trouxe maior
capacitação da empresa e de seus funcionários no que se refere à condução das
atividades de desenvolvimento de novos produtos, tão importantes face à com-
petição atual. As melhorias implementadas resultaram em maior performance no
mercado (com base no desenvolvimento de plataformas de produto com inovação
incremental), diminuição de devoluções e reclamações no desenvolvimento dos
projetos de novos produtos, bem como trouxeram um importante benefício de
redução no ciclo de desenvolvimento de seus produtos de dois para um ano. Hou-
ve ainda um aumento de participação de produtos novos na receita da empresa
(produtos desenvolvidos nos últimos três anos), como consequência de um ciclo
de desenvolvimento de novos produtos mais robusto. Cabe destacar que outras
práticas organizacionais foram implementadas na empresa, mas, sem dúvida, a
introdução dos princípios de gerenciamento de projetos e o aprimoramento da
estrutura organizacional foram decisivos para alcançar esses resultados.

Agradecimentos

O autor gostaria de agradecer a todas as pessoas que, direta ou indiretamente,


contribuíram para a condução deste trabalho. Em especial, o autor agradece aos
profissionais da empresa onde o estudo foi realizado e ao Prof. Lin Chih Cheng
da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Cabe observar, no entanto,
que o texto reflete a visão exclusiva do autor e não da empresa onde o trabalho
foi realizado. O autor também agradece a CAPES, CNPq e FAPESP pelo apoio
na condução do trabalho de pesquisa.

Questões para discussão

1. Analise a atual estrutura organizacional existente na sua empresa: como ela


se compara com a estrutura proposta para a empresa deste capítulo?
2. Com base nos conceitos do PMBoK e na literatura sobre gestão de projetos e
desenvolvimento de novos produtos, quais seriam outras oportunidades de
melhoria para a estrutura organizacional proposta para a empresa analisa-
da?

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 92 23/11/2009 09:17:03


Estrutura organizacional para a gestão de projetos no contexto do desenvolvimento de novos produtos 93

3. Discuta os tipos de autoridade citados na empresa estudada, relacionados ao


Comitê de Projetos, Coordenador de Projetos, Gerentes Funcionais e Gerentes
de Projeto.
4. Como a organização das equipes de desenvolvimento de novos produtos (ma-
tricial fraca) se relaciona com as outras instâncias de decisão no gerenciamento
de projetos?
5. Com base na Figura 9, discuta o caso da empresa apresentada neste capítulo.

INFLUÊNCIA DO PRODUTO NAS DECISÕES

Influência
relativa

INFLUÊNCIA DEPARTAMENTAL NAS DECISÕES

Organização Funcional Organização Matricial Organização por Produto

Autoridade departamental Autoridade Autoridade por projetos


dual

Figura 9 Relações conforme a estrutura organizacional.

Referências bibliográficas

CARVALHO, M. M.; RABECHINI JÚNIOR, R. Construindo competências para gerenciar


projetos: teoria & casos. São Paulo: Atlas, 2005.
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método de suporte: uma intervenção por meio de pesquisa-ação. 2006. Tese (Livre-docência
em Engenharia de Produção) – Escola Politécnica, USP, São Paulo.
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Produção, v. 18, no 2, p. 388-404, 2008.
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gerenciamento de projetos na práticav2.indb 93 23/11/2009 09:17:03


94 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

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management in the auto industry. New York: Harvard Business School Press, 2001.
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Journal of Operations & Production Management, v. 22, no 2, p. 220-240, 2002.
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KERZNER, H. Project management: a system approach to planning, scheduling and con-
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MEREDITH, J. R.; MANTEL JUNIOR, S. J. Project management: a managerial approach.
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PATAH, L. A. Alinhamento estratégico da estrutura organizacional de projetos: uma análise de
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PMI – Project Management Institute. Guide of Project Management Body of Knowledge –
PMBoK, 2004.
THIOLLENT, M. Metodologia da pesquisa-ação. São Paulo: Cortez, 1997.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 94 23/11/2009 09:17:03


5
Avaliação de desempenho em
projetos complexos: uma abordagem
tridimensional – prazo, custo & qualidade
André Vidal Campos e Marly Monteiro de Carvalho

1 Introdução

A avaliação de desempenho em projetos é um assunto bastante explorado


na literatura, mas o foco em geral recai sob a tradicional tríade de custo, prazo e
qualidade, que os Gerentes de Projeto focam para definir o sucesso ou fracasso
dos seus projetos.
A qualidade em projeto pode ser definida como atender às especificações
técnicas e aos requisitos gerenciais. No entanto, para ser considerado de sucesso,
isso não é suficiente, é preciso também satisfazer o cliente, atendendo aos seus
requisitos. É necessário adotar, portanto, uma avaliação de desempenho que
considere não só aspectos internos, mas também externa à organização, de tal
sorte que o projeto esteja com “foco no cliente”.
Embora seja uma preocupação dos gerentes, a tríade mencionada não é
monitorada de forma integrada. As técnicas de avaliação e controle de projeto
que monitoram os desvios com relação as estimativas de custo e prazo, como a
análise do valor agregado (EVA), não consideram a dimensão qualidade.
Neste capítulo, vamos apresentar um modelo integrado de avaliação e con-
trole de projeto tridimensional, no qual a tríade custo, prazo e qualidade do
produto final do projeto é de fato integrada.
As bases desse modelo integrativo estão apoiadas em alguns pilares teóri-
cos, como gerenciamento do valor agregado (EVM – Earned Value Management)
(FLEMING; KOPPELMAN, 2005; PMI, 2004; ANBARI, 2003; CARVALHO;
RABECHINI JR., 2007), já mencionado, associado ao desdobramento da função
qualidade (QFD – Quality Function Deployment), para a tradução dos requisitos do

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 95 23/11/2009 09:17:03


96 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

cliente (HAUSER; CLAUSING, 1988; CARVALHO, 1997, 2004) e a engenharia


de requisitos.
Neste capítulo apresentaremos um modelo integrado de avaliação de de-
sempenho denominado Modelo Multidimensional de Desempenho de Projetos
(Multidimesional Project Performance Model – MPPM), bem como sua aplicação em
um projeto piloto de um produto complexo.

2 Avaliação de desempenho tridimensional

Assim como um dia as avaliações de desempenho das dimensões custo e


prazo de um projeto eram realizadas isoladamente e posteriormente foram inte-
gradas com a criação do EVM, hoje a dimensão qualidade é tratada isoladamente
das de custo e prazo e uma proposta é apresentada para a integração das três
dimensões (custo, prazo e qualidade).
O modelo multidimensional de avaliação de desempenho de projetos consi-
derando de forma integrada as dimensões Custo, Prazo e Qualidade do Produto
do Projeto é descrito em duas publicações (PAQUIN; COUILLARD; FERRAND,
2000; SOLOMON; YOUNG, 2007). As duas publicações detalharam esse modelo
com algumas particularidades entre elas. As duas, no entanto, buscam soluções
através de variações do EVM e conseguem chegar ao mesmo resultado. Os no-
mes dados ao modelo são o Método da Qualidade Agregada ou Earned Quality
Method (EQM) (PAQUIN; COUILLARD; FERRAND, 2000) e Valor Agregado
Baseado em Desempenho ou Performance-Based Earned Value (PBEV) (SOLOMON;
YOUNG, 2007).
No entanto, a forma de controle da qualidade proposta não é apropriada
para projetos complexos. Dessa forma, as proposições iniciais de EQM foram
integradas ao QFD. Além disso, o planejamento de projetos utiliza uma estrutura
analítica de projeto (Work Breakdown Structure – WBS) e um sistema de alocação
de requisitos de acordo com as definições descritas na Engenharia de Sistemas.
A esse modelo integrado de avaliação de desempenho é dado o nome de Modelo
Multidimensional de Desempenho de Projetos (Multidimesional Project Performance
Model – MPPM).
Esse modelo destina-se à avaliação de desempenho de projetos complexos
cuja necessidade de monitoramento de atendimento de vários requisitos do clien-
te exige um processo formal e integrado das dimensões custo, prazo e qualidade
do produto final do projeto.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 96 23/11/2009 09:17:03


Avaliação de desempenho em projetos complexos: uma abordagem tridimensional – prazo, custo & qualidade 97

O princípio do modelo é a integração da dimensão qualidade no modelo


multidimensional já existente: o EVM.
Para adequar e integrar de fato a qualidade no modelo, adotou-se como a
visão de qualidade na perspectiva do cliente e incorporando a seus requisitos os
requisitos do produto, que exigem um detalhamento adequado dado ao foco em
produtos complexos. Em outras palavras, entregar para o cliente o produto do
projeto que faça aquilo que o cliente esperava que ele fizesse. Para tal, o modelo
integrará ao EVM conceitos relacionados à engenharia dos requisitos e ao con-
ceito de desdobramento da qualidade, em especial, o método do QFD (Quality
Function Deployment) em sua versão adaptada para projetos (CARVALHO, 2004)
A aplicação do método requer a realização das seguintes etapas (ver Figura 1).

s )
to te
uisi lien
q C
Re do D
z F
( Vo Q s
te ma s
o EV
Sis isit
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En ng.
E

MPPM

Figura 1 Construção do MPPM.

O levantamento dos requisitos do cliente para o produto final do projeto


e a transformação desses requisitos para a linguagem técnica será feita com a
aplicação do QFD, conforme ilustra a Figura 2.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 97 23/11/2009 09:17:03


98 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

Dependendo da
complexidade da WBS,
pode haver sucessivos
desdobramentos dos
CTQ deliverables do projeto e
(COMO)
pacotes de trabalho
CTQ – deliverables
HoQ #1 (COMO)

Variáveis Críticas
Casa HoQ #2 (COMO)
(O QUE)

da
CCQs

Deliverables HoQ #3
CTQ – deliverables
Qualidade
Controle
(O QUE) Aceitação
Estru dos
tura s Deliverables Alimenta a
im
t r a d i c ilar a QFD análise de EVA
ional

Fonte: Carvalho (2004).


Figura 2 QFD adaptada para projetos.

Outro aspecto importante para a adoção do MPPM é a construção da WBS


do projeto, seguindo princípios de engenharia de sistemas e articulando-os com
os requisitos levantados utilizando o QFD adaptado. É importante observar que
existe um rebatimento entre a estrutura analítica (WBS) e os requisitos de qua-
lidade, o que alguns autores exemplificam como estrutura analítica da qualidade
(QBS – Quality Breakdown Structure), conforme ilustra a Figura 3.
A construção do planejamento e a realização do acompanhamento do pro-
jeto ocorrem nos moldes semelhantes ao EVM, porém, agregando os dados de
desempenho dos requisitos do produto final do projeto ao plano e ao acompa-
nhamento (MPPM).
Destaca-se que, entre a identificação do requisito e sua implementação no
produto final do projeto, um requisito passa por uma evolução semelhante ao ciclo
de vida do próprio projeto. Durante o ciclo de vida do projeto, é comum identificar
que alguns requisitos que eram cumpridos numa fase anterior não estão sendo
cumpridos numa fase posterior e, caso um trabalho de contingenciamento seja
realizado a tempo, numa terceira fase, o requisito pode voltar a ser atendido dando
à dimensão qualidade uma característica variável. Por isso, a tradução correta de
um requisito para o escopo do projeto no início do projeto não garante que esse
requisito chegará ao fim do projeto “ileso”. Para garantir que esse requisito seja

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 98 23/11/2009 09:17:03


Objetivo Geral
QBS de Qualidade

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 99


Atributo 1 Atributo 2 Atributo i

Critério 1 Critério 2 Critério 3 Critério 4 Critério 5 Critério 6 Critério 7 Critério 8 Critério j

Deliverable 1 Deliverable 2 Deliverable 3 Deliverable 4 Deliverable 5 Deliverable 6 Deliverable 7 Deliverable 8 Deliverable k

Fase 1 Fase 1 Fase L

WBS Projeto

Figura 3 Estrutura analítica da qualidade (QBS) genérica.


Avaliação de desempenho em projetos complexos: uma abordagem tridimensional – prazo, custo & qualidade
99

23/11/2009 09:17:03
100 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

totalmente atendido pelo produto final do projeto, é importante que a avaliação


de desempenho do projeto considere a dimensão qualidade do produto final
do projeto e que essa avaliação seja realizada sistematicamente durante todo o
ciclo de vida do projeto, funcionando como um alerta antecipado para possíveis
problemas que apareçam na dimensão qualidade do produto final do projeto. O
MPPM integra a variação da dimensão qualidade dentro do modelo de avaliação
da variação das dimensões custo e prazo consagradas no EVM.
O processo de aplicação do MPPM é relativamente complexo, principalmente
no que diz respeito à alocação dos requisitos na WBS, que exige uma série de
manipulações dos pesos do QFD, nas várias etapas de desdobramento. O fluxo-
grama da Figura 4 apresenta os passos necessários para a aplicação do MPPM.

1. Construção do QFD 3. Construção do WBS


(HOQ – Requisito do Cliente x (conforme a
Requisito Técnico Engenharia de Sistemas)

2. HOQ Modificada 4. Construção da Matriz


(Matriz de relacionamento deve ser de Relação do WP
multiplicada pelo (Alocação dos requisitos técnicos
Grau de Importância) Aos WPs) (Eng. Requisitos)

5. Matriz de Relação WP
Requisito Cliente
(Alocação dos requisitos do cliente
aos requisitos técnicos e posteriormente
dos requisitos técnicos para os WPs)

6. Matriz de Relação WP
Req. Cliente Porcentual
(Transformação da matriz de
relação entre WP e Requisito
Cliente em alocação porcentual)

7. Alocação de Custos aos


Requisito Cliente
(Os custos de cada WP são alocados
ao requisito do cliente através da Matriz
de Relação WP × Requisito do Cliente)

8. Calcular os Índices do MPPM


(Acompanhar custo e prazo conforme
o EVM e o atendimento de requisitos
conforme a eng. de requisitos. Aplicar
os resultados nos cálculos do MPPM)

Figura 4 Fluxograma “passo a passo” para a aplicação do MPPM.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 100 23/11/2009 09:17:03


Avaliação de desempenho em projetos complexos: uma abordagem tridimensional – prazo, custo & qualidade 101

3 Projeto piloto: aplicando o MPPM passo a passo

Uma empresa que projeta e fabrica bens duráveis de alta complexidade foi
escolhida para a aplicação do MPPM em um projeto piloto e avaliação dos re-
sultados.
O projeto selecionado tem como produto final um bem durável utilizado pelo
cliente final em suas operações. Um cliente fez uma especificação de requisitos
preliminar que se encaixava até certo ponto em produtos fabricados pela empresa.
O cliente fez uma avaliação de um produto similar já fabricado pela empresa e,
após a avaliação, apontou quais seriam os requisitos que deveriam ser melhora-
dos e quais requisitos novos o produto final deveria atender. Em nenhum caso,
os requisitos foram considerados mandatórios.
Após avaliar os requisitos do cliente, os técnicos da empresa chegaram à
conclusão de que atender os requisitos tal qual o desejo do cliente seria econo-
micamente inviável, por isso, foi elaborada uma proposta onde seis requisitos
dos nove solicitados seriam atendidos totalmente e os outros três seriam aten-
didos parcialmente. Uma vez acordada, aquela passava a ser a Especificação de
Requisitos pactuada com o cliente.
O projeto era desafiante para a empresa, principalmente pelo prazo muito
curto previsto para sua execução (quatro meses entre o fim de 2005 e início de
2006). O projeto foi orçado em um pouco mais de US$ 1,1 milhão e o ciclo passa-
ria por todas as fases de desenvolvimento: concepção, detalhamento, implantação
e testes de validação. A complexidade foi considerada bastante alta, com alto
grau de dificuldade tecnológica, número alto de interfaces e um número alto de
critérios de desempenho técnico do produto final. Apesar dos desafios, o projeto
foi executado com total êxito de acordo com os critérios da empresa.
Os requisitos do cliente foram elaborados sem preocupação técnica, quase
como uma lista de desejos do cliente, fortemente baseados em critérios subjetivos.
O corpo de engenharia da empresa avaliou os requisitos do cliente e elaborou
requisitos técnicos que poderiam atender aos requisitos dos clientes e que pode-
riam ser desenvolvidos e comprovados objetivamente. Apesar dessa tradução de
requisitos do cliente para requisitos técnicos ter sido feita de maneira competente
pela equipe de engenharia, não foi utilizado nenhum método de avaliação de
requisitos tais quais os descritos no QFD ou na engenharia de requisitos.
A empresa aplicou o EVM para a avaliação de desempenho do projeto e man-
teve relatórios detalhados do andamento do projeto durante os quatro meses de
desenvolvimento. Os relatórios eram fornecidos pelo menos a cada quinzena,
chegando a ser semanais em alguns períodos.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 101 23/11/2009 09:17:04


102 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

Os relatórios apresentavam dados de desempenho de custo e prazo de acor-


do com o EVM, uma lista de marcos (milestones) críticos e uma análise geral do
projeto descrito como “Fatos Relevantes”.

3.1 Reconstrução da WBS do projeto piloto

A WBS original do projeto foi elaborada em parte de acordo com a engenharia


de sistemas e em parte como um modelo de fases. Para a aplicação do modelo de
referência, foi necessário recriar a WBS seguindo o conceito da engenharia de
sistemas. Para todo o projeto, foi possível refazer a reconstrução da WBS por
sistemas, não sendo necessário deixar nenhum WP para atividades de apoio. A
WBS original apresentava nove pacotes de trabalho (WPs), todos no primeiro
nível de desdobramento da WBS. A WBS modificada de acordo com a engenharia
de sistemas ficou com apenas seis WPs, todos classificados como subsistemas
do produto final do projeto. Os custos foram realocados para esta nova WBS,
assim como o cronograma foi reorientado para refletir a nova WBS mantendo os
pontos-chave necessários para simular o acompanhamento do projeto da mesma
forma como quando ele foi executado (ver Figuras 5 e 6).
Essa já foi a primeira dificuldade encontrada para a aplicação do modelo de
referência no projeto. Felizmente, havia como realizar a reconstrução da WBS,
porém nem sempre este será o caso e a doutrina de como se montar a WBS de
acordo com a engenharia de sistemas é necessária caso uma empresa pense em
utilizar o MPPM como critério de avaliação de desempenho dos seus projetos.

WBS Original

Projeto Piloto

WBE 1 WBE 2 WBE 3 WBE 4 WBE 5 WBE 6 WBE Fase A WBE Fase B WBE Fase C

US$ 28.308 US$ 56.650 US$ 44.285 US$ 195.382 US$ 162.234 US$ 14.031 US$ 303.772 US$ 217.043 US$ 88.571

WBS por Sistemas

Projeto Piloto

WBE 1 WBE 2 WBE 3 WBE 4 WBE 5 WBE 6

US$ 219.446 US$ 113.160 US$ 102.882 US$ 382.881 US$ 256.260 US$ 33.648

Figura 5 Reconstrução da WBS do projeto piloto.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 102 23/11/2009 09:17:04


Requisitos Técnicos Qualidade Planejada

Avaliação de
Desempenho Plano Peso

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 103


Grau de Importância
RT1
RT2
RT3
RT4
RT5
RT6
RT7
RT8
RT9
Nosso Produto
Concorrente 1
Concorrente 2
Plano da Qualidade
Índice de Melhoria
Argumento de Venda
Peso Absoluto
Peso Relativo

Requisitos do Cliente
RC1 2 3 9 3 4 4 4 1,33 1 2,7 6%
RC2 3 9 3 4 1 4 1,33 1 4,0 9%
RC3 3 3 9 3 4 4 4 1,33 1 4,0 9%
RC4 5 9 3 5 5 5 1,67 1 8,3 19%
RC5 1 9 3 3 5 5 1,67 1 1,7 4%
RC6 5 9 9 2 3 3 5 2,50 1 12,5 29%
RC7 1 9 2 3 3 3 1,50 1 1,5 3%
RC8 3 9 2 4 3 3 1,50 1 4,5 10%
RC9 3 9 2 4 3 3 1,50 1 4,5 10%

Peso Absoluto 2,1 0,8 0,2 0,5 0,8 2,9 1,7 2,6 0,3 12,0 Total Total 43,7 100%

Pesos
Peso Relativo 17,7% 6,9% 1,5% 4,6% 6,9% 24,0% 14,3% 21,4% 2,9% 100% Total

Correlação
9 Forte
3 Média
1 Fraca
Branco Inexiste
Avaliação de desempenho em projetos complexos: uma abordagem tridimensional – prazo, custo & qualidade
103

Figura 6 WP original e WBS por sistemas do projeto piloto.

23/11/2009 09:17:04
104 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

3.2 Construção do QFD

A segunda parte do planejamento que precisou ser reconstruída diz respeito


à alocação de requisitos. A empresa estudada não utiliza um processo formal de
levantamento e controle de requisitos e, por isso, não haveria como avaliar o pro-
jeto seguindo os passos do modelo de referência. A empresa possui um processo
subjetivo de controle de requisitos, cabendo à gerência o questionamento sobre
o andamento técnico do projeto. Como há uma forte veia técnica na empresa, há
um controle dos requisitos, ainda que não haja uma tratativa formal para tal.
Para a aplicação do modelo, faz-se necessário o desenvolvimento do QFD para
traduzir os requisitos do cliente em requisitos técnicos, mas também para obter
os dados necessários para realizar a alocação de requisitos por sistemas, descrito
no modelo de referência. Não é comum na empresa estudada o desenvolvimento
do QFD, o que já se mostra como uma das primeiras dificuldades da aplicação do
modelo de referência. Apesar da escassez de dados sobre requisitos e de um
processo formal de análise dos requisitos dentro da empresa, o QFD foi monta-
do a partir de dados obtidos dos relatórios e apresentações realizados na etapa
preliminar à aprovação do projeto. Esses relatórios e apresentações contêm os
dados do desejo do cliente, tal qual o cliente solicitou, além de menções àquilo
que seria mais importante do ponto de vista do cliente. Além disso, os dados de
como os requisitos do cliente foram analisados e transformados em requisitos
técnicos estavam disponíveis, o que facilitou a construção do QFD mesmo após
a realização do projeto (Figura 7).
Essa é a segunda dificuldade encontrada para a aplicação do modelo. A não
tratativa formal e a gestão efetiva dos requisitos do cliente no processo dificultam
a aplicação do modelo de referência.

3.3 Alocação dos requisitos

A realização da alocação dos requisitos foi muito mais complexa do que


previsto no modelo de referência.
Uma vez distribuída a WBS de acordo com subsistemas, é bastante lógica a
alocação dos requisitos técnicos pelos WPs. No entanto, para efeitos de avaliação
do projeto em relação aos requisitos do cliente, é necessário alocar os requisitos do
cliente aos WPs, o que não é tão trivial quanto à alocação dos requisitos técnicos.
Para realizar essa alocação, foi necessário desenvolver o desdobramento em dois
níveis. O primeiro nível parte da casa da qualidade (Figura 8), onde os requisitos
do cliente foram traduzidos para os requisitos técnicos. No entanto, foi necessário
modificar a casa da qualidade. Para apresentar o peso dos requisitos do cliente
nos requisitos técnicos, a correlação entre os requisitos técnicos e requisitos do

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 104 23/11/2009 09:17:04


Requisitos Técnicos Qualidade Planejada

Avaliação de
Desempenho Plano Peso

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 105


Grau de Importância
RT1
RT2
RT3
RT4
RT5
RT6
RT7
RT8
RT9
Nosso Produto
Concorrente 1
Concorrente 2
Plano da Qualidade
Índice de Melhoria
Argumento de Venda
Peso Absoluto
Peso Relativo

Requisitos do Cliente
RC1 2 3 9 3 4 4 4 1,33 1 2,7 6%
RC2 3 9 3 4 1 4 1,33 1 4,0 9%
RC3 3 3 9 3 4 4 4 1,33 1 4,0 9%
RC4 5 9 3 5 5 5 1,67 1 8,3 19%
RC5 1 9 3 3 5 5 1,67 1 1,7 4%
RC6 5 9 9 2 3 3 5 2,50 1 12,5 29%
RC7 1 9 2 3 3 3 1,50 1 1,5 3%
RC8 3 9 2 4 3 3 1,50 1 4,5 10%
RC9 3 9 2 4 3 3 1,50 1 4,5 10%

Peso Absoluto 2,1 0,8 0,2 0,5 0,8 2,9 1,7 2,6 0,3 12,0 Total Total 43,7 100%

Pesos
Peso Relativo 17,7% 6,9% 1,5% 4,6% 6,9% 24,0% 14,3% 21,4% 2,9% 100% Total

Correlação
9 Forte
3 Média
1 Fraca
Branco Inexiste
Avaliação de desempenho em projetos complexos: uma abordagem tridimensional – prazo, custo & qualidade
105

Figura 7 QFD – casa da qualidade do projeto piloto.

23/11/2009 09:17:04
106 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

cliente foi multiplicada pelo grau de importância de cada requisito do cliente


(Figura 9). Assim, foi possível incorporar a importância do requisito na matriz
de correlação, o que, posteriormente, orienta melhor a alocação dos custos nos
requisitos levando em consideração a importância dada pelo cliente.
O segundo nível de desdobramento foi a realização da alocação dos requisitos
técnicos nos WPs (Figura 10). Por fim, a partir da utilização dos dados da ma-
triz de relacionamento dos requisitos do cliente com os requisitos técnicos, foi
transferida a relação dos requisitos do cliente até os WPs da WBS, possibilitando,
finalmente, a alocação dos custos dos WPs para cada requisito.

Requisitos Técnicos

Grau de
RT1

RT2

RT3

RT4

RT5

RT6

RT7

RT8

RT9
Requisitos Importância
do Cliente
RC1 2 6 18
RC2 3 27
RC3 3 9 27
RC4 5 45
RC5 1 9
RC6 5 45 45
RC7 1 9
RC8 3 27
RC9 3 27

Figura 8 Casa da qualidade modificada.

Requisitos Técnicos
RT1

RT2

RT3

RT4

RT5

RT6

RT7

RT8

RT9

WPs
WP1 9 9
WP2 9
WP3 9 9
WP4 9 9
WP5 9
WP6 9

Figura 9 Relação de WP com requisito técnico.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 106 23/11/2009 09:17:04


Avaliação de desempenho em projetos complexos: uma abordagem tridimensional – prazo, custo & qualidade 107

A alocação dos requisitos nos WPs foi então realizada em dois passos:

• Primeiro, aloca-se cada requisito do cliente aos WPs a partir da soma do


produto da alocação dos requisitos técnicos aos WPs pelo produto da
alocação dos requisitos do cliente aos requisitos técnicos (Figura 10).
• Em seguida, faz-se a transformação da alocação absoluta em uma
distribuição porcentual por WP usando como base o peso da alocação
(Figura 11).

A matriz resultante (Figura 11) é, finalmente, a matéria-prima para a alocação


dos requisitos dos clientes aos WPs conforme o modelo de referência.

WBS
WP 1

WP 2

WP 3

WP 4

WP 5

WP 6
Requisitos do Cliente

RC1 0 0 216 0 0 0

RC2 0 243 0 0 0 0

RC3 324 0 0 0 0 0

RC4 0 0 0 405 0 0

RC5 0 0 0 0 0 81

RC6 0 0 0 405 405 0

RC7 0 0 0 81 0 0

RC8 243 0 0 0 0 0

RC9 243 0 0 0 0 0

Peso Alocação 810 243 216 891 405 81

Figura 10 Relação de WPs com requisito.

Por último, a alocação de custos de cada WP foi distribuída por cada requisito
do cliente conforme definido no modelo de referência (Figura 12).

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 107 23/11/2009 09:17:05


108 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

WBS

WP 2
WP 1

WP 3

WP 4

WP 5

WP 6
Requisitos do Cliente

RC1 0% 0% 100% 0% 0% 0%

RC2 0% 100% 0% 0% 0% 0%

RC3 40% 0% 0% 0% 0% 0%

RC4 0% 0% 0% 45% 0% 0%

RC5 0% 0% 0% 0% 0% 100%

RC6 0% 0% 0% 45% 100% 0%

RC7 0% 0% 0% 9% 0% 0%

RC8 30% 0% 0% 0% 0% 0%

RC9 30% 0% 0% 0% 0% 0%

Figura 11 Matriz de relacionamento WP × requisito do cliente em forma percentual.

WBS

Valor Alocado
para Cada
Requisito
WP 1

WP 2

WP 3

WP 4

WP 5

WP 6

Requisitos
do Cliente 219.446,10 113.160,67 102.882,90 382.881,89 256.260,15 33.648,29

RC1 – – 102.883 – – – 102.882,90

RC2 – 113.161 – – – – 113.160,67

RC3 87.778 – – – – – 87.778,44

RC4 – – – 174.037 – – 174.037,22

RC5 – – – – – 33.648 33.648,29

RC6 – – – 174.037 256.260 – 430.297,38

RC7 – – – 34.807 – – 34.807,44

RC8 65.834 – – – – – 65.833,83

RC9 65.834 – – – – – 65.833,83

Figura 12 Alocação de custos do projeto por requisito do cliente.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 108 23/11/2009 09:17:05


Avaliação de desempenho em projetos complexos: uma abordagem tridimensional – prazo, custo & qualidade 109

3.4 Acompanhamento do projeto piloto conforme o MPPM

Uma vez montada a estrutura de planejamento do projeto piloto, o acom-


panhamento foi realizado conforme descrito no modelo de referência. Entre as
medidas de controle realizadas, foram utilizados os dados de EVM do projeto
original, o acompanhamento da evolução dos requisitos de acordo com dados
retirados do planejamento e dos relatórios de acompanhamento e, por fim, foram
realizados os cálculos para a aplicação do MPPM.
Durante a evolução do projeto, os requisitos tiveram um comportamento de
acordo com a Figura 13.

Nível de Atendimento dos Requisitos

Dia 0 Dia 7 Dia 14 Dia 21 Dia 28 Dia 35 Dia 42 Dia 49 Dia 56 Dia 63 Dia 70 Dia 77 Dia 84

RC1 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 0% 0%

RC2 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100%

RC3 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100%

RC4 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100%

RC5 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100%

RC6 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100%

RC7 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100%

RC8 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100%

RC9 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100%

Figura 13 Nível de atendimento dos requisitos.

O problema com o requisito RC1 foi detectado apenas quando o requisito


chegou à fase de testes, de acordo com a evolução do status do requisito durante
o projeto (Figura 14). Nessa etapa, os testes com os sistemas demonstraram que
o requisito RC1 não havia sido atendido. Nesse instante, não havia mais mano-
bra que pudesse ser realizada para tentar recuperar o atendimento do requisito,
dado que faltavam apenas duas semanas para o fim do prazo do projeto. Apesar
do fato de o requisito não ser atendido o projeto seguiu adiante sem que houves-
se nenhuma tratativa sobre o requisito não cumprido, fosse ela uma negociação
com o cliente para uma ação de correção pós-entrega do projeto ou um atraso
no projeto para que ações fossem realizadas para recuperar o atendimento do
requisito.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 109 23/11/2009 09:17:05


110 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

Evolução dos Requisitos

Dia 0 Dia 7 Dia 14 Dia 21 Dia 28 Dia 35 Dia 42 Dia 49 Dia 56 Dia 63 Dia 70 Dia 77 Dia 84

RC1 Alocado Alocado Alocado Alocado Projetado Projetado Projetado Projetado Projetado Projetado Implem. Testado Testado

RC2 Alocado Alocado Alocado Projetado Projetado Projetado Projetado Projetado Projetado Projetado Implem. Implem. Testado

RC3 Alocado Projetado Projetado Projetado Projetado Projetado Projetado Projetado Projetado Projetado Implem. Implem. Testado

RC4 Alocado Alocado Alocado Alocado Alocado Alocado Projetado Projetado Projetado Projetado Implem. Testado Testado

RC5 Alocado Alocado Alocado Projetado Projetado Projetado Projetado Projetado Projetado Projetado Implem. Testado Testado

RC6 Alocado Alocado Alocado Alocado Alocado Alocado Projetado Projetado Projetado Projetado Implem. Testado Testado

RC7 Alocado Alocado Alocado Alocado Alocado Alocado Projetado Projetado Projetado Projetado Implem. Testado Testado

RC8 Alocado Projetado Projetado Projetado Projetado Projetado Projetado Projetado Projetado Projetado Implem. Implem. Testado

RC9 Alocado Projetado Projetado Projetado Projetado Projetado Projetado Projetado Projetado Projetado Implem. Implem. Testado

Figura 14 Evolução do status dos requisitos.

A evolução do status dos requisitos também pode ser visualizada conforme


diagrama da Figura 15.

Ciclo de vida dos requisitos do projeto piloto

-
Dia 0 Dia 7 Dia 14 Dia 21 Dia 28 Dia 35 Dia 42 Dia 49 Dia 56 Dia 63 Dia 70 Dia 77 Dia 84
Meses
Requisitos testados Requisitos implementados Requisitos projetados Requisitos alocados

Figura 15 Diagrama de evolução do status dos requisitos.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 110 23/11/2009 09:17:05


Avaliação de desempenho em projetos complexos: uma abordagem tridimensional – prazo, custo & qualidade 111

Apesar do não cumprimento do requisito RC1, o projeto foi considerado


bem-sucedido pela empresa. Os resultados de acordo com o EVM foram real-
mente muito satisfatórios. Já os resultados de acordo com o MPPM não são tão
satisfatórios assim. Os dois resultados (EV e EQ) são apresentados em conjunto
com as medidas valor planejado (PV) e custo atual (AC) (Figura 16).

Projeto piloto

1.200.000
PV
EV
1.000.000
EQ
AC
800.000
US$

600.000

400.000

200.000


Dia 77

Dia 98
Dia 14

Dia 21

Dia 28

Dia 70
Dia 56

Dia 63
Dia 35

Dia 42

Dia 49

Dia 84

Dia 91
Dia 0

Dia 7

Tempo

Figura 16 Earned value e earned quality do projeto.

É evidente a diferença entre o MPPM e o EVM. O QV ao fim do projeto


equivale ao custo previsto para a implementação do requisito RC1 no projeto
piloto (Figura 17).
SV e CV se mantiveram dentro do esperado apesar da corrida no final do
projeto para terminá-lo a tempo e da folga que ficou clara no orçamento do pro-
jeto. SPI e CPI são apresentados juntamente com QPI no gráfico da Figura 18 e
mostram o mesmo resultado já visto nos gráficos anteriores.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 111 23/11/2009 09:17:05


112 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

Variações de custo, prazo e qualidade – projeto piloto


250.000
SV
200.000 CV
QV
150.000

100.000

50.000
US$

(50.000)

(100.000)

(150.000)
Dia 21

Dia 49

Dia 56

Dia 63

Dia 77

Dia 84
Dia 70

Dia 91

Dia 98
Dia 14

Dia 28

Dia 35

Dia 42
Dia 0

Dia 7

Tempo

Figura 17 Variação de Custo (CV), Variação de Prazo (SV) e Variação de Qualidade


(QV) do projeto.

Índices de desempenho do projeto piloto

1,60

1,40

1,20

1,00
Índice

0,80

0,60

0,40
SPI
CPI
0,20
QPI

Dia 28

Dia 35

Dia 63

Dia 77

Dia 91
Dia 56

Dia 84
Dia 7

Dia 14

Dia 21

Dia 42

Dia 49

Dia 70

Dia 98
Dia 0

Tempo

Figura 18 Índices de desempenho de Custo (CPI), Prazo (SPI) e Qualidade (QPI).

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 112 23/11/2009 09:17:06


Avaliação de desempenho em projetos complexos: uma abordagem tridimensional – prazo, custo & qualidade 113

3.5 Análise dos resultados

A aplicação do modelo de referência em um projeto piloto levantou as difi-


culdades de implantação do modelo. Mesmo para um projeto muito bem estru-
turado, com registros detalhados num processo bem controlado de projeto, há
a dificuldade de aplicação do modelo. O que se espera para empresas com baixa
maturidade em gerenciamento de projetos é uma dificuldade ainda maior, dada
a falta de metodologia para lidar com os dados básicos de escopo, custo e prazo
do projeto.
O processo necessário para lidar com os requisitos e a qualidade do produto
final do projeto é ainda menos usual nas empresas, o que pode dificultar a aplica-
ção mesmo em empresas que lidam bem com os dados de escopo, custo e prazo.
A evolução requerida para essas empresas é a de aprender a lidar com dados de
requisitos do cliente, aplicando uma metodologia de gestão de requisitos que
permita o acompanhamento dos requisitos do cliente desde a abertura do pro-
jeto até a comprovação da implantação do requisito no produto final do projeto.
Por isso, dentro do trabalho realizado para a aplicação do modelo, fica claro que
uma empresa que busque utilizar o MPPM como forma de avaliar o desempenho
de seus projetos já deve estar familiarizada e praticando os seguintes pontos de
gerenciamento de projetos e gerenciamento de requisitos:

• Conhecimento claro dos requisitos do cliente e elaboração de desdobra-


mentos dos requisitos do cliente conforme QFD ou outra ferramenta
equivalente.
• Utilização da base dos requisitos do cliente para definição de escopo
do projeto.
• Manutenção da rastreabilidade entre requisitos técnicos e escopo e
entre requisitos técnicos e requisitos do cliente.
• Elaboração de planos de projetos e aprovação da base do projeto com
escopo detalhado acompanhado de custos e prazos quebrados em uma
estrutura analítica de projeto (WBS).
• Acompanhamento da evolução do atendimento dos requisitos do cliente
durante o ciclo de vida do projeto.
• Acompanhamento de custos e prazos do projeto conforme o EVM.

Esses seriam os requisitos para que uma empresa pudesse evoluir para a
aplicação do MPPM para monitoramento do desempenho de seus projetos.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 113 23/11/2009 09:17:06


114 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

4 Análise crítica do MPPM em comparação com o EVM

Os princípios do EVM são a fundação do MPPM. No entanto, o MPPM agrega


alguns princípios que possibilitam a realização de um gerenciamento de projetos
mais efetivo (SOLOMON; YOUNG, 2007). Em resumo, as diferenças e seme-
lhanças existentes entre o MPPM e o EVM são apresentadas no Quadro 1.

Quadro 1 Quadro comparativo de princípios do EVM e do MPPM.

Princípio EVM MPPM

Planejar todo o trabalho necessário para cumprir o escopo até o fim do


Sim Sim
projeto.

Integrar os requisitos do produto final do projeto dentro do planejamento


Não Sim
do projeto.

Integrar os objetivos de custo, prazo e escopo do projeto em uma medida


de avaliação de desempenho contra o qual os progressos possam ser Sim Sim
medidos.

Especificar o desempenho necessário para atender aos requisitos do produto


Não Sim
final do projeto como base de medida para o valor agregado.

Utilizar o custo atual do projeto para avaliar o trabalho realizado. Sim Sim

Analisar variações significativas em relação ao planejamento, avaliar


Sim Sim
impactos.

Integrar o gerenciamento de risco com a avaliação de desempenho do


Não Sim
projeto.

Fonte: Adaptado de Solomon e Young (2007).

A capacidade do MPPM de se basear nos requisitos do produto final do


projeto através de técnicas de engenharia de requisitos traz para o modelo a
dimensão da qualidade do produto final do projeto. No entanto, o modelo acaba
por levar outras vantagens ao gerenciamento do projeto, como a possibilidade de
gestão integrada do risco técnico. O próprio processo de levantamento e análise
dos requisitos de forma sistemática provoca um melhor entendimento de como
atender aos requisitos do cliente.
A integração das disciplinas de Qualidade (QFD), Engenharia de Sistemas
(Engenharia de Requisitos) e Gerenciamento de Projetos torna o modelo uti-
lizado no MPPM complexo, porém, bastante completo e capaz de disseminar e
monitorar a implantação a “voz do cliente” no produto final do projeto.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 114 23/11/2009 09:17:06


Avaliação de desempenho em projetos complexos: uma abordagem tridimensional – prazo, custo & qualidade 115

Questões para discussão

1. Quais são as diferenças entre a EVA e o MPPM?


2. Discutas os resultados dos índices CPI, SPI e QPI no projeto piloto. Qual o
impacto do QPI na avaliação do sucesso do projeto?
3. Quais são os requisitos organizacionais necessários para a implementação do
MPPM?
4. Quais são os cuidados que o gerente de projeto deve ter nas etapas iniciais
do ciclo de vida do projeto para poder adotar o MPPM?
5. Como o gerente pode se valer das planilhas de acompanhamento ao longo do
projeto?

Referências bibliográficas

ANBARI, F. T. Earned value project management method and extensions. Project Manage-
ment Journal, v. 34, no 4, p. 12-23, Dec. 2003.
CARVALHO, M. M. QFD: uma ferramenta de tomada de decisão em projeto, ano de ob-
tenção. Tese (Doutorado) – Universidade Federal de Santa Catarina, UFSC, 1997.
. Gestão de projetos. Apostila PRO 2801. Escola Politécnica da Universidade de São
Paulo, 2004.
; RABECHINI JR., R. Construindo competências para gerenciar projetos. São Paulo:
Atlas, 2005. 317 p.
FLEMING, Q. W.; KOPPELMAN, J. M. Earned value project management? Newtown Square,
PA: Project Management Institute, 2005.
HAUSER, J. R.; CLAUSING, D. The house of quality. The Harvard Business Review, v. 66,
no 3, p. 63-73, May/June 1998.
PAQUIN, J. P.; COUILLARD, J.; FERRAND, D. J. Assessing and controlling the qua-
lity of a project end product: the earned quality method. IEEE Transactions on Engineering
Management, v. 47, no 1, p. 88-97, Feb. 2000.
PMI. A guide to the Project Management Body of Knowledge (PMBoK®Guide). 3. ed.
Newtown Square, PA: Project Management Institute, 2004.
SOLOMON, P. J.; YOUNG, R. R. Performance-Based Earned Value®. IEEE Computer
Society. Hoboken, NJ: John Wiley, 2007.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 115 23/11/2009 09:17:06


6
Inovação de produtos para o
mercado externo: a experiência
da Sadia em exportações e
investimentos diretos no exterior
Eva Stal e Ana Maria Mota Garcia Lopes

1 Introdução

Atualmente, o comércio internacional tornou as vantagens comparativas


de um país, resultantes de condições naturais como a abundância de algum
fator de produção, insuficientes para que uma empresa obtenha sucesso. A
competitividade de um país depende, cada vez mais, da capacidade de inovação
de produtos, processos ou serviços de suas empresas.
O objetivo geral do capítulo é conhecer as estratégias de desenvolvimento
de novos produtos para o mercado internacional em uma empresa de produtos
alimentícios consolidada no Brasil, com forte atuação em P&D de produtos e
processos, e que tem buscado o mercado externo como alternativa de cresci-
mento.
A Sadia é uma empresa nacional que se desenvolveu e consolidou no mercado
doméstico, utilizando procedimentos inovadores desde a sua fundação, em 1944.
Inicialmente buscando o mercado avícola, a empresa firmou sua posição como
a maior empresa nesse segmento. A partir daí, passou a prospectar o mercado
de suínos, obtendo igualmente posições privilegiadas no mercado brasileiro.
Antevendo as mudanças nos hábitos do consumidor, lançou refeições prontas,
que rapidamente se tornaram referências nos lares brasileiros (<www.sadia.
com.br>).
Entre os objetivos complementares, buscamos: (1) conhecer as motivações
da Sadia para focalizar o mercado externo; (2) compreender o processo de inter-
nacionalização da empresa, sua estratégia e seus estágios; (3) analisar o processo
decisório para escolha dos países-alvo de suas ações; (4) analisar o processo de
desenvolvimento de novos produtos, à luz dos modelos conceituais; e (5) iden-

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 116 23/11/2009 09:17:06


Inovação de produtos para o mercado externo: a experiência da Sadia em exportações e investimentos diretos 117

tificar as estratégias de inovação tecnológica, de acordo com a classificação de


Freeman e Soete (1997).
Como metodologia, foi utilizado o método qualitativo, através de um estudo de
caso único (YIN, 2001; CAMPOMAR, 1991). Embora haja um grande número
de estudos em internacionalização de empresas, são poucos os que analisam a
importância da inovação no sucesso internacional. A empresa objeto do estudo
foi escolhida por ser uma organização com marca consolidada no país, destacada
posição no mercado externo, e que enfatiza a inovação de produtos. Não foi en-
contrado trabalho que contemplasse em conjunto os temas de internacionalização
e modelos e estratégias de inovação com relação à Sadia.
Foi feita ampla pesquisa bibliográfica sobre esses temas. A coleta de dados
sobre a empresa foi feita mediante pesquisa documental e entrevistas com roteiro
semiestruturado. Foram levantados também dados estatísticos e setoriais que se
relacionam à empresa estudada.

2 A internacionalização de empresas e a inovação

2.1 Teorias sobre a internacionalização de empresas

Existem diversas formas de entrada no mercado internacional, que implicam


um envolvimento crescente da firma. Elas vão desde a exportação, passando
pelas franquias, licenciamentos, aquisições de empresas, alianças contratuais
(joint-ventures), chegando ao estágio de investimento direto no exterior, no qual
a empresa instala primeiramente fábricas, até chegar a centros de pesquisa e
desenvolvimento no país de destino (IGLESIAS; VEIGA, 2002).
Mas a escolha do modo de entrada também guarda relação com fatores ine-
rentes à capacidade das empresas de ter sucesso naqueles mercados escolhidos
para atuação. Na economia globalizada, as fontes de competitividade podem ser
relacionadas aos seguintes aspectos (CASTELLS, 2001):

• Acesso a um grande mercado afluente integrado: propiciado por acor-


dos internacionais, tais como NAFTA, Mercosul e União Europeia,
que possibilitam acesso a mercados com a redução de restrições, por
exemplo, alfandegárias.
• Diferencial entre os custos de produção local e os preços do mercado
de destino, que devem ser considerados juntamente com a magnitude
do mercado a se alcançar.
• Capacidade política das instituições nacionais e supranacionais para
impulsionar a estratégia de crescimento dos países: o exemplo dos

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 117 23/11/2009 09:17:06


118 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

governos japonês e sul-coreano bem ilustra esta situação, uma vez


que esses países saíram de patamares de fabricação de produtos de
baixa qualidade para se tornarem exemplos de fabricantes de produtos
de alta qualidade, basicamente por meio de políticas industriais bem
conduzidas por seus governos.
• Capacidade tecnológica, que inclui um conjunto de fatores científicos,
tecnológicos, industriais e sociais, que interagem produzindo uma total
articulação entre ciência, tecnologia, gerenciamento e produção, em sis-
temas de níveis complementares com recursos humanos qualificados.

O processo de internacionalização das empresas tem sido motivo de estudos


acadêmicos mais numerosos desde os anos 70, e pode ser explicado por duas
vertentes principais de pensamento: as teorias de cunho comportamental – cuja
principal representante é a Escola de Uppsala ou U-Model (JOHANSON; VAHLNE,
1977; JOHANSON; WIEDERSHEIM-PAUL, 1975) – e as teorias econômicas da
internacionalização – aqui representadas pelo Paradigma Eclético de Dunning
(1980, 1988, 2001).
A exportação é a forma mais simples e importante para se ganhar experiência
no mercado externo. Exige da firma investimentos em prospecção de mercado,
rede de distribuição, armazenamento e logística de transporte do produto, e
cumprimento das exigências específicas do mercado de destino. As exportações
podem ser diretas, intermediadas e auxiliadas, e cooperativas (JAIN, 1990). Na
primeira, a empresa monta seu próprio departamento de exportação, que trata
de todos os trâmites para a venda dos produtos no mercado internacional. A
grande vantagem dessa forma de acesso é o controle total do processo de en-
trada, podendo a empresa, inclusive, construir sua própria rede de distribuição
internacional.
Ao optar pela exportação intermediada e auxiliada, os custos e riscos são
menores que o da exportação direta, e o comprometimento da empresa também
é menor, o que pode levar à falta de controle sobre a distribuição dos produtos
no mercado internacional. Na exportação cooperativa (piggyback), a empresa
utiliza os canais de distribuição de uma empresa local para vender seus pro-
dutos naquele mercado. Usa-se essa estratégia, considerada uma inovação na
distribuição internacional, quando as linhas de produtos se complementam. Os
investimentos são menores do que na exportação direta, e o controle é maior do
que no segundo caso.
Joint-ventures são empreendimentos formados por parceiros distintos, em
geral, entre uma empresa estrangeira e uma local, que se propõem a dividir recur-
sos e responsabilidades na criação de uma nova empresa no mercado almejado.
Usualmente, a empresa estrangeira participa desta aliança com um aporte maior
de recursos e com um know-how específico, de valor internacional. À empresa

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 118 23/11/2009 09:17:06


Inovação de produtos para o mercado externo: a experiência da Sadia em exportações e investimentos diretos 119

nacional, com seu conhecimento do mercado local, cabe a gestão de menor risco
(DUTRA, 1997). A joint venture possibilita o crescimento, pois a empresa conhece
melhor o novo ambiente, estabelecendo estratégias de marketing específicas e
obtendo maior acesso aos insumos locais, reduzindo custos (SUAREZ, 1990).
Para a Escola de Uppsala, o processo de internacionalização ocorre através
de um comprometimento gradual da empresa com o mercado externo, e do
aprendizado resultante da experiência e conhecimentos adquiridos (JOHANSON;
VAHLNE, 1977). O conceito de gradualismo surgiu com o trabalho de Johanson
e Wiedersheim-Paul (1975) sobre empresas exportadoras suecas, ao perceberem
que estas apresentavam comportamentos semelhantes em suas incursões no mer-
cado internacional. A partir daí, dois novos conceitos foram identificados: cadeia
de estabelecimento e distância psíquica. O primeiro especifica que a empresa
investe mais recursos à medida que avança no conhecimento sobre o mercado
internacional, e os investimentos são aportados de forma incremental, à medida
que a firma se sente mais segura nesse mercado.
A distância psíquica reflete as diferenças percebidas entre valores, práticas
gerenciais, educação e cultura de dois países. Os autores observaram que as em-
presas suecas comumente investiam nos países próximos (Dinamarca, Noruega,
Finlândia), com cultura, educação e língua semelhantes, e esses mercados eram
utilizados como portas para o mercado global.
Esse modelo demonstra o processo de passagem de empresa nacional para
empresa internacional, e preconiza que a falta ou dificuldade de obtenção de co-
nhecimento sobre mercados externos seria um obstáculo para o desenvolvimento
das operações internacionais. Assim, a teoria defende que o processo de interna-
cionalização de uma empresa é resultado de uma série de decisões incrementais.
A empresa avançaria no processo à medida que adquirisse experiência, o que
é um processo único, específico de cada mercado. Mas, para alguns críticos, a
aceleração do processo de globalização da economia modificou o comportamento
empresarial, tornando o conceito de distância psíquica irrelevante.
Entre as teorias econômicas, o Paradigma Eclético da Produção Internacio-
nal de Dunning (1980, 1988) buscou identificar os fatores que influenciariam
a decisão de produção no exterior de empresas multinacionais. A dimensão, a
localização geográfica e a composição da produção industrial das empresas inte-
ressadas em investimento direto no exterior são determinadas pela interação de
três tipos de vantagens percebidas: de propriedade, de localização e de internali-
zação. Para uma empresa ter sucesso internacionalmente, ela deve possuir algum
tipo de vantagem competitiva (ownership) em relação a seus concorrentes. Essa
vantagem ou conjunto delas pode ser relativa a patentes, economias de escala,
controle ou acesso privilegiado a algum ativo.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 119 23/11/2009 09:17:06


120 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

Tendo a vantagem de propriedade, a empresa analisa a importância dos atra-


tivos locais (location) para investimento internacional. Vantagens de localização
são o tamanho do mercado consumidor e perspectiva de crescimento, custos de
transporte, custos de produção, presença e nível dos concorrentes, e subsídios
governamentais para o investimento, como isenção ou redução de impostos.
Assim, analisadas as vantagens anteriores, a empresa considera a possibilidade
de produzir no exterior (internalization) ou ceder o uso da sua vantagem compe-
titiva de propriedade por meio de contratos ou licenças. Ainda segundo Dunning
(1994), de acordo com sua motivação principal, as empresas transnacionais
utilizam quatro estratégias para investir em outros países:

• Resource seeking: a empresa busca explorar, a custos menores, os recursos


naturais disponíveis no país estrangeiro.
• Market seeking: ao utilizar esta estratégia, a empresa explora as vantagens
de novos mercados.
• Efficiency seeking: as empresas transnacionais buscam vantagem de escala
e racionalização da produção, além de outras vantagens locacionais ao
elegerem esta estratégia.
• Strategic asset seeking: a empresa busca um conjunto estruturado de
competências, tais a capacitação para inovação de produtos, que lhe
proporcione maiores vantagens competitivas naquele mercado.

A inovação é um diferencial em mercados globais, aliando a qualidade dos


produtos de uma empresa à habilidade em adaptá-los a diferentes mercados.
Com relação ao conceito de inovação, a última versão do Manual de Oslo (OCDE,
2005) considera quatro tipos de inovação – de produto ou serviço, de processo, de
marketing e organizacional. A palavra tecnológica foi retirada das definições
de inovação.

2.2 Fontes de inovação

A inovação pode ser incremental ou radical. A primeira conduz a aperfeiçoa-


mentos graduais, enquanto a segunda conduz a mudanças significativas, podendo
dar origem a novas indústrias, setores ou mercados. A inovação incremental é
evolução; a inovação radical é revolução. Sbragia et al. (2006) classificam as fontes
de inovação em: internas à empresa; relacionadas aos mercados de insumos e
produtos em que a empresa opera; de domínio público, e variadas.
As fontes internas à empresa são aquelas que nascem nos seus departa-
mentos, tais como os de Marketing, Engenharia e P&D. Clientes, fornecedores
de equipamentos, materiais e serviços, concorrentes nacionais ou estrangeiros,

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 120 23/11/2009 09:17:06


Inovação de produtos para o mercado externo: a experiência da Sadia em exportações e investimentos diretos 121

cópias, licenciamento ou compra da tecnologia, engenharia reversa dos produtos


concorrentes – são exemplos de fontes relacionadas aos mercados de insumos e
produtos. Como fontes de domínio público são citadas as produções da acade-
mia, como artigos científicos, dissertações e teses, além de feiras e exposições.
Interações com institutos de pesquisa e universidades, parcerias e alianças
tecnológicas são fontes de inovação onde a empresa procura conhecimento e
capacitação.
A inovação está intimamente ligada à busca por uma posição competitiva.
Dependendo dos objetivos da empresa, ela adota uma linha de ação, o que con-
figura um dos seis tipos de estratégia definidos por Freeman e Soete (1997). As
empresas podem selecionar uma ou mais estratégias em diferentes segmentos e
suas atividades e mudá-las ao longo do tempo.

Tabela 1 Estratégias tecnológicas.


Estratégia Linha de ação Objetivo

Introdução de novos produtos e Ser líder do mercado


OFENSIVA
processos no mercado

Introdução de novos produtos e Não ficar para trás. Não copiar os


DEFENSIVA
processos, sem ser pioneira inovadores, mas superá-los

Adotar tecnologias desenvolvidas Não ficar obsoleto


IMITATIVA
por outros

Subordinação a outras empresas Satisfazer às exigências dos clientes


DEPENDENTE
(clientes ou empresa-mãe) ou da empresa-mãe

Não inovar ou limitar-se à adoção de Manter o status quo


TRADICIONAL inovações de processos desenvolvi-
dos por outros

Identificação de oportunidades em Melhorar sua posição pelo aprovei-


OPORTUNISTA
mercados em mudança tamento de oportunidades

Fonte: Tigre (2006), baseado em Freeman e Soete (1997).

2.3 Modelos de inovação

O processo de inovação tecnológica se inicia com a percepção de um proble-


ma, e seu objetivo final encontra-se na aceitação comercial do produto. O caminho
existente entre a ideia inicial e o produto final pode ser explicado através dos
vários modelos de inovação (BARBIERI, 2003; VIOTTI; MACEDO, 2003), que
evoluíram desde o modelo linear até o modelo sistêmico de inovação, utilizado
atualmente.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 121 23/11/2009 09:17:06


122 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

No modelo linear ou science push, as inovações são impulsionadas pela ciên-


cia. Também conhecido como modelo ofertista, compõe-se de cinco fases ou
atividades-pesquisa básica, pesquisa aplicada, desenvolvimento experimental,
engenharia do produto e do processo, produção e lançamento comercial no
mercado. Já no modelo linear reverso ou demand pull, a inovação surge de uma
necessidade de mercado ou de problemas operacionais observados nas unidades
produtivas, seguindo-se uma fase de geração de ideias. As atividades seguintes
são as mesmas do modelo linear, mas, diferente dele, onde a academia estimu-
lava o processo, neste os agentes principais são as empresas, catalisadoras das
necessidades do mercado.
Os dois modelos falham na sua concepção linear, que não explica totalmente
o que ocorre no interior das organizações. Essa falha foi suprida por Kline (1978),
no modelo conhecido por elo de cadeia, onde são enfatizadas as interações entre
as diferentes fases do processo. Estudos posteriores levaram a uma abordagem
ainda mais complexa – o modelo sistêmico de inovação – onde as empresas não
inovam sozinhas, mas no âmbito de um sistema de redes e relações com univer-
sidades, institutos de pesquisa, com outras empresas etc.
Os modelos descritos acima foram resultado de esforços para entender o
processo de inovação, e são chamados modelos explicativos. O modelo de Clark
e Wheelwright (1993) é do tipo prescritivo porque lança uma orientação sobre
as atividades dos agentes para desenvolver a inovação. É composto de três fases:
geração de ideias; análise e seleção das melhores ideias; e desenvolvimento dos
projetos aprovados. Na segunda fase, são selecionadas as ideias mais adequadas
aos objetivos da empresa, com base em parâmetros como aporte de recursos, pra-
zos ou mercados a serem atingidos. O modelo também é conhecido como “modelo
do funil”, e é muito utilizado pelas empresas para a seleção de projetos.

3 Estudo de caso: Sadia alimentos

3.1 Histórico da empresa

Apesar de a inovação no setor de alimentos contar com o apoio de institui-


ções públicas como o Instituto de Tecnologia de Alimentos (ITAL), o Instituto
Agronômico de Campinas (IAC) e a EMBRAPA, a maioria das empresas não tem
a cultura de investir em P&D.
Segundo Zucoloto (2004), que utilizou a base de dados da Pesquisa Industrial
– Inovação Tecnológica do IBGE (PINTEC), a alocação de recursos por ativida-
de inovadora na indústria brasileira de alimentos e bebidas se dá da seguinte
forma:

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 122 23/11/2009 09:17:07


Inovação de produtos para o mercado externo: a experiência da Sadia em exportações e investimentos diretos 123

• 73,7% vão para a aquisição de máquinas e equipamentos, treinamento


e projetos industriais.
• 12,1%, para a introdução de inovações tecnológicas no mercado.
• 10,2%, para atividades internas de P&D.
• 4%, para a aquisição de conhecimentos externos.

Para a OCDE (2005), a aquisição de máquinas e equipamentos constitui


inovação de processo. Observa-se que as empresas buscam a modernização tec-
nológica em vez de empreender um esforço inovador intencional. Cabral (2000)
também mostra que esse setor é, em geral, pouco inovador. As empresas mais
integradas e diversificadas, de maior porte, que investem em P&D e que utilizam
parcerias no desenvolvimento tecnológico, tendem a ser as mais inovadoras. Esse
é o caso da Sadia.
Líder nacional em todas as atividades em que opera, a Sadia é uma das 40
maiores empresas brasileiras, destaca-se como uma das maiores exportadoras do
país e uma das maiores empresas de alimentos da América Latina. No mercado
brasileiro, tem um portfólio de cerca de 680 itens, que são distribuídos para
aproximadamente 300 mil pontos de venda. Para o mercado externo, exporta
perto de 250 produtos para 92 países. A Sadia lança de 60 a 90 novos produtos
a cada ano. É considerada a marca mais valiosa do setor de alimentos brasileiro,
em avaliação da consultoria Interbrand.
Em 7 de junho de 1944, Atílio Fontana fundou a Sadia, nome composto
das iniciais SA de Sociedade Anônima e das três últimas letras – DIA – de Con-
córdia, Santa Catarina, onde iniciou suas atividades. Inicialmente, o frigorífico
abatia cerca de 100 suínos por dia, fabricando os subprodutos dessa carne, como
presuntos, salames e toucinhos. Em 1947, a Sadia inaugurou uma distribuidora
em São Paulo, visando ao mercado nacional. Nos anos 50, a empresa ajudou a
fundar uma associação de colonos na cidade de Concórdia, oferecendo orientação
técnica para a criação de suínos.
Em 1964, foi criada a primeira unidade industrial de carnes e derivados fora
de Concórdia. Nessa unidade, na zona oeste da capital paulista, a Frigobrás lan-
çou o hambúrguer Sadia, seguindo uma tendência mundial no consumo desse
tipo de carne. No início da década de 70, a Sadia abriu o capital na Bolsa de Va-
lores e mudou sua razão social para Sadia Concórdia S.A. Indústria e Comércio,
sendo controladora de um grupo de cinco empresas do setor agroindustrial e
comercial.
No final dos anos 70, a gordura animal começou a perder lugar para as
gorduras vegetais e a Sadia iniciou a industrialização da soja, o que contribuiu
para a redução dos custos de criação de animais para abate. Observando que o
mercado poderia absorver a produção excedente, em 1991 a empresa inaugu-

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124 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

rou uma fábrica de creme vegetal e margarinas. Anos depois, ela foi a primeira
empresa a comercializar pratos prontos à base de soja no mercado brasileiro, a
linha “Sadia Vita Soja”.
Em 1982, foi criada uma estrutura até então inédita no mercado de alimen-
tos brasileiro: o Serviço de Informação ao Consumidor Sadia, implantado nove
anos antes de entrar em vigência o Código de Defesa do Consumidor. No final da
década, a empresa possuía vários tipos de negócios (carne animal, biotecnologia,
melhoramento genético, soja) em diferentes estados (Paraná, Rio de Janeiro,
Mato Grosso, Santa Catarina e São Paulo).
Nos anos de 1990, a empresa saiu do mercado de carne bovina e de soja,
passando a concentrar-se na produção e distribuição de alimentos industrializa-
dos, congelados e resfriados. No final daquela década, foi o primeiro abatedouro-
frigorífico a obter as certificações ISO 9001 e ISO 14001 para todo o seu um
parque fabril, composto por 12 fábricas instaladas em sete estados: Santa Catarina
(Concórdia e Chapecó), Rio Grande do Sul (Três Passos), Paraná (Dois Vizinhos,
Francisco Beltrão, Toledo, Paranaguá e Ponta Grossa), Mato Grosso (Várzea
Grande), Rio de Janeiro (Duque de Caxias), São Paulo (São Paulo) e Minas Gerais
(Uberlândia). Ainda em 1999, ela adquiriu a Granja Rezende, tradicional centro
de excelência em genética e produção avícola e suinícola em Minas Gerais, numa
região privilegiada para a expansão dos negócios do Centro-Oeste.
A empresa, já consolidada no mercado de aves e suínos, buscou ser a primei-
ra no nicho de mercado de sobremesas, numa estratégia de abandonar o rótulo
de agroindústria para vir a ser conhecida como uma empresa de alimentos. Em
1999, comprou a empresa de sobremesas congeladas Miss Daisy. De 12 tipos de
produtos em 2001, passou para mais de 30 em 2005. A divisão de sobremesas
representa 7% das vendas de congelados da empresa, e as vendas para restau-
rantes (food service) representam 30% do total, além de servir como termômetro
das preferências do consumidor (D’AMBROSIO, 2005).
As linhas de produto estão assim classificadas: in natura (frango inteiro e em
pedaços, inclusive temperado, mas que não sofreu processos térmicos); empa-
nados de frango e peru (empanados de suínos até agora só no mercado interno);
cozidos (carne bovina e cubado, muito utilizado em cadeias de lanchonetes);
pizzas; pratos prontos. E sobremesas.
Desde 2002, a empresa tornou-se fornecedor regular da rede McDonald’s,
não só no Brasil como também em vários países da América Latina, Inglaterra,
França, Alemanha e Japão.
Atuando como companhia aberta desde 1971, em 2001 a SADIA lançou
ADRs (American Depositary Receipts) na Bolsa de Nova Iorque, representan-
do um grande passo no sentido de sua internacionalização. Também em 2001,
aderiu ao Nível 1 de Governança Corporativa da Bolsa de Valores de São Paulo

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Inovação de produtos para o mercado externo: a experiência da Sadia em exportações e investimentos diretos 125

(Bovespa). Em 2007, a empresa ingressou no ISE (Índice de Sustentabilidade


Empresarial – ISE), da Bovespa, que reflete uma carteira composta por ações de
empresas com reconhecido comprometimento com a responsabilidade social e
a sustentabilidade empresarial.
No final de 2008, a Sadia mantinha 17 unidades industriais próprias em oito
Estados brasileiros e uma em Kaliningrado, na Rússia – que entrou em operação
em 2008 –, além de duas unidades agropecuárias e 12 centros de distribuição
espalhados por estados brasileiros. Através de seu Sistema de Fomento Agro-
pecuário, mantém parceria com cerca de dez mil granjas integradas de aves e
suínos.
No exterior, tem representações comerciais no Uruguai, Inglaterra, Argenti-
na, Chile, Alemanha, Rússia, Turquia, Emirados Árabes, Japão e Venezuela. São
125 mil clientes no Brasil e 628 no mercado externo. Ela também se classifica
entre as maiores empregadoras brasileiras, de acordo com o ranking Melhores &
Maiores, da revista Exame. Eram 60.580 funcionários ao final de 2008.
Em 2007, a empresa adquiriu os ativos da BK Poultry, na Holanda, com
investimentos de US$ 2 milhões, para a fabricação de alimentos processados de
carne bovina e aves (<www.pecuaria.com.br>. Acesso em: 9 abr. 2008).
Em março de 2009, foi inaugurada a primeira unidade da Sadia no Nordeste,
localizada no município de Vitória de Santo Antão, a 50 quilômetros de Recife. É
a primeira fábrica do setor de carnes do Brasil a neutralizar 100% das emissões de
carbono. O projeto, que teve investimento da ordem de R$ 300 milhões, produz
embutidos, devendo gerar uma receita adicional de R$ 390 milhões por ano. Está
prevista a criação de 1,5 mil empregos diretos e cerca de 4 mil indiretos quando
a fábrica estiver em pleno funcionamento, o que levará mais tempo por conta de
perdas financeiras em 2008.
A empresa recebeu alguns prêmios importantes em 2008, tais como:

• Prêmio ABIA (Associação Brasileira das Indústrias de Alimentos), como


a empresa do setor que mais gera empregos no Brasil – cerca de 60 mil
colaboradores, sendo dez mil novas vagas apenas em 2008.
• Prêmio Apex Brasil de Excelência em Exportação – melhor gestão de
marca.
• Entre “As 100 empresas de maior prestígio”, promovido por Época Ne-
gócios, classificou-se em quinto lugar.

3.2 Alguns resultados financeiros

Apresentando um crescimento sustentado ao longo de sua história, a Sa-


dia enfrentou alguns reveses pontuais no mercado externo, devido a restrições

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126 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

sanitárias por parte de alguns países clientes. No primeiro semestre de 2006, a


empresa faturou R$ 3,53 bilhões, 10,6% menos que no mesmo período do ano
anterior, e teve lucro de R$ 84,5 milhões, o que significou um recuo de 65,5%
sobre os R$ 245,1 milhões do primeiro semestre de 2005. Esse resultado pode
ser atribuído à crise provocada pela gripe aviária e ao embargo russo por causa
da febre aftosa.
O volume comercializado pela Sadia no mercado interno cresceu 12,2% em
2006, em relação a 2005, somando 928,6 mil toneladas, com receita de R$ 4,5
bilhões (5,4% superior ao ano anterior). O aumento das vendas resultou prin-
cipalmente da estratégia de pulverização dos canais de distribuição, dos lança-
mentos de produtos compatíveis com o poder de compra dos consumidores e do
aperfeiçoamento da gestão das marcas. No decorrer do ano, destacou-se a linha
de industrializados (processados, congelados, resfriados, margarinas e cremes
vegetais), que representa cerca de 80% das vendas internas.
Em meio ao cenário positivo de 2007 – quando o volume das exportações do
agronegócio brasileiro bateu recorde –, a Sadia fechou o ano com receita bruta
de R$ 9,9 bilhões, maior valor registrado em sua história. O volume de vendas
totalizou 2,1 milhões de toneladas, crescimento de 7,4% no mercado interno e
de 19,1% nas exportações em relação a 2006, atingindo lucro líquido de R$ 768
milhões. Destacaram-se os produtos industrializados, com ampliação de 12,4%
no Brasil e 45,1% no mercado externo, com crescente demanda nesse segmento
em todas as regiões do mundo. As vendas no mercado externo passaram a res-
ponder por 45,4% da receita total.
Em 2008, a empresa obteve a maior receita anual de sua história: R$ 12,2
bilhões, crescimento de 23% em relação a 2007. O volume total comercializado
aumentou 8,3%, o mercado interno cresceu 12,2% e o mercado externo, 5%.
A empresa foi a líder brasileira em alimentos industrializados e a sexta maior
exportadora, com vendas superiores a US$ 3 bilhões. Foi destinado R$ 1,8 bi-
lhão a projetos que permitiram expandir a capacidade produtiva, adotar novas
tecnologias e aperfeiçoar a infraestrutura de distribuição e logística. Esse aporte
garante uma situação privilegiada, com capacidade instalada que dará susten-
tação a um crescimento consistente, sem a necessidade de grande aplicação de
recursos nos próximos anos.
Todavia, a Sadia registrou em 2008 o primeiro prejuízo anual em seus 64
anos de história, reflexo de perdas financeiras com instrumentos derivativos e
dos impactos da desvalorização do real. O resultado líquido negativo no exercício
foi de R$ 2,48 bilhões. Mas, segundo o Relatório da Administração (2008), esse
resultado não reflete o desempenho operacional da empresa, conforme citado
acima. A Sadia encerrou o ano de 2008 com o maior volume de investimentos
já realizado em toda a sua história.

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Inovação de produtos para o mercado externo: a experiência da Sadia em exportações e investimentos diretos 127

Tabela 2 Principais indicadores financeiros 2004 – 2008.


2004 2005 2006 2007 2008

VENDAS (mil ton.) 1.602 1.829 1.893 2.147 2.326

Mercado interno 736 824 929 998 1.120

Mercado externo 866 1.005 964 1.149 1.206

Receita bruta (milhões R$) 7.317 8.328 7.940 9.910 12.192

Mercado interno 3.732 4.252 4.482 5.410 6.607

Mercado externo 3.585 4.076 3.458 4.500 5.585

LUCRO/PREJUÍZO LÍQUIDO 439 657 377 768 (2.485)

DÍVIDA LÍQUIDA/PATRIMÔNIO LÍQUIDO 17,8% 18,8% 53,6% 22,5% 1.448,5%

Fonte: Sadia – Relatório Anual 2008.

Após uma oferta hostil de compra da Perdigão em 2006, recusada pela con-
corrente, uma fusão entre as empresas foi decidida no mês de maio de 2009. O
objetivo principal é capitalizar a Sadia, após as perdas financeiras sofridas em
2008. Não deve haver aporte de dinheiro por parte da Perdigão, apenas troca
de ações. A expectativa é que o BNDES capitalize a empresa resultante (Portal
Exame; Folha de S. Paulo, 2009). Uma estratégia já definida é usar a marca Sadia
(tradição) como avalista dos produtos da empresa e o modelo de gestão da Per-
digão (eficiência).
A empresa resultante se chamará Brasil Foods, nome semelhante ao criado
em 2001, quando foi constituída uma joint-venture para atuar no mercado interna-
cional, a BRF International Foods, desfeita um ano depois. Será a maior empresa
produtora de proteína animal do mundo, e a décima em faturamento entre as
companhias de alimentos das Américas, com faturamento de R$ 22 bilhões.

3.3 O processo de internacionalização – o foco nas exportações

A Sadia iniciou seu processo de exportações em 1967, com os primeiros


contratos de exportação de carnes bovinas e suínas congeladas para a Europa,
numa operação de valor simbólico. Algumas viagens de reconhecimento foram
realizadas buscando o aprendizado técnico, a aproximação com industriais e téc-
nicos europeus e o conhecimento dos hábitos alimentares de diversos países, o
que proporcionou o desenvolvimento de novos cortes e produtos para diferentes
mercados.

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128 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

No início dos anos 70, o mercado interno para a carne de frango era pequeno,
cerca de 20% do consumo atual. A produção excedente de frangos, por conta da
expansão da avicultura nas regiões Sul e Sudeste, foi importante estímulo para
as vendas externas. Naquela ocasião, um grande importador de carne de frango
do Oriente Médio procurou a Sadia, pois enfrentava problemas com seus forne-
cedores europeus. A empresa vislumbrou no Oriente Médio a possibilidade de
escoamento de sua produção.
Em 1975, iniciaram-se, em grande escala e com subsídios oficiais, as exporta-
ções de frango congelado para o Oriente Médio. Até então, era utilizado o trading,
modalidade em que a empresa contrata serviços de empresas especializadas em
exportação para executarem todo o trâmite alfandegário, além de representar a
firma no exterior. A década de 80 consolidou a vocação exportadora da empresa.
Em 1980, foi criada a Sadia Trading, responsável pelas operações internacionais.
No mesmo ano, as exportações ultrapassaram os U$ 100 milhões para o Oriente
Médio, Extremo Oriente, Japão, Hong Kong, além da Europa e Estados Unidos.
Em 1996, foi construída uma filial da Sadia Trading em Buenos Aires, para coor-
denar a montagem de uma rede de distribuição própria naquele país, aproveitando
as oportunidades do Mercosul. A empresa possui oito centros de distribuição,
onde são preparados os embarques para o exterior, que são abastecidos por uma
frota terceirizada de 1.600 veículos refrigerados, além da utilização da navegação
de cabotagem e do transporte ferroviário.
O Conselho de Administração estabelece, anualmente, as diretrizes estra-
tégicas para o mercado externo. A Diretoria Comercial do Mercado Externo e o
Presidente da Sadia escolhem os mercados-alvo, de acordo com as metas a serem
atingidas. Em 2000, as exportações representavam 26,8% da receita bruta da
empresa; em 2001, esse percentual passou para 38%, e a empresa detinha 30%
do volume brasileiro de exportação de aves.
Naquele ano, a Sadia participou da criação de uma joint-venture com sua gran-
de concorrente do setor alimentício, a Perdigão. Em abril de 2001, anunciaram
a criação da BRF International Foods, uma exportadora que iria levar as carnes
suínas e de aves das duas empresas para países emergentes, ainda inexplorados
pelas duas companhias. Cada um dos acionistas detinha 50% do negócio, que
teria uma gestão independente. A meta de faturamento para o primeiro ano era
de US$ 150 milhões, devendo atingir US$ 500 milhões em cinco anos.
Essa aliança deveria permitir importantes vantagens competitivas, graças
ao modelo brasileiro de produção integrada de animais, adotado por ambas, e
a possibilidade de ganhos logísticos, a partir de melhores negociações de fretes
e formação de estoques. Rússia, Ucrânia e Bielorússia eram os principais alvos,
além de Egito, África do Sul e Angola (África), República Dominicana e Cuba
(Caribe), Irã, Iraque e Jordânia (Oriente Médio). Nos países onde já estavam
consolidadas, Sadia e Perdigão continuariam a ser concorrentes.

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Inovação de produtos para o mercado externo: a experiência da Sadia em exportações e investimentos diretos 129

Entretanto, em outubro do ano seguinte, a parceria foi desfeita (CORREIA,


2002). Apesar dos bons resultados iniciais, a trading enfrentou a concorrência de
fornecedoras de países que subsidiavam sua agroindústria, conforme nota emitida
por ocasião da ruptura. A Perdigão criou, então, a empresa BFF – Brazilian Fine
Foods como uma subsidiária integral. Já a Sadia continuou a atuar nos mercados
externos sem criar uma empresa específica.
Na avaliação da Perdigão, alguns dos objetivos traçados para a atuação da
aliança foram prejudicados, inicialmente em consequência da decisão de au-
toridades veterinárias da Rússia, principal mercado da nova empresa, que não
autorizaram a comercialização dos produtos brasileiros diretamente ao varejo.
Também devido ao crescimento do volume de vendas, o mercado russo passou a
comportar operações comerciais distintas da Sadia e da Perdigão, sem perda de
competitividade para outros players internacionais. Já para a Sadia, o problema
foram as estratégias e as culturas organizacionais distintas das duas empresas.
Nos anos seguintes, as exportações continuaram a crescer, chegando a re-
presentar 49% das receitas em 2005. Naquele ano, a empresa bateu recordes de
exportação, faturando R$ 4,1 bilhões de reais, o que significou um aumento de
13,7% em relação a 2004. As vendas internas foram de R$ 4,252 bilhões.
Em 2006, o cenário foi bem diferente. A gripe aviária prejudicou signifi-
cativamente os resultados da Sadia no mercado externo, fazendo com que as
estratégias de venda se voltassem para o mercado interno (PEIXOTO, 2006).
Com o novo contexto pós-crise aviária, os exportadores brasileiros passaram a
concentrar esforços na América do Sul, que aumentou em cerca de 70% suas
importações de frango brasileiro. Na África, houve um acréscimo de mais de 30%
no primeiro semestre de 2006.
O volume das exportações foi 6% inferior ao do ano anterior, devido à queda
do consumo mundial de aves e em decorrência da restrição das importações de
suínos pela Rússia. A retomada da demanda, no segundo semestre, permitiu
fechar o ano com receita operacional bruta de R$ 7,9 bilhões, a segunda maior
da história da Sadia, embora 4,7% menor que a obtida em 2005. As exportações
representaram 43,5% das receitas, e se mantiveram em torno de 45 a 46% em
2007 e 2008.
O grande diferencial dos produtos Sadia no exterior e que confere maior
competitividade à empresa são a customização de produtos e o custo compe-
titivo. Desde 1996, a empresa definiu a estratégia de aumentar a participação
dos produtos de maior valor agregado nas vendas, com o objetivo de reforçar
seu posicionamento como empresa capaz de satisfazer às diversas necessidades
do consumidor e de se proteger contra as oscilações típicas dos mercados de
commodities.
A empresa adapta os produtos à demanda dos clientes, principalmente em
sabores. Devido à qualidade, na Rússia e no Oriente Médio a empresa tem um

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nome forte, muito conhecido dos consumidores. O insinuante “S” da Sadia já é


visto por ingleses, árabes, ucranianos e japoneses, e a marca já é pronunciada em
21 idiomas. São produtos industrializados de maior valor agregado, que custam
o triplo dos frangos in natura, como os pratos prontos, nuggets, hambúrgueres e
empanados. Em alguns mercados, onde a marca ainda não é conhecida, a Sadia
faz copacking, ou seja, permite que seus produtos tenham o rótulo de um fabri-
cante local.
Uma de suas principais vantagens comparativas, considerada em sua es-
tratégia de internacionalização, foi ter sido criada no Brasil, com clima e solo
favoráveis, grande variedade de grãos cultiváveis e abundância e qualidade da
água (o maior lençol freático do mundo). Por estas razões, não era interessante
para a Sadia ter fábricas no exterior, pois toda a sua cadeia de produtores está
no país. Ela possui uma ampla e complexa cadeia de produção, que engloba 12,5
mil fornecedores de milho e soja, além de 10 mil integrados de frangos, suínos
e perus. Tem ainda cerca de mil fornecedores de bovinos habilitados.
O próximo mercado que a empresa pretende conquistar é a China. Em 1994,
ela inaugurou, com a empresa chinesa Sky Dragon, uma churrascaria em Pequim,
chamada Beijing Brasil. Seu objetivo básico era conhecer o mercado, e ela pôde
constatar uma boa aceitação da carne brasileira. Outro mercado a alcançar é a
Índia. A carne de frango consumida naquele país não passa por nenhum tipo de
industrialização, já que as aves são vendidas, em sua maioria, vivas. Com o cres-
cimento da classe média, os hábitos de consumo vêm mudando e os alimentos
processados vêm ganhando adeptos.
A Sadia é a marca estrangeira do segmento de processados mais conhecida
no mercado russo, de acordo com pesquisa da Magram Market Research, e líder
nas categorias de nuggets e lasanhas. No Oriente Médio, é a primeira marca em
industrializados de carne, frango inteiro e partes de frango. Além desses mer-
cados, houve um crescimento das exportações para a Europa, Ásia e Américas,
resultando um crescimento de 31,7% no volume total das exportações, com
principal destaque para o aumento de vendas dos produtos processados. São
mais de 645 clientes em diferentes países.

3.4 Novas estratégias de internacionalização – a abertura de fábricas no


exterior

A partir de 2005, a Sadia voltou a investir no mercado de carne bovina – cerca


de 2% de suas exportações –, pois percebeu uma grande demanda em mercados já
abastecidos pela empresa com carne suína e de frango, como a Rússia e a região
do Cáucaso. Os investimentos da empresa ocorreram num momento em que a
informalidade no setor vinha sendo reduzida, garantindo melhores condições

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Inovação de produtos para o mercado externo: a experiência da Sadia em exportações e investimentos diretos 131

sanitárias da pecuária no país. O cenário anterior impedia uma maior cota de


exportações, já que o Brasil não possuía um bom conceito de higiene no mercado
internacional (ROCHA, 2005).
Em março de 2006, a Sadia anunciou a construção de sua primeira fábrica fora
do Brasil – uma joint-venture com a russa Miratorg, uma das maiores distribuidoras
de carnes daquele país, com investimentos de U$ 70 milhões. Inicialmente, o
frigorífico fabricaria produtos industrializados de carne, como salsicha e ham-
búrgueres, e numa etapa posterior seriam fabricados pratos prontos congelados.
Com essa fábrica, situada em Kaliningrado, a Sadia não estaria sujeita à cota
de importação que a Rússia impõe a países exportadores, que inclui também a
carne de frango.
A Miratorg já era parceira da Sadia na Rússia, distribuindo apenas produtos in
natura, comercializados com as marcas próprias de varejistas locais (MARTINEZ;
SCARAMUZZO, 2006). Dado o grande potencial de crescimento do segmento
de produtos industrializados, além da ambição de desenvolver a marca própria
no mercado russo, a Sadia decidiu investir na sua primeira fábrica no exterior,
arcando com 60% dos investimentos. A fábrica recebeu o nome de Concórdia,
e cerca de 25% de sua produção seria destinada ao abastecimento exclusivo de
produtos processados de aves para a rede McDonald’s, na Rússia e nos países
da Comunidade dos Estados Independentes (ex-repúblicas da antiga União
Soviética).
Kaliningrado, enclave russo no mar Báltico, entre Polônia e Lituânia, foi
escolhido por ser um porto importante, localizado em uma região estratégica,
com acesso fácil a países da Europa Central, dotado de estradas, ferrovias e do
único porto russo que não congela durante o inverno. Por ele, a Sadia colocaria
10 mil toneladas por mês de produtos na Rússia. Além disso, a região isenta
de impostos as matérias-primas importadas para a produção de bens que serão
vendidos na Rússia (Valor Online – Agronegócios – 3 dez. 2007). A fábrica foi
inaugurada em dezembro de 2007 e representava uma nova fase do processo de
internacionalização da Sadia. A unidade também tornou a empresa, que já era
forte no país, a marca estrangeira mais conhecida no mercado russo.
Uma segunda fábrica nos Emirados Árabes estava nos planos da empresa em
2008, uma vez que a demanda da região é muito alta – as exportações da Sadia
para o Oriente Médio somam US$ 550 milhões ao ano. E ainda uma terceira,
em 2009, em um país asiático, seguindo os planos de crescimento da empresa.
Os resultados obtidos no Oriente Médio são fruto de um trabalho contínuo que
a Sadia vem fazendo na região desde a década de 80, quando iniciou as vendas
de frango congelado para alguns países. Hoje, essas nações recebem o maior vo-
lume das exportações da companhia e respondem por 26% do total das vendas
externas da empresa.

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3.5 A área de P&D e a gestão de projetos

As empresas enfrentam o desafio constante de atender à demanda por novos


produtos, e devem estar atentas às oportunidades de mercado ou a novas ideias,
geradas internamente ou vindas de clientes. Mas é preciso definir prioridades, e
acoplá-las à capacidade de execução ou de financiamento.
Na década de 80, foi criado um Departamento de Pesquisa e Desenvolvimento
para dar suporte técnico-científico às áreas responsáveis pelo desenvolvimento
de processos, produtos e embalagens. A assembleia geral extraordinária de março de
1984 aprovou a constituição de um fundo especial para P&D, aportado do lucro,
em até 10% do capital social. Segundo o relatório anual, “este recurso retido se
destinaria a dar suporte à pesquisa e desenvolvimento integrado de novos pro-
dutos, a fim de proporcionar condições futuras à manutenção e permanência do
empreendimento em bases consistentes e realistas” (SADIA, 1985). Em meados
da década de 90, refletindo a importância das atividades de inovação, criou-se
a Diretoria de Desenvolvimento de Processos e Produtos (DDPP), que abrange
as Gerências de Produtos e Processos, Embalagem, Engenharia, Instalações In-
dustriais e Análise Sensorial e Instrumental. A DDPP atende às solicitações de
projetos que provêm de toda a empresa, e seus principais clientes são as áreas de
marketing, que contam com gerências organizadas de acordo com as famílias
de produto.
Foram definidas as seguintes missões para a DDPP (ROMANO; CIA,
2002):

1. Desenvolver novas famílias/conceitos de produto ou plataformas (pro-


jetos tipo rompimento).
2. Estender famílias de produtos existentes (projetos tipo extensão):
geralmente, têm como função renovar o portfólio de produtos de forma
a manter os resultados atuais.
3. Melhorar processos e produtos, reduzir custos e aumentar produtividade
(projetos tipo derivativo).
4. Ampliar a capacitação tecnológica da empresa (DDPP e áreas relacio-
nadas), através de assessorias internas e treinamento, de modo a dar
suporte às missões anteriores.

A Sadia apresenta uma organização matricial para projetos de desenvolvi-


mento de novos produtos, representada por equipes multifuncionais, com par-
ticipantes das áreas de P&D, marketing, produção, suprimentos, entre outros,
lideradas pelos coordenadores de projeto.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 132 23/11/2009 09:17:08


Inovação de produtos para o mercado externo: a experiência da Sadia em exportações e investimentos diretos 133

Para atender às necessidades específicas dos projetos tipo rompimento e tipo ex-
tensão, foram estabelecidos processos de desenvolvimento distintos, em paralelo,
que se baseiam no modelo “Stage-Gate” (COOPER et al. 2000). Esse modelo prevê
etapas e pontos de decisão, e as empresas que o adotam são capazes de mapear
com maior facilidade as inconsistências em seus processos, uma vez que os gates
(pontos de decisão) facilitam a visão dos problemas pelas equipes multifuncionais
envolvidas, contribuindo para que novos critérios de controle, sugestões de novas
ideias e revisões sejam incorporados (AJAMIAN; KOEN, 2002).
As principais etapas são: seleção de ideias, investigação preliminar, estudo de
oportunidades, desenvolvimento, implantação e lançamento. Os dois processos
paralelos se diferenciam na velocidade de execução das tarefas, na profundidade e
extensão das análises técnicas e mercadológicas, nas exigências para a aprovação
de cada fase e, especialmente, nos responsáveis pela decisão.
Os projetos tipo rompimento são definidos a partir da seleção de ideias
de diversas áreas da empresa (brainstorming), que sugerem a criação de novos
negócios ou novas famílias de produtos. Em princípio, não há um limite definido
de propostas que podem passar para a fase seguinte. É avaliada a atratividade do
novo negócio, seu alinhamento com o planejamento estratégico, coerência com
as tendências de mercado e, por fim, a disponibilidade de recursos financeiros.
Há evidente prioridade para esses projetos, apesar de riscos maiores.
Para os projetos de extensão, o processo ocorre ininterruptamente, seguindo
as oportunidades identificadas pela área de marketing. Em geral, são projetos
que não exigem investimentos e são aprovados em um fórum menor, constituído
pelas Diretorias e Gerências de marketing e a DDPP.
Os projetos que requeiram investimento em novas linhas de produção ou
equipamentos, ou que necessitem de contratação de mão de obra adicional, in-
dependentemente do tipo, são aprovados pela Comissão de Desenvolvimento,
liderada pela Diretoria Industrial e pela Diretoria de Marketing e Vendas e cons-
tituída pelas demais Diretorias e Gerências envolvidas no projeto (ROMANO;
CIA, 2002).

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 133 23/11/2009 09:17:08


134 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

Tabela 3 Características típicas dos projetos tipo rompimento e tipo extensão na Sadia.
Perspectiva Projetos tipo rompimento Projetos tipo extensão

Produto do projeto Novos produtos em novas famílias Novos produtos em famílias existentes
(plataformas)

Fonte de ideias Planejamento estratégico e análises de Oportunidades de mercado, solicitações


(periodicidade) oportunidades de novos negócios (uma de consumidores e necessidades de
a duas vezes/ano) renovação do portfólio existente (fluxo
contínuo)

Esforços de Exigem elevados esforços de investi- Exigem baixos esforços de investigação,


investigação gação tecnológica e mercadológica, uma vez que se baseiam em informa-
preliminar e requerem pesquisas de mercado e ções e conhecimentos provenientes dos
desenvolvimento testes conceituais produtos existentes

Investimentos Requerem elevados investimentos em Podem ser elaborados a partir de linhas


novas linhas de produção e marketing existentes com pequenas adaptações,
com baixo ou nenhum investimento
em ativos

Prazos para Geralmente superiores a um ano Geralmente inferiores a seis meses


implantação

Recursos Humanos Coordenador e equipe dedicam-se Coordenador e equipe dedicam tempo


em tempo integral ao projeto. São parcial ao projeto
obrigatoriamente alocados profissionais
seniores

Ferramentas de Empregam-se métodos de desdobra- Utilizam-se matrizes de qualidade


desenvolvimento mentos da função qualidade (QFD), resumidas e/ou adaptadas das matrizes
pesquisas de mercado e focus group que definiram a família de produtos no
passado. Realizam-se testes sensoriais
afetivos quando necessário

Avaliação/ O coordenador apresenta periodica- O coordenador solicita reuniões com a


acompanhamento mente a evolução do trabalho, expõe Comissão de Desenvolvimento sempre
do trabalho os problemas encontrados e solicita que considera necessário ou lhe é
apoio e recursos à Comissão de Desen- solicitado
volvimento

Aprovação nos Comissão de Desenvolvimento Comissão de Desenvolvimento (com in-


portões (gates) vestimento) ou Diretorias de marketing
e DDPP

Fonte: Romano et al. (2002).

O Centro de Tecnologia (P&D) está localizado na cidade de São Paulo, onde


trabalham cerca de 60 funcionários. Aproximadamente 90% são engenheiros de
alimentos e engenheiros químicos, e 10% são técnicos, trabalhando com todos
os produtos do portfólio, independentemente das linhas de pesquisa (carne,
frango, suíno etc.). Além da DDPP, a empresa conta com a seguinte estrutura
nesta área:

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 134 23/11/2009 09:17:08


Inovação de produtos para o mercado externo: a experiência da Sadia em exportações e investimentos diretos 135

• Qualidade: assegura a qualidade dos produtos para os mercados inter-


no e externo, através de um modelo de gestão chamado TQS – Total
Qualidade Sadia –, oficializado pelo Conselho de Administração, e que
envolve todos os funcionários.
• Engenharia: basicamente composta de engenheiros de alimentos, que
criam e testam novos sabores e adaptações de produtos.
• Desenvolvimento de Embalagens: desenvolve novas embalagens e
aprimora as existentes, garantindo acondicionamento por mais tempo
e com maior proteção dos produtos.
• Escritório de Gerenciamento de Projetos: acompanha a execução do
portfólio de projetos de toda a área de tecnologia, para garantir o cum-
primento dos prazos conforme planejado.

Os dirigentes da área de tecnologia são, em geral, formados na própria


empresa, sendo recrutados em universidades e contratados inicialmente como
trainees. Participam ativamente de feiras e congressos nacionais e internacionais,
buscando conhecer a tecnologia mais atual.
Nos anos 90, a empresa possuía um convênio com a Universidade de Wis-
consin para a formação técnica e gerencial de seus executivos. Hoje há uma
parceria com a Fundação Dom Cabral, em Belo Horizonte, e com a Kellogg’s
(Estados Unidos) e INSEAD (França), visando capacitação gerencial. De maneira
geral, a Sadia incentiva a pós-graduação stricto sensu, liberando parcialmente os
funcionários de suas tarefas.
Em 2003, foi criada a universidade corporativa, que atende a todas as áreas
de negócios, com o objetivo de oferecer uma complementação ao ensino univer-
sitário tradicional, em três grandes competências: liderança, gestão e técnicas.
Exemplos de cursos oferecidos são MBA em gestão empresarial, tecnologia em
carnes, embalagens, manutenção autônoma, além de diversos cursos relacionados
à gestão empresarial e à higiene e manipulação de alimentos.
Alguns funcionários da área de tecnologia trabalham em diferentes unida-
des fabris, porém sob a coordenação centralizada em São Paulo. Cada equipe de
projeto possui em média cinco componentes, e cada funcionário está sempre
alocado em mais de um projeto, podendo ser coordenador em um e participante
em outro, o que configura as equipes matriciais.
Em 2006, a Diretoria Executiva da empresa instituiu dois orçamentos para
a Área de Tecnologia, cada um correspondendo a 0,1% do faturamento da com-
panhia. O primeiro orçamento, chamado de orçamento de despesas, engloba os
recursos necessários para o pagamento dos salários dos empregados e as despesas
administrativas da área. O segundo, o orçamento de investimentos, é utilizado
para adquirir novas tecnologias e novos equipamentos para pesquisa. Os projetos

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136 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

não possuem dotações orçamentárias próprias, sendo submetidos ao processo de


seleção e aprovação relatado. Não existe uma limitação do número de projetos a
serem aprovados, uma vez que os custos para os mesmos (equipamentos, matéria-
prima, embalagens) são colocados na rubrica “produção” e não em “P&D”, o
que significa que o percentual de investimento sobre o faturamento da empresa
é bem maior que o 0,2% reservado para a área de tecnologia. A Direção da Sadia
estabelece metas de faturamento para os novos produtos, nos três anos seguintes
ao lançamento. Dependendo do desempenho no mercado em relação às metas,
o produto pode ser descontinuado ou sofrer modificações.
As alianças externas são pontuais. Há parcerias com o Centro de Tecnologia
de Embalagem (CETEA) do ITAL, e com a EMBRAPA, para o desenvolvimento
genético de carne suína, incluindo o “porco tropical”, com menos gordura e
colesterol.

3.6 Inovações em produtos e processos

A empresa foi pioneira na automação do abate e na implantação do sistema


de produção integrada no meio-oeste catarinense, o que mudou a tecnologia de
produção e a organização do abate de frango no país. Nos anos 60, a Sadia investiu
grandes recursos na atualização de seu parque tecnológico. Em 1974, lançou o
peru temperado, captando um desejo das donas de casa com dificuldades para
manusear a grande ave e temperá-la. A carne de peru não tinha uma boa aceitação
no mercado devido a sua textura seca. Inspirando-se no modelo americano (peru
injetado com manteiga), criou o peru pré-temperado, revertendo o problema.
Com essa inovação, a empresa assumiu a liderança no mercado de carne de peru
e os concorrentes passaram a imitá-la. No final da década de 80, a Sadia lançou
produtos embalados a vácuo, que garantiam maior prazo de validade. Mais adian-
te, colocou no mercado produtos em porções individuais.
Pioneira na fabricação de refeições prontas, a empresa lançou o Cardápio
Completo, resultado de um projeto iniciado na área de P&D. Trata-se de uma
linha de refeições individuais completas, com acompanhamentos. A refeição fica
pronta em cerca de oito minutos e o consumidor pode comer na própria em-
balagem, que já vem compartimentada, separando cada ingrediente. Os pratos
prontos fazem parte de um processo de estreito relacionamento entre cliente e
fornecedor, desde o início do desenvolvimento do produto.
Muitas vezes, a inovação chega através de uma interação entre P&D e
Marketing. É o caso das variações de nugget. A área de Marketing detectou a
necessidade de um portfólio mais extenso, para atrair novos clientes. Através de
pesquisa de mercado com diversos sabores, foram criados os nuggets crocantes
e os recheados. Também as inovações incrementais em processo assumem um

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 136 23/11/2009 09:17:08


Inovação de produtos para o mercado externo: a experiência da Sadia em exportações e investimentos diretos 137

papel importante na empresa, sendo as mais recentes voltadas à automação de


equipamentos e melhoria da qualidade e do desempenho.
Outro exemplo de inovação de produto é o hot pocket, lanche recheado ela-
borado com massa fina e macia, apresentado em seis versões: queijo, presunto,
queijo e presunto, palmito, calabresa e requeijão, e peito de peru e requeijão.
Embalado individualmente, combina papel cartão com filme flexível, resultando
na criação de um produto que não existia no mercado. A nova embalagem suporta
uma grande variação de temperatura, indo direto do freezer para o forno de micro-
ondas, e fica pronto em dois minutos. Esse produto ganhou o prêmio de melhor
lançamento do país em 2006, pelo júri do Salão Internacional da Alimentação
(SIAL), sendo também avaliados distribuição, preço, campanha publicitária e
tempo de vida, comprovado pelo lançamento de novos sabores. O produto da
Sadia venceu sete concorrentes nacionais.
Em design de produto, além do hot pocket, a Sadia inovou nos pratos pron-
tos, nas pizzas congeladas e no cardápio completo. Os pratos prontos (lasanha,
estrogonofe etc.) são pouco exportados, mais para o Oriente Médio e a Rússia.
O cardápio completo não é exportado, mas constitui uma grande inovação para
o mercado local, e foi imitado por seu maior concorrente.
Muitos produtos criados para o mercado interno não são vendidos para o
mercado externo, e outros precisam ser adaptados às especificidades dos novos
mercados. Para os países muçulmanos, os bois são abatidos pelo procedimento
chamado de halal, que consiste em colocá-los de cabeça para baixo, voltados para
Meca, e o abatedor muçulmano faz a degola pronunciando algo como “em nome
de Deus”. Se o boi se debater, ele é descartado, uma vez que, segundo a crença,
o animal libera uma enzima no sangue que pode contaminar a carne. O frango
é abatido de forma similar, com a supervisão de um inspetor islâmico, que faz
um movimento de corte em forma de meia-lua no pescoço do animal. A venda
de frangos inteiros para os árabes já responde por cerca de 20% da receita total de
exportações (KOMATSU, 2005).
Para o mercado externo, além do atendimento às normas do controle sani-
tário específico e de linhas de produção exclusivas, são feitas modificações de
sabores. A pizza apimentada, muito exportada, não é produzida para o mercado
brasileiro. Para a Inglaterra, foi criado um empanado com sabor de sálvia com
cebola, não utilizado no Brasil. Produtos aqui rejeitados têm valor no mercado
externo, como o útero de porca, exportado para Hong Kong e Cingapura, onde
é considerado uma iguaria.
Os produtos exportados possuem rígidos controles sanitários durante o
processo de fabricação. A qualidade da ração e a temperatura dentro das fábricas
são alguns dos controles de processos utilizados para atender às normas inter-
nacionais de vigilância sanitária. Países europeus e o Japão exigem normas mais

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 137 23/11/2009 09:17:08


138 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

rígidas, como o rastreamento da cadeia alimentar dos animais abatidos. Prati-


camente todas as unidades de produção da Sadia possuem linhas de processo
de acordo com o padrão internacional, e as novas unidades construídas já são
adaptadas para as exigências do mercado externo.
A Sadia possui certificação internacional para o Oriente Médio na cadeia
alimentar do frango, garantindo, inclusive, o uso de milho não transgênico –
sendo essa uma norma em toda a empresa e também para todos os produtores
associados. Para a certificação europeia, auditores fazem visitas às fábricas. Apesar
dos certificados de qualidade, a empresa sofreu avaliação desfavorável por parte
de produtores ingleses, desconfortáveis por importar produtos industrializa-
dos de um país emergente. Esse fenômeno ocorre em várias indústrias, e é
conhecido na literatura como “desvantagem de origem”. Para desfazer essa im-
pressão, a direção da empresa convidou o grupo de produtores para conhecer as
fábricas e sua adequação aos padrões internacionais, inclusive aqueles impostos
pela Inglaterra.
Em 2008, os investimentos foram direcionados para desenvolver produtos e
embalagens inovadores ou melhorias nas formas de acondicionamento e apresen-
tação dos produtos. Entre os destaques em 2008 estão o Hambúrguer Grelhado
Sadia e as margarinas saborizadas Qualy Light. Os produtos ganharam evidência
no espaço Trends & Innovation Observatory, do SIAL 2008, que aconteceu em
outubro, em Paris. Outro produto em evidência foi a pizza de micro-ondas, cuja
embalagem, desenvolvida para conservar a massa crocante e o recheio macio,
recebeu o prêmio WorldStar 2008, promovido pela Organização Mundial de
Embalagem (WPO).

4 Análise e discussão dos resultados

O parque industrial da Sadia é um dos maiores e mais bem equipados em


seu setor, no mercado mundial. Aliado ao fato de a empresa ter acesso a grandes
mercados sem restrições alfandegárias, como Mercosul e União Europeia, ele
constitui fonte de competitividade. A empresa utiliza a mais recente tecnologia
mundial do setor, de modo a atender aos interesses do consumidor, além de
investir fortemente em marketing para fortalecer sua marca, já consolidada no
Brasil e em muitos países que importam seus produtos. Esses fatores, conjuga-
dos a uma intensa atividade de P&D, à adaptação de produtos e à capacidade de
coordenação da alta direção, indicam que a Sadia tende a se internacionalizar
cada vez mais.
A Sadia, enquanto exportadora de produtos, é classificada como uma em-
presa internacional. Ao abrir sua primeira subsidiária no exterior (a joint-venture

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 138 23/11/2009 09:17:08


Inovação de produtos para o mercado externo: a experiência da Sadia em exportações e investimentos diretos 139

com a Miratorg), ela se tornou uma empresa multinacional, e a partir de sua


sede no Brasil serão estabelecidas as bases das relações com as futuras fábricas
nos demais países. A empresa desenvolve toda a pesquisa no país, incluindo as
adaptações de produtos para exportação. Suas unidades comerciais no exterior
servem de ponte entre a empresa e os clientes locais, em suas demandas de pro-
dutos customizados. A estratégia da empresa é centralizar o conhecimento em
seu Centro de Tecnologia, localizado em São Paulo.
A exportação tem sido a forma de entrada utilizada pela empresa. Inicial-
mente, através de escritórios de trading, caracterizando a exportação indireta,
segundo Jain (1990) e Cyrino e Oliveira Junior (2002). Com o conhecimento
obtido através de viagens técnicas e contatos com clientes estrangeiros, passou
a exportar de forma mais regular na década de 70. A partir de uma carteira inter-
nacional estável, passou à exportação direta, criando sua própria trading em 1980.
Na década de 90, instalou escritórios próprios no exterior, para a comercialização
de seus produtos. Apenas em março de 2006, a Sadia criou uma joint-venture com
a empresa russa Miratorg, para processar carnes em Kaliningrado.
Segundo os conceitos de Root (1987), a Sadia estabeleceu uma escala de
comprometimento ascendente, iniciada pela exportação através de terceiros, pas-
sando pela exportação direta, pulando os estágios de licenciamento e franchising
e chegou à joint-venture, estágio intermediário segundo este autor. Os estágios
seguintes seriam uma fábrica própria e um centro de pesquisa no exterior, mas
este não está nos planos da empresa.
A Sadia iniciou seu processo de internacionalização cerca de 30 anos após
sua criação, com a marca já consolidada nacionalmente. Gradualmente, investiu
recursos no mercado externo, a partir do aprendizado lá obtido, confirmando
os conceitos de Johanson e Vahlne (1977). Ela estudou seus mercados-alvo,
exportando volumes simbólicos, a princípio. À medida que seus conhecimentos
avançavam, passou a controlar seus processos de exportação e aumentou os
volumes exportados. Esse gradualismo confirma a cadeia de estabelecimento,
segundo Johanson e Wiedersheim-Paul (1975).
Porém, o conceito de “distância psíquica” não aparece nas razões que levaram
a Sadia a definir seus mercados no exterior. Desde que iniciou esse processo, e por
mais de 20 anos, não exportou para países com a mesma língua ou com alguma
identificação cultural, como os países da América do Sul. Para a África, continente
com alguns países de língua portuguesa, a Sadia exportou mais fortemente depois
dos problemas globais com a gripe aviária, para escoar a produção excedente.
Para a América do Sul, as justificativas foram de ordem econômica, uma vez que
a maioria dos países passou por problemas de balanço de pagamentos.
Os conceitos de Dunning (1980, 1988) mostram que a instalação de fábricas
no exterior não parece ser a melhor estratégia. As vantagens de propriedade,

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140 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

representadas por sua economia de escala, seu avançado estágio tecnológico,


sua flexibilidade na adaptação de produtos, sua cadeia produtiva e seu Sistema
de Fomento Agropecuário, onde mantém parceria com cerca de 10 mil granjas
integradas de aves e suínos, mas, principalmente, as condições naturais do Brasil
(clima e solo), parecem suplantar as vantagens de localização no exterior, como
o grande mercado consumidor do leste asiático e sua perspectiva de crescimento,
além de barreiras sanitárias ocasionais.
Com isso, não haveria forte estímulo para a internalização. A cadeia de for-
necimento aqui estabelecida, com a criação terceirizada e controlada de frangos
e suínos, ainda favorece a exportação. Todavia, com o aumento da competição
em nível global, e a ocorrência de alguns problemas circunstanciais, surgiram
oportunidades de se estabelecer mais fortemente em determinados mercados,
ainda que a matéria-prima fosse exportada do Brasil.
A joint-venture com a Miratorg, que já comprava carne da Sadia, se justificou
pelas barreiras impostas à importação de produtos alimentícios brasileiros. A
empresa russa possui grande know-how de distribuição, mas nenhum conhe-
cimento no processamento de carnes. Os produtos da nova empresa teriam
o nome Sadia grafado em russo, contribuindo para o fortalecimento da marca
naquele mercado. O aprendizado obtido com essa experiência poderia indicar
potenciais benefícios do processamento de seus produtos em outros países, visto
que a empresa opera em todos os continentes. Para a entrada naquele mercado,
a Sadia utilizou as estratégias de market seeking e efficiency seeking (DUNNING,
1994), buscando explorar um grande mercado consumidor, pela possibilidade
de expansão de seus produtos para todo o continente asiático, considerando o
conhecimento técnico de sua parceira.
A Sadia foi pioneira na transformação da criação artesanal de frangos em
uma atividade de escala industrial. As maiores inovações foram em avanços
genéticos e nas técnicas de manejo, nutrição e controle sanitário. Grande parte
da tecnologia de avicultura foi realizada por instituições públicas de pesquisa, o
que garantiu rápida difusão.
A inovação de produtos na Sadia é vinculada ao desejo do consumidor e ba-
seada na diferenciação. Já a inovação em processos se configura pela aquisição de
equipamentos modernos e linhas de produção voltadas aos padrões internacio-
nais. As fontes de inovação da Sadia são tanto internas como externas (SBRAGIA
et al., 2006). Internamente, a área de tecnologia desenvolve produtos que podem
ser sugeridos pelos clientes ou percebidos através da observação dos hábitos
dos consumidores. A empresa também interage com instituições de pesquisa no
Brasil, como o ITAL, o IAC e a EMBRAPA, com os quais são formadas parcerias
pontuais para desenvolvimento de projetos.

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Inovação de produtos para o mercado externo: a experiência da Sadia em exportações e investimentos diretos 141

Na adoção de inovações, a Sadia é pioneira no Brasil em grande parte dos


produtos que industrializa. Com o lançamento do peru temperado, em 1974,
tornou-se líder e hoje detém 75% do mercado nacional de perus industrializa-
dos. A criação de pratos com soja é outro exemplo de inovação, não encontrando
concorrente, na mesma escala, no mercado nacional.
Sua estratégia de inovação é ofensiva (TIGRE, 2006), demonstrada pela quan-
tidade de lançamentos de novos produtos – de 60 a 90 por ano – e pelo constante
investimento tecnológico, seja em processos ou equipamentos. Na seleção de
projetos, utiliza o “modelo do funil” (CLARK; WHEELWRIGHT, 1993), onde
muitas ideias são recebidas, de várias fontes, e as mais viáveis passam para o
estágio seguinte.
O desenvolvimento de novos produtos surge de percepção do mercado, de
solicitação de um cliente ou de uma ideia interna. A opinião dos consumidores
sobre o novo produto tem peso significativo na definição dos atributos que o
distinguirão do concorrente. Pode-se afirmar que o modelo utilizado pela empresa
é o modelo de inovação de Kline (1978), onde as necessidades do mercado se
juntam ao estado da arte da tecnologia para gerar ideias, ocorrendo interações
necessárias entre as fases do processo. Ao perceber uma necessidade ou oportu-
nidade de mercado, a área de tecnologia é incumbida de desenvolver um produto
que atenda àquela necessidade. O protótipo criado é testado com grupos de
consumidores, com intenso feedback, que promove melhorias no produto.
A Sadia sempre buscou desenvolver uma marca forte associada à qualidade.
Isso foi possível através do controle e integração de toda a sua cadeia produti-
va. Ainda que não realize pesquisa básica, em muitas ocasiões contribui para o
estado da arte em tecnologia de alimentos, devido a seu corpo técnico, instala-
ções e equipamentos, que são os mais modernos do mercado. Um dos fatores
que influenciam sua estratégia ofensiva de inovação é o incentivo permanente
à aprendizagem que a empresa proporciona aos funcionários, oferecendo um
ambiente de constante estímulo intelectual.

5 Conclusões e perspectivas futuras

O caso da Sadia mostra que empresas inovadoras podem ser bem-sucedidas


no mercado internacional, mesmo sem possuir instalações próprias de produção.
A exportação pode ser uma estratégia de sucesso, especialmente quando inclui a
adaptação de produtos aos diferentes mercados, muitas vezes criando linhas de
produção específicas, se os fatores internos de produção – organização da cadeia
produtiva, qualidade dos fornecedores, solo, condições climáticas favoráveis,

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 141 23/11/2009 09:17:08


142 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

controle sanitário etc. – forem significativos. Nesse caso, não haveria necessidade
de percorrer todos os estágios do processo de internacionalização.
Apenas em 2006, dada a possibilidade de utilizar o seu conhecimento em
processamento de carnes, ao lado de uma parceira especialista em distribuição
de produtos, a empresa decidiu participar de uma aliança estratégica no exterior,
com a empresa russa Miratorg. Uma segunda fábrica nos Emirados Árabes esta-
va nos planos da empresa em 2008, uma vez que a demanda da região é muito
alta – as exportações da Sadia para o Oriente Médio somam US$ 550 milhões
ao ano. E ainda uma terceira, em 2009, em um país asiático, seguindo os planos
de crescimento da empresa.
Todavia, devido à turbulência econômica e a perdas de R$ 2,5 bilhões, por
conta de operações com derivativos cambiais, em 2008, a empresa suspendeu
parte dos investimentos em 2009, tanto no Brasil como no exterior. A construção
do complexo agroindustrial de Campo Verde (MT) e de uma unidade de abate
de suínos em Mafra (SC) foi suspensa, representando uma economia de R$ 1,3
bilhão, e um forte desgaste político com os governos daqueles estados, que ha-
viam assegurado investimentos em infraestrutura. A suspensão da construção da
fábrica nos Emirados Árabes traz economia de R$ 150 milhões (Folha de S. Paulo,
17 out. 2008). Este foi o primeiro prejuízo da Sadia em 64 anos de vida.
Ela também decidiu vender a fábrica na Rússia, como uma das alternativas
de capitalização em estudo. Nesse caso, a Sadia estaria insatisfeita com o rela-
cionamento com o sócio local, que detinha 40% do negócio (PORTAL EXAME,
18 mar. 2009).
Apesar do insucesso na joint-venture BRF International Foods, em 2001-2002,
Sadia e Perdigão iniciaram em 2001 conversações sobre uma possível associação.
Até junho de 2009, haverá uma definição a respeito das negociações, assim como
para alternativas que a Sadia estuda para se capitalizar, como a venda de ativos
não operacionais e de alguns operacionais que não tenham relação direta com a
sua cadeia de valor, como fábricas de rações e centros de distribuição (PORTAL
EXAME, 2009).
Estima-se que os ganhos de sinergia, com uma fusão, chegariam a 2,2 bilhões
de reais e trariam um aumento de 23,4% no valor de mercado das duas empre-
sas juntas, que é de 9,59 bilhões de reais, aproximadamente. Com isso, o valor
da nova companhia resultante corresponderia a cerca de 11,83 bilhões de reais.
Os benefícios seriam, principalmente, com transporte e logística, economias de
despesas e ganhos de receita e custos, por causa do maior poder de barganha
que a nova firma teria como a maior empresa de alimentos no Brasil. Em maio
de 2009, as negociações parecem se encaminhar para este fim (Folha de S. Paulo,
12 maio 2009).

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 142 23/11/2009 09:17:09


Inovação de produtos para o mercado externo: a experiência da Sadia em exportações e investimentos diretos 143

Questões para discussão

1. Como as teorias de internacionalização explicam a estratégia da Sadia de


adotar preferencialmente a exportação, mesmo para países muito distantes
do Brasil? Compare os conceitos do paradigma eclético com os da Escola de
Uppsala.
2. Como você relacionaria o conceito de “distância psíquica” aos principais países
importadores de produtos Sadia?
3. Segundo Dunning, quais as motivações da Sadia para buscar o mercado ex-
terno?
4. De acordo com as estratégias tecnológicas de Freeman, justifique a estratégia
ofensiva adotada pela empresa na inovação de produtos.
5. Apesar da venda de sua participação na fábrica da Rússia, a Sadia mantinha
planos de abrir novas fábricas no exterior, adiados em vista dos resultados
financeiros adversos de 2008. Como você explicaria esta mudança de estraté-
gia, de apenas exportar para também passar a fabricar no exterior?
6. Quais são as principais diferenças na implementação de projetos do tipo
rompimento e do tipo extensão? Relacione alguns produtos desenvolvidos es-
pecialmente para o mercado externo com esses tipos de projetos.

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gerenciamento de projetos na práticav2.indb 143 23/11/2009 09:17:09


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gerenciamento de projetos na práticav2.indb 145 23/11/2009 09:17:09


7
Sucesso em projetos a partir de uma
perspectiva contingencial: casos
práticos de empresas atuantes no Brasil
Leandro Alves Patah e Marly Monteiro de Carvalho

1 Introdução

Para analisar os fatores críticos de sucesso em projetos, é necessário entendê-


los a partir de uma perspectiva contingencial, ou seja, os fatores que influenciam
o sucesso de projetos não são os mesmos para projetos grandes e pequenos,
inovadores e incrementais, ou outras tipologias que possamos utilizar para a
classificação.
Com o objetivo de avaliar e comparar o sucesso de projetos díspares, é ne-
cessário classificá-los segundo critérios predefinidos, que sejam adequados à
realidade de cada empresa. Para tal, além do próprio levantamento dos critérios,
é necessário identificar os projetos e as informações relacionadas aos mesmos
que permitam a aplicação dos critérios.
Neste capítulo, apresentaremos uma breve revisão da abordagem contingen-
cial e apresentaremos alguns casos em que se podem verificar as diferenças dos
fatores críticos de sucesso conforme o tipo de projeto.

2 Abordagem contingencial de projetos

Segundo Shenhar et al. (2005), o mito de que um único método de gestão


pode se ajustar a todos os tipos de projetos (one size fits all) não tem sustentação
nem teórica nem prática, dado que a abordagem contingencial é não só teorica-
mente mais fundamentada em pesquisa acadêmica, como também mais aplicável
no mundo real.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 146 23/11/2009 09:17:09


Sucesso em projetos a partir de uma perspectiva contingencial: casos práticos de empresas atuantes no Brasil 147

Há necessidade de flexibilizar as metodologias de gerenciamento de projetos,


permitindo a desburocratização e simplificação em alguns contextos, para se obter
maior capacidade de reação e resposta, atendendo às contingências ambientais.
Nesse sentido, uma empresa deve preocupar-se com a criação de tipologias que
caracterizem adequadamente os projetos que desenvolve, e utilizar esses tipos
para construir roteiros de gerenciamento customizados (CARVALHO; RABE-
CHINI JR., 2009).
Crawford et al. (2004) argumentam que sistemas de categorização de projetos
são necessários para fornecer uma linguagem para definir e estruturar o campo
de conhecimentos de gerenciamento de projetos e permitir seu uso futuro. Além
disso, a categorização também é utilizada para melhorar a possibilidade de com-
paração de resultados de projetos. Sem categorias predefinidas de projetos, seria
difícil interpretar resultados atuais de projetos, frente a resultados anteriores.
Finalmente, segundo os autores, sistemas de categorização de projetos preenchem
os seguintes propósitos nas organizações:

• Designar prioridades entre recursos, alinhar projetos com estratégias


e otimizar benefícios do portfólio de projetos.
• Desenvolver competências apropriadas dentro da organização e designar
essas competências aos projetos.
• Diferenciar projetos de outras atividades da empresa, tais como ope-
rações rotineiras.
• Fornecer uma linguagem comum.
• Promover uma abordagem de gestão de projetos como parte integrante
das iniciativas da empresa.

2.1 O processo de identificação e categorização de projetos

Segundo o PMI (2006), as principais atividades de um processo de identifi-


cação e posterior categorização de projetos são:

• Comparar projetos em andamento com novas oportunidades.


• Rejeitar projetos que não estejam de acordo com as definições estraté-
gicas predeterminadas da empresa.
• Classificar os projetos identificados em classes predefinidas.

Para estruturar a priorização de projetos, algumas empresas adotam uma


lista de critérios para avaliarem o impacto dos projetos frente a esses critérios.
O problema é que o resultado dos projetos priorizados apresenta grupos de

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 147 23/11/2009 09:17:09


148 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

projetos com a mesma prioridade e, muitas vezes, fica difícil distinguir os mais
importantes (CAMANHO, 2009).
Outro problema tem sido explicar, de uma lista de projetos priorizados, como
um projeto tão importante para a empresa pode ter sido classificado como de
baixa prioridade. Normalmente, esse fato ocorre devido à estrutura de critérios
adotada. A solução para esse problema é a escolha de critérios adequados à es-
tratégia da empresa e aos projetos que serão categorizados.
Crawford et al. (2004) utilizam o conceito da complexidade como um dos
principais para se categorizar projetos. Segundo os autores, os atributos utilizados
para caracterizar a complexidade são:

• Escopo do projeto.
• Número de sites, localidades ou países.
• Número de funções ou habilidades.
• Envolvimento organizacional.
• Clareza de metas e objetivos.
• Nível de ambiguidade ou incerteza.
• Fontes de risco.
• Complexidade técnica.
• Projeto individual ou componente de um projeto maior.
• Familiaridade.
• Impacto organizacional.

Thomas et al. (2002) dizem que é necessário medir os seguintes itens do


gerenciamento de projetos:

• Contribuição para a melhoria das medidas financeiras.


• Melhoria do crescimento das pessoas e desenvolvimento.
• Melhoria da satisfação dos clientes, lucros e fatia de mercado.
• Valor de novos projetos obtidos.

2.2 Tipologias de projetos

Segundo Camanho (2009), há várias formas de se categorizar projetos, sendo


uma delas a ferramenta conhecida como Cranfield Grid, muito utilizada na implan-
tação de sistemas de informação. Ela foi proposta pela Universidade de Cranfield
e tem foco no negócio, baseada na estratégia de McFarlan & McKenney Grid,

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 148 23/11/2009 09:17:09


Sucesso em projetos a partir de uma perspectiva contingencial: casos práticos de empresas atuantes no Brasil 149

conhecida na área de TI. No Cranfield Grid, as categorias de projetos são: ideias


estratégicas; vantagens estratégicas; competência essencial; e rotinas de apoio.
Segundo o autor, ideias estratégicas são projetos piloto ou ideias que podem
ser importantes para o sucesso do negócio no futuro, vantagens estratégicas que
advêm da implementação de projetos estratégicos são críticas para o futuro do
negócio, competência essencial são projetos com enfoque na melhoria da produti-
vidade e rotinas de apoio são projetos com enfoque direto no dia a dia da operação.
Para criar a categorização dos projetos, é necessário descrever as características
de cada categoria. Depois que cada projeto é classificado em sua categoria, podem
ocorrer projetos que se alinhem em mais de uma categoria, e então se deve optar
por uma delas. Cada categoria deverá ter seu próprio conjunto de critérios e os
projetos serão priorizados dentro de sua categoria. Assim, fica mais transparente
o portfólio de projetos e mais simples a alocação de recursos.
Padovani (2007) em sua pesquisa analisou diversas sistemáticas de cate-
gorização de projetos em gestão de portfólios com o objetivo de se chegar aos
diversos tipos de projetos. Os principais tipos de projetos apresentados em seu
trabalho são:

• Projetos de desenvolvimento interno que buscam estabelecer um novo


negócio para a empresa através da exploração dos recursos internos.
• Projetos de aquisições, ou seja, compra do controle acionário de outras
empresas.
• Projetos de licenciamentos ou direito de uso de tecnologia não pro-
prietária.
• Projetos de internal value que consistem no desmembramento em novas
empresas ou unidades de negócio a partir de uma empresa mãe.
• Projetos de joint-ventures entre empresas.
• Projetos de participações minoritárias em outras empresas.
• Projetos de produtos que se subdividem em novos desenvolvimentos
ou otimizações.
• Projetos de serviços técnicos.

Além disso, também podem ser citados como tipo de projeto aqueles con-
duzidos para clientes externos, onde uma organização desenvolve um projeto
solicitado por outra organização, mediante um contrato negociado e assinado
entre as duas empresas.
Raz et al. (2002) buscam classificar um projeto baseando-se em duas dimen-
sões: incerteza tecnológica e escopo do sistema (ou complexidade). Os autores
trabalham com essas dimensões uma vez que seu estudo busca analisar em mais

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 149 23/11/2009 09:17:09


150 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

detalhes o componente tecnológico do escopo de um projeto. Para isso, chegam


até mesmo a detalhar este critério, classificando os projetos em: baixa tecnologia;
média tecnologia; alta tecnologia; e superalta tecnologia.
Blomquist (2004), por sua vez, classifica projetos em:

• Projetos derivativos: aqueles que envolvem somente mudanças menores


de produtos e processos.
• Projetos de plataforma: projetos com níveis de mudança médios e que
envolvem o desenvolvimento da próxima geração de produtos e pro-
cessos.
• Projetos breakthrough: projetos que apresentam os mais altos níveis de
mudança através de novos processos e produtos principais.
• Projetos de pesquisa e desenvolvimento: projetos não comerciais que
envolvem o desenvolvimento de novos conhecimentos, materiais e
tecnologias que eventualmente serão futuramente transformados em
produtos comerciais.

Já a natureza de um portfólio de projetos pode ser vista considerando-se,


pelo menos, dois eixos conceituais bastante significativos: aderência estratégica
e efetividade.
Esses conceitos servem para ser aplicados na avaliação de cada projeto no
intuito de formar o portfólio. O conceito de aderência estratégica leva em conta
o quanto determinado projeto está vinculado aos objetivos de médio e longo
prazo de uma organização, ou seja, de quanto um projeto pode gerar recursos,
contribuir para a redução de custos, aumentar a lucratividade e ajudar a cumprir
as metas de uma organização. A efetividade refere-se a um tipo de questão de
ordem mais tática, ou seja, significa perceber o quanto de recursos está disponível
e quanto será consumido, qual o nível de esforço esperado, qual o orçamento
previsto e quais são os desafios técnicos requeridos. É decorrente da análise
conjunta destes dois eixos, aderência estratégica e efetividade, que o portfólio
de projetos de uma organização pode ser formado.
Por fim, as principais vantagens da categorização de projetos podem ser
resumidas em dois aspectos:

• Disponibilizar às empresas uma nova visão de sua carteira de projetos,


pois ficam evidentes os que realmente são estratégicos; normalmente,
um número menor do que se esperava.
• Com a categorização, também fica mais simples a alocação de recur-
sos.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 150 23/11/2009 09:17:09


Sucesso em projetos a partir de uma perspectiva contingencial: casos práticos de empresas atuantes no Brasil 151

2.3 Critérios de categorização de projetos

Os critérios de categorização podem ser classificados em dois grupos:

• Critérios de categorização operacionais: são os critérios que buscam ava-


liar e classificar os projetos de acordo com o seu desempenho específico,
sem levar em conta o alinhamento com os objetivos da organização.
• Critérios de categorização estratégicos: esses critérios irão subsidiar a
análise futura dos projetos frente à estratégia da organização, através
da medição do retorno que os projetos irão proporcionar à empresa.

2.3.1 Critérios de categorização operacionais

O PMI (2006) apresenta a seguinte lista de critérios operacionais: número


do projeto; descrição do projeto; classe do projeto (projeto; sub-projeto; business
case; e outros trabalhos); plano de alto nível; cliente do projeto; sponsor do projeto;
stakeholders principais; recursos requeridos; escala de tempo; dependências de
projeto; deliverables principais; estimativas de orçamento; unidade de negócios;
e estimativas do nível de risco de mercado.
Para Crawford et al. (2004), os critérios de categorização operacionais
são: natureza do trabalho; custo; tamanho; nível de riscos; entregáveis; fase do
projeto; recursos; clareza de metas e objetivos; tempo; disciplina; tipo de risco;
relacionamento com o cliente; termos de pagamento; estágio do ciclo de vida do
projeto; gerente do projeto; e controle de riscos.
Além desses, também podem ser citados os seguintes critérios de categori-
zação operacionais, tais como:

• Área ou divisão à qual o projeto pertence.


• Gerente do projeto: nome do gerente do projeto responsável pelo
mesmo.
• Status atual do projeto que pode ser avaliado, por exemplo, em: análise,
planejamento, execução e encerramento.
• Impacto de riscos: impacto se os riscos ocorrerem, podendo ser ava-
liado qualitativamente de 1 a 5, sendo: 1 = muito baixo, 2 = baixo,
3 = médio, 4 = alto e 5 = muito alto. Esse critério também pode ser
avaliado de maneira quantitativa.
• Probabilidade de riscos: probabilidade dos riscos ocorrerem, podendo
ser avaliada também de 1 a 5, sendo: 1 = muito baixa, 2 = baixa, 3 =
média, 4 = alta e 5 = muito alta. Esse critério também pode ser avaliado
de maneira quantitativa.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 151 23/11/2009 09:17:09


152 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

• Quantidade de pessoas próprias alocadas: número de funcionários


próprios a serem alocados no projeto no momento de pico.
• Know-how: nível do conhecimento tecnológico, humano e de infraes-
trutura necessários à implantação do projeto.
• Parceiros externos: número de parceiros externos (outras empresas)
envolvidos com o projeto.
• Internacionalização: informação se o projeto envolve mais um país.
• Complexidade: avaliação da complexidade do projeto, podendo ser
avaliada qualitativamente em baixa, média ou alta.
• Data de início planejada: data de início planejada para o projeto.
• Data de término planejada: data de término inicialmente planejada
para o projeto.
• Data de início efetiva: data efetiva de quando o projeto realmente co-
meçou. Esse critério só é válido para projetos que já foram iniciados.
• Data de término prevista: data de término prevista para o projeto. Para
projetos que ainda não foram iniciados, esse critério permanece igual
ao critério: data de término planejada.
• Avanço físico ou porcentagem de execução: o avanço físico pode ser
calculado em valores percentuais e representa a quantidade de trabalho
já executado para o projeto até a data de status.
• Prazo: prazo estimado para ser realizado o projeto.
• Custo planejado: somatório de todos os custos planejados envolvidos
para a realização do projeto, devendo ser informado em valores finan-
ceiros.
• Custo atual incorrido: custo já realizado no projeto até a data de status;
deve ser informado em valores financeiros.
• Custo previsto para término: somatório de todos os custos previstos
de ocorrer ao projeto a partir da data de status até o final do mesmo;
deve ser informado em valores financeiros. Para projetos que não foram
iniciados, esse critério permanece igual ao custo planejado.

2.3.2 Critérios de categorização estratégicos

O PMI (2006) apresenta a seguinte lista de critérios estratégicos: objetivos es-


tratégicos suportados; benefícios quantitativos; novas receitas; redução de custos;
retorno dos investimentos; taxa interna de retorno; valor presente líquido; tempo
de ciclo reduzido; melhoria da qualidade; benefícios qualitativos (alinhamento

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 152 23/11/2009 09:17:10


Sucesso em projetos a partir de uma perspectiva contingencial: casos práticos de empresas atuantes no Brasil 153

estratégico; redução de riscos; requerimentos legislativos; desenvolvimento de


plataforma; e oportunidade de negócios); e definição e impacto no mercado.
Já Crawford et al. (2004) apresentam a seguinte lista de critérios de cate-
gorização estratégicos: área de aplicação; cliente ou consumidor; complexidade;
importância estratégica; benefícios organizacionais; prioridade; tipo de contrato;
impacto; fonte de financiamento; familiaridade; tecnologia; localização geográ-
fica; criticidade de tempo; envolvimento organizacional; incerteza tecnológica;
envolvimento do consumidor; fatores-chave de sucesso do projeto; incerteza do
mercado; e regulamentação.
White e Fortune (2002) apresentam dois interessantes critérios de catego-
rização estratégicos: tipo do projeto e setor da indústria.
Além desses, também podem ser citados os seguintes critérios de categori-
zação estratégicos:

• Algumas medidas para a importância estratégica do projeto.


• Payback: leva em conta o tempo em que o capital investido começa a
dar retorno, reportado em unidades de tempo.
• ROI: retorno do investimento, calculado ou previsto quando da apro-
vação do mesmo, reportado em valores financeiros.
• TIR: taxa interna de retorno do projeto, calculada ou prevista quando
da aprovação do mesmo, reportada em valores porcentuais.
• VPL: valor presente líquido do projeto, calculado ou previsto quando
da aprovação do mesmo, reportado em valores financeiros.
• Replicabilidade: possibilidade de replicabilidade do projeto; pode ser
avaliada em não ou sim.
• Importância estratégica: nível de aderência que o projeto possui com
o planejamento estratégico corporativo; pode ser avaliada em baixa,
média ou alta.
• Impacto no mercado: impacto que o projeto, uma vez implementado,
causará no mercado; pode ser avaliado em baixo, médio ou alto.
• Exigência legal: definição se o projeto está sendo implementado por
uma exigência legal; pode ser avaliado em não ou sim.
• Presença no planejamento estratégico ou no Balanced Scorecard (BSC)
da organização: informação se o projeto está presente no planejamento
estratégico da empresa ou no BSC, podendo ser avaliado em não ou
sim.
• Impacto ambiental: impacto que o projeto, uma vez implementado,
causará no meio ambiente no qual o mesmo se localiza, podendo ser
avaliado em baixo, médio ou alto.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 153 23/11/2009 09:17:10


154 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

• Impacto social: impacto que o projeto, uma vez implementado, causará


na sociedade na qual o mesmo está inserido, podendo ser avaliado em
baixo, médio ou alto.

Todos esses critérios, ou alguns deles selecionados, podem ser utilizados


para categorizar e agrupar os projetos com o objetivo de avaliar e comparar a
performance dos mesmos, como se pode ver na sequência, nos casos apresentados
neste capítulo.

3 Casos práticos de empresas atuantes no Brasil

Nesta seção, apresentamos como duas empresas têm enfrentado o desafio de


construir roteiros de gerenciamento de projetos a partir de uma abordagem con-
tingencial, criando seus próprios tipos e categorias adequados a sua realidade.

3.1 Caso A: empresa multinacional do mercado eletroeletrônico

O primeiro caso estudado neste capítulo é de uma empresa multinacional


atuante no segmento eletroeletrônico que possui mais de 8.000 funcionários no
Brasil e está presente no país há mais de 100 anos.
Essa empresa possui diversas divisões que atuam nos segmentos de indústria,
fornecendo soluções completas para os mais diversos segmentos industriais, tais
como: automotivo, óleo e gás, alimentícia e outras; energia, nos segmentos de
geração e distribuição; e medicina, fornecendo soluções para hospitais, labora-
tórios de análise e clínicas médicas.
A empresa possui fábricas em diversas regiões do país, tais como em Jundiaí
(SP) e Manaus (AM). Sua sede está localizada na cidade de São Paulo (SP) e ela
possui filiais e escritórios de vendas nas principais cidades brasileiras.
Segundo cálculos da matriz, estima-se que para toda a empresa a nível
mundial, 60% das vendas são gerenciadas como projetos. Os projetos nesta
organização variam de R$ 10 mil a R$ 100 milhões em custo, e de alguns dias a
alguns anos em prazo de execução.
Todos os projetos gerenciados de acordo com a metodologia estabelecida
pela empresa do Caso A são projetos com clientes externos.
A sistemática de categorização de projetos dessa empresa foi estabelecida
a nível mundial, pela matriz da empresa, com o objetivo de permitir uma com-
paração entre os projetos, definir níveis de reporte e aprovação dos projetos e
designar o responsável mais adequado para gerenciá-los.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 154 23/11/2009 09:17:10


Sucesso em projetos a partir de uma perspectiva contingencial: casos práticos de empresas atuantes no Brasil 155

De acordo com a sistemática de categorização de projetos da empresa, todos


os projetos devem ser avaliados segundo quatro critérios, que são desdobrados
em variáveis, conforme ilustra o Quadro 1.

Quadro 1 Critérios e variáveis adotados pela empresa.


Critérios Variáveis

• Volume financeiro.
• Valor percentual de riscos estimados.
Financeiros • Margem de comercialização do projeto.
• Valor percentual de investimento em pesquisa e desenvolvimento ou
engenharia para o projeto.

• Posição contratual da empresa do Caso A no projeto.


• Quantidade de parceiros externos associados através de um contrato.
Contratual
• Parceiros internos da empresa.
• Grau de relacionamento com o cliente.

Complexidade • Clareza de definição do produto ou escopo do projeto.


técnica • Necessidade de novo desenvolvimento tecnológico.

• Tipo de projeto (fornecimento, sistema ou turn-key).


Considerações • Complexidade contratual.
organizacionais • Significância estratégica do projeto para a empresa.
• Relevância estratégica para o cliente.

Os projetos são analisados segundo os quatro critérios e suas respectivas


variáveis, seguindo uma grade de pontuação por variável, cuja soma resulta nos
pontos obtidos pelo projeto. A pontuação máxima que um projeto da empresa
pode obter é de 1.360. De acordo com a pontuação obtida, os projetos são então
classificados em seis categorias de A a F. A Categoria A representa projetos com
pontuação superior a 1.000 pontos. A Categoria B são projetos de 500 a 999 pon-
tos. A Categoria C são projetos de 60 a 499 pontos. A Categoria D são projetos
de 40 a 59 pontos. A Categoria E são projetos de 20 a 39 pontos. Finalmente, a
Categoria F são projetos de 0 a 19 pontos.
A Figura 1 apresenta a ferramenta utilizada para categorização dos projetos
dessa empresa.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 155 23/11/2009 09:17:10


156 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

Global Project Categorization Tool

PROJECT NAME PROJ. MGR. Category C Back

CUSTOMER DATE dd.mm.yyyy

COMPANY - DIVISION DESCRIPTION

Level 1 Level 2 Level 3 Level 4 Level 5 Value Remarks on Level


Choice
Financial 20 65 130 205 320 170
Order Value in full thousand
1000'000 EUR
1000'000 EUR
150
Total Estimated Risk Volume <1 % 1-3% 3-5% 5-10% >1 0 %

10 25 45 70 100 10
Project Profit >1 0 % 5-10% 2-5% 0-2% <0%
Gross Margin > 20% 10 - 20% 5 - 10% 0 - 5% l< 0 %
10 25 45 70 120 10
Gross R&D / Engineering cost up to 1% 1% - 5% 5 - 10% 10 - 20% >20%

% of order value 0 15 40 65 100 0


Contractual 15 75 130 195 300 15
Contractual position in the project Subcontractor Sole supplier Partner JV or Consort. Consort.leader/
Member Gen. Contractor
15 40 60 75 100 15
External partners, bound by None On e Two to Three Four to Five > Five
contract
(Number)
0 10 30 45 70 0
Internal Siemens partners None On e Two to Three Four to Five > Five
(Number)
0 10 20 30 50 0
Customer/Rep relationship/Rating Customer known, very Customer known, Customer known Customer not Customer
(known and cooperative?) cooperative cooperative neutral known known,
uncooperative
0 15 20 45 80 0
Technical Complexity 25 90 205 285 420 25
Technical Complexity very low low medium high very high
10 30 70 100 150 10
Clarity of Product/Scope Very detailed Detailed general Specification Very general Only Basic concept/
Definition Specification requirements
10 30 65 85 120 10
New Technology Development Off the shelf Almost Standard or duplicate of Duplicate with significant New developm. from existing New
Product existing product modifications components development

5 30 70 100 150 5
Organizational Considerations 15 90 140 215 320
15
Type of project Component supply Component Supply with System and Turnkey System Turnkey with ongoing
(supply, Syst,Turnkey) technical services Solution Supply Operation/maint
commitment/or
ownership

15 40 60 85 120 15
Contractual Complexity very low low medium high very high

0 30 50 70 100 0
Strategic significance for Siemens very low low medium high very high
group
Div, GG Global or Siemens
Global)
0 10 15 30 50 0
Strategic relevance for the very low low medium high very high
customer
0 10 15 30 50 0
Max Points/column 75 320 605 900 1360

CATEGORY LIMITS
C B A TOTAL: 225
60 to 500 points 500 to 1000 points >1000 points Category C
Management adjustment Yes FALSO Comment:
No
######

Fonte: Elaborada pelos autores.


Figura 1 Ferramenta utilizada para a categorização dos projetos na empresa do
Caso A.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 156 23/11/2009 09:17:10


Sucesso em projetos a partir de uma perspectiva contingencial: casos práticos de empresas atuantes no Brasil 157

As Figuras 2 e 3 apresentam uma análise da distribuição de projetos da em-


presa em 2008, de acordo com a quantidade de projetos em cada categoria e do
volume financeiro dos projetos, também por categoria.

Quantidade de projetos por categoria


100

89
90

80

70
66
59 60
60
52
50

40

30 27

20

10

0
A B C D E F

Fonte: Elaborada pelos autores.


Figura 2 Quantidade de projetos da empresa do Caso A por categoria.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 157 23/11/2009 09:17:10


158 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

Volume financeiro dos projetos por categoria (em milhões de R$)


R$ 1.000,00
R$ 931,05
R$ 900,00
R$ 819,35
R$ 800,00

R$ 700,00

R$ 600,00
R$ 508,91
R$ 500,00

R$ 400,00

R$ 300,00
R$ 183,03
R$ 200,00
R$ 131,10
R$ 67,02
R$ 100,00

R$ 0,00
A B C D E F

Fonte: Elaborada pelos autores.


Figura 3 Volume financeiro dos projetos da empresa do Caso A por categoria.

Para a empresa deste primeiro caso, uma das principais aplicações da cate-
gorização de projetos é o uso da mesma para a designação do profissional mais
adequado a cada tipo de projeto. Para isso, foram estabelecidos quatro níveis
de profissionais, juntamente com o departamento de recursos humanos, que
estruturaram a carreira do gerente de projetos para a empresa. Esses quatro
níveis são denominados: diretor de projetos; gerente sênior de projetos; gerente
de projetos; e coordenador de projetos.
Cada posição profissional está diretamente relacionada ao tipo de projeto
que o gestor de projetos está habilitado a conduzir, conforme abaixo:

• Projetos de Categoria A: Diretor de Projetos.


• Projetos de Categoria B: Gerente Sênior de Projetos.
• Projetos de Categoria C: Gerente de Projetos.
• Projetos de Categoria D, E ou F: Coordenador de Projetos.

A Figura 4 apresenta a matriz dos níveis de profissionais de acordo com a


categoria de projetos da empresa.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 158 23/11/2009 09:17:10


Sucesso em projetos a partir de uma perspectiva contingencial: casos práticos de empresas atuantes no Brasil 159

Diretor de Projetos – Projetos Tipo A

Gerente Sênior de Projetos – Projetos Tipo B

Gerente de Projetos – Projetos Tipo C

Coordenador de Projetos –
Projetos Tipos D, E e F

Fonte: Elaborada pelos autores.


Figura 4 Matriz dos níveis de profissionais de acordo com a categoria de projetos da
empresa do Caso A.

Desse modo, a sistemática de categorização de projetos teve um papel


fundamental para a estruturação da carreira em gerência de projetos para essa
empresa.

3.2 Caso B: Empresa brasileira do mercado de construção civil

O segundo caso analisado neste capítulo é o de uma empresa brasileira


atuante no mercado de construção civil com 3.000 funcionários e presente no
mercado há mais de 70 anos. A empresa é uma organização produtora de ma-
teriais utilizados na construção civil e que conduz projetos com o objetivo de
melhorar sua gestão e ampliar sua capacidade de produção. Sendo assim, os pro-
jetos conduzidos por essa empresa são projetos internos, diferentemente dos
projetos conduzidos pela empresa apresentada no Caso A.
Seus projetos variam desde a realização de pequenas adequações em siste-
mas de tecnologia de informação até a construção de novas plantas industriais
em outros países, que deverão aumentar a capacidade produtiva da empresa em
40% nos próximos três anos.
Com o objetivo de permitir um maior foco nos principais projetos da empresa,
alinhar a aplicação da metodologia dos projetos às reais necessidades dos mesmos
e designar o profissional mais preparado para conduzir o projeto, foi elaborada
uma sistemática de classificação de projetos nessa organização.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 159 23/11/2009 09:17:10


160 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

A sistemática é composta pela avaliação dos projetos em dois critérios:


complexidade e incerteza. Os critérios, por sua vez, são desdobrados em quatro
subcritérios, cada um representando 25% de peso na composição das avaliações
dos critérios, conforme apresenta o Quadro 2.

Quadro 2 Critérios e variáveis adotados no Caso B.


Critérios Variáveis

• Volume financeiro do projeto (em milhões de R$ por ano).


• Abrangência interna (quantidade de diretorias envolvidas com o projeto).
Complexidade • Abrangência externa (quantidade de países envolvidos com o projeto).
• Estrutura (número de pessoas envolvidas no projeto, em seu momento de
pico).

• Projeto conhecido (tecnologia ou processo).


• Incerteza em relação aos custos do projeto.
Incerteza
• Incerteza em relação aos prazos do projeto.
• Riscos envolvidos no projeto.

Da análise desses dois critérios, os projetos são classificados em quatro


macrocategorias: A; B; C; e D. Nessa classificação, os projetos mais complexos
e incertos são os da macrocategoria A, enquanto os mais simples os da macro-
categoria D.
Uma segunda análise conduzida é em relação à importância estratégica do
projeto. Esta pode ser classificada em alta, média ou baixa. Essa informação é
agregada às quatro macrocategorias previstas, fornecendo uma estruturação final
da sistemática de categorização em 12 diferentes categorias possíveis, conforme
abaixo:

• A1: Projeto A com impacto estratégico alto.


• A2: Projeto A com impacto estratégico médio.
• A3: Projeto A com impacto estratégico baixo.
• B1: Projeto B com impacto estratégico alto.
• B2: Projeto B com impacto estratégico médio.
• B3: Projeto B com impacto estratégico baixo.
• C1: Projeto C com impacto estratégico alto.
• C2: Projeto C com impacto estratégico médio.
• C3: Projeto C com impacto estratégico baixo.
• D1: Projeto D com impacto estratégico alto.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 160 23/11/2009 09:17:10


Sucesso em projetos a partir de uma perspectiva contingencial: casos práticos de empresas atuantes no Brasil 161

• D2: Projeto D com impacto estratégico médio.


• D3: Projeto D com impacto estratégico baixo.

Na Figura 5, encontra-se uma representação da ferramenta utilizada para


categorização dos projetos no Caso B.

CATEGORIZAÇÃO DE PROJETO
PROJETO:
CATEGORIA: #ND
Data da análise:

CRITÉRIOS DE COMPLEXIDADE Pesos 1 2 3 4 5 (1-5) Peso


Pond.
Volume do Projeto (em R$ milhões/ano) 0,25 >= 0,1 >= 0,5 >= 1 >= 10 >= 50 0
Abrangência Interna 0,25 >= 1 >= 2 >= 3 >= 4 >= 5 0
Abrangência Externa 0,25 1 2 3 4 >= 5 0
Estrutura (número de pessoas envolvidas no projeto) 0,25 >= 5 >= 10 >= 50 >= 80 >= 150 0
0

CRITÉRIOS DE INCERTEZA Pesos 1 2 3 4 5 (1-5) Peso


Pond.
Projeto Conhecido (tecnologia ou processo) 0,25 dominado parcial. dom conhec. parcial. novo novo 0
Incerteza em Relação aos Custos do Projeto 0,25 muito baixa baixa média alta muito alta 0
Incerteza em Relação aos Prazos do Projeto 0,25 muito baixa baixa média alta muito alta 0
Riscos Envolvidos no Projeto 0,25 muito baixos baixos médios altos muito altos 0
0
MACROCATEGORIA
Projeto Incerteza
A 4-5
B 3-4
C 2-3
D 1-2
1-2 2-3 3-4 4-5
Complexidade

IMPACTO ESTRATÉGICO Baixo Médio Alto


Impacto Estratégico do Projeto para a DC

CATEGORIA DETALHADA
Macrocategoria Impacto Categoria Detalhada Descrição
Alto A1 Projeto A com impacto estratégico alto
A Médio A2 Projeto A com impacto estratégico médio
Baixo A3 Projeto A com impacto estratégico baixo
Alto B1 Projeto B com impacto estratégico alto
B Médio B2 Projeto B com impacto estratégico médio
Baixo B3 Projeto B com impacto estratégico baixo
Alto C1 Projeto C com impacto estratégico alto
C Médio C2 Projeto C com impacto estratégico médio
Baixo C3 Projeto C com impacto estratégico baixo
Alto D1 Projeto D com impacto estratégico alto
D Médio D2 Projeto D com impacto estratégico médio
Baixo D3 Projeto D com impacto estratégico baixo

Figura 5 Ferramenta utilizada para a categorização dos projetos da empresa do Caso B.

As Figuras 6 e 7 apresentam uma análise da distribuição de projetos da em-


presa em 2009, de acordo com a quantidade de projetos em cada categoria e do
volume financeiro dos projetos, também por categoria.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 161 23/11/2009 09:17:10


162 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

Quantidade de projetos por categoria


12
11 11
10
10
9

6
5
4
4
3

0 0 0 0 0
0
A1 A2 A3 B1 B2 B3 C1 C2 C3 D1 D2 D3

Figura 6 Quantidade de projetos da empresa do Caso B por categoria.

Volume financeiro de projetos por categoria (em milhões de R$)


R$ 1.600,00

R$ 1.366,00
R$ 1.400,00

R$ 1.200,00

R$ 1.000,00

R$ 800,00

R$ 600,00

R$ 400,00 R$ 331,00

R$ 195,00
R$ 200,00

R$ 0,00 R$ 0,00 R$ 0,00 R$ 0,00 R$ 2,16 R$ 0,00 R$ 11,16 R$ 17,88 R$ 3,59


R$ 0,00
A1 A2 A3 B1 B2 B3 C1 C2 C3 D1 D2 D3

Figura 7 Volume financeiro dos projetos da empresa do Caso B por categoria.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 162 23/11/2009 09:17:11


Sucesso em projetos a partir de uma perspectiva contingencial: casos práticos de empresas atuantes no Brasil 163

Para a empresa analisada neste segundo caso, a principal aplicação da cate-


gorização dos projetos é a adaptação da metodologia de gestão de projetos que
está sendo desenvolvida aos diferentes tipos de projetos. Desse modo, projetos
categorizados como A devem utilizar toda a metodologia proposta; projetos do
tipo B, uma quantidade menor de ferramentas, planos e procedimentos; proje-
tos do tipo C, uma quantidade menor ainda; e os projetos do tipo D só devem
utilizar os documentos mínimos necessários a sua gestão. A Figura 8 apresenta
a relação completa de documentos da metodologia e as aplicações da mesma a
cada uma das quatro macrocategorias A, B, C e D.

Ferramentas de GP A B C D
Carta do projeto X X X X
Categorização do projeto X X X X
Carta de nomeação do gerente do projeto X X
Iniciação
Declaração do escopo X X X
Organograma do projeto X X
Formulário de 1o Go/llo–go X X X X
Plano de Projeto – Escopo X X X X
Plano de Projeto – Prazo X X X
Plano de Projeto – Custos X X X
Plano de Projeto – Qualidade X X
Plano de Projeto – Comunicação X X
Plano de Projeto – Recursos Humanos X X
Planejamento Plano de Projeto – Riscos X
Plano de Projeto – Suprimentos X
Plano de Projeto – Sistemática de Acompanhamento X X
WBS de Projeto X X
Cronograma em ferramenta padronizada X X X X
Orçamento em ferramenta padronizada X X X X
Formulário de 2o Go/llo–go X X X X
Relatório de Acompanhamento Corporativo X X X X
Relatório de Acompanhamento da Área X X X X
Análise de Variações – Ações Corretivas X X X
Análise de Variações – Ações Preventivas X
Execução
Análise de Variações – Não conformidades X X
Análise de Variações – Claim Management X
Análise de Variações – Lições Aprendidas X X
Relatório de Aceites Parciais X X X
Relatório de Acompanhamento Corporativo X X X X
Relatório de Acompanhamento da Área X X X X
Controle Cronograma atualizado X X X X
Orçamento atualizado X X X X
Apresentações periódicas à diretoria X X
Avaliação de maturidade X X
Relatório de aceites finais X X X
Encerramento
Relatório de encerramento X X X X
Relatório de lições aprendidas X X

Figura 8 Metodologia de gestão de projetos da empresa do Caso B adaptada por categoria.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 163 23/11/2009 09:17:11


164 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

4 Considerações finais

A definição e implementação de uma metodologia de projetos em uma em-


presa passam necessariamente por uma etapa anterior que é a categorização de
projetos.
Quando uma organização estrutura sua metodologia ou utiliza uma metodo-
logia predefinida como o PMBoK® do PMI, é necessário conduzir determinadas
adaptações à mesma para seus projetos. A aplicação integral de uma metodologia
desse tipo em um projeto só faz sentido se o mesmo for grande o suficiente para
comportar todo o trabalho adjacente que virá juntamente com o planejamento
e a execução do projeto.
Sendo assim, um primeiro passo seria separar os projetos, classificando-os de
modo a definir o que são grandes projetos, o que são projetos de porte médio e
o que deve ser classificado como projetos pequenos. Essa etapa de categorização
de projetos deve preceder a aplicação da metodologia de projetos. Projetos de
porte pequeno devem utilizar somente o mínimo necessário a sua gestão; os
de porte médio, um pouco mais; e os de grande porte, tudo o que é necessário
ao seu bom andamento.
O Caso B deste capítulo apresenta uma aplicação prática desse importante
uso da sistemática de categorização de projetos.
A designação de profissionais para a gestão de projetos é outra importante
aplicação da categorização de projetos. Projetos classificados como de grande
porte necessitam de profissionais altamente capacitados tanto do ponto de vista
técnico como de gestão para sua condução. Por sua vez, projetos de pequeno
porte podem ser gestionados por profissionais de não tão grande experiência.
Uma aplicação da categorização de projetos para a seleção de profissionais
de gestão de projetos é apresentada no Caso A deste capítulo.
A categorização de projetos, apesar de ainda pouco discutida do ponto de
vista teórico e, na maioria das vezes, utilizada de maneira amadora pelas orga-
nizações, é de extrema importância para a boa estruturação de uma metodologia
de gestão de projetos por uma organização. Como visto neste capítulo, seu bom
uso trará inúmeros benefícios às organizações, possibilitando economia de re-
cursos e tempo e foco nos principais projetos da empresa, além de flexibilidade
e otimização nos projetos menos complexos.

Questões para discussão

1. Em sua opinião, qual a importância de um sistema de categorização de proje-


tos? Por que muitas vezes esse é o primeiro passo adotado por uma empresa

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 164 23/11/2009 09:17:11


Sucesso em projetos a partir de uma perspectiva contingencial: casos práticos de empresas atuantes no Brasil 165

para implementar uma metodologia de gestão de projetos para seus negó-


cios?
2. Se você recebesse a tarefa de montar um sistema de categorização de projetos
para a sua empresa, quais critérios você utilizaria para categorizá-los? Quantas
e quais categorias você criaria? Explique o sistema de categorias e os critérios
sugeridos.
3. Agora suponha que você trabalha em uma empresa que conduz projetos so-
ciais. Você acha que o sistema de categorização elaborado na questão anterior
se aplicaria integralmente para essa empresa? Caso contrário, quais critérios
você definiria para categorizá-los? Por quê?
4. Compare o sistema de categorização de projetos do Caso A, onde os projetos
são com clientes externos, com o sistema do Caso B, onde os projetos cate-
gorizados são internos. Quais as semelhanças entre os critérios utilizados? E
as diferenças? Você acha que os sistemas estão adequados às empresas, com
base nas informações apresentadas no texto? Caso contrário, o que você faria
de diferente?
5. Em relação aos resultados das categorizações de projetos apresentados para
os Casos 1 e 2 nas Figuras 2, 3, 6 e 7, comente os comportamentos das quan-
tidades de projetos por categoria para ambas as empresas e do valor total dos
projetos por categoria, também para ambas as empresas. Os comportamentos
são parecidos? Isso era esperado?
6. Nos projetos categorizados da empresa do Caso B, você esperaria que, para
as categorias A2, A3, B2, B3 e C3 a quantidade de projetos apresentada fosse
zero como verificado na Figura 6? Por quê?
7. Explique, utilizando a Figura 6 e os critérios de complexidade e incerteza
apresentados no texto, por que projetos de categoria D e impacto estratégico
médio e baixo representam a maioria dos projetos do tipo D para a empresa
do Caso B.

Referências bibliográficas

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In: SLEVIN, D. P.; CLELAND, D. I.; PINTO, J. K. Innovations project management research.
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<http://www.tiinside.com.br/News.aspx?ID=114076&C=202>. Acesso em: 13 fev.
2009.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 165 23/11/2009 09:17:11


166 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

CRAWFORD, L.; HOBBS, B.; TURNER, R. Project categorization systems and their use
in organizations: an empirical study. In: SLEVIN, D. P.; CLELAND, D. I.; PINTO, J. K.
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PADOVANI, M. Apoio à decisão do portfólio de projetos: uma abordagem híbrida usando
os métodos AHP e programação inteira. 2007. Dissertação (Mestrado) – Departamento
de Engenharia de Produção da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, São
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PMI, PROJECT MANAGEMENT INSTITUTE. The standard for portfolio management. Four
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SHENHAR, A.; DVIR, D.; MILOSEVIC, P. D.; MULENBURG, J.; PATANAKUL, P.;
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gerenciamento de projetos na práticav2.indb 166 23/11/2009 09:17:11


8
Sistema de gerenciamento de
projetos tecnológicos: diagnóstico
e proposições em uma empresa do
setor automobilístico
Roque Rabechini Jr., Ivete Rodrigues e Roberto Sbragia

1 O contexto do caso estudado e os desafios gerenciais: o convívio


entre atividades rotineiras e de projetos

Os estudos acadêmicos e as práticas empresariais têm revelado a importância


da administração de projetos para a implementação de estratégias empresariais.
Observa-se, no entanto, que nem sempre as empresas possuem uma estrutura
organizacional adequada para melhor gerenciar os seus projetos. Ainda estão,
em grande parte, presas a modelos organizacionais tradicionais, que confinam
os projetos às áreas funcionais, o que parece uma contradição, uma vez que as
atividades rotineiras e de projetos têm distintas naturezas.
Em economias caracterizadas pela industrialização, as estruturas conven-
cionais de projetos podem, em primeira instância, ser suficientemente eficazes
para o desenvolvimento organizacional; contudo, em economias caracterizadas
pelo conhecimento, observa-se a necessidade de uma abordagem estrutural mais
inovadora. Ocorre que, atualmente, são raras as empresas nas quais o componente
do conhecimento não esteja de alguma forma presente e precise ser adminis-
trado. Esse é um fato já característico de empresas modernas dos vários setores
competitivos no mundo atual.
As empresas da cadeia produtiva automotiva, como as autopeças, são exem-
plos de organizações, que começam a enfrentar os problemas advindos desse
fenômeno e, portanto, merecem atenção e preocupação dos mais variados inte-
ressados. Sua capacidade gerencial, acredita-se, não pode ser direcionada somente
a trabalhos que envolvam atividades de rotina, é preciso dar condições à vazão
das atividades inovadoras, especialmente aquelas relacionadas a projetos. A im-
portância de enquadrar seu modelo de gestão a uma estrutura condizente com

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 167 23/11/2009 09:17:11


168 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

suas atividades é uma das razões atrativas pelas quais tem despertado interesse
de boa parte de estudiosos e pesquisadores no assunto.
Além do mais, a importância do setor de autopeças pode ser vista não só
pela carência em termos gerenciais, mas também pelos seus robustos números.
O setor é responsável por um faturamento anual no Brasil de U$ 24,2 bilhões,
emprega 197 mil pessoas e exporta U$ 7,5 bilhões para mais de 160 países. Pos-
sui no Brasil 648 unidades distribuídas em dez Estados da Federação. Destas,
500 empresas são associadas ao Sindipeças (Sindicato Nacional da Indústria de
Componentes para Veículos Automotores). As associadas ao Sindipeças podem
ser divididas em empresas de capital majoritariamente multinacional e de capi-
tal majoritariamente nacional. O primeiro grupo representa 50 empresas, que
respondem por 80% do valor total do capital; 87% do faturamento do setor; e
76% do investimento total do setor. Nessas 50 empresas, os projetos de desen-
volvimento são concebidos quase na sua totalidade nas matrizes do exterior. Das
450 empresas restantes, com capital majoritário nacional, a grande maioria está
descapitalizada, devendo impostos e, portanto, não podendo obter empréstimos
de capital de giro, ampliar sua capacidade produtiva, nem iniciar novos projetos
(SINDIPEÇAS, 2007).
A Anfavea (associação das montadoras) fez uma revisão de suas projeções
para 2008, que revelam a intenção de a indústria produzir 3,42 milhões de auto-
veículos (automóveis, caminhões e ônibus), com crescimento de 15% em relação
aos 2,9 milhões de unidades produzidas em 2007. A projeção anterior dava conta
de incremento de 8,9% sobre 2007. Esse aquecimento recente da indústria traz
pressões aos fornecedores para atender, no prazo e com qualidade, aos pedidos
das montadoras. Os fornecedores trabalham com capacidade ociosa média de
15%, sendo que 20% é o nível mínimo considerado adequado. O setor de auto-
peças deverá investir, neste ano, entre R$ 3,4 bilhões e R$ 3,5 bilhões, contra
aproximadamente R$ 2 bilhões no ano passado. Além da pressão na produção, a
falta de mão de obra qualificada pode ser colocada na lista dos gargalos do setor
(ARAUJO, 2008).
Considerando o contexto acadêmico e a realidade do setor anteriormente
apresentados, este capítulo trata da proposição de um novo modelo de sistema
de gerenciamento de projetos para uma empresa de autopeças, preocupada com
a situação do setor e com a busca de maior eficiência produtiva. A experiência
teve lugar numa empresa de origem alemã, do setor de autopeças, que possui 600
funcionários. Apresenta um faturamento na matriz da Alemanha de cerca de 250
milhões de euros e, no Brasil, cerca de 250 milhões de dólares. As preocupações
da filial brasileira residem em aumentar a competitividade de forma sustentável,
trazendo maior retorno aos acionistas.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 168 23/11/2009 09:17:11


Sistema de gerenciamento de projetos tecnológicos: diagnóstico e proposições em uma empresa do setor 169

A empresa vive um momento crucial, no qual, ao mesmo tempo em que


precisa ganhar eficiência produtiva para atender ao aquecimento da demanda do
setor, precisa também acompanhar o processo de inovação tecnológica capita-
neado pelas montadoras, por meio do desenvolvimento de novos e mais produtos.
Além disso, a filial brasileira enfrenta o desafio da internacionalização de suas
atividades. Frente a essas questões, a competência em gerenciamento de projetos
foi identificada como um dos fatores relevantes na sua pauta de preocupações.
A fim de melhor se organizar para enfrentar as dificuldades impostas ao setor,
foi realizado um estudo cujo objetivo foi analisar os vínculos existentes entre a
estrutura organizacional de uma empresa do setor de autopeças, de capital es-
trangeiro, e suas práticas de gerenciamento de projetos. Mais especificamente,
foram traçados três objetivos para poder entender o fenômeno dos vínculos.
Foram eles:

1. Avaliar a estrutura organizacional vigente, com vistas a verificar se ela


está alinhada às necessidades de gestão dos projetos inovadores da
organização.
2. Avaliar os processos gerenciais de empreendimentos ora em curso na
empresa.
3. Propor, levando em conta a estrutura organizacional, um novo modelo
de sistema de gerenciamento de projetos adequado para subsidiar o
gerenciamento dos empreendimentos que constituem a carteira de
projetos da empresa.

Para o desenvolvimento do capítulo, estabeleceram-se procedimentos meto-


dológicos, que são apresentados na seção 2. Os autores apresentam os resultados
e suas respectivas análises na seção 3. Por fim, foi possível obter informações
que servem de recomendações direcionadas aos pesquisadores e interessados
em estrutura organizacional e gerenciamento de projetos.

2 Processos envolvidos na intervenção

O processo de intervenção no caso apresentado foi desenvolvido em quatro


fases, conforme apresentadas na Figura 1.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 169 23/11/2009 09:17:11


170 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

Fase 1 – Levantamento e
Revisão conceitual leitura de obras
sobre o tema

Entrevistas, reuniões Fase 2 – Levantamento de


e coleta de dados dados primários e
secundários secundários

Análise de Análise de Fase 3 – Análise dos dados


documentos de dados primários
projetos

Fase 4 – Proposições e
Proposições e conclusões
conclusões

Fonte: Elaborada pelos autores.


Figura 1 Procedimentos metodológicos.

Fase 1 – Levantamento e leitura de obras sobre o tema

Nesta fase, foi feito um levantamento de livros e artigos publicados sobre o


assunto e foram escolhidos aqueles que mais se adequavam ao trabalho propos-
to. Essa revisão conceitual proporcionou a escolha dos modelos a serem adota-
dos para avaliação da estrutura organizacional e para avaliação da maturidade
organizacional em gerenciamento de projetos. Além disso, foi importante para
subsidiar as análises realizadas. As principais contribuições dos autores estudados
são apresentadas na análise dos dados.

Fase 2 – Levantamento de dados

Os dados secundários foram obtidos por meio de documentos internos da


empresa, relacionados ao seu planejamento estratégico, bem como sobre a de-
finição do sistema de desenvolvimento de produtos, além do exame de projetos
selecionados. Os dados primários foram obtidos por meio de entrevistas estru-
turadas e semiestruturadas com gerentes funcionais e gerentes de projetos da
empresa. Foram elaborados e aplicados dois instrumentos de coleta de dados:
um roteiro para avaliação da estrutura organizacional atual da organização objeto
deste capítulo, contemplando dez itens, e um questionário contendo questões
sobre gerenciamento de projetos.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 170 23/11/2009 09:17:11


Sistema de gerenciamento de projetos tecnológicos: diagnóstico e proposições em uma empresa do setor 171

Fase 3 – Análise dos dados

Para a avaliação da estrutura organizacional, foi adotado modelo proposto


por Vasconcellos e Hemsley (2003), composto de três etapas: (1) análise dos
condicionantes da estrutura; (2) seleção e detalhamento do tipo mais adequado
da matriz; e (3) implantação e acompanhamento. Por se tratar de um estudo
inicial, com baixo controle sobre a fase de implementação, foram seguidas ape-
nas as primeiras duas etapas. Para a avaliação da maturidade organizacional em
gerenciamento de projetos, foi adotado modelo proposto por Rabechini Jr. (2003),
que levou em conta os aspectos das competências dos indivíduos, das equipes e
da organização onde se encontram os projetos.
Levantadas as informações, passou-se à fase de avaliação visando o enten-
dimento da situação atual em relação às práticas de gerenciamento de projetos.
Com isso, foram obtidos elementos importantes na direção da construção de um
diagnóstico. A avaliação procedeu-se em três dimensões: (1) análise da estrutura
organizacional; (2) diagnóstico das competências e maturidade em gerenciamento
de projetos; e (3) análise da estruturação de projetos selecionados. A avaliação
da estrutura organizacional deu-se visando identificar as carências ou facilidades
estruturais para o desenvolvimento adequado de gerenciamento de projetos. A
avaliação das informações sobre percepção em gerenciamento de projetos foi feita
baseada em entrevistas estruturadas dos envolvidos em projetos da empresa. Em
paralelo, a avaliação de projetos foi realizada considerando-se o exame de oito
projetos selecionados na carteira de projetos da empresa.

Fase 4 – Proposições e conclusões

O resultado do diagnóstico foi o indutor das proposições ora elaboradas neste


trabalho em duas frentes: estrutura organizacional e processos de gerenciamento
de projetos.

3 O diagnóstico, as soluções propostas e os cuidados a serem tomados


para uma implementação eficaz

Feitas as considerações sobre os procedimentos metodológicos, cabe, agora,


apresentar os resultados, bem como preparar as condições de análise e assim
arquitetar a argumentação final, visando consolidar as conclusões.
A apresentação dos resultados se dará em três partes. Primeiro, será discutida
a definição da estrutura organizacional atual da empresa em que foi estabelecido
o contorno do caso. Em seguida, serão tratados os aspectos do diagnóstico, que
foi construído a partir do levantamento de informações sobre as estruturas e

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 171 23/11/2009 09:17:12


172 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

gerenciamento de projetos. Para fechar a apresentação dos resultados, a terceira


parte mostrará o modelo que foi proposto, visando oferecer à direção da empre-
sa os elementos para o possível convívio entre as atividades de rotinas com as
atividades inovadoras.

3.1 Análise da estrutura organizacional e contorno do estudo

O processo escolhido para auxiliar a definição dos limites da organização


foi o levantamento de dados primários. Como resultado, foi possível entender
a estrutura organizacional da empresa e delimitar as fronteiras deste estudo.
Chegou-se, assim, à identificação de três áreas departamentais essenciais para
efeitos de análise, além da presidência: técnica/industrial, comercial e qualidade.
A delimitação foi útil para que os autores pudessem estabelecer os alicerces dos
possíveis pontos de problema.
Com base nessas informações, a equipe de trabalho entendeu que a estrutura
da organização poderia ser, genericamente, representada conforme a Figura 2.

Presidência

Administração Técnica
Comercial RH Qualidade
Finanças Industrial

Fonte: Elaborada pelos autores.


Figura 2 Estrutura identificada.

Uma vez estabelecidos os contornos da organização, partiu-se para a cons-


trução de um diagnóstico que revelasse os principais problemas a serem resol-
vidos.

3.2 Diagnóstico percebido

3.2.1 Adequação da estrutura organizacional

O diagnóstico revelou pontos importantes que ajudaram na identificação da


forma estrutural dominante em toda a empresa. Notadamente, prevalecia uma

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 172 23/11/2009 09:17:12


Sistema de gerenciamento de projetos tecnológicos: diagnóstico e proposições em uma empresa do setor 173

estrutura organizacional funcional com todas as características abordadas pela


literatura teórica especializada (VASCONCELLOS; HEMSLEY, 2003). Em geral,
segundo esses autores, as estruturas organizacionais tradicionais apresentam: alto
nível de formalização; unidade de comando; especialização elevada; comunicação
vertical; e utilização de formas tradicionais de departamentalização. Nem sempre
essas características são positivas quando se trata de atividades inovadoras, como
é o caso do desenvolvimento de novos produtos, que exigem interligação entre
as áreas, comunicação horizontal e integração das equipes.
No ambiente de gerenciamento de projetos, as estruturas funcionais tradi-
cionais apresentam outras desvantagens. Em geral, o departamento funcional
tende a ser orientado em direção às suas atividades de rotina, em detrimento
das atividades de projetos. Há também problemas de autoridade, uma vez que a
responsabilidade pelo sucesso do projeto não é delegada especificamente a um
funcionário. Outros problemas, como falta de visão holística do projeto, dado
que as atividades são segmentadas ao longo dos departamentos funcionais; de
coordenação mais complexa; e, finalmente, de falta de foco no cliente, que fica
prejudicado, pois as respostas às suas necessidades são lentas, são também ca-
racterísticos de estruturas funcionais.
Não obstante as desvantagens assinaladas, a estrutura funcional apresenta
alguns pontos fortes para o gerenciamento de projetos, sendo que um dos mais
importantes é o fato de que o departamento funcional é a base para a continuidade
do conhecimento tecnológico, quando um indivíduo deixa o projeto ou mesmo
a empresa (MEREDITH; MANTEL, 2000; KERZNER, 2001).
Especificamente no caso da empresa em estudo, foi possível identificar pro-
blemas atinentes a sua organização. Vale a pena enumerá-los:

1. Forte departamentalização: difícil solução conjunta para os problemas


dos projetos.
2. Problemas de comunicação entre os departamentos, devido à verticali-
zação da estrutura.
3. Ênfase nas atividades rotineiras em detrimento das atividades inova-
doras, gerando problemas de prazos nos projetos.
4. Falta de visão de conjunto e de prioridades sobre os diferentes projetos
em andamento.
5. Falta de uma visão clara sobre papéis e responsabilidades em relação a
atividades e resultados de projetos.
6. Dubiedade em relação à figura do gerente de projetos.
7. Falhas na documentação e memória técnica dos projetos, devido à
inexistência de um processo integrado de gestão de projetos.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 173 23/11/2009 09:17:12


174 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

8. Percepção de que as fases dos projetos são segregadas e a passagem de


ações de um departamento a outro é feita simplesmente jogando-se
“por cima do muro” para os responsáveis pelas fases posteriores.
9. Atuação reativa das áreas funcionais indiretamente envolvidas nos pro-
jetos de desenvolvimento de produtos, tais como recursos humanos,
qualidade e suprimentos.

Foram apresentados e discutidos alguns fatores condicionantes propostos


pela literatura (VASCONCELLOS, 1979), validados e complementados pelos
profissionais da empresa, visando um entendimento comum dos problemas
inerentes à estrutura atual da empresa. A Figura 3 mostra os fatores com suas
respectivas notas médias e a importância percentual (entre parênteses) de cada
fator. Após a comparação entre as notas médias e a importância de cada um
dos fatores, foram escolhidos os cinco mais críticos em ordem de importância.
Os fatores que apresentaram mais problemas, em ordem de criticidade, foram:
desenvolvimento gerencial; memória técnica; clareza de responsabilidades; au-
toridade do gerente de projetos; e velocidade do desenvolvimento.

Fatores determinantes

Sintonia com a matriz 2,8 (7%)

Sintonia da equipe 2,7 (5%)

Parcerias qualificadas 2,6 (5%)

Velocidade de desenvolvimento 2,5 (7%)

Autoridade e responsabilidade 2,4 (15%)


Fatores

Facilidade de coordenação 2,1 (5%)

Clareza de responsabilidades 1,9 (15%)

Custo de estrutura atual 1,9 (15%)

Desenvolvimento gerencial 1,6 (10%)

Memória técnica 1,5 (15%)

0 1 2 3 4 5
Notas

Fonte: Elaborada pelos autores.


Figura 3 Importância dos fatores determinantes da estrutura organizacional.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 174 23/11/2009 09:17:12


Sistema de gerenciamento de projetos tecnológicos: diagnóstico e proposições em uma empresa do setor 175

Os cinco fatores críticos foram discutidos separadamente, chegando-se à


conclusão de que uma nova estrutura organizacional deveria dar conta dos se-
guintes desafios:

1. Desenvolvimento gerencial: adequação do quadro de gerentes de pro-


jetos, tanto no que diz respeito à quantidade quanto às competências
essenciais necessárias.
2. Memória técnica: a nova estrutura deve favorecer a memória técnica
por meio da divisão por famílias de produtos, bem como proporcionar
infraestrutura, tanto em termos de recursos humanos quanto de espaço
físico adequado ao armazenamento das informações.
3. Clareza de responsabilidades: além do organograma clássico, a estrutura
deve prever também o organograma linear ou matriz de responsabili-
dades.
4. Autoridade e responsabilidade do gerente de projetos: deve ser definida
a figura do gerente de projetos, visando inibir a concorrência entre as
atividades rotineiras e as atividades relacionadas ao gerenciamento de
projetos.
5. Velocidade de desenvolvimento: para atingir prazos, recomenda-se
maior dedicação de tempo das equipes aos projetos e que estas equipes
sejam definidas antes da contratação dos projetos.

O resultado dessa avaliação mostrou um retrato da realidade, revelado a partir


da percepção dos envolvidos em gerenciamento de projetos na empresa. Uma
vez avaliada a organização através dos fatores determinantes de sua estrutura,
cabe apresentar os resultados do levantamento visando analisar a maturidade
das práticas de gerenciamento de projetos, o que é feito a seguir.

3.2.2 Maturidade em gerenciamento de projetos

O modelo de competências e maturidade utilizado como base para a avaliação


(RABECHINI JR., 2003) considera fundamentalmente três dimensões que devem
ser desenvolvidas em gerenciamento de projetos – a organização, as equipes e
os indivíduos. Para cada dimensão, é preciso ter estratégias próprias, processos
estabelecidos e mudanças para que o desenvolvimento seja atingido.
A avaliação geral mostrou que o gerenciamento de projetos na organização
estudada ainda é incipiente, carecendo de desenvolvimento de competências nas
diferentes dimensões (Figura 4).

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 175 23/11/2009 09:17:12


176 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

Avaliação geral Indivíduos


100,00

26,15

0,00
19,06
30,54

Organização Equipe

Fonte: Pesquisa de campo.


Figura 4 Avaliação geral do gerenciamento de projetos.

Percebeu-se que os indivíduos possuem apenas 26,15% de domínio de con-


ceitos, técnicas e ferramentas necessárias para desenvolver projetos. A dimensão
mais carente foi a das equipes (19,06%). Nessa dimensão, houve a preocupação
de se medir as competências das equipes de projetos frente aos desafios presentes
nos mais diferentes empreendimentos que perpassam a empresa. Do ponto de
vista da organização, constatou-se que sua capacitação gira em torno de 30% em
relação às suas competências em gerenciamento de projetos. A avaliação geral
mostra, assim, que há oportunidades para desenvolvimento em gerenciamento
de projetos nas várias dimensões pesquisadas. Entretanto, é preciso avaliar com
mais detalhes cada uma das dimensões apresentadas, o que é feito a seguir.
A avaliação dos indivíduos interessados em projetos na empresa pode ser
vista numa composição de três eixos conceituais e complementares, que se re-
ferem às suas competências em gerenciamento, negócios e projetos, conforme
demonstrado na Figura 5. A maior deficiência percebida (com competência em
apenas 17,03%) refere-se à capacitação em gerenciamento, ou seja, o domínio
de técnicas, ferramentas e conceitos para administrar conflitos, comunicação e
negociação com os diversos interessados nos projetos, entre outras.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 176 23/11/2009 09:17:12


Sistema de gerenciamento de projetos tecnológicos: diagnóstico e proposições em uma empresa do setor 177

Equipes
Relacionamento 100,00

80,00

60,00

40,00
Organização
20,00
100,00

0,00
0,00 20,00 40,00 60,00 80,00 80,00

Estratégia
Tarefa 60,00

Indivíduos Gestão
40,00
100,00

20,00

17,03 0,00
0 20 40 60 80 100
0,00 Gerenciamento
25,74 35,69

Projeto Negócio

Fonte: Pesquisa de campo.


Figura 5 Competências e maturidade detalhada.

Do ponto de vista de projetos, percebeu-se que os indivíduos têm neces-


sidade de capacitação em gerenciamento nas diversas áreas de conhecimento.
Foi possível perceber, também, que os indivíduos têm condições razoáveis de
entendimento e relacionamento com os negócios que a empresa está envolvida.
Nesse quesito, observou-se que a percepção dos entrevistados gira em torno de
35% das respostas.
As equipes de projetos, como já mencionado, apresentaram mais carências,
uma vez que foram detectados problemas de relacionamento entre os membros
na condução das questões técnicas. Em termos de competências em lidar com as
tarefas dos projetos, as equipes têm menos que 20% de capacitação necessária.
É preciso, portanto, viabilizar programas de capacitação para desenvolvimento
de questões técnicas a serem definidas. Em termos de relacionamento, foi ob-
servado, também, que as equipes têm competências requeridas num percentual
aproximado de apenas 20%.
Quando se volta o olhar para a organização que executa os projetos na empre-
sa, é possível traçar um quadro formado pelas competências de lidar com estra-
tégias e gerenciamento frente aos seus projetos. Observou-se que a organização
sabe, razoavelmente (34%, aproximadamente), enfrentar os desafios estratégicos

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 177 23/11/2009 09:17:12


178 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

inerentes aos projetos, mas apresenta dificuldades (em torno de 26%) quanto
ao gerenciamento dos mesmos.

3.3 Proposições

De acordo com as análises apresentadas, percebeu-se que a organização


estudada carecia de uma estrutura organizacional mais adequada e de um
programa de gerenciamento de projetos para obter melhores resultados em
suas atividades inovadoras. Decorrente da análise elaborada, foi delineado um
programa de gerenciamento de projetos visando dar à empresa a agilidade e a
flexibilidade esperada pelo mercado. Para tanto, recomendou-se que a alta ad-
ministração considerasse em seus desafios a busca incessante por uma cultura
de projetos considerando-se as interfaces organizacionais e, fundamentalmente,
que a mudança cultural dos profissionais da empresa caminhasse em direção às
metas planejadas.

3.3.1 Sistema de governança e estrutura organizacional

De fato, a adoção de uma nova estrutura organizacional e de novas práticas


gerenciais ocorre muito mais como decorrência de mudança de comportamento
e mudança cultural do que da mera formalização. Além disso, projetar e imple-
mentar uma estrutura de uma organização é mais do que dar nomes, organizar
e preencher os quadros do organograma.
Embora relacionamentos hierárquicos claros fossem essenciais à empresa
estudada, a obtenção de produtos e serviços para os clientes exigia uma estrutura
organizacional que focalize a natureza e o fluxo do trabalho. Portanto, a estru-
tura proposta foi baseada nos problemas identificados e nas melhores práticas
citadas por autores acadêmicos. Sua implementação, caso venha a ocorrer, deve
ser acompanhada de um processo de gestão de mudanças. O diagnóstico reali-
zado revelou a inadequação da atual estrutura da organização frente aos desafios
do gerenciamento de projetos. A proposta de modelo desenvolvido visou suprir
necessidades de um sistema de governança para projetos e a proposição de es-
trutura organizacional para projetos.
Tendo em vista o diagnóstico realizado, a estrutura matricial pareceu ser a
mais adequada para a empresa em seu momento atual. A Figura 6 representa a
nova estrutura que foi proposta, matricial leve, que atende a maioria dos projetos
em execução hoje na organização.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 178 23/11/2009 09:17:12


Sistema de gerenciamento de projetos tecnológicos: diagnóstico e proposições em uma empresa do setor 179

Presidência

Comitê
Escritório de
Estratégico de
Projetos
Projetos

Administração Técnica
Comercial RH Qualidade
Finanças Industrial

Líder Líder Líder Líder Líder


Projeto Projeto Projeto Projeto Projeto

Fonte: Elaborada pelos autores.


Figura 6 Estrutura proposta.

As caixas incluídas destacam as inovações introduzidas: o comitê estraté-


gico de projetos, o escritório de apoio a projetos e a figura do líder de projetos.
Nesse modelo, o líder de projetos teria responsabilidade sobre os resultados
do projeto e responde, ainda, ao gerente funcional. Ele deveria buscar recursos
materiais e humanos junto aos departamentos funcionais, com o apoio tanto do
gerente funcional, quanto do escritório de apoio a projetos e da coordenadoria
de projetos.
A estrutura matricial proposta seria uma forma de extrair o melhor da es-
trutura funcional e da estrutura por projetos. Ela busca distribuir o projeto ao
longo das divisões da empresa e, com isso, utilizar melhor a capacidade técnica
da mesma. Os custos são diminuídos em função da maior racionalidade no uso
dos recursos e do compartilhamento da autoridade e da responsabilidade entre o
gerente funcional e o gerente do projeto. Porém, como se trata de uma estrutura
de duplo comando, podem surgir conflitos entre os membros da equipe. Um
gerente de projetos, neste tipo de estrutura, precisa ter um perfil de liderança e
de negociação, a fim de evitar competições desgastantes pelos recursos técnicos
disponíveis na empresa (MEREDITH; MANTEL, 2000; KERZNER, 2001).
No entanto, ao se propor uma nova estrutura, há que se considerar os di-
ferentes tipos de projetos realizados na empresa vis-à-vis a importância de cada
um na composição do portfólio de projetos e o grau de complexidade de sua
implementação. Uma visão geral dos projetos e propostas de estrutura para
cada tipo é apresentada na Tabela 1. Portanto, embora tenha sido proposta uma
estrutura organizacional geral básica, cada projeto, tendo em vista seus graus de
complexidade, risco técnico e comercial, deveria constituir sua própria estrutura

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180 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

organizacional, visando buscar a forma mais adequada de enfrentar os desafios


que lhe sejam peculiares. Na verdade, cada projeto deveria estar inserido num
sistema mais amplo de governança que permitiria seu desenvolvimento ade-
quado.

Tabela 1 Tipologia dos projetos × estrutura organizacional recomendada.


Tipo de Participação Estrutura
Categoria Descrição Complexidade
projeto no portfólio sugerida

Desenvolvimento de Em torno Alta complexidade


novos produtos e/ou de 15% dos – exige intensa interação Matricial
processos com nova projetos com o cliente balanceada
Plataforma
tecnologia
– risco técnico alto
– risco comercial baixo

Desenvolvimento de Em torno Média complexidade


novos processos, tais de 75% dos – exige pouca interação Matricial leve
Projetos
como para naciona- projetos com o cliente
demandados Variante
lização de produtos
pelo cliente – risco técnico médio
existentes
– risco comercial baixo

Desenvolvimento de Em torno Baixa complexidade Matricial leve


peças similares em de 5% dos – exige pouca interação ou gerenciada
processos existentes projetos com o cliente na própria
Aplicação
– produtos existentes estrutura
com nova aplicação – risco técnico baixo funcional
– risco comercial baixo

Desenvolvimento de Em torno Alta complexidade Matricial balan-


Projetos de novos processos com de 5% dos – alto risco comercial e ceada ou forte
P&D – Não nova tecnologia, cuja projetos técnico (do tipo heavy
Plataforma
Demandados solução técnica inova- weight team)
pelo Cliente dora será ofertada ao
cliente

3.3.2 Práticas de gerenciamento de projetos

A proposição de práticas de gerenciamento de projetos foi baseada tanto no


diagnóstico realizado quanto na literatura, especificamente quanto às melhores
práticas preconizadas pelo PMI – Project Management Institute (2004).
Existiam na empresa vários processos de gerenciamento em andamento,
principalmente no que tange ao gerenciamento de produtos. Porém, eram insu-
ficientes para garantir prazos de desenvolvimento dos produtos, custos, registros
etc. Havia, por exemplo, algumas propostas documentadas que procuravam dar
conta destes problemas. No entanto, embora aparentemente existissem estas re-
ferências, nem sempre elas eram utilizadas ou documentadas como deveriam.
As práticas de gerenciamento de projetos relacionadas a escopo, prazos e
custos não se encontravam consolidadas na empresa, conforme demonstrado no

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 180 23/11/2009 09:17:12


Sistema de gerenciamento de projetos tecnológicos: diagnóstico e proposições em uma empresa do setor 181

item de diagnóstico. Assim, de acordo com a proposta dos autores, esse trabalho
deveria apresentar os macroprocessos a serem adotados pela empresa no que
tange ao gerenciamento de projetos, especificamente em relação a escopo, pra-
zos e custos. Foi considerado importante que estes macroprocessos estivessem
integrados àqueles já existentes (processos de vendas, de desenvolvimento de
produtos e de suporte), a fim de que não houvesse duplicação de esforços. Uma
proposição de fluxo de processos integrado é apresentada na Figura 7. Observa-se
que foi sugerida a implementação de uma nova camada de processos relaciona-
dos especificamente à gestão de projetos, sendo que alguns eram inexistentes e
outros pouco formalizados na empresa.

Processos de vendas

Processos de gerenciamento de projetos


Acompanhamento
Iniciação Planejamento Encerramento
e controle

Termo de Plano de gerenciamento Orientação e gerenciamento Entrega do produto para


abertura do do projeto: da execução do projeto produção
projeto Controle de mudanças Relatório final contendo todos
wbs, cronograma, de escopo
orçamentação, os registros necessários e
planejamento qualidade, Controle de prazos, custos, análise das lições aprendidas
planejamento riscos, qualidade e riscos Arquivo das informações do
planejamento equipe Elaboração de projeto
relatórios de progresso

Processos de desenvolvimento de produtos

Processos de suporte

Fonte: Elaborada pelos autores.


Figura 7 Processos propostos.

Caso venha a ser implementado, esse Sistema de Gerenciamento de proje-


tos deverá requerer atenção e cuidados, a fim de que se as mudanças exigidas
sejam progressivamente absorvidas, principalmente as comportamentais. De
acordo com Archibald (1991), usualmente, a implantação de um novo sistema
de gerenciamento de projetos necessita de uma adaptação significativa da orga-
nização e das pessoas, em termos de atitude, compreensão, responsabilidades,
métodos e relacionamentos. Não há uma melhor forma que responda a todas as
situações. Cada organização deve procurar aquela que melhor se ajuste às suas
especificidades. Há, genericamente, cinco fases estratégicas para implementar
as mudanças necessárias: identificar e entender as barreiras às mudanças; criar
consciência das necessidades e identificar as forças motivacionais que ajudarão a
superar as barreiras; educar e treinar as pessoas envolvidas usando o conhecimen-
to gerado nas duas primeiras fases; adotar medidas apropriadas para suportar as

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 181 23/11/2009 09:17:13


182 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

mudanças; e, finalmente, modificar e implementar, progressivamente, as práticas


de gerenciamento de projetos.
No caso da empresa estudada, verificou-se a existência de diversas barreiras,
principalmente entre o papel do gerente de projetos e o papel do gerente de linha.
No tocante à criação de uma consciência da necessidade de mudanças, a principal
força motivacional pode ser o fato de que os mercados e os produtos também estão
mudando, a concorrência está mudando, a competição é cada vez mais global e
acirrada e, se a organização quiser sobreviver, terá de mudar também.
Após identificadas as barreiras e criada a consciência da necessidade de mu-
dança, um programa de educação e treinamento será essencial para dar suporte ao
processo. Não basta apenas anunciar o uso de um novo sistema de gerenciamento
de projetos, por exemplo; um bom sistema de treinamento é necessário para ca-
pitalizar os fatores motivacionais sobre os quais se estabelecerá a aceitação das
mudanças. A introdução do novo sistema, em si mesma, deve ser vista também
como um projeto para se alcançar uma nova maneira de integrar papéis, novas fer-
ramentas e métodos de planejamento e controle, e novas maneiras de se trabalhar
em equipe. A participação da alta administração, como “sponsor” desse projeto, é
imprescindível, pois é por meio de seu comportamento e de suas comunicações
internas que todos reconhecerão que o novo sistema é importante para o futuro
da organização. A progressividade das mudanças também é um fator importante
a ser considerado. O processo de implantação pode levar alguns anos, e é preciso
que a experiência seja paulatinamente absorvida, degrau por degrau, e o processo
de aprendizado seja contínuo, acompanhando a evolução da área e as mudanças
no ambiente interno e externo à organização.

4 Conclusões

Este estudo evidenciou como é possível a convivência das atividades rotinei-


ras com as atividades de projetos numa mesma organização. Tanto a literatura
quanto os dados da situação analisada propiciaram aos autores o entendimento
do nexo existente entre uma estrutura organizacional e a necessidade de um
novo sistema de gerenciamento de projetos, através dos fatores determinantes
das formas organizacionais possíveis e da maturidade em administração de em-
preendimentos. Além desses fatores, a tipologia de projetos foi utilizada para
balizar as ações das proposições. Esses fenômenos mostraram que a baixa ma-
turidade em gerenciamento de projetos pode estar condicionada à inadequação
da estrutura organizacional.
O entendimento da forma estrutural da organização estudada e os fatores
determinantes avaliados revelaram que existem possibilidades de solucionar

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 182 23/11/2009 09:17:13


Sistema de gerenciamento de projetos tecnológicos: diagnóstico e proposições em uma empresa do setor 183

problemas de gestão através de mudanças na cultura existente entre as ativida-


des de rotina e de projeto. A avaliação da estrutura organizacional, objeto deste
estudo, foi elaborada através da proposição conceitual de Vasconcellos e Hemsley
(2002), bem como de Patah e Carvalho (2002). Os fatores determinantes apon-
tados como mais relevantes foram: a falta de memória técnica, desenvolvimento
gerencial e custo da estrutura.
A tipologia de projetos existente na organização pode ser destacada, também,
como uma conclusão importante, na medida em que foi possível relacionar as
variedades de estruturas possíveis, e que tal consideração deve ser levada em
conta no momento da decisão pela adoção de mudanças. A análise dessas relações
– tipologia de projetos com forma estrutural – certamente é uma contribuição
dos autores para o desenvolvimento de alternativas estratégicas na direção de
implementação adequada de formas organizacionais.
Em termos da administração de atividades não rotineiras, foi possível con-
cluir, dada a baixa maturidade em gerenciamento de projetos verificada, que as
proposições de implementação de um sistema de gerenciamento de projetos são
relevantes. Ademais, podem ser corroboradas pela literatura teórica considerada
neste trabalho, tanto em termos de abrangência das ações, em que foram consi-
deradas as camadas dos indivíduos, equipes e organização quanto de adequação
e aderência. Nesse sentido, conclui-se que é possível avançar em termos de ma-
turidade em gerenciamento de projetos como consequência da implementação
das proposições aqui formuladas.
A evidência dos resultados apresentados e que pode ser traduzida em apoio da
alta administração para a decisão de implementar uma nova cultura organizacional
mostra uma importante e nova conclusão que deve ser incluída neste conjunto.
O fenômeno do apoio da alta administração às implementações de mudança
cultural nas organizações foi tratado amplamente pela literatura especializada.
No caso de gerenciamento de projetos, vale destacar os trabalhos de Kerzner
(2001) e Archibald (1991) que na proposição de seus modelos de gerenciamento
de projetos enfatizam o apoio da gerência e alta administração como elementos
essenciais para se chegar à maturidade.
Por se tratar de uma experiência vivenciada numa única empresa, os resul-
tados apresentados devem ser vistos e interpretados nos âmbitos delineados da
organização examinada. Assim, mesmo consolidando as conclusões pela literatura
teórica especializada, sabe-se que não é possível fazer quaisquer generalizações
sobre métodos e soluções propostas para o caso estudado. Apesar disso, é possí-
vel fazer um exercício de previsão de novas propostas de estudos e questões que
ainda carecem de ser respondidas e, portanto, merecem ser analisadas.
Por exemplo, cabe verificar se ao longo da cadeia produtiva automotiva outras
organizações têm problemas semelhantes. Valeria a pena comparar as conclusões

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 183 23/11/2009 09:17:13


184 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

com este estudo e, como questionamento, buscar entender se fatores determi-


nantes têm o mesmo padrão de comportamento e se as proposições podem ser
semelhantes ou distintivas.

Questões para discussão

1. Como você avalia o alinhamento entre o planejamento estratégico da empresa


e o gerenciamento de projetos. Indique eventuais lacunas e sugira formas de
minimizá-las.
2. Como você avalia o alinhamento entre a estrutura organizacional da empresa
e as práticas de gerenciamento de projetos. A nova estrutura proposta favo-
receria esse alinhamento? O que ainda poderia ser sugerido?
3. Como você avalia o processo de gerenciamento de projetos sugerido nos seus
macroprocessos? Detalhe, incluindo outros subprocessos.
4. Como você avalia o processo de implantação das mudanças propostas? Quais
resistências estariam presentes? Como lidar com elas? Que recomendação
voce faria à alta administração?

Referências bibliográficas

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MEREDITH, J. R.; MANTEL JR., S. J. Project management: a managerial approach. New
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gerenciamento de projetos na práticav2.indb 184 23/11/2009 09:17:13


Sistema de gerenciamento de projetos tecnológicos: diagnóstico e proposições em uma empresa do setor 185

SINDIPEÇAS. Anuário Desempenho do Setor de Autopeças. São Paulo: SINDIPEÇAS,


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gerenciamento de projetos na práticav2.indb 185 23/11/2009 09:17:13


9
Gerenciamento de risco de operações
de docagens de navios petroleiros
Roque Rabechini Jr., Marcelo Martins e José Eduardo Módica

1 Introdução

Toda atividade exercida pelo homem é sujeita a incertezas que podem im-
putar riscos e afetar seus objetivos se não forem adequadamente tratadas. As
organizações se utilizam de técnicas como o planejamento estratégico como
forma de se posicionarem perante aos riscos a que estão expostas, diagnostican-
do suas forças, fraquezas, identificando as ameaças e oportunidades externas e,
através de uma análise cruzada dessas informações, preparando seus planos de
resposta para atender aos seus objetivos estratégicos. Quanto aos riscos técni-
cos, existem várias ferramentas disponíveis à disposição, bem como bancos de
dados com informações sobre probabilidades e impactos relativos aos eventos
de risco. Por exemplo, uma companhia seguradora para calcular um prêmio de
seguro de automóvel tem dados tabelados sobre a ocorrência de sinistros e fur-
tos levando em consideração dados do condutor como: idade, sexo, estado civil,
local de residência, existência de garagem, e outros detalhes que caracterizam
as probabilidades de ocorrência e respectivos impactos.
Quanto aos eventos de risco gerenciais que podem afetar seus projetos, a
situação é diferente. As organizações, em geral, estão nos estágios iniciais de
implantação do gerenciamento de riscos, e, como não existem bancos de dados
estruturados com informações para esse tipo de evento de risco, os gerentes de
projetos têm que contar com informações eliciadas de profissionais envolvidos
com projetos, tomando-se os devidos cuidados para garantir a qualidade das
informações obtidas.
O competitivo mercado de logística, especificamente o que abrange operações
de navios petroleiros, está sempre em busca de novos aprimoramentos na efi-

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Gerenciamento de risco de operações de docagens de navios petroleiros 187

ciência de suas operações. Nesse cenário, o tempo inoperante de um navio pode


afetar o desempenho das operadoras, diminuindo seus resultados financeiros
e até mesmo prejudicando o relacionamento com seus clientes. Porém, como a
retirada de operação dos navios é inevitável, seja para o atendimento à legisla-
ção, que exige a parada a cada cinco anos para manutenção e inspeção, ou por
necessidades de reparos não programados, a minimização do tempo inoperante
passa a ser estratégica obrigatória para as operadoras.
A docagem de um navio, definida como o período compreendido entre a sua
retirada de operação, sua entrega a um estaleiro para execução dos reparos e o
retorno à operação, pode ser caracterizada como um projeto, pois é temporária,
única, e tem um alto grau de incerteza e complexidade. É temporária, pois o navio
é retirado de sua operação rotineira e enviado a um estaleiro para ser reformado,
tendo, portanto, uma programação de data de início, duração, escopo definido,
custo estimado e especificação de qualidade dos serviços. É única, pois toda do-
cagem é diferente das demais, seja pela diversidade de navios, de estaleiros, de
épocas e de especificações e quantificações de serviços. Tem alto grau de incer-
teza porque, devido às características da carga transportada e da impossibilidade
de se interromper sua operação, não é possível realizar uma inspeção para se
identificar detalhadamente todos os serviços necessários para a recuperação do
navio. É complexa, pois os serviços normalmente realizados, embora rotineiros
para as empresas executoras, são de diversas especialidades da engenharia, en-
volvem uma complexa logística com estaleiros tanto no Brasil como no exterior
e envolvem vários fornecedores de materiais, equipamentos e serviços.
Assim como qualquer projeto, os projetos de docagem podem ser afetados
pela ocorrência de eventos indesejáveis, denominados por alguns especialistas
como incertezas e eventos de riscos, sendo a incerteza definida como um evento
inesperado (PERMINOVA; GUSTAFSSON; WIKSTRÖM, 2008) ou impossível de
se atribuir probabilidades (KERZNER, 2005), e evento de risco definido como
um evento incerto com atributos de probabilidades de ocorrência e estimativa
de impacto caso ocorra (MODARRES, 2006).
A incerteza em projetos tem sido motivo de preocupação e estudo por parte
da comunidade de gerenciamento de projetos, e vários trabalhos exploratórios
nessa área têm sido apresentados (WIDEMAN, 1992; WARD; CHAPMAN, 2003;
PERMINOVA; GUSTAFSSON; WIKSTRÖM, 2008), bem como os riscos e a di-
ficuldade em gerenciá-los também têm sido pesquisados (IBBS; KWAC, 2000;
RAZ; SHENHAR; DVIR, 2002; ZWIKAEL; GLOBERSON, 2006).
Considerando que o tratamento das incertezas e o adequado gerenciamento
dos eventos de riscos são de fundamental importância para projetos de docagens
e, consequentemente, para o setor de logística, este capítulo tem como objetivo

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 187 23/11/2009 09:17:13


188 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

identificar os eventos de riscos relevantes em projetos de docagem, utilizando a


Petrobras Transportes S. A., maior operadora do Brasil, como estudo de caso.

2 Revisão teórica

Para a compreensão deste trabalho, faz-se necessária a explanação dos con-


ceitos de: incertezas, riscos e gerenciamento de riscos em projetos, da percepção
e do posicionamento perante o risco pelas pessoas, da aquisição de conhecimen-
tos, do tratamento estatístico denominado coeficiente de concordância de Kendall
e de docagem de navios petroleiros.

2.1 Incertezas, riscos e gerenciamento de riscos em projetos

Um paradoxo do gerenciamento de riscos tem despertado interesse e curio-


sidade na comunidade de gerenciamento de projetos: de um lado, esta área de
conhecimento é uma das mais importantes e repletas em técnicas e ferramentas,
de outro, é uma das mais carentes de estudos. Uma pesquisa conduzida por
Ibbs e Kwak (2000) mostrou que a falta de intimidade para lidar com incertezas
está presente em gerentes de projetos de quatro setores distintos pesquisados:
telecomunicações, manufatura de produtos de alta tecnologia, tecnologia de
informação e engenharia de construção.
Uma das mais valiosas contribuições ao entendimento dos conceitos de risco
foi dado por Wideman (1992) ao configurar os limites do campo das incertezas,
incluindo antagonicamente os elementos do desconhecido e da certeza. A incer-
teza, nesse aspecto, pode ser considerada um campo conceitual delimitado entre
esses dois elementos, que vem a ser o centro das preocupações dos estudos de
riscos. Riscos em projeto têm sua origem no campo das incertezas que, por sua
vez, está presente, de uma forma mais ou menos intensa, em todos os projetos
(PERMINOVA et al., 2008).
Para Perminova et al. (2008), a principal diferença entre risco e incerteza
se refere à possibilidade do estabelecimento de probabilidades. Assim, o risco
caracteriza-se por uma situação cuja decisão é tomada sob condições de pro-
babilidades conhecidas. Já, incertezas não. É impossível associar a elas valores
de probabilidades numéricas, bem como há falta de conhecimentos sobre suas
consequências.
Conceitualmente, o campo das incertezas pode ser visto como sendo o centro
das preocupações do gerenciamento. Nesse aspecto, Ward e Chapman (2003)
argumentam que todo o processo de gerenciamento de riscos em projetos deve

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 188 23/11/2009 09:17:13


Gerenciamento de risco de operações de docagens de navios petroleiros 189

restringir seu foco na administração de incertezas, uma vez que o risco está sem-
pre associado a ameaças (ou oportunidades) de eventos incertos aos projetos.
A visão ampliada de riscos, envolvendo ameaças e oportunidades, foi corro-
borada pelo trabalho de Hillson (2002). Para esse autor, riscos estão relacionados
a eventos incertos que podem afetar os objetivos de um projeto negativa ou po-
sitivamente. Esta forma de posicionar o risco gera estratégias de administração
distintas.
Para o departamento de defesa norte-americano, risco é entendido como uma
medida das futuras incertezas em se atingir os objetivos do programa dentro de
suas restrições estabelecidas para custo, prazo e desempenho. Segundo Modarres
(2006), o termo risco significa não somente a ocorrência de um evento indesejável,
mas também quão provável e quais suas consequências caso ocorra.
O pensamento do gerenciamento de riscos apresenta, complementarmente,
alternativas para que tais eventos enquadrados até aqui possam ser administra-
dos. No entanto, para Raz et al. (2002), a disciplina gerenciamento de riscos
está, ainda, em sua infância.
Vários trabalhos (PMI, 2004; VALERIANO, 1998; KEELLING, 2006) têm
apresentado o gerenciamento de riscos como uma série de processos interligados
envolvendo técnicas e ferramentas específicas. O PMI (2004) propôs seis pro-
cessos de gerenciamento de riscos: planejamento do gerenciamento dos riscos,
identificação, avaliação qualitativa, avaliação quantitativa, respostas ao risco e
acompanhamento e controle.
O gerenciamento de risco de projetos tem como objetivo identificar e tratar
as incertezas que podem impactar o projeto, porém existem incertezas desco-
nhecidas que podem afetar os objetivos do projeto e não recebem qualquer trata-
mento. As incertezas que não podem afetar o projeto, sejam elas conhecidas ou
desconhecidas, não são motivos de preocupação por parte dos envolvidos com
o gerenciamento de riscos.
De outra forma, o ambiente de incertezas pode ser representado juntamente
com o ambiente do projeto, como na Figura 1, onde o ambiente de incertezas é
caracterizado pelo conhecimento em algum grau, que varia do limite próximo
do zero ao limite próximo dos 100%, das incertezas que podem afetar o proje-
to. O ambiente do projeto é mais amplo, abrangendo o ambiente de incertezas
parcialmente conhecido e o ambiente desconhecido pela equipe do projeto. Há
ainda o ambiente desconhecido pela equipe, mas que não afeta o projeto, não
sendo motivo de preocupação.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 189 23/11/2009 09:17:13


190 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

Grau de conhecimento
das incertezas que
podem afetar o
Ambiente do projeto projeto

Ambiente de incertezas
Não sei que Não sei Sei parcialmente e o Não sei Não sei que
não sei, mas que não projeto pode ser que não não sei, mas
o projeto sei, mas afetado sei, mas o o projeto
não é o projeto projeto não é
afetado. pode ser pode ser afetado.
afetado. 100% afetado.
Ambiente
Ambiente desconhecido parcialmente conhecido Ambiente desconhecido

Escopo do
Gerenciamento de riscos

Zona Verde Zona Vermelha Zona Amarela Zona Vermelha Zona Verde
(Não há (Pode haver (Pode haver risco) (Pode haver (Não há
risco) risco) risco) risco)

Fonte: Modica (2009).


Figura 1 Ambiente do projeto e das incertezas.

2.2 Percepção do risco

A análise de riscos é um procedimento racional de avaliação, que pode


contribuir significativamente para o processo de tomada de decisão, se valores
e limitações forem levados em conta de forma realística. Há uma tendência de
se aceitar a avaliação como uma medida exata, quando na realidade há muita
subjetividade envolvida (SKJONG; WENTWORTH, 2001). A subjetividade está
relacionada com a percepção das pessoas, que, segundo Kunreuther (2002), é
afetada por vieses em seus julgamentos.
De acordo com Slovic (1987), as pessoas empregam um conjunto de es-
tratégias mentais ou heurísticas para encontrar algum sentido no mundo das
incertezas, e embora essas regras sejam válidas em algumas circunstâncias, em
outras elas podem levar a vieses com fortes implicações para o tratamento dos
riscos (TVERSKY; KAHNEMAN, 1974). Dificuldades em entender processos
probabilísticos, cobertura da mídia, experiências pessoais e ansiedades contri-
buem para a formação desses vieses.
Slovic (1987) pesquisou a percepção de risco em cidadãos nos Estados Uni-
dos. O autor queria descobrir como as pessoas percebiam o risco de 30 atividades

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 190 23/11/2009 09:17:13


Gerenciamento de risco de operações de docagens de navios petroleiros 191

e tecnologias, como, por exemplo: energia nuclear, veículos motorizados, armas de


fogo manuais, fumo, motociclistas, bebidas alcoólicas, aviação privada, trabalho
de policial, pesticidas e cirurgia. Foi solicitado a cada um dos entrevistados que
considerassem o risco de morte, na sociedade como um todo, decorrente dessa
atividade ou tecnologia. A pesquisa foi aplicada em quatro grupos distintos:
membros da “League of Women Voters”, estudantes universitários, profissio-
nais membros do “Active Club” e profissionais envolvidos em análises de ris-
cos.
Os autores concluíram que a percepção dos especialistas em relação aos riscos
dos 30 itens estava muito associada aos históricos anuais de fatalidades. Para os
leigos, entretanto, notou-se uma relação apenas moderada entre as percepções e
os históricos de fatalidades. Particularmente, o risco percebido da atividade ener-
gia nuclear foi demasiadamente alto comparado ao seu histórico de fatalidades,
além de ter sido considerado como o mais arriscado por dois grupos de leigos,
enquanto os especialistas o consideraram apenas em 20o lugar.
A pesquisa de Slovic (1987) contribui para o gerenciamento de riscos ao
mostrar que os especialistas conseguem se aproximar dos valores apurados por
dados históricos, e, contrariamente, os leigos não têm sensibilidade para opinar
sobre os eventos de risco.

2.3 Posicionamento perante o risco

Além da percepção, outro fator relevante no gerenciamento de riscos é o


comportamento das pessoas.
De fato, as pessoas se posicionam diferentemente perante o risco; segundo
Lefley (1997), a atitude pessoal é influenciada pelas suas experiências passadas e,
quando jovens, as pessoas tendem a assumir mais riscos do que quando mais ve-
lhas e experientes. Uma pesquisa com 1.484 gerentes de projetos encontrou uma
forte correlação negativa entre a idade do gerente e a aceitação ao risco, ou seja,
quanto maior a idade, menor a aceitação de risco (VROOM; PAHL, 1971).
Uma ferramenta simples para entender a tolerância ao risco é a curva de
utilidade, que, segundo Kwak e LaPlace (2005) e Von Neumann e Morgenstern
(1953 apud NEPOMUCENO FILHO; SUSLICK, 2000), mostra uma aversão ao
risco para uma curva côncava e uma propensão ao risco para uma curva convexa,
como na Figura 2. Para um tomador de decisão indiferente ao risco, a curva de
utilidade apresenta-se como uma reta.

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192 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

Aversão ao Risco Propensão ao Risco

Utilidade Utilidade

$ $

Fonte: Kwak e LaPlace (2005).

Figura 2 Curva de utilidade.

Dessa forma, é importante que o nível de tolerância deva ser muito bem de-
finido para que os gerentes de projeto, outras pessoas envolvidas e as empresas
invistam adequadamente em seus projetos.

2.4 Aquisição de conhecimentos

A aquisição de conhecimentos é o processo de extrair, estruturar e organi-


zar o conhecimento de especialistas a fim de capturar expertise para a resolução
de problemas (LIOU, 1992). Para Dhaliwal e Benbasat (1990), a aquisição de
conhecimentos é o nome dado ao processo de eliciar, adquirir e representar
conhecimentos através da descrição, relacionamentos e procedimentos em uma
área de interesse escolhida.
De acordo com Liou (1992), existem três preocupações que devem ser ob-
servadas no processo de aquisição de conhecimentos: envolvimento de pessoas
apropriadas, o emprego de técnicas adequadas para eliciar conhecimentos e
uma abordagem estruturada. Além disso, para a efetividade do processo, torna-
se necessária a elaboração de uma metodologia composta por quatro fases:
planejamento, extração, análise e verificação, que serve como um guia para os
condutores do processo. A fase de planejamento é a mais importante e tem por
objetivo entender a extensão do problema, para definir o escopo e identificar
os especialistas. A fase de extração tem como principal atividade a aquisição de
conhecimentos dos especialistas através de sessões onde podem ser aplicadas
diferentes ferramentas para dar suporte à técnica escolhida. A seguir, os dados
devem ser analisados e organizados e, por fim, a fase de verificação serve para
validar os trabalhos efetuados com os especialistas (LIOU; WEBER; NUNA-
MAKER JÚNIOR, 1990).

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 192 23/11/2009 09:17:14


Gerenciamento de risco de operações de docagens de navios petroleiros 193

2.5 Coeficiente de Kendall

Para assegurar a garantia da qualidade das informações obtidas nas entrevis-


tas, é necessária uma análise das respostas a fim de se verificar o alinhamento
entre os especialistas. Não há como saber qual é o prognóstico correto ou o
mais preciso, pois trata-se de opiniões sobre fatos que ainda não ocorreram, e
que poderão ou não ocorrer. Apesar dessa limitação, pode-se verificar o grau
de alinhamento ou concordância entre os especialistas, comparando-se as suas
priorizações dos riscos.
Uma das formas de se medir o alinhamento entre as opiniões dos especialistas
é utilizar o coeficiente de correlação de Kendall (MARKOWITSH; PRITZEL, 1977;
SCHMIDT, 1997; CONOVER, 1980; SIEGEL; CASTELLAN, 2006; MARTINS,
2001). Okoli e Pawlowski (2004) afirmam que há diferentes formas de medir
priorizações, mas o coeficiente de concordância de Kendall (W) é amplamente
reconhecido como o melhor. A International Maritime Organization (2002) e
Kontovas (2005) propõem a utilização sistemática desse coeficiente por ocasião
de estudos de riscos de acidentes com embarcações.
Para calcular o coeficiente W, onde k especialistas priorizam N riscos, utili-
zando números naturais que variam de 1 a N, utiliza-se a seguinte fórmula, onde
Rj é a soma dos postos de cada item avaliado, em uma matriz k por N:
2
⎛ ∑ Rj ⎞
∑ ⎜ Rj − N ⎟
⎝ ⎠
W=
1 2 3
k (N − N)
12
A diferença entre cada Rj e a soma dos Rj dividida por N pode ser conside-
rada como o desvio a partir da média. O numerador é a soma dos quadrados
dos desvios, e varia de zero ao valor máximo possível que ocorreria no caso de
concordância perfeita entre os k conjuntos de postos, neste caso, igual ao deno-
minador, razão pela qual W varia somente entre zero e um.
De acordo com Conover (1980), se houver perfeita concordância entre as
priorizações, ou seja, se todas as priorizações forem exatamente iguais, o resul-
tado do coeficiente W é 1; se houver perfeita discordância, ou discordância total
entre as priorizações, o coeficiente W será zero ou próximo de zero.
A Tabela 1 apresenta os níveis de concordância sugeridos por Schmidt (1997).
A International Maritime Organization (2006), Okoli e Pawlowski (2004) e
Kontovas (2005) também afirmam que haverá uma forte concordância entre as
opiniões expressas pelos especialistas caso W apresente valores acima de 0,7.

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194 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

Tabela 1 Interpretação do coeficiente de Kendall.


W Interpretação Confiança na priorização

0,1 Concordância muito fraca Não há

0,3 Concordância fraca Baixa

0,5 Concordância média Moderada

0,7 Concordância forte Alta

0,9 Concordância forte (não usual) Muito alta

Fonte: Schmidt (1997).

2.6 Docagem

O desenvolvimento e a aplicação de uma metodologia de gerenciamento de


riscos em projetos de manutenção de navios, objeto deste capítulo, ainda não
foram abordados pela literatura especializada no assunto. Cabe, portanto, explorar
os conceitos e características desse tipo de projeto.
Um projeto de manutenção de navios é um evento de suma importância para
sua vida operacional e ocorre por força de cumprimento de normas e regulamen-
tos a cada dois anos e meio, sendo uma intermediária e uma de fechamento de
ciclo a cada cinco anos.
Em linhas gerais, docar um navio significa colocá-lo na doca ou dique (locais
que servem para construção ou reparo de navios), fazer os reparos necessários
e disponibilizá-lo novamente para uso. Santos e Gonçalves (2006) explicam
que, sob o ponto de vista da operadora, a docagem pode ser dividida em quatro
etapas: preparação da especificação dos reparos, fiscalização e aceitação dos
serviços executados, aprovação da fatura do estaleiro e preparação do relatório
final do projeto. Docagem de navios petroleiros, assim, é uma designação gené-
rica do período no qual o navio é entregue a algum estaleiro para fins de reparos
(TRANSPETRO, 2002).
Por ocasião desses projetos, efetuam-se as intervenções e os reparos que não
podem ser feitos durante o ciclo de operações do navio em função da necessidade
de uma preparação especial de limpeza e eliminação de gases de hidrocarbonetos,
o que causariam a sua paralisação. Essa preparação especial permite o trabalho em
ambiente saudável para as pessoas, chamadas de “free for fire” ou “free for man”.
A identificação dos serviços a serem efetuados e a definição do estaleiro re-
parador devem ser feitas anteriormente à retirada do navio de operação e fazem
parte da etapa de planejamento do projeto. Essa etapa é complexa, pois para que
se obtenha sucesso na execução é necessário negociar a retirada da operação do

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Gerenciamento de risco de operações de docagens de navios petroleiros 195

navio com todos os interessados, conciliando todas as consequências oriundas


dessa desativação. Também é necessário identificar todos os serviços que serão
executados, bem como os estaleiros capazes de atender aos requisitos.

3 Descrição da empresa

A Petrobras Transporte S. A. (Transpetro) é uma subsidiária integral da


Petróleo Brasileiro S. A. (Petrobras) e foi constituída em 12 de junho de 1998
em atendimento ao art. 65 da Lei no 9.478/97, que reestruturou o setor para
atuar no transporte e armazenagem de granéis, petróleo e seus derivados e de
gás natural.
A missão da Transpetro é: “Atender às necessidades dos clientes de forma se-
gura, rentável e integrada, com responsabilidade social e ambiental, no transporte
e armazenamento de petróleo, derivados, gás, petroquímicos e biocombustíveis,
contribuindo para o desenvolvimento do país” (TRANSPETRO, 2007b).
A visão da Transpetro projetada para 2015 é: “A Transpetro será uma trans-
portadora multimodal, com atuação internacional, inovadora e a solução de
transporte do Sistema Petrobras” (TRANSPETRO, 2007b).
De acordo com o relatório anual de 2007 (TRANSPETRO, 2007a), a Trans-
petro opera uma frota de 55 navios com capacidade de transporte de 2,9 mi-
lhões de Toneladas de Porte Bruto (TPBs), 7.033 km de oleodutos e 3.600 km
de gasodutos, 20 terminais terrestres e 26 terminais aquaviários. A capaci-
dade de armazenamento é de 10,3 milhões de m3 de petróleo, derivados e álcool
e a capacidade de processamento de gás natural é de 15 milhões de m3/dia. A
carga movimentada na área de dutos em 2007 foi 671 milhões de m3/ano de
petróleo e derivados e 35 milhões de m3/dia de gás natural, e a média de navios
operados nos terminais foi de 413 por mês. A receita operacional líquida foi de
R$ 3,446 bilhões e o lucro líquido foi R$ 342,6 milhões.

4 Apresentação dos resultados

Neste tópico, são apresentados os eventos de riscos, suas avaliações e clas-


sificação, e por fim a análise dos principais eventos.

4.1 Identificação dos eventos de risco

A identificação dos eventos de riscos foi realizada utilizando-se a técnica


brainstorming com 23 especialistas, tendo como base a Estrutura Analítica de

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196 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

Riscos (EAP) elaborada previamente. Não foram identificados riscos que im-
pactassem positivamente o projeto, e alguns eventos de riscos identificados
eram causas de outros também identificados, o que suscitou a necessidade de
um trabalho posterior à dinâmica de grupo para organizar os dados obtidos,
separando-os em causas, efeitos e eventos de risco.

4.2 Avaliação e classificação dos eventos de risco

Para determinar as probabilidades e impactos de cada evento de risco, foi


aplicado um questionário, em entrevistas individuais, a seis especialistas que
haviam participado da identificação dos eventos de riscos.
Houve a preocupação em identificar profissionais competentes, reconheci-
dos na Transpetro como os mais experientes e habilitados, em função da vasta
experiência acumulada em projetos de docagem.
Para a consolidação das avaliações tanto das probabilidades como dos im-
pactos, não foi utilizada a média aritmética, e sim a média geométrica, pois, de
acordo com Fischhoff, Slovic e Lichtenstein (1978), a média aritmética tende a
ser desnecessariamente influenciada por eventuais valores extremos.
Para a avaliação dos eventos de riscos, adaptaram-se as tabelas sugeridas por
Garvey (1998), atribuindo-se pontuações às categorias de impacto e faixas de
probabilidades, conforme mostrado na Tabela 2 e na Tabela 3.

Tabela 2 Avaliação do impacto do evento.


Pontuação Categoria do impacto Definição

Um evento que, se ocorrer, poderá causar uma


10 Crítico
falha grave

Um evento que, se ocorrer, poderá causar um


7a9 Sério
grande aumento custo/prazo

Um evento que, se ocorrer, poderá causar um


4a6 Moderado
moderado aumento custo/prazo

Um evento que, se ocorrer, poderá causar um


2a3 Menor
pequeno aumento custo/prazo

0a1 Desprezível Um evento que, se ocorrer, não afetará o projeto

Fonte: Adaptada de Garvey e Lansdowne (1998).

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Gerenciamento de risco de operações de docagens de navios petroleiros 197

Tabela 3 Probabilidade de ocorrência do evento.


Pontuação Faixa de probabilidade Interpretação

10 91 – 100% Muito provável de acontecer

7a9 61 – 90% Provável de acontecer

Pode acontecer aproximadamente na metade


4a6 41 – 60%
das vezes

2a3 11 – 40% Improvável de ocorrer

0a1 0 – 10% Muito improvável de ocorrer

Fonte: Adaptada de Garvey e Lansdowne (1998).

Como não foram identificados riscos positivos, ou oportunidades, a matriz


de risco adotada é apresentada na Figura 3:

Probabilidade Legenda

10 8 6 4 2

10 100 80 60 40 20 Alto

8 80 64 48 32 16
Impacto

6 60 48 36 24 12 Médio

4 40 32 24 16 8

2 20 16 12 8 4 Baixo

Figura 3 Matriz de risco.

No Gráfico 1, são mostradas as quantidades de eventos de riscos em função


da sua avaliação, por exemplo, 75 eventos tiveram avaliação maior ou igual a três,
oito eventos tiveram avaliação maior ou igual a 36. Nota-se que há um grupo de
eventos deslocados dos demais, indicando claramente um ponto de corte para
uma classificação; são os oito eventos de riscos que obtiveram avaliação acima
de 36 e foram classificados como altos.

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198 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

80

Quantidade de eventos de risco


70

60

50

40

30

20

10

0
0 10 20 30 40 50

Avaliação do risco (PxI)

Gráfico 1 Quantidade de riscos em função da avaliação.

Foram elaboradas duas classificações para os riscos, uma relativa à natureza


– SMS, técnico, organizacional, externo e de gerenciamento –, e outra relativa à
magnitude do risco – baixo, médio e alto.
O cruzamento dessas duas classificações é apresentado na Tabela 4. Nota-se que
foram identificados 30 eventos de risco, que representam 40% do total, classificados
como técnico, organizacional ou de gerenciamento, que são internos à operadora
dos navios, portanto, mais propícios a uma ação imediata. Ressalta-se, ainda, que
quatro deles são classificados como altos e representam 50% dos altos.

Tabela 4 Classificação dos riscos.


Classificação Externo Gerenciamento Organizacional SMS Técnico Total

Alto 3 1 1 3 8

Médio 17 2 9 2 6 36

Baixo 18 7 4 2 31

Total geral 38 3 16 7 11 75

A partir dessa análise, o foco da pesquisa recaiu sobre os principais eventos


de risco, classificados como alto, um de SMS, três técnicos, três externos e um de
gerenciamento do projeto.
Esses riscos são:

• Atraso na execução dos serviços por motivos climáticos (externo).

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 198 23/11/2009 09:17:14


Gerenciamento de risco de operações de docagens de navios petroleiros 199

• Empresa contratada não cumprir o prazo acordado (externo).


• Falta de mão de obra qualificada (externo).
• Falhas no cumprimento da programação (gerenciamento).
• Especificação técnica deficiente do contrato (técnico).
• Estimativa errada de reparos estruturais (técnico).
• Estimativa errada de serviços em tanques (técnico).
• Acidentes de trabalho no estaleiro (SMS).

4.3 Análise dos principais eventos de risco

Conhecidos os oito principais eventos de risco, efetuou-se uma nova avalia-


ção, desta vez mais detalhada, considerando-se os impactos em cada objetivo do
projeto: tempo, custo, escopo e qualidade.
A avaliação da probabilidade de ocorrência e dos impactos foi realizada com
a aplicação de um formulário de pesquisa em entrevistas individuais com sete
especialistas, alguns dos quais que haviam participado da identificação dos even-
tos e/ou da identificação das probabilidades e impactos. Para a consolidação dos
resultados, considerou-se a avaliação do risco como o produto da probabilidade
de cada risco pelo maior impacto nos objetivos.
Através das avaliações realizadas pelos especialistas, os eventos foram prio-
rizados, conforme apresentado na Tabela 5. O número 1 representa o evento de
risco considerado pelo especialista como sendo o mais severo e o número 8, o
menos severo.

Tabela 5 Priorização dos eventos de risco.


Eventos de risco Especialista

Item Descrição 1 2 3 4 5 6 7

1 Atraso na execução de serviços por motivos climáticos 5 6 7 7 7 6 6

2 Especificação técnica deficiente do contrato 7 7 1 3 3 4 3

3 Contratada não cumprir o prazo acordado 1 1 2 1 5 3 4

4 Falta de mão de obra qualificada 3 4 4 6 2 2 2

5 Falhas no cumprimento da programação 4 5 6 5 6 7 7

6 Estimativa errada de reparos estruturais 2 2 3 2 1 1 1

7 Acidentes de trabalho no estaleiro 8 8 8 8 8 8 8

8 Estimativa errada de serviços em tanques 6 3 5 4 4 5 5

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 199 23/11/2009 09:17:15


200 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

Para medir o alinhamento entre os especialistas, utilizou-se o coeficiente


de Kendall, resultando em 0,731, que, de acordo com a International Maritime
Organization (2002), significa um nível de concordância bom e, de acordo com
Schmidt (1997), há uma forte concordância e alta confiança na priorização.
Uma vez identificados os eventos de risco mais significativos, medidas miti-
gadoras devem ser elaboradas para a minimização da probabilidade de ocorrência
de tais eventos, assim como a proposição de ações de contingência para minimizar
as consequências caso esses eventos ocorram.

5 Considerações finais

O trabalho apresentado oferece uma abordagem de gerenciamento de riscos


aplicado ao projeto de docagem e contribui para melhor compreensão do processo
de aplicação dos conceitos envolvidos, assim como para a criação de um banco
de dados de eventos de riscos avaliados, a fim de ser utilizado sistematicamente
em projetos semelhantes.
Foram utilizados os conceitos de gerenciamento de projetos e gerenciamento
de riscos em docagens de navios, e identificaram-se oportunidades para incre-
mentos de melhorias.
Considerando que, segundo Santos e Gonçalves (2006), 95% dos envolvi-
dos em operações de docagens não estão familiarizados com os conceitos de
gerenciamento de projetos, e 89% não estão satisfeitos com os resultados do
programa de docagens da Transpetro, o trabalho elaborado pode ser útil para os
profissionais dessa área.
É importante salientar que os objetivos da pesquisa realizada foram relaciona-
dos aos eventos de risco do projeto de docagem, e não na capacidade de resposta
a esses eventos por parte da empresa, ou seja, os planos de mitigação e as ações
de contingência adotadas pelas empresa não foram considerados na avaliação das
probabilidades de ocorrência e das consequências dos eventos identificados.
O pequeno número de entrevistados e o fato de não terem sido consultados
especialistas envolvidos com os demais atores envolvidos na operação de docagem
de um navio, como por exemplo estaleiros, empresas terceirizadas e sociedades
classificadoras, devem ser apontados como uma limitação do estudo realizado.
Concluindo, a pesquisa se limitou às fases iniciais do gerenciamento de riscos,
ou seja, à identificação e à avaliação dos riscos; não tendo por objetivo comprovar
que o gerenciamento de riscos pode melhorar o desempenho das docagens nem
contemplar as fases de planejamento de respostas e monitoramento dos riscos.
Essas fases que não foram contempladas neste capítulo são próprias de cada
empresa e são influenciadas fortemente pelos seus fatores ambientais.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 200 23/11/2009 09:17:15


Gerenciamento de risco de operações de docagens de navios petroleiros 201

Questões para discussão

1. Discuta as dificuldades para a implantação do gerenciamento de riscos em uma


empresa que apresente baixa maturidade em gerenciamento de projetos.
2. É possível utilizar os resultados do levantamento de eventos de risco, asso-
ciados a determinado tipo de projeto, realizado na Empresa A para a Empresa
B?
3. Os planos de mitigação, ou de contingência, geralmente utilizados pela em-
presa devem ser considerados na quantificação dos riscos identificados?
4. É possível utilizar os resultados obtidos em projetos anteriores no gerenciamento
de projetos futuros?
5. Discuta a importância de cada etapa do gerenciamento de riscos (planejamento,
identificação, avaliação, monitoramento e controle) nos resultados obtidos.

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gerenciamento de projetos na práticav2.indb 203 23/11/2009 09:17:15


10
Gestão estratégica de projetos
Isak Kruglianskas, Edílson Lippi, Roberto Carlos Martins de Gouveia
e Rodrigo Andrés Barros Villalobos

1 Introdução

A afirmação de que se deve executar um projeto dentro do prazo e do orça-


mento, apesar de parecer bastante simplista, sintetiza de forma clara a abordagem
tradicional do Gerenciamento de Projetos.
A partir dos projetos da NASA (National Agency) para enviar o homem à
lua na década de 60, o Gerenciamento de Projetos passou a ser considerado uma
alternativa promissora para se obter o sucesso na implementação de empreendi-
mentos inovadores e/ou singulares. Desde então, conceitos e técnicas vêm sendo
desenvolvidos, entidades foram criadas e padrões foram estabelecidos.
Entre as abordagens preconizadas, destaca-se o PMBoK (Project Management
Body of Knowledge) do PMI (Project Management Institute). Em complementação às
propostas do PMBoK, cabe realçar as pesquisas e as proposições apresentadas
sob a denominação de SPL (Strategic Project Leadership) preconizadas pelo Prof.
Aaron Shenhar (2001 e 2002).
A nova abordagem de Shenhar visa tirar o Gerenciamento de Projetos do
seu isolamento em relação ao Planejamento Estratégico das empresas. Surgiu,
no fim dos anos 90, a ideia de criar o Gerenciamento Estratégico de Projetos,
em que o Gerente de Projetos passa a ter um papel muito mais comprometido
com os resultados dos negócios da empresa. Nessa nova abordagem, o Gerente
participa do Projeto desde o princípio, quando a alta direção da empresa traça
as estratégias, até após a implementação do Projeto, quando o produto (bem ou
serviço) obtém ou não sucesso não só sob a perspectiva dos objetivos traçados
para o projeto, como também para a empresa ou organização que o financiou. O
referido autor costuma dizer que o Gerente de Projetos deve assumir um papel

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 204 23/11/2009 09:17:15


Gestão estratégica de projetos 205

com maiores responsabilidades quanto aos impactos que se espera que o projeto
venha a produzir, usando a metáfora de que o Gerente de Projetos deve ser o
CEO (Chief Executive Officer) do seu projeto.

1.1 Objetivo

Este capítulo apresenta os resultados de uma pesquisa empírica que teve


como objetivo analisar a relação entre o Gerenciamento de Projetos e o Planeja-
mento Estratégico. Para tanto, se partiu da base teórica tradicional apresentada
na literatura comparando-a com as abordagens propostas por diferentes autores,
que enfatizam os aspectos estratégicos que, no entendimento deles, devem ser
contemplados pelos projetos. A partir desta revisão, procurou-se verificar por
meio de entrevistas com gerentes de projeto de empresas de diferentes portes
e setores como essas empresas se situam em relação às propostas dos novos
modelos de gerenciamento estratégico de projetos.

2 Revisão bibliográfica

A seguir, apresenta-se uma breve síntese das ideias apresentadas por auto-
res preocupados com a redução da lacuna que entendem existir entre a gestão
tradicional de projetos e a estratégia empresarial/organizacional.

2.1 Alinhamento dos projetos com a estratégia

Para haver o alinhamento dos projetos de uma organização com sua estraté-
gia, é preciso, antes de tudo, identificar os objetivos estratégicos dessa organi-
zação. Com a definição desses objetivos, cabe em seguida situar ou categorizar
os projetos existentes.
Segundo Shenhar (2001), existe um “elo perdido” entre a estratégia dos
negócios da empresa e os planos de seus projetos. Esse elo perdido é a estratégia
do projeto, conforme ilustra a Figura 1.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 205 23/11/2009 09:17:15


206 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

Estratégia do negócio
O elo perdido

Projeto
Estratégico

Plano do Projeto

Implementação

Figura 1 Elo entre estratégia e plano de negócio.

A definição da estratégia do projeto é a perspectiva do projeto, direção e di-


retrizes sobre “o quê” e “como” atingir o maior nível de vantagem competitiva.
Cada projeto tem a sua estratégia e cada empresa tem a sua forma de competir.

2.2 Alinhamento geral de projetos

Segundo Paul Dinsmore (1999), “cada projeto deve caminhar em forma


de flecha em direção aos objetivos corporativos”, ou seja, os projetos precisam
se alinhar para que a meta da empresa seja atingida e vantagens competitivas
desenvolvidas. Para que isso ocorra, equipes de planejamento de negócios e de
Gerenciamento de Projetos devem atuar de forma conjunta desde as ações iniciais
que irão se converter em um projeto futuro.
A síndrome da “granada por cima do muro”, na qual a equipe de negócios
identifica e caracteriza o projeto e então o joga para a equipe de projetos, que
nada sabe do projeto, estando totalmente desengajada, deve ser abandonada e
ambas as equipes devem atuar juntas desde o início.

2.3 Interligando projetos e estratégia através do Strategic Program


Management Office (PMO)

Noland Eidsmoe (2000) defende em sua teoria que o Strategic Program Mana-
gement Office (PMO) é um “componente estratégico que auxilia as organizações no

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 206 23/11/2009 09:17:15


Gestão estratégica de projetos 207

atingimento de uma vantagem competitiva e na redução dos custos operacionais”.


É o elo entre o gerenciamento operacional e o gerenciamento estratégico.
Segunhdo Eidsmoe (2000), o Gerenciamento de Projetos melhorou muito
após a implementação do Enterprise Project Management (EPM), um conjunto de
ferramentas para gerenciamento corporativo de projetos. No Quadro 1, é feita
uma comparação entre a antiga forma de gerenciar projetos e a forma que as
ferramentas para gerenciamento corporativo de projetos permitiram adotar.

Quadro 1 Comparação entre métodos de gerenciamento de projetos.


Antiga forma Nova forma

Foco em um projeto Foco em múltiplos projetos

Ferramentas mínimas Ferramentas corporativas

Acompanhamento do progresso pelo percentual Acompanhamento do progresso por cronogra-


completado mas eletrônicos

Prioridades dos projetos estabelecidas pelo maior Prioridades dos projetos estabelecidas através
retorno sobre o investimento de uma conexão entre os objetivos estraté-
gicos de negócios

Recursos superalocados Recursos equilibrados e gerenciados em múlti-


plos projetos

Informação do progresso através de papel Informação do progresso através de websites


interligados a um repositório central

Fonte: Eidsmoe (2000).

2.4 Liderança estratégica de projetos

A análise feita neste item a respeito de Liderança Estratégica de Projetos


baseou-se na visão de Shenhar (2002).
Um dos grandes problemas dos projetos em geral é a sua baixa performance.
Isso quer dizer que a maioria não atende ao prazo, ultrapassa o orçamento e pro-
duz resultados fracos para o negócio. As mudanças, a instabilidade, os conflitos
e as crises são apontados como indicadores de baixa performance também. Para
melhorar a performance, devemos assegurar que:

• A natureza dos projetos deve ser mais bem entendida.


• O novo modelo de gerenciamento de projetos deve buscar atingir os
resultados que atendam mais aos interesses do negócio.
• As mudanças devem ocorrer simultaneamente no projeto e no nível
de gestão.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 207 23/11/2009 09:17:15


208 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

Como mostrado no Quadro 2, a nova abordagem de Shenhar (2002) prioriza


a eficácia em relação à eficiência. Isso não quer dizer que uma seja mais impor-
tante que a outra, apenas sugere que a base do projeto é a eficácia, pois somente
com um projeto eficaz pode-se executá-lo eficientemente.
As outras abordagens não se preocupam muito com a eficácia e é justamente
aí que está a chave do sucesso. O Quadro 2 mostra as diferenças básicas entre a
gerência estratégica de projetos de Shenhar e gerência tradicional de projetos.
Na nova abordagem, as dimensões iniciais do projeto passam a incluir a sa-
tisfação do cliente, a tríade performance/prazo/custo para o alcance dos objetivos
propostos, os impactos no cliente e os benefícios para a organização/negócio.

Quadro 2 Diferença entre projeto estratégico e gerenciamento tradicional.


Gerência estratégica de
Gerência de projetos
projetos

Foco Eficiência Eficácia e eficiência

Mentalidade Operacional Estratégia, operação e humano

Papel do gerente Finalize a tarefa Obtenha resultados, vitórias

Abordagem Um tipo serve para todos Abordagem adaptativa

Definição do projeto Escopo do projeto Necessidades, vantagem competi-


tiva, estratégia e escopo

Planejamento Atividades, agenda e orçamento Resultados finais, expectativas,


atividades de sucesso, agenda e
orçamento

Revisões Progresso, status Necessidades, expectativas, estra-


tégia e status

Lado humano Equipes e conflitos Visão, espírito, motivação e signi-


ficado

Fonte: Shenhar (2002).

2.5 Sintonia e conexão entre projetos e estratégias

Segundo Joan Knutson (2003), o processo de sintonia entre o Planejamento


Estratégico e o Gerenciamento de Projetos pode ser representado como dois fu-
nis, um sobre o outro, conforme a Figura 2. O funil de cima é o do Planejamento
Estratégico, pelo qual passam grandes iniciativas e decisões para o funil de baixo,
que é o do Gerenciamento de Projetos. O funil de baixo viabiliza a implementação
dessas iniciativas, retroalimentando o funil de cima com informações obtidas

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 208 23/11/2009 09:17:16


Gestão estratégica de projetos 209

por meio do monitoramento, rastreamento e controle, que suportarão novas


decisões estratégicas.

Planejamento
estratégico

Grandes iniciativas
e decisões

Gerenciamento
de projetos

Informações

Fonte: Knutson (2003).


Figura 2 O princípio da retroalimentação.

A manutenção dessa sintonia é fator primordial para um perfeito alinhamento


entre o Planejamento Estratégico e o Gerenciamento de Projetos.
Noland Eidsmoe (2000) sugere uma sistemática que envolve a identifi-
cação de 60 a 70 componentes de avaliação, extraídos a partir do PMBoK e o
enquadramento da empresa em relação a esses componentes. Com isso, podem
ser identificadas áreas de melhoria no processo de Gerenciamento de Projetos.
Como resultado desse processo de avaliação, ter-se-á um enquadramento a de-
terminado nível de maturidade. Eidsmoe faz um paralelo com a classificação dada
pelo modelo CMM (Capability Maturity Model) da Software Engineering Institute,
que classifica a maturidade em cinco níveis:

• Nível 1: Inicial • Nível 4: Gerenciado


• Nível 2: Repetitivo • Nível 5: Otimizado
• Nível 3: Definido
Seguindo o modelo CMM, mostrado na Figura 3, entendem os autores deste
texto que o Gerenciamento Estratégico de Projetos somente se torna viável, no
mínimo, a partir do nível 3 de maturidade, mais idealmente a partir do nível 4.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 209 23/11/2009 09:17:16


210 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

Melhoria
contínua

Gerenciado

Institucionalizado

Processo estruturado e
padrões definidos

Inicial

Fonte: Software Engineering.


Figura 3 Nível de maturidade de gerenciamento de projetos.

Pode-se entender, portanto, que o primeiro passo para a integração entre


Gerenciamento de Projetos e Planejamento Estratégico é garantir que a organi-
zação já possui estruturas e processos de Gerenciamento de Projetos maduros o
suficiente para procurar então integrá-los ao Planejamento Estratégico.

3 Análise dos resultados1

A partir de entrevistas com três gerentes de projeto, de diferentes empresas,


com o objetivo de identificar como esses gerentes e empresas se posicionam
quanto às boas práticas de Gerenciamento de Projetos e como consideram a
estratégia empresarial, o produto final do projeto e o cliente envolvido, dentro
de sua forma de atuação.

3.1 Estudo de caso da Empresa Y

Nome do Entrevistado: Sr. Ivo


Cargo ocupado: Gerente de Desenvolvimento de Sistemas

1 Os nomes dos entrevistados e das empresas foram substituídos para preservar a confidencia-
lidade.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 210 23/11/2009 09:17:16


Gestão estratégica de projetos 211

A Empresa Y é uma empresa de porte médio que atua no ramo de Geren-


ciamento de Riscos em transportes e também é uma corretora de seguros. O Sr.
Ivo é o gerente desde 1995 e anteriormente era Analista de Sistemas da mesma
empresa.
A Empresa Y possuía um CPD com cerca de 30 pessoas em 1999 e na ocasião
da pesquisa contava com um quadro de 100 pessoas. Mas a organização do setor
de informática não acompanhou o crescimento da área.
Os projetos na Empresa Y surgem a partir de decisões tomadas no alto escalão
da empresa. O processo de criação, avaliação de retorno e riscos é definido na área
de negócios e não é devidamente comunicado à Gerência do Projeto. Basicamente,
quando um projeto novo chega na área de desenvolvimento de Sistemas, o Sr. Ivo
verifica sua disponibilidade de recursos e delega o projeto para alguém gerenciar
e validá-lo. Esse novo gerente do projeto avalia a necessidade que vem por meio
de um Documento de Especificação de Produto, faz um levantamento e gera uma
Especificação Técnica, indicando a solução proposta, os recursos necessários e o
prazo de desenvolvimento. Não se costuma questionar a necessidade do produ-
to. As únicas questões que o gerente do projeto faz são a respeito dos sistemas
envolvidos e possíveis conflitos não observados pela área de negócios.
Quando existe um boom de projetos e não há possibilidade de alocar recursos,
normalmente são tomadas duas atitudes. Primeiro, verifica-se a possibilidade
de passar o projeto para uma consultoria externa. Em caso de impossibilidade
técnica ou financeira, a alternativa seguinte consiste em suspender temporaria-
mente algum outro projeto que agregue menos valor.
A atuação de TI no projeto é avaliada por meio do custo do projeto em TI,
isso quer dizer que um projeto com sucesso deve ter o prazo mantido e não
ultrapassar o custo. Se por acaso o projeto não obtiver o sucesso desejado no
mercado, comunicar a TI não será prioridade. Normalmente, a área de negócios
participa do projeto no que diz respeito à TI como usuário. Valida escopos, testes,
homologa, participa de reuniões. Pode acontecer de o sponsor não ser da área de
negócios afetada pelo desenvolvimento em TI. Durante a execução de um projeto,
o gerente se reporta ao Sr. Ivo e normalmente controla o projeto através do MS-
Project. Não existe um padrão para o controle. Cada gerente controla do seu jeito.
Outros projetos não são acompanhados pelos demais gerentes de projeto. Cada
um cuida do seu até que uma ajuda seja solicitada. Quando o escopo é alterado,
o gerente de projeto levanta o impacto e expõe o custo necessário para alterar
o escopo. Existe uma livre negociação entre Área Usuária e TI na tentativa de
encontrar o melhor custo-benefício para o projeto. Após a entrega do projeto,
isto é, da homologação e acompanhamento, uma área de TI é designada para dar
manutenção ao projeto e o gerente fica livre para novos projetos, finalizando sua
responsabilidade no projeto.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 211 23/11/2009 09:17:16


212 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

Geralmente, os projetos da empresa estouram o prazo e o orçamento. Como


as mudanças de escopo são constantes, fica difícil mensurar o nível de sucesso
do projeto. A estratégia da empresa não é amplamente difundida pelos níveis
operacionais. Os profissionais de TI conhecem a estratégia da área e trabalham
para alcançá-la, mas não conhecem as estratégias da alta gestão. A Empresa Y
possui uma missão e uma visão, apesar de não serem amplamente divulgadas.
O Gerente de Desenvolvimento, bem como os outros Gerentes de TI, são con-
vidados para discutir a estratégia da área em reuniões mensais em que, além de
estratégia, discute-se o andamento dos projetos. Os resultados das reuniões são
comunicados para os funcionários de acordo com a importância das decisões.
Não existe uma política de comunicação eficiente. O gerente de projeto só tem
acesso ao orçamento do projeto de TI. Seus incentivos estão diretamente ligados
ao sucesso do projeto de TI, não se envolvendo com os resultados do negócio.
O Sr. Ivo se ressente de maior proximidade com as estratégias da empresa, mas
acredita que não teria tempo para se envolver com esses assuntos da forma com
que deveria. Segundo ele, se os gerentes de projeto se envolvessem com o projeto
desde o princípio, poderiam estar mais comprometidos e motivados como um
todo, podendo perceber distorções desde o início e opinando em prol do pro-
jeto. Inclusive uma grande fonte de conflito, que é a mudança de escopo, seria
minimizada, pois o gerente do projeto em TI estaria alinhado com a estratégia,
entendendo a necessidade do negócio e trabalhando em conjunto com a Área de
Negócios poderia antever futuros problemas. Apesar de entender o conceito, o
Sr. Ivo nunca tinha ouvido falar em Gerenciamento Estratégico de Projetos.
Finalizando, o Sr. Ivo prefere ter o sucesso do projeto vinculado à entrega no
prazo e dentro do orçamento ao invés de estar vinculado ao sucesso do projeto
como um todo, incluindo vendas, marketing. Como ele não tem controle destas
variáveis, não gostaria de depender delas para avaliar o seu projeto.
Verificou-se, portanto, no caso da Empresa Y que os projetos são iniciados
a partir de iniciativa das áreas de negócios que adotam abordagens diversas
para priorização e aprovação de seus projetos, com o envolvimento da gerência
do projeto somente após a aprovação do projeto. Essa postura coincide com a
estratégia de “granada por cima do muro”, apontada por Paul Dinsmore (DINS-
MORE, 1999), na qual a gerência do projeto recebe um projeto para administrar
já totalmente definido.

3.2 Estudo de caso da Empresa Z

Nome do Entrevistado: Sr. Alberto


Cargo ocupado: Gerente de Tecnologia da Informação

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 212 23/11/2009 09:17:16


Gestão estratégica de projetos 213

A Empresa Z é uma empresa do Grupo Z com atuação na área de mineração


e metalurgia. O Sr. Alberto é gerente de TI da Empresa Z há cinco anos e even-
tualmente recebe a incumbência adicional de atuar como gerente de projetos cujo
foco principal seja a implementação de soluções tecnológicas. O Sr. Alberto é um
dos profissionais-chave da organização, que portanto tem a oportunidade de se
envolver nas discussões, contribuindo para a elaboração da estratégia geral da
organização, posicionando-se com relação a aspectos que envolvem a sua área
de atuação.
Na Empresa Z, os grandes projetos estão alinhados com o Planejamento
Estratégico da empresa e eventualmente também têm origem na necessidade de
atendimento a solicitações e requerimentos dos clientes.
O Planejamento Estratégico da empresa, que é amplamente divulgado, prevê
ações abrangentes para determinados períodos de tempo e conta com a partici-
pação de profissionais-chave da organização.
A Empresa Z tem como prática realizar estudos de viabilidade para a realiza-
ção de seus projetos, através da elaboração de um Business Case, no qual é calculado
o retorno sobre o investimento (ROI), bem como são definidos os indicadores de
desempenho (KPI – Key Performance Indicators) através dos quais os projetos serão
avaliados no decorrer de sua execução. Considerando a grande quantidade de
projetos e a limitação orçamentária de recursos financeiros, existe uma política
de seleção de projetos que leva em consideração o ROI e regulamentações como
os principais critérios de seleção.
Quando recebe a incumbência de atuar como gerente de projeto, o Sr. Alberto
é envolvido no projeto desde o seu início, ou seja, a partir da aprovação do Project
Charter, tendo, portanto, condições de estruturar todo o projeto desde a sua base.
O Sr. Alberto se baseia nos princípios do PMI, utilizando-se dos conceitos das
disciplinas de gestão de projetos do PMBoK, principalmente no que diz respeito
a gerenciamento do escopo, de tempo e de custos. Utiliza-se ainda do MS-Project
como ferramenta de apoio para a elaboração de cronogramas para o planejamento
e controle físico dos projetos.
No que diz respeito à integração com as áreas de negócio envolvidas nos
projetos, o Sr. Alberto diz que neste ponto em alguns projetos existem dificulda-
des. São três as áreas de negócio da Empresa Z e cada uma delas tem estratégias
particulares além da estratégia da empresa. Acontece que às vezes um projeto
está mais alinhado com a estratégia de determinada área de negócio e surge a
necessidade de recursos em um outro projeto de uma outra área de negócios. O
processo que resolve esses problemas de alinhamento estratégico geral envolve
muita negociação e, segundo o Sr. Alberto, quase sempre acaba obtendo resul-
tados positivos.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 213 23/11/2009 09:17:16


214 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

Existe na empresa a preocupação ao atendimento do objetivo estratégico


ao invés de somente prazo e custos. Os incentivos abrangem tanto a estratégia
do negócio como o projeto. A solução é bem interessante. As metas, que são a
base dos incentivos das áreas na empresa, são divididas em três partes: metas
estratégicas, metas operacionais e metas de competência. Com isso, a Empresa Z
garante que o sucesso total de um projeto envolva resultados da área de negócios.
Por exemplo, se um projeto que atende à necessidade de determinado produto
for finalizado dentro do prazo, no custo estipulado e com a qualidade desejada,
garante apenas os bônus respectivos ao atingimento das metas operacionais e de
competência, mas não os bônus respectivos às metas estratégicas.
O Sr. Alberto se considera um gerente de projetos alinhado com a estratégia
da empresa, apesar de não conhecer o tema Gerenciamento Estratégico de Pro-
jetos. Ele se sente envolvido com as questões estratégicas e acredita que esse
alinhamento é uma das chaves do sucesso dos projetos de TI na Empresa Z.
Constatou-se que a Empresa Z está mais próxima do perfil do Gerenciamento
Estratégico de Projetos, pois adota uma abordagem que envolve a realização de
um Business Case detalhado do projeto, com a participação do gerente do projeto,
na definição dos objetivos e escopo, gerando condições para a decisão da alta
administração através do confronto com os planos estratégicos da organização.

3.3 Estudo de caso da Empresa X

Nome do Entrevistado: Sr. Cesar


Cargo ocupado: Superintendente de Informática da Empresa X
A Empresa X é um banco de grande porte com um excelente parque tecno-
lógico. O Sr. Cesar trabalha na Empresa X há quatro anos e oito meses desem-
penhando a função de superintendente de informática. Ele possui experiência
de nove anos em Gerência de TI.
A área de informática da Empresa X possui uma estrutura de superintenden-
tes que correspondem a cada pilar de negócios, ou seja, há um superintendente
para cada gestor. Os projetos nascem dessa interação entre usuários e gestor de
informática, podendo uma ideia ser originada em qualquer dos lados. Projetos
de natureza tecnológica são gerados pelas equipes de infraestrutura da empresa,
seja telecomunicações ou suporte técnico.
O projeto é elaborado com a participação conjunta das áreas usuárias, de
sistemas e equipes técnicas. A metodologia de gestão de projetos prevê na sua
primeira fase a definição clara de objetivos, escopo e benefícios esperados com
a implantação do projeto.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 214 23/11/2009 09:17:16


Gestão estratégica de projetos 215

Todo projeto tem o seu orçamento aprovado pelo comitê executivo da Em-
presa X e faz parte do orçamento semestral. Somente assim é possível iniciar
um projeto.
Os projetos são priorizados considerando seus benefícios, tendo obviamente
como um dos principais fatores as exigências legais e regulatórias.
O Sr. Cesar afirma que existe uma fase dentro da metodologia de gestão
de projetos que prevê a mensuração dos resultados dos benefícios esperados.
Normalmente, os projetos são conduzidos por um gerente de projetos interno
à empresa.
O sponsor participa fortemente na fase de definição e depois na implantação,
porém, segundo a metodologia utilizada, também é requerido a cada mudança
de fase do projeto um aceite formal. O Sr. Cesar entra na fase de avaliação e
aprovação da viabilidade do projeto. Ele se reporta à Diretoria de Informática.
Para gerenciar o projeto, o MS-Project é utilizado como ferramenta de apoio
ao planejamento e também se utiliza um template de acordo com as fases da ati-
vidade. Para controle de atividades versus recursos de um projeto, recentemente
a Empresa X implantou uma ferramenta interna (Intranet) para apontamento de
tempo dedicado a cada atividade.
Dentro da área de informática, o Sr. Cesar tem visibilidade da situação dos
outros projetos. Revisa-se semestralmente o Planejamento Estratégico da área.
Se as mudanças no escopo durante a execução não envolverem alteração
de valores financeiros, elas são tratadas junto à Diretoria de Informática. Em
qualquer desvio de orçamento é necessária a aprovação do comitê executivo
para aporte financeiro. Os projetos são finalizados somente após a apuração
dos resultados esperados e nesse momento termina a responsabilidade sobre o
mesmo. O sucesso do projeto é definido ao se atingir os resultados esperados e
explicitados no início do projeto.
No que tange à estratégia, o Sr. Cesar afirma que faz parte do Planejamento
Estratégico de TI estar alinhado com a visão da empresa que é divulgada para
todo o quadro de funcionários. Ele participa na discussão sobre a estratégia da
empresa no sentido de entender as necessidades estratégicas e alinhá-las com o
planejamento de TI. Esse processo envolve a Vice-presidência executiva, Direto-
rias e Superintendências tanto de negócios quanto de informática. A divulgação
da estratégia e dos seus resultados é responsabilidade de cada gestor de área e
deve abranger todos os funcionários da organização.
O Sr. Cesar faz parte do grupo que aprova a execução dos projetos e é respon-
sável pelo seu orçamento. Portanto, conhece bem a estratégia e o orçamento do
projeto. Os incentivos normalmente são gerados a partir de prêmios semestrais

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 215 23/11/2009 09:17:16


216 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

baseados em desempenho e os projetos são parte da avaliação. Os incentivos não


estão vinculados ao sucesso do produto e sim ao sucesso do projeto.
O Sr. Cesar acredita que a maior dificuldade não é conhecer a estratégia da
empresa, e sim estar alinhada com ela. Segundo ele, questões como orçamento
e política de investimentos afetam muito mais os projetos. A área de negócios
participa ativamente do projeto através da aprovação formal em cada fase e pela
consciência da importância para o sucesso do projeto. As decisões são tomadas
em conjunto entre a Gerência do Projeto e a Área de Negócios e levadas ao comitê
executivo do banco quando envolvem mudança de orçamento. As mudanças de
estratégia são comunicadas através da Diretoria de Informática e os conflitos
gerados são administrados através de um Comitê Executivo ou um Comitê de
Produtos.
A metodologia da Empresa X prevê que um projeto somente seja consi-
derado concluído quando da validação dos resultados obtidos; logo, sempre o
gerente de projetos está envolvido nos resultados estratégicos, inclusive após a
implantação.
O Sr. Cesar nunca tinha ouvido falar em Gerenciamento Estratégico de Proje-
tos, mas acredita que sua empresa tem um bom alinhamento entre Gerenciamento
de Projetos e o Planejamento Estratégico. Ele não concorda em ter os incentivos
vinculados ao sucesso ou não do produto. Segundo ele, um dos fatores de suces-
so do Gerenciamento de Projetos na sua empresa é o contínuo aprimoramento
através dos incentivos vinculados ao sucesso do projeto. Finalizá-lo no prazo,
dentro do orçamento e atingindo os resultados esperados.
Conclui-se, portanto, que no caso desta empresa ocorre a participação do Sr.
Cesar na elaboração do Planejamento Estratégico, e que seus projetos surgem de
um Planejamento Estratégico global, que diz respeito à estratégia da organização.
A partir desse ponto, a participação do gerente de projeto é mais restrita, pois
recebe um escopo de projeto já definido, sendo possível somente atuar dentro
da abordagem tradicional de projetos, deixando o gerente distante da estratégia
global da empresa.

4 Conclusões

A partir das entrevistas realizadas, procurou-se saber qual o posicionamento


das empresas em relação à Gestão Estratégica dos projetos através da conside-
ração de cinco pontos: surgimento dos projetos, papel do gerente de projetos,
indicadores de sucesso para os projetos, utilização de técnicas de Gerenciamento
de Projetos e medição dos benefícios dos projetos, visando identificar como cada
uma das três empresas estudadas se posiciona em relação aos princípios apre-

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 216 23/11/2009 09:17:16


Gestão estratégica de projetos 217

sentados sobre o Gerenciamento Estratégico de Projetos, procurando identificar


em quais disciplinas essas empresas já atingiram maior grau de evolução.

1 Surgimento dos projetos

De acordo com os autores estudados na revisão bibliográfica, idealmente,


os projetos deveriam surgir a partir da estratégia geral da empresa e serem
selecionados e priorizados a partir de diversos critérios, com destaque para os
benefícios esperados. As Empresas Z e X estão mais próximas desse perfil do
que a Empresa Y, pois adotam uma abordagem que envolve a realização de um
Business Case detalhado do projeto, com a participação do gerente do projeto, no
qual seus objetivos e escopo estão definidos, gerando condições para a decisão
da alta administração através da sua comparação aos planos estratégicos da or-
ganização. Pode-se, portanto, afirmar que a Empresa Z se encontra mais próxima
da situação teórica ideal, pois estabeleceu toda uma sistemática de gestão para
o seu portfólio de projetos, que se preocupa, desde o surgimento da ideia do
projeto, em avaliar sistematicamente a sua viabilidade, avaliando pontos como o
retorno interno esperado e identificando Key Performance Indicators (KPI), para a
realização de um monitoramento preciso da performance do projeto, no decorrer
de sua execução.
Com relação à Empresa Y, verificou-se que os projetos são iniciados a partir
de iniciativa das áreas de negócios que adotam abordagens diversas para priori-
zação e aprovação de seus projetos, com o envolvimento da gerência do projeto
somente após a aprovação do projeto. Neste caso, a gerência do projeto recebe
um projeto para administrar, já totalmente definido.

2 Papel do gerente de projetos

Na abordagem de Gerenciamento Estratégico de Projetos, o gerente do proje-


to tem um papel que transcende o tradicional, dentro do prazo, dos custos e das
especificações, seguindo por uma linha onde existe maior preocupação com os
objetivos estratégicos do projeto para o negócio da empresa. O atingimento das
metas tradicionais de sucesso dos projetos não garante o sucesso do projeto.
Nas três empresas pesquisadas, identificaram-se diferentes níveis de proximi-
dade com as proposições relacionadas à gestão estratégica de projetos; contudo,
pode-se afirmar que em nenhum dos casos o gerente de projeto chega a exercer
um papel que possa enquadrar a abordagem de gestão dos projetos como ple-
namente no nível estratégico discutido neste texto, pois, apesar de os mesmos
participarem em diferentes níveis e proximidades do Planejamento Estratégico
da empresa ou de sua área de atuação, não são integralmente envolvidos nas
decisões estratégicas.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 217 23/11/2009 09:17:17


218 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

Com relação à Empresa X, verificou-se certa proximidade de suas práticas de


gestão de projetos com o Planejamento Estratégico da área de informática, seu
ramo de atuação e onde estão os projetos que coordena. Esses projetos surgem
de um Planejamento Estratégico maior, que diz respeito à estratégia da organiza-
ção. Nesse ponto, a participação do gerente de projeto é mais restrita, pois o que
ocorre na maioria das vezes é o recebimento de um escopo de projeto já definido,
sendo possível somente atuar dentro da abordagem tradicional de projetos.
Pode-se, portanto, assumir que tanto na Empresa Z quanto na Empresa
Y a situação do gerente de projeto é bastante semelhante à da Empresa X: o
envolvimento estratégico ocorre no nível da diretoria de atuação de forma mais
concreta, sendo mais distante com relação à estratégia global da empresa.

3 Indicadores de sucesso para os projetos

Dentro da abordagem do Gerenciamento Estratégico de Projetos, o sucesso


de um projeto é medido principalmente e em primeiro nível pelo atingimento da
meta estratégica da empresa. Um projeto concluído com pequeno atraso e com
pequeno custo adicional, que tenha atingido a meta estratégica da empresa, é
considerado de maior sucesso do que um projeto que tenha sido concluído abaixo
do custo e antes do tempo previsto e que não tenha contribuído para o objetivo
estratégico da empresa.
Na Empresa Y, é considerado fator de sucesso dos projetos o atingimento
do custo, prazo e atendimento das especificações, de acordo com a abordagem
tradicional de Gerenciamento de Projetos. Nessa visão, que na verdade é a mais
comum na maioria das empresas, o não atingimento do objetivo estratégico está
ligado a uma má definição das especificações do projeto pela área de negócios
e nada tem a ver com a gerência do projeto, que cumpriu suas obrigações. Essa
posição não se altera muito na Empresa X e na Empresa Z, que apesar de terem
maior envolvimento com a estratégia das empresas e buscarem estruturar os
seus projetos de forma mais condizente com eles, no final das contas, têm a
mesma preocupação central de atingir prazos, custos e especificações, de forma
prioritária, relativamente ao cumprimento do objetivo estratégico.

4 Utilização de técnicas de gerenciamento

A abordagem do Gerenciamento Estratégico de Projetos muda o foco de


atenção para a estratégia da empresa, porém não exclui a necessidade de técnicas
de Gerenciamento de Projetos, muito pelo contrário, inclui novas ferramentas
e abordagens. As três empresas entrevistadas baseiam-se nas disciplinas de
gestão pregadas pelo PMI, para o gerenciamento de seus projetos, adotando as
técnicas tradicionais de gestão. As Empresas Z e X adotam técnicas adicionais à

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 218 23/11/2009 09:17:17


Gestão estratégica de projetos 219

abordagem tradicional, como o acompanhamento dos benefícios esperados, que


será abordado em item a seguir.

5 Medição dos benefícios do projeto

Normalmente, os projetos são iniciados visando a um conjunto de benefícios


para a empresa (qualitativos ou quantitativos). No Gerenciamento Estratégico
de Projetos, deve ocorrer a identificação clara dos benefícios do projeto, pre-
ferencialmente de forma quantitativa, e como serão mensurados no decorrer
do projeto, de forma a se poder apontar desvios e buscar-se redirecionamento,
sempre que isso se fizer necessário. A Empresa X adota adicionalmente, em sua
metodologia de Gerenciamento de Projetos, o acompanhamento dos benefícios
esperados. A Empresa Z, por sua vez, possui uma abordagem mais aprofundada
para o acompanhamento dos benefícios esperados baseada na definição de indi-
cadores de desempenho (KPI) que são monitorados ao longo de todo o projeto,
identificando de forma quantitativa o cumprimento dos benefícios inicialmente
estabelecidos. A Empresa Y, por sua vez, limita-se à utilização das técnicas tra-
dicionais de Gerenciamento de Projetos.

Questões para discussão

1. Como despertar o interesse da alta administração das empresas para a neces-


sidade de gerir seus projetos estrategicamente?
2. Por onde começar a implementação do conceito discutido no capítulo, que
enfatiza a responsabilidade estratégica do gerente de projetos, somente por
meio de iniciativas top/down ou existem oportunidades para iniciativas bottom/
up?
3. Formar tecnicamente os gerentes de projeto é suficiente para a implementação
da gestão estratégica de projetos? Se não for, o que mais é necessário?
4. Como distribuir as responsabilidades entre o Gerente de Projetos e o PMO
(Project Manager Office) da empresa (no caso das grandes corporações) para
assegurar que os projetos e suas mudanças atendam às estratégias da empre-
sa?
5. É relativamente fácil medir a performance de um gerente de projetos, analisando
os resultados obtidos em relação aos custos, prazos, escopos e qualidade dos
projetos. Ao adicionarmos o fator estratégico, qual o peso que esse quesito
deveria ter e como medi-lo?

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220 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

Referências bibliográficas

DINSMORE, Paul. Transformando estratégias empresariais em resultados, através da gerência de


projetos. Rio de Janeiro: Qualitymark, 1999.
EIDSMOE, Noland. The Strategic Program Management Office. PM Network, p. 39-45,
Dez. 2000.
KNUTSON, Joan. Aligning strategic planning with project management. PM Network,
p. 66-67, Apr. 2003.
SHENHAR, Aaron. Strategic Project Leadership: Leading Projects as Strategic Competitive
Weapons. Apostila do Curso “Liderança Estratégica de Projetos”, ministrado em 2002.
; POLI, Michael; LECHLER, Thomas. A New Framework for Strategic Project Manage-
ment. Disponível em: <www.iamot.org/paperarchive/101B.pdf./2001>. 2001.
SOFTWARE ENGINEERING INSTITUTE. Disponível em: <www.sei.cmu.edu/cmmi>.
Acesso em: 2002.

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11
Gerenciamento da qualidade
e da sustentabilidade: um
estudo de caso na França1
Antonio Cesar Amaru Maximiano e Daniel Leroy1

1 Introdução

Dentro do campo do gerenciamento de projetos, o gerenciamento da qua-


lidade é a disciplina que lida com (1) o planejamento, a garantia e o controle
das especificações e características do produto e (2) a eficiência e a eficácia do
próprio processo de gerenciar projetos.
No início da era da produção de massa, a definição das especificações e ca-
racterísticas dos novos produtos era atribuição e responsabilidade dos designers,
engenheiros e empresários, embora houvesse, em alguns casos, a preocupação
em ouvir a voz do cliente e considerá-la no desenvolvimento dos produtos.
Quando surgiu o conceito de qualidade total, na passagem para os anos 1960, a
participação dos clientes foi explicitada e tornou-se estratégia de administração
de empresas (FEIGENBAUM, 1961). Em meados dos anos 1980, emergiram duas
tendências que ampliaram e aprimoraram o processo de definir especificações:
engenharia simultânea e desenvolvimento sustentável.

• A engenharia simultânea foi criada para acelerar o processo de desen-


volvimento de novos produtos. Seu princípio básico é a superposição
de fases, do fim para o começo. Todos os atores do ciclo de vida, desde
a concepção do produto até a fabricação, distribuição e manutenção,
participam da fase inicial, na qual a responsabilidade principal é dos
engenheiros ou das pessoas de P&D. À medida que o projeto avança,

1 Os autores agradecem a generosa e inestimável contribuição de Januário Dolores, da Alstom


no Brasil, e de Alberto Pedrosa e Dominique Censier, da Alstom na França, no desenvolvimento
deste estudo de caso.

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222 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

o trabalho de equipe continua, mas a responsabilidade muda de acordo


com a fase em que o projeto se encontra (GAREL, 2006).
• O conceito de desenvolvimento sustentável foi criado para lidar com
a proteção ambiental, com o patrimônio social e cultural das comuni-
dades e, ao mesmo tempo, com a viabilidade econômica das operações
continuadas das empresas e dos projetos de grande porte, que envolvem
mudanças na geografia e movimentação intensa de recursos naturais
(UN, 1987).
• Para a comunidade de gerenciamento de projetos lidar de forma orga-
nizada e sistemática com a implementação dessas ideias, bem como
lidar com as questões relacionadas à eficiência e eficácia do projeto,
diversas instituições criaram ferramentas de auxílio à análise e tomada
de decisões. O estudo de casos sobre o uso dessas ferramentas permite
acumular e renovar o conhecimento sobre sua funcionalidade e forma
de aplicação, assim como indicar direções para novas pesquisas e, ao
mesmo tempo, oferecer elementos concretos para a formação na área de
gerenciamento de projetos. Um estudo de caso sobre o gerenciamento
da qualidade e da sustentabilidade é apresentado nesse documento. A
empresa deste caso é a Alstom Transport, com sede na França. A si-
tuação aqui descrita pode ter evoluído e sofrido alterações depois que
o caso foi escrito.

2 Estudo de caso: Alstom Transport

Este estudo de caso sobre a Alstom Transport foi feito por meio de entrevistas
na França e no Brasil, de análise de documentação fornecida pela empresa e de
correio eletrônico, ao longo de um período de quatro meses em 2009. Em termos
metodológicos, os autores tomaram por base o “cubo de dificuldade”, proposto
por Leenders e Erskine (1989). Usando esse referencial, os autores optaram por
redigir um caso que descreve sucintamente uma situação para análise prospectiva,
por meio de informações sobre os processos e as estruturas para o gerenciamento
da qualidade dos projetos e dos produtos, englobando o tratamento de variáveis
de desenvolvimento sustentável. Reiterando a introdução, o objetivo central dos
autores foi o estudo de uma situação real para sustentar e orientar atividades de
ensino e pesquisa.
A Alstom é um grupo francês com duas áreas de negócios, energia e trans-
portes, que produziram um faturamento de 18 bilhões de euros no ano fiscal
2008/2009. A Alstom Transport contribuiu com 1/3 desse total, operando com
uma participação de 16% em um mercado global acessível (potencial) de 42 bi-

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Gerenciamento da qualidade e da sustentabilidade: um estudo de caso na França 223

lhões de euros. Seus principais concorrentes são Bombardier e Siemens, que têm
participação similar. O restante do mercado é dividido em muitas outras compa-
nhias, com pequena participação. É uma empresa com 26.000 colaboradores em
mais de 60 países, que experimentou um acréscimo de 4,2% em seu faturamento
de 2007/2008, em comparação com o período anterior. Sua carteira de pedidos
também cresceu 39% no mesmo período. A maior parte de seus negócios é rea-
lizada na Europa, onde obtém 61,7% de seu faturamento. Em seguida, vêm Ásia
e Pacífico, com 16,6%, América do Norte, com 11%, América do Sul e Central,
com 5,5% e, finalmente, Oriente Médio e África com 5,2%.
O ramo de negócios da Alstom Transport está em uma conjuntura favorável.
Entre 2002 e 2005, o volume de passageiros, em todo o mundo, cresceu 11,5%,
e continua a crescer a uma taxa de 3% ao ano, com participação mais alta da
Europa do Norte. Esse é um desdobramento do adensamento das cidades e das
políticas de valorização do transporte coletivo. Atualmente, 50% da população do
mundo vivem nas cidades; em 1900, essa proporção era de 13,3% (UN, 2007). O
trem elétrico (em suas diferentes modalidades) é um meio de transporte limpo,
o que, numa época de preocupação com a ecologia, o transforma num produto
atraente, contribuindo para as perspectivas positivas dessa indústria. O mercado
global das ferrovias, que inclui regiões nas quais a Alstom Transport não opera,
como o Japão, e produtos que não fazem parte de sua linha, oferece um potencial
de 123 bilhões de euros.
É fácil reconhecer a Alstom Transport na Europa, especialmente por sua
presença no mercado da alta velocidade ferroviária. Seu produto mais visível na
França é o TGV,2 que está completando 25 anos de operação e viaja regularmen-
te a 250 km/h. Em abril de 2007, o AGV (automotrice à grande vitesse, altíssima
velocidade) fez sua primeira viagem experimental, atingindo o recorde de 574,8
km/h. Quando em operação, o AGV terá uma velocidade de cruzeiro de 360
km/h. A Alstom lidera o mercado global da alta velocidade, com 70% de parti-
cipação. Seus objetivos estratégicos: manter essa posição, alcançar a liderança
na indústria do transporte em termos de lucratividade e market share, chegar à
primeira posição em trams (bondes) e trams-trains (trens de circulação dentro de
cidades) e aumentar a participação no faturamento das atividades de sinalização,
serviços, infraestrutura e turnkey, de 40 para 60%.
A Alstom Transport define-se como empresa de projetos, que trabalha exclusi-
vamente com encomendas e produz somente por contrato. Não é uma fábrica de
trens, que produz para um estoque. Todas as operações, os processos e procedi-
mentos, o modelo de comercialização e o modelo econômico são orientados para
projetos sustentados por contratos. Alguns contratos de manutenção chegam a

2 TGV é marca registrada da Société Nationale des Chemins de Fer.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 223 23/11/2009 09:17:17


224 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

30 anos de prazo e os contratos de três a cinco anos são frequentes, o que induz
a Alstom Transport a um horizonte extenso de gerenciamento de seus projetos
e, consequentemente, de todos os aspectos da administração corporativa. O
faturamento anual é o resultado das receitas de projetos que se encontram em
fases distintas de seu ciclo de vida. A margem é calculada com base no cost at
completion e a rentabilidade é calculada com base em cada projeto.

2.1 Produtos

A Alstom Transport fornece cinco categorias de produtos por meio de seus


projetos:

• Material rodante. Esta categoria, que responde por 58,3% do faturamento,


compreende diferentes classes de produtos: altíssima velocidade, alta
velocidade, locomotivas, trens regionais, trens de periferia, tram-trains,
metrôs e linhas de bondes.
• Sistemas de informação, que respondem por 14% do faturamento
global.
• Infraestrutura ferroviária (eletrificação, vias de circulação), que
correspondem a 11,9% do faturamento global.
• Serviços (manutenção, renovação, apoio e assistência técnica, gestão
da documentação, peças de reposição, gestão da cadeia logística), que
correspondem a 15,8% do faturamento global.

A Alstom Transport também fornece sistemas turnkey, que abrangem todos


os produtos da linha.

2.2 O conceito de plataforma

Os produtos que a Alstom Transport fornece baseiam-se em plataformas,


que são soluções padronizadas dentro das linhas de produtos. Cada plataforma
corresponde a uma equipe técnica que dispõe de um repertório técnico, chamado
biblioteca de referências, e é capaz de oferecer soluções de referência (ou soluções já
conhecidas) para as encomendas dos clientes. Uma necessidade apresentada por
um cliente, como um trem de alta velocidade, corresponde a uma plataforma,
existente na biblioteca de referências, que é proposta como sendo a solução mais
próxima para o problema – algo como 80% da solução. Muitos projetos, dessa
forma, são adaptações que compatibilizam os interesses dos clientes com as so-
luções de referência. As adaptações tanto são ajustes nas soluções de referência,

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 224 23/11/2009 09:17:17


Gerenciamento da qualidade e da sustentabilidade: um estudo de caso na França 225

quanto introduzem atributos novos, no design ou no arranjo interior, como a


conversão dos vagões para transportar bicicletas durante o verão, na Alemanha.
Mesmo os projetos totalmente novos sempre encontram apoio no conhecimento
acumulado das bibliotecas de referência, já que o trem (em todas suas modali-
dades) é um produto que se decompõe em cerca de duas dezenas de sistemas
(rodas, transmissão de energia, eletrificação etc.). Às vezes, sempre em função
das encomendas, são produzidas inovações tecnológicas que, após validação,
passam a integrar as bibliotecas de referência. É o caso da transmissão de energia
para as rodas dos trens que circulam dentro de áreas urbanas. Para segurança dos
pedestres, as vias de circulação não podem ser energizadas. A Alstom Transport
desenvolveu uma solução original que consiste em energizar o sistema apenas
quando o trem se movimenta. Outras inovações tecnológicas originam-se dos
programas de P&D e são incorporadas nas bibliotecas de referência.
No final de 2006, a Alstom Transport lançou o projeto Novo Material Rodan-
te, para reduzir e simplificar a estrutura das operações do material rodante, como
parte da iniciativa das plataformas. Os objetivos desse projeto são essencialmente
a redução de custos, o aprimoramento da qualidade e a entrega pontual dos pro-
jetos. Esses objetivos são parte da estratégia da companhia de se tornar a número
1 em termos de lucratividade e a principal referência do ramo de negócios.

2.3 Organização

Os recursos da companhia, que atendem a projetos encomendados em todo


o mundo, estão organizados em uma estrutura dividida em regiões, funções de
apoio e operações, estas divididas em linhas de produtos (Figura 1). Os Gerentes
de Projetos trabalham dentro das regiões ou dentro das operações (linhas de pro-
dutos), subordinados aos responsáveis por essas funções. Dentro de cada linha
de produto, trabalham os Gerentes de Qualidade dos Projetos e os Gerentes de
Qualidade das Plataformas. Dentro das plantas, ficam os Gerentes de Qualidade
Industrial.

Os Gerentes de Qualidade das Plataformas cuidam da qualidade no nível do


produto. Sua tarefa é, basicamente, adaptar as soluções de referência às necessi-
dades do cliente e garantir que suas exigências, trazidas pelo marketing, sejam
atendidas pelo produto e que o produto seja testado, validado e qualificado para
responder aos requisitos do caderno inicial de encargos.

• O Gerente de Qualidade Industrial trabalha dentro da planta de produ-


ção. Sua tarefa é garantir que o ambiente e os métodos de trabalho, os

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 225 23/11/2009 09:17:17


226 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

recursos materiais, os procedimentos etc. estejam dentro dos padrões


do Sistema de Produção Alstom (Alstom Production System, APSYS) e
de outros requisitos de qualidade para as operações industriais, como,
principalmente, a política da Alstom Transport para o gerenciamento
ambiental.
• Os Gerentes de Qualidade dos Projetos são responsáveis pelo plano de
gerenciamento da qualidade e pelos processos de design review no nível
dos projetos.

PRESIDENTE

REGIÕES FUNÇÕES DE APOIO OPERAÇÕES

Ásia Finanças Recursos Material Rodante Sinalização, Siste-


Pacífico Humanos & Componentes mas & Serviços

Ibero Produto & Project Componentes Infraestrutura


América Estratégia Management

América do Comunicações Relações Sistemas de


Norte Corporativas Informação

Europa do Business Suprimentos Serviços


Norte Excellence

Europa do Jurídico Área Técnica


Sul

Figura 1 Estrutura organizacional da Alstom Transport.

O Vice-Presidente Sênior de Gerenciamento de Projetos, que trabalha den-


tro das funções de apoio, tem responsabilidade funcional sobre o conjunto da
carteira de projetos da Alstom Transport. É sua tarefa garantir que a carteira
avance conforme previsto, intervindo ocasionalmente para solicitar ações aos
responsáveis operacionais, em caso de desvios. Suas atribuições cobrem tanto
a atividade de oferta (preparação e submissão de ofertas comerciais) quanto a
atividade de execução dos projetos, desde a assinatura do contrato até o fim do
período de garantia. No mesmo nível do Gerenciamento de Projetos, encontra-
se um Vice-Presidente Sênior de Business Excellence, ao qual se reporta o Vice-
Presidente de Sistemas, Processos de Auditagem e Ferramentas da Qualidade.
Essa Vice-Presidência de Sistemas da Qualidade é independente das operações e
executa diversas atividades de administração da qualidade no nível dos produtos,
dos projetos e da produção industrial.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 226 23/11/2009 09:17:17


Gerenciamento da qualidade e da sustentabilidade: um estudo de caso na França 227

É responsabilidade da Vice-Presidência do Sistema da Qualidade criar e dis-


ponibilizar para a empresa ferramentas e procedimentos de gerenciamento da
qualidade, tais como processos de retorno da experiência e de design for quality,
descrições de cargos de gerentes da qualidade nas diferentes áreas, garantia da
qualidade dos fornecedores e pesquisas de satisfação dos clientes, entre ou-
tros.

2.4 Sustentabilidade

Os assuntos ligados ao ambiente e à sustentabilidade são gerenciados no


nível corporativo, dentro da área técnica, abrangendo a formulação de políticas
e procedimentos, o estabelecimento de padrões, a divulgação de informações,
a formação de pessoas e a auditoria da utilização. Esses e outros recursos pro-
curam abranger todas as operações da empresa, especialmente no que tange ao
desenvolvimento, testes e validação dos produtos, ao ambiente de utilização dos
produtos e às condições e instalações de trabalho.
As políticas fundamentais relativas aos produtos e ao ambiente de utilização
são o ecodesign e o EHS. Para colocar essas políticas em prática, o desenvolvimento
de produtos deve incluir especificações relacionadas a consumo mínimo, redução
do ruído aerodinâmico, emprego de materiais recicláveis, garantia da não utili-
zação de produtos proibidos e atendimento de exigências governamentais para
proteção do ambiente. Outras providências devem ser tomadas em relação à saúde
e segurança ocupacional dos operadores e à minimização do risco de acidentes
para os usuários, bem como a qualquer outro aspecto que envolva o ambiente,
os usuários e o pessoal de produção e operação. Em resumo, a forma Alstom
de lidar com a questão da sustentabilidade procura ser um mostruário de boas
práticas e recomendações sobre o meio ambiente e a proteção das pessoas.
Da alta administração, essas políticas e procedimentos alcançam toda a em-
presa e cada chefe de área é responsável por sua aplicação. A Vice-Presidência
de Sistemas da Qualidade tem a responsabilidade de garantir que essa aplicação
seja feita no nível dos projetos.

3 Gerenciamento da qualidade dos projetos

A Alstom Transport tem um processo sistematizado para gerenciar seus proje-


tos e, dentro deles, a qualidade, nos dois níveis, projeto e produto. O processo de
gerenciamento de projetos é um dos três ciclos interligados de desenvolvimento
da empresa, que são: Tecnologia, Produto e Projeto (Figura 2).

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 227 23/11/2009 09:17:18


228 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

Licitação e execução
Ciclos em V Tecnologia Produto
do contrato (Projeto)

a
iad
o
e

r
ip
et

se
ót
u

ão
aq

ot


M

Pr

od
Pr
Bibliotecas de Referência (Plataformas/Subsistemas)

Comissão de Aprovação Comissão de Revisão de Reunião de Revisão


Governança da Tecnologia (TAB) Desenvolvimento (DRB) Revisão da Setorial de
Licitação Projeto

Figura 2 Ciclo de desenvolvimento da Alstom Transport: tecnologia, produto e projeto.

• O ciclo de desenvolvimento da tecnologia, sustentado pelo orçamento de


P&D, compreende os programas de pesquisa, conduzidos pela área
técnica. Esses programas produzem mock-ups e são iniciados direta-
mente pela Alstom Transport, procurando antecipar o atendimento das
necessidades dos produtos no futuro.
• O ciclo de desenvolvimento dos produtos ocorre no nível de engenharia &
design e produz protótipos. Corresponde ao desenvolvimento e evolu-
ção dos produtos, tendo por base os resultados de P&D. O desenvol-
vimento dos produtos procura antecipar a evolução do mercado, ou as
demandas dos clientes. Em geral, o desenvolvimento dos produtos está
associado a um tipo de mercado e não a clientes específicos.

O AGV é um exemplo desses dois ciclos. É o resultado de um programa


de P&D, e o primeiro trem, que quebrou o recorde de velocidade, foi construído
como protótipo, para testar e validar todos os conceitos e escolhas tecnológicas,
em escala real. O AGV passa a integrar as bibliotecas de referência e, quando
encomendado por cliente, sua produção entra no ciclo seguinte, o desenvolvi-
mento de projetos.

• O ciclo de desenvolvimento dos projetos, ou processo de gerenciamento de


projetos, é uma versão do método stage-gate, e tem duas fases prin-
cipais: a fase de licitação e a fase de execução. A fase de licitação vai
desde a identificação da oportunidade comercial até o contrato para o
fornecimento do produto e envolve os fornecedores. A segunda fase – a
execução do projeto – consiste no desenvolvimento do produto e vai

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 228 23/11/2009 09:17:18


Gerenciamento da qualidade e da sustentabilidade: um estudo de caso na França 229

desde a assinatura do contrato até o final do ciclo de vida do projeto,


que compreende a produção seriada e o período de garantia.

Em um projeto, intervêm diversas linhas de produtos e as respectivas plata-


formas. Cada projeto sempre é singular, mesmo com a facilidade oferecida pelas
plataformas. As equipes de projetos sempre são multidisciplinares e compreen-
dem, além do gerente da qualidade, outro de documentação e um controller. Essas
funções são independentes da função de gerente do projeto e podem trabalhar
em diversos projetos ao mesmo tempo, mas a função de gerente do projeto é
de tempo integral. A equipe do projeto leva em conta as particularidades do
projeto, do cliente, do ambiente de operação do produto e outras variáveis para
definir sua maneira de trabalhar. O Sistema da Qualidade procura garantir que a
forma de trabalhar atenda aos requisitos das boas práticas previstas dentro das
políticas da qualidade.

3.1 A execução do projeto

A fase de execução do projeto divide-se, por sua vez, em seis fases meno-
res:

• Especificação do sistema e desenho do sistema, conduzidos pelas equi-


pes das plataformas. Estão envolvidas nessa fase as iniciativas Desig for
Quality e Plano de Aprimoramento de Suprimentos.
• Industrialização: é o desenvolvimento físico do produto, que envolve o
Alstom Production System.
• Primeiro trem: construção, teste e validação de um ou de uma série
de protótipos. Está envolvido nesta fase o Time do Projeto do Trem,
uma iniciativa estratégica cujos objetivos são a prototipagem rápida e
a validação do produto, antes da produção seriada. Cada unidade da
Alstom Transport com operações industriais tem um Time do Projeto
do Trem.
• Produção seriada, de acordo com os requisitos do contrato.
• Comissionamento, entrega para o cliente e formalização da operação.
• Garantia: período em que a manutenção do produto continua sob res-
ponsabilidade da Alstom Transport.

3.2 Aplicação do Guia do PMBoK

Os processos e as ferramentas usados nos processos de gerenciamento dos


projetos consistem em uma adaptação do Guia do PMBoK, cujas nove áreas do

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 229 23/11/2009 09:17:18


230 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

conhecimento são utilizadas na preparação e execução do plano do projeto. O


conteúdo de cada área do conhecimento é adaptado para atender às especificida-
des do negócio Alstom Transport, que não se trata apenas de entregar um trem,
mas um sistema de transporte, dentro de condições que variam de um caso para
outro. Assim, a área de gerenciamento do escopo abrange os requisitos do pro-
duto, bem como o entendimento das exigências contratuais, políticas, logísticas,
ambientais etc. Todas essas variáveis são analisadas no início do projeto, para
entregar o produto que o cliente encomendou, dentro do ambiente e das condi-
ções de operação específicas desse cliente. Essa é a principal responsabilidade do
gerente de projetos da Alstom Transport e se baseia na elaboração do Plano de
Gerenciamento do Projeto. A elaboração desse plano, de acordo com as diretrizes
do PMI, é não apenas um procedimento padrão da Alstom Transport, mas também
uma exigência de muitos clientes ou de seus consultores, que, frequentemente,
conhecem o Instituto e o Guia do PMBoK.
Para atender às especificidades do negócio Alstom Transport, a área de
gerenciamento de riscos transforma-se em gerenciamento de riscos, economias
e oportunidades. Como as condições de operação dos produtos mudam radi-
calmente de uma situação para outra, nem todos os riscos podem ser previstos
e, às vezes, é impossível realizar o escopo dentro das condições do cliente. Isso
leva à necessidade de negociar com o cliente e outros stakeholders para introdu-
zir modificações durante o projeto. No caso de um sistema de transportes no
Oriente Médio, por exemplo, não se conseguiu identificar, no início, todos os
riscos técnicos associados às condições de proximidade com o mar, calor e areia.
A área de gerenciamento de riscos é um dispositivo para lidar com o imprevisível
e com a possibilidade de usar uma solução técnica diferente da que foi contra-
tada. Dentro dessa área, o conceito de economias procura minimizar os custos
das alterações.
O gerenciamento da qualidade do projeto segue as diretrizes do PMBoK e
pode ser feita segundo duas abordagens. A primeira abordagem consiste em
organizar as informações segundo os três processos do PMBoK – planejamento
(especificações, documentação, previsão de auditagens etc.), garantia (capacitação
de recursos humanos, documentação do cliente, gerenciamento das instalações
e da propriedade do cliente etc.) e controle (auditagens, testes, gerenciamento
de não conformidades, qualificação do produto etc.). A segunda abordagem
consiste em apresentar as mesmas informações de acordo com os processos do
gerenciamento do projeto – planejamento, execução, manutenção. O uso de uma
ou outra abordagem depende do cliente – alguns são orientados para processos e
outros para projetos. A responsabilidade pela preparação e acompanhamento da
execução do plano de gerenciamento da qualidade é do gerente da qualidade do
projeto. A participação dos clientes é prevista na elaboração e acompanhamento
do plano e é também uma iniciativa orientada para a garantia da qualidade. A

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 230 23/11/2009 09:17:18


Gerenciamento da qualidade e da sustentabilidade: um estudo de caso na França 231

política da Alstom Transport, nesse domínio, é fornecer todas as informações


ao cliente e seus consultores, para que eles possam conhecer antecipadamente
e saber o que a Alstom está fazendo passo a passo.

3.3 Gate reviews e design reviews

Ao longo de todo o ciclo de desenvolvimento do projeto, desde o início da


fase tender até o final da garantia para o cliente, são aplicadas duas ferramen-
tas articuladas: gate reviews, para o controle do progresso e da qualidade do
gerenciamento, e design reviews, para o controle da qualidade do produto. Essas
ferramentas fazem parte da iniciativa Design for Quality, que gerencia riscos ao
longo do ciclo de vida dos produtos da Alstom Transport (do desenho à entrega
ao cliente, incluindo a manutenção), visando à entrega de produtos de qualidade
dentro dos compromissos de prazo e custos.

3.3.1 Gate reviews

Gate review é um procedimento de análise de situação e de tomada de decisão,


que acompanha e tem por finalidade controlar os riscos e o avanço ao longo do
projeto, desde a fase de licitação até a entrega dos produtos contratados. Cada
gate review tem objetivos bem definidos, focaliza um momento específico no ciclo
de vida do projeto e permite avançar para uma fase seguinte. Podemos assinar o
contrato? Podemos fazer a maquete? Podemos fazer o protótipo? Podemos fazer
as aquisições? As antenas de comunicação entre a via e o trem foram validadas?
No final da presente fase, fizemos o que devia ser feito? As gate reviews procuram
garantir a qualidade do processo de condução do projeto e estão distribuídas
em duas sequências. A primeira sequência começa com a tender gate review, na
qual a primeira versão do design do produto já está feita, e vai até a critical gate
review, que corresponde à industrialização. Em seguida, vêm as gate reviews que
vão da montagem até a entrega dos produtos. Os objetivos específicos das gate
reviews são assegurar que o projeto corresponde ao que o cliente quer e verificar
se todos entendem o que vai ser feito, se os recursos estão mobilizados, se as
posições gerenciais estão bem definidas dentro do projeto e se há clareza sobre
as exigências do cliente.

3.3.2 Design reviews

As design reviews focalizam o desenvolvimento e a qualidade do produto den-


tro do projeto e alimentam as gate reviews, desde a tender gate review até a critical

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 231 23/11/2009 09:17:18


232 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

gate review. Uma design review pergunta: o produto corresponde ao esperado, de


acordo com as expectativas do cliente? O cliente aceitará? A gate review pergunta:
fizemos os design reviews? Em caso afirmativo para as duas questões, o projeto
pode continuar. O plano das design reviews é feito pelo gerente do projeto em
função da demanda do cliente e do caderno de encargos; a validação do plano e a
verificação são feitas pelo gerente da qualidade do projeto. A direção do Sistema
da Qualidade é informada sobre o andamento das design reviews e intervém no
caso de alguma não conformidade dos procedimentos ou de conflito.
As design reviews podem ser feitas de duas maneiras: por produto-sistema (sis-
tema de rodas, tração e freios, carroceria, portas de acesso etc.) ou por disciplina
(segurança; confiabilidade, disponibilidade e maintainability; ruído, aerodinâmica
etc.). Na primeira abordagem, cada produto ou sistema é analisado segundo a
perspectiva de todas as disciplinas; na segunda, cada disciplina é aplicada para
fazer a análise de todos os produtos. As duas abordagens não são mutuamente
exclusivas e dependem da natureza do projeto.
A Figura 3 procura representar a articulação entre as gate reviews e as design
reviews.

3.3.3 Instâncias de decisão

Nenhuma etapa do projeto é iniciada sem a aprovação das instâncias de deci-


são, que são diferentes em cada um dos três ciclos de desenvolvimento da empre-
sa. O Vice-Presidente Sênior da área técnica, dentro das funções de apoio, pilota
a Comissão de Aprovação Técnica, responsável pelo ciclo de desenvolvimento
de tecnologia. Cada Vice-Presidente de linha de produto, dentro das funções de
operações, pilota uma Comissão de Revisão de Desenvolvimento, responsável
pelo ciclo de desenvolvimento do produto. Finalmente, no nível do projeto, a
responsabilidade sobre os gate reviews é da equipe; e o gerente da qualidade do
projeto é responsável pelas design reviews.
Os gerentes da qualidade dos projetos são ligados diretamente aos respon-
sáveis pelas plataformas e independentes do gerente do projeto. Um eventual
conflito entre o gerente do projeto e o gerente da qualidade do projeto, a respei-
to de decisões do design review, é levado para a apreciação do responsável pela
plataforma. Se o conflito continua nesse nível, envolvendo os responsáveis
pela plataforma e pela qualidade dentro da plataforma, o problema sobe até o
Sistema da Qualidade. O presidente da empresa é a instância final.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 232 23/11/2009 09:17:18


Gerenciamento da qualidade e da sustentabilidade: um estudo de caso na França 233

Definição Entrega dos


do sistema sistemas

Desenvolvimento Teste dos


dos requisitos sistemas
do sistema
Especificação de
subsistemas e Integração
interfaces de sistemas

Escopo do Desenho
detalhado Montagem dos
Design subsistemas
Reviews do sistema

Fabricação dos
subsistemas

Gate Reviews

Licitação Especificações Crítica Aprovação Aprovação


inicial da final da
qualidade qualidade
Lançamento Preliminar Inspeção do Validação
primeiro
equipamento

Figura 3 Sequência de gate reviews e design reviews na Alstom Transport.

3.4 Gerenciamento da qualidade dos fornecedores do projeto

O gerenciamento da qualidade dos fornecedores é feito segundo dois ei-


xos: IRIS e SQA. Além disso, o gerenciamento dos fornecedores está dentro do
alcance de duas iniciativas estratégicas da Alstom Transport: Plano Alstom de
Aprimoramento dos Fornecedores (ASIP – Alstom Sourcing Improvement Plan) e
Sistema de Produção Alstom.
IRIS significa International Railway Industry Standards (Padrões Internacio-
nais da Indústria Ferroviária). É um padrão com base na ISO 9001, que define
exigências para o sistema de administração da qualidade de qualquer empresa.
O padrão IRIS agrega à ISO exigências específicas da indústria ferroviária. É um
padrão recente, com três anos, similar ao que existe em outras indústrias, em
que em geral há uma ISO 9000 com alguma especificidade. Foi criado pelos pró-
prios fabricantes de sistemas de transportes e é o referencial usado para certificar
os fornecedores da Alstom Transport, por meio da avaliação de seu sistema da
qualidade. Prevê que o fornecedor tenha procedimentos implementados, tais
como controle de não conformidades, inspeção do primeiro item antes de lançar
a produção, formação de mão de obra, aprovação do design do sistema sinaliza-

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 233 23/11/2009 09:17:18


234 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

ção, manutenção dos aparelhos de produção, administração da obsolescência,


gerenciamento da configuração, administração do conhecimento, gerenciamento
de projetos e de licitações etc. Alguns desses procedimentos são obrigatórios e
outros opcionais. Os sistemas da qualidade dos fornecedores são certificados
com base em indicadores IRIS para cada um dos procedimentos. Se o sistema
ou algum de seus componentes é reprovado, um plano de não conformidade e
de melhoramento deve ser preparado pelo fornecedor. AFNOR, Veritas e outros
organismos independentes, reconhecidos pela administração do IRIS, fazem a
certificação. O processo de certificação IRIS aplica-se a toda a cadeia de produ-
ção. Se um fornecedor é certificado IRIS, o cliente tem garantia de que ele faz
inspeção de todos os componentes previstos no sistema.
SQA é o sistema Alstom Transport de gerenciamento da qualidade, que está
presente ao longo de todo o ciclo de vida do processo de suprimentos dos pro-
jetos. Montagem da lista, seleção de fornecedores, gestão do desempenho dos
fornecedores, gestão da integração entre os fornecedores e outros processos são
considerados no SQA, mas há uma atividade específica que é a gestão da quali-
dade dos fornecedores e que compreende: apoio à certificação dos fornecedores,
gerenciamento de não conformidades, inspeção in loco, resolução de problemas
e garantia do nível da qualidade dos fornecedores.
O Plano Alstom de Aprimoramento dos Fornecedores foi lançado em 2006,
para promover iniciativas de redução de custos e de melhoramento do desem-
penho do Departamento de Suprimentos. O ASIP coordena a rede de conexões
entre o Departamento de Suprimentos, as plataformas e os subsistemas, o que
procura criar e aplicar iniciativas de redução de custos aplicáveis a projetos,
produtos e bibliotecas de referências.

3.5 Qualidade do produto e da produção

A qualidade do produto e da produção é um problema dos sites industriais,


que trabalham para diferentes projetos e clientes, e do Sistema de Produção
Alstom (Alstom Production System – APSYS). APSYS é uma iniciativa estratégica
lançada em 2004, que estabelece um método de trabalho comum a todos os sites
de fabricação, para ajudar as equipes a atender aos padrões QCD (qualidade,
custos e prazos). O método APSYS tem por base os princípios da produção
enxuta, adaptados ao setor ferroviário, compreendendo um leque de métodos
e ferramentas, assim como objetivos de qualidade, custo, tempo e segurança
compartilhados em toda a empresa. Os princípios da produção enxuta adotados
no APSYS são a eliminação das atividades que não agregam valor, a padronização
das operações, o envolvimento dos operadores na tomada de decisões, o aprimo-
ramento contínuo e a acumulação das lições aprendidas.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 234 23/11/2009 09:17:18


Gerenciamento da qualidade e da sustentabilidade: um estudo de caso na França 235

Os objetivos específicos do APSYS são : (1) qualidade: assegurar a qualidade


exigida pelos clientes; (2) custo: reduzir o custo de fabricação em 5% por ano; (3)
prazos: fabricar os produtos encomendados no momento certo ; e (4) segurança:
garantir a integridade física das pessoas. O APSYS emprega certas ferramentas
da produção enxuta, entre elas:
• 5S (sort, set in order, shine, standardize, sustain and improve = separar,
ordenar, limpar, padronizar, manter e melhorar), que, essencialmente,
significa o local de trabalho organizado.
• SWIP (Single Week Improvement Program = Programa de Aprimoramento
de uma Semana), um projeto rápido para realizar os objetivos do APSYS,
executado por uma equipe multidisciplinar.
• Equipes autônomas de trabalho, à semelhança dos círculos de qua-
lidade, que se reúnem todos os dias para analisar sistematicamente
a ocorrência de problemas e acompanhar os esforços e resultados de
aprimoramento.
• Além da atuação nos sites industriais, o APSYS alcança a cadeia de su-
primentos, já que os fornecedores estão sujeitos aos mesmos princípios
dessa iniciativa estratégica. Apesar de orientado para o processo de
produção, o APSYS impacta o processo de gerenciamento do desenvolvi-
mento sustentável, uma vez que a redução do espaço, o menor consumo
de energia e outros indicadores similares redundam em eficiência, que
é um conceito ambientalmente amigável.
Os indicadores de desempenho mostram os efeitos positivos da iniciativa
APSYS. A taxa de frequência de acidentes, medida pelo número de acidentes com
parada de trabalho por milhão de horas trabalhadas, caiu de 17 em 2004 para 3,9
em 2008. Os custos da não qualidade da fabricação, medidos em porcentagem
das vendas, caíram de –16% em 2006 para – 9% em 2008. Os estoques e produ-
tos em processo, medidos em milhões de euros, caíram 29% entre 2005 e 2006;
12% entre 2006 e 2007; 13% entre 2007 e 2008.
Demérito é a medida final das ocorrências de não qualidade do produto, que
se originam do processo de manufatura. Esse conceito mede o número de defei-
tos, classificados de acordo com sua gravidade, que foram observados durante a
inspeção final, os testes da produção seriada ou em campo, que são os pontos de
controle. É um índice obtido pela divisão do número de defeitos em relação ao
total de produtos fabricados. Essa medida é utilizada para erradicar os defeitos o
mais cedo possível, melhorar a eficiência da autoinspeção e alimentar o trabalho
das equipes autônomas. As informações produzidas por esse processo, por sua
vez, vão alimentar o processo de retorno da experiência.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 235 23/11/2009 09:17:18


236 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

3.6 Retorno da experiência

Todas as experiências da Alstom Transport, bem como as dos clientes, são


catalogadas para aproveitamento no gerenciamento dos projetos e no desenvol-
vimento dos produtos. Na fase de licitação de um projeto, a Alstom Transport
começa uma análise de ganhos e perdas, que continua durante todo o desenvol-
vimento do projeto. Seja no caso de ganhar ou vencer uma licitação, a Alstom
procura determinar as causas do resultado, que podem estar associadas ao am-
biente político do cliente, ou ao entendimento das necessidades, por exemplo.
Na fase de encerramento, o processo de retorno da experiência registra todos
os eventos, focalizando o que funcionou ou não, como o problema foi tratado
e o que pode ser aproveitado. Ao longo do projeto, as sessões de resolução de
problemas também geram resultados para o retorno da experiência. Aspectos
gerenciais e soluções técnicas são influenciadas por esse procedimento, inclusive
os procedimentos e os critérios das gate reviews e das design reviews.

4 Análise, implicações e conclusões

A Alstom Transport possibilita analisar um exemplo de empresa orientada


para projetos, na própria definição de seus executivos, em que tudo fala a lin-
guagem dos projetos. O produto à venda não é um item de prateleira, mas um
projeto, no sentido que a bibliografia define: um empreendimento com previsão
de data de término, quando um produto, um sistema de transportes, deve ser
entregue. O conceito se aplica mesmo no caso dos projetos de serviços, nos quais
o entregável é uma tarefa que se executa para um cliente, durante um período de-
terminado. Uma empresa desse tipo oferece um contraste agudo com as empresas
orientadas para atividades contínuas, em particular as de produção seriada, que
fabricam primeiro para vender depois. Como empresa orientada para projetos,
na Alstom Transport o quadro conceitual é um sistema de atividades temporá-
rias, ou encomendas, que se encontram em diferentes estágios de preparação ou
execução. Os processos começam na formulação da estratégia, que visualiza as
diferentes plataformas dentro de uma perspectiva sistêmica, associadas a clientes,
mercados e situações específicas de uso em cada caso – desde o local de uso até as
condições climáticas, passando pelas necessidades dos usuários, o gerenciamento
do ambiente, o ambiente de fabricação –, tudo leva a uma visão de conjunto da
forma de comercialização dos projetos. A forma segue a função e a maioria dos
procedimentos, iniciativas e estruturas tem o mesmo quadro conceitual. A es-
trutura organizacional, os cargos, os métodos e ferramentas de administração e
de desenvolvimento organizacional, a contabilidade e a administração financeira
também têm impressas as marcas dos projetos. Algumas iniciativas estratégicas

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 236 23/11/2009 09:17:19


Gerenciamento da qualidade e da sustentabilidade: um estudo de caso na França 237

e atividades regulares não estão diretamente ligadas aos projetos, mas terminam
por impactá-los. É o caso das iniciativas de desenvolvimento contínuo nos sites
de produção, do programa de melhoramento dos fornecedores e, provavelmente,
das atividades regulares de administração interna. A ideia de administração por
projetos, definida como a aplicação da disciplina a algumas atividades contínuas,
além dos próprios projetos (PMI, 2004) precisa ser revista levando em conta
essas características da Alstom Transport e de outras empresas similares, o que
oferece um primeiro caminho para pesquisa.
Para os estudantes de administração, as empresas como a Alstom Transport
oferecem um desafio interessante. A formação em gerenciamento de projetos
focaliza precisamente o que esse título implica e nada além disso. Pouco, se algo,
é abordado no que tange às empresas em que a administração por projetos é pra-
ticada. Para retratar o que acontece em uma empresa orientada por projetos, as
disciplinas de marketing, contabilidade e finanças, recursos humanos e todas
as outras funções devem ter o qualificativo “por projetos” agregado, o que im-
plica a necessidade de uma reconversão dessas disciplinas. Além disso, escapa
do campo teórico a questão da estrutura organizacional da empresa, não dos
projetos. Na Alstom Transport, a estrutura para o gerenciamento de projetos é
um sistema complexo, que envolve funções e posições em diferentes pontos da
estrutura, às vezes dentro das áreas de apoio, às vezes dentro das operações. A
imagem do gerente de projetos como um empreendedor solitário, responsável
único pelo sucesso ou fracasso do projeto, fica em xeque nesse caso. Outro pos-
sível caminho para pesquisa e produção acadêmica.
Por outro lado, é notável a coincidência entre as práticas na Alstom Transport
e os manuais da moderna administração de empresas. PMBoK, lean production,
proteção ambiental, EHS, DFQ – praticamente tudo está lá. Se isso se repete em
outras empresas, e não há razão para não acreditar nisso, mais um desafio para
os estudantes e praticantes da administração: o desafio de dominar um corpo de
conhecimentos complexo, tanto no nível da compreensão dos conceitos e ferra-
mentas quanto no nível da aplicação. A profundidade desse domínio por parte
dos ocupantes ou potenciais ocupantes de cargos gerenciais, nos diferentes níveis
hierárquicos de uma estrutura organizacional, é o tema que os autores remetem
para as possibilidades de pesquisa, encerrando este capítulo.

Questões para discussão

1. Quais as principais características de uma empresa orientada para projetos


e quais as diferenças em relação às empresas orientadas para processos ou
produção contínua?

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 237 23/11/2009 09:17:19


238 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

2. De que forma se dividem as responsabilidades e a autoridade pelo gerenciamento


das diversas áreas do conhecimento dos projetos, numa empresa orientada
para projetos? Esboce um organograma linear para responder.
3. Defina estratégia no contexto de uma empresa orientada para projetos e con-
traste com uma empresa orientada para processos ou produção contínua.
4. Como lidar com a necessidade de desenvolvimento de novos produtos, numa
empresa que somente trabalha por encomendas? Como você lidaria com as
questões de financiamento de projetos, formação de equipes, geração de ideias
etc.?
5. Como você faria para adaptar as funções empresariais tradicionais (marketing,
finanças, recursos humanos) às necessidades dos projetos, numa empresa
orientada para projetos?
6. Que outros casos você conhece, além da empresa representada neste caso?
Como se comparam?

Referências bibliográficas

FEIGENBAUM, A. V. Total quality control. New York: McGraw-Hill, 1961.


GAREL, Gilles. Le management de projet. Paris: Éditions La Découverte, 2006.
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gerenciamento de projetos na práticav2.indb 238 23/11/2009 09:17:19


12
Um projeto empreendedor:
caso Freeddom
João Mário Csillag, Guilherme Silveira Martins, Michele
Esteves Martins e Camila Aparecida Santos

1 Introdução

Este caso busca ilustrar o planejamento de um projeto empreendedor de


uma empresa brasileira de base tecnológica. Esse tipo de empresa fundamenta
sua atividade produtiva no desenvolvimento de novos produtos ou processos,
baseado na aplicação sistemática de conhecimentos científicos e tecnológicos
e utilização de técnicas avançadas e/ou pioneiras. De maneira geral, as empre-
sas de base tecnológica (EBTs) são responsáveis por uma grande contribuição
econômica e, assim como as demais empresas de pequeno e médio porte, elas
enfrentam problemas, sendo os principais os inerentes à sua principal atividade:
a inovação tecnológica. Essas dificuldades variam, desde a obtenção de recursos
financeiros e humanos necessários a um projeto de inovação, até problemas de
escassez de habilidades gerenciais.
O elevado risco desse tipo de empresa deve-se à própria natureza da ativi-
dade de inovação, que tem como característica o retorno financeiro incerto, além
de ser consumidora de constantes investimentos, necessários pela acelerada
obsolescência dos produtos e processos e à constante ameaça de concorrência
dos grandes grupos econômicos. Além disso, pelo fato de produzirem produtos/
serviços ainda não difundidos ou pouco conhecidos, essas empresas enfrentam
dificuldades de venda, o que é agravado por vários fatores: altos custos de seu
desenvolvimento, complexidade na definição do preço de venda (pois envolve
muito mais capital intelectual do que matéria-prima e equipamentos) e dificul-
dade em identificar canais de distribuição adequados.
Para superar as dificuldades inerentes ao nascimento de uma EBT, é necessário
que os empreendedores façam um planejamento que envolva aspectos referentes

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 239 23/11/2009 09:17:19


240 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

à captação de recursos financeiros, a avaliação do mercado, desenvolvimento de


métodos de produção e prestação de serviços, seleção e gerenciamento de pessoas,
a busca por informações tecnológicas, entre outros. Os esforços despendidos pelos
empreendedores neste momento representam, em geral, otimização do tempo
da execução, diminuição de riscos e, consequentemente, de problemas futuros.
A boa prática do gerenciamento de projetos produz resultados expressivos
para a sobrevivência e o progresso das organizações, e, dentre eles, podem ser
citados a redução nos custos e prazos de desenvolvimento de novos produtos, o
aumento no tempo de vida de novos produtos, o aumento de vendas, receitas,
número de clientes e de sua satisfação e, por conseguinte, um aumento das
chances de sucesso dos projetos.
Diante destes desafios, PMBoK – Project Management Body of Knowledge
(Project Management Institute) – se destaca como uma das referências mais
utilizadas no que tange ao conhecimento do ferramental e das melhores práticas
para a gerência de projetos. O guia é organizado em nove áreas de conhecimen-
to, descritas com base em processos. Esses processos serão a base conceitual
para a análise do caso aqui analisado. Abaixo, são apresentadas as nove áreas
do conhecimento:

1. Gerenciamento de integração do projeto: descreve os processos necessários


para garantir que os vários elementos do projeto estejam adequada-
mente coordenados.
2. Gerenciamento do escopo do projeto: descreve os processos necessários para
garantir que o projeto inclua todo o trabalho necessário, e somente o
trabalho necessário para obter sucesso na conclusão do projeto.
3. Gerenciamento do tempo de projeto: descreve os processos relativos ao
término do projeto no prazo correto.
4. Gerenciamento de custos do projeto: descreve os processos envolvidos em
planejamento, estimativa, orçamentação e controle de custos, de modo
que o projeto termine dentro do orçamento.
5. Gerenciamento da qualidade do projeto: descreve os processos envolvidos
para garantir que o projeto satisfaça os objetivos para os quais foi con-
cebido.
6. Gerenciamento de recursos humanos do projeto: descreve os processos que
organizam e gerenciam a equipe do projeto.
7. Gerenciamento das comunicações do projeto: descreve os processos relativos
à geração, coleta, disseminação, armazenamento e destinação final das
informações do projeto de forma oportuna e adequada.
8. Gerenciamento de riscos do projeto: descreve os processos relativos à rea-
lização do gerenciamento de riscos em um projeto.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 240 23/11/2009 09:17:19


Um projeto empreendedor: caso Freeddom 241

9. Gerenciamento de aquisições do projeto: descreve os processos que compram


ou adquirem produtos, serviços ou resultados, além dos processos de
gerenciamento de contratos.

Dessa forma, este capítulo de livro parte destas áreas de conhecimento do


PMBoK para apresentar o desenvolvimento de um projeto empreendedor de base
tecnológica. Essa empresa atua no ramo de meios de pagamento e trouxe a este
mercado um produto e um modelo de negócio inovador. Assim, o estudo deste
caso evidencia características e dificuldades da implantação tanto do produto
inovador quanto do modelo de negócio da organização.
Este trabalho está organizado da seguinte forma: num primeiro momento,
será realizada uma descrição da empresa, bem como seu projeto inovador. A
seguir, serão apresentadas as fases de desenvolvimento do projeto. As fases
foram identificadas e caracterizadas de acordo com as estruturas de sete das
nove áreas do conhecimento do PMBoK; as fases de gerenciamento de riscos e
custo não foram contempladas por motivo de confidencialidade dos dados da
empresa em questão. E, por último, serão apresentadas as considerações finais
e a bibliografia pesquisada.

2 Caso prático: caso Freeddom

Nesta seção, será realizada uma breve descrição da empresa em estudo, bem
como a apresentação do seu projeto inovador.

2.1 Freeddom

A Freeddom Tecnologia e Serviços S.A., inicialmente criada com a razão


social de Paggo Participações S.A., é uma start-up, ou seja, uma empresa em fase
embrionária que se encontra no processo de implementação e organização de suas
operações, brasileira e de base tecnológica. A empresa desenvolve suas atividades
num escritório localizado na Zona Sul do município de São Paulo.
Foi fundada no ano de 2005, oferecendo um serviço pioneiro no mercado
brasileiro de cartão de crédito, tanto no que diz respeito ao desenvolvimento de
um projeto que envolve um cartão de crédito pelo celular, quanto à metodologia
que utiliza para desenvolver o mesmo.
Atualmente, seus serviços de processamento de cartão de crédito são ofere-
cidos exclusivamente aos clientes da operadora Oi de telefonia, por meio de um
serviço denominado OiPaggo.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 241 23/11/2009 09:17:19


242 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

O produto criado pela Freeddom era inovador, pois foi gerado a partir de
uma nova tecnologia, que utiliza o celular como meio de pagamento e que é di-
ferente do que se pode encontrar, até o momento de sua concepção, no mercado
em geral.
As transações são realizadas por mensagem de texto no celular (SMS) do
cliente e do lojista. Para que ocorra, é premissa básica que o cliente seja creden-
ciado junto à administradora e o lojista junto à acquirer – ambas as empresas do
grupo OiPaggo –, como ocorre no cartão de crédito tradicional. A Figura 1 ilustra
como se dá a transação de mobile payment na Freeddom.

 

 Freeddom
Consumidor Lojista

 
Fonte: Elaborada pelos autores.
Figura 1 Fluxo da transação de crédito da Freeddom.

Os processos enumerados na Figura 1 podem ser assim descritos:


O processo se inicia com a manifestação do cliente de utilizar o sistema de
mobile payment como forma de pagamento. O lojista, então, aciona em seu celular
um software baseado em tecnologia Java®, previamente instalado no chip telefô-
nico. Neste, são inseridos os dados da transação como valor, número de parcelas
e o número do celular do cliente.
A Freeddom verifica os dados enviados pelo lojista e envia uma mensagem
de texto para o cliente com os dados da transação, como o nome da loja, a data
da transação e o número da autorização.
O cliente confere os dados da transação e certifica-a, a partir da digitação
de sua senha pessoal no seu próprio celular. Essa confirmação é enviada à
Freeddom.
O lojista e o cliente recebem uma mensagem de texto da Freeddom confir-
mando a transação.
Como no cartão de crédito tradicional, o cliente OiPaggo recebe mensalmente,
separada da conta telefônica, a fatura com suas compras. Os lojistas, por sua vez,
recebem diretamente da empresa da Oi, responsável pelos mesmos.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 242 23/11/2009 09:17:19


Um projeto empreendedor: caso Freeddom 243

Alguns aspectos podem ser apontados como diferenciais entre o OiPaggo e


os demais cartões de crédito atuantes no mercado, tais como a substituição do
POS (point of sale). No cartão de crédito tradicional, o lojista precisa adquirir um
equipamento específico para efetuar a transação. No caso do OiPaggo, o lojista
irá utilizar seu aparelho de celular, equipamento que provavelmente o mesmo já
possui. Essa substituição da máquina do POS por um aparelho móvel possibilita
maior capilaridade para o serviço OiPaggo, permitindo-lhe atingir outros setores
de atuação como taxistas e autônomos em geral. Adicionalmente, o OiPaggo pra-
tica menores taxas administrativas que as estabelecidas no mercado tradicional
de cartão de crédito.
A substituição do cartão de crédito de plástico por um cartão de crédito
virtual permite que as pessoas realizem transações de onde estiverem, sem que
haja a necessidade da proximidade do POS do lojista, pois as transações são
efetuadas via SMS.
Para os clientes, as vantagens do OiPaggo podem ser observadas no que diz
respeito à taxa de utilização em substituição à anuidade nos cartões tradicionais,
que será cobrada somente no mês em que houver transações. Os clientes po-
dem ainda realizar recargas no celular e comprar na Americanas.com e na Gol,
utilizando o Oi Paggo.

2.2 Plano do projeto empreendedor

O projeto foi idealizado com o objetivo de atuar no mercado de meios de


pagamento, por meio de uma plataforma tecnológica simples e de baixo custo,
utilizando como modelo o cartão de crédito.

Integração

De acordo com o PMBoK, a gerência de integração do projeto consiste em


descrever os processos necessários para assegurar que os diversos elementos
do projeto sejam adequadamente coordenados. Ele é composto pelo desenvol-
vimento do plano do projeto, execução do plano do projeto e controle integrado
de mudanças.
A fase de integração do projeto na Freeddom caracterizou-se a partir da
percepção do fundador da empresa relativa à lacuna existente no sistema de pa-
gamento, pois a cadeia tradicional de cartão de crédito, até então, consistia numa
instituição bancária como intermediária entre o varejista e o cliente, qualquer que
fosse o meio de pagamento. Percebeu-se também a necessidade do mercado em
expandir a criação do private label, o cartão de marca própria do estabelecimento,
pois dessa forma os varejistas podiam obter receitas com o aumento do crédito

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 243 23/11/2009 09:17:19


244 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

e não ser dependentes de um banco para poder disponibilizar o crédito e até


mesmo ter seu próprio cartão aceito por outros estabelecimentos.
O acesso ao crédito no Brasil é caro e reduzido, e aproximadamente 15%
da população não têm acesso a tal sistema bancário. Dessa forma, identificou-
se no mercado uma oportunidade de colocar o cliente e varejista, sendo este
compreendido pela empresa como qualquer pessoa física ou jurídica que tenha
algum produto ou serviço à venda, em contato direto na transação de pagamento,
sem haver a participação de uma instituição bancária. A ideia se mostrou viável
e concreta a partir do momento em que houve investidores que apostaram no
projeto, mas o fundador nem sempre recebeu retornos positivos acerca de sua
ideia. Quando ele levou o projeto para grandes varejistas, muitos o consideraram
excelente, porém inviável, e as razões dadas eram a de que o fundador não seria
capaz de colocar a ideia em prática e a de que os varejistas queriam depender
dos bancos, mas ao mesmo tempo queriam que os cartões dos lojistas fossem
aceitos em outros negócios.

Escopo

A fase de gerência de escopo do projeto descreve os processos necessários


para assegurar que o projeto contemple todo o trabalho requerido, e nada mais
que o trabalho requerido, para contemplar o projeto com sucesso. Ele é composto
pela iniciação, planejamento do escopo, detalhamento do escopo, verificação do
escopo e controle de mudanças do escopo.
A definição do escopo do projeto ocorreu com a criação Paggo no ano de
2005, a partir da proposta de conceder crédito às pessoas sem o intermédio
de uma instituição financeira. Dessa forma, buscava-se o desenvolvimento de uma
estrutura pela qual pudessem processar cartões de crédito por meio de sistemas
distribuídos de informações e de tecnologia de baixo custo.
A construção da primeira plataforma para a realização das transações foi por
meio de uma aquisição de um POS trazido dos EUA, enviado por um familiar,
no qual se realizaram algumas alterações para que fosse plugado a um celular.
Este POS, na ideia inicial, aceitaria o cartão de crédito de plástico.
No início de suas atividades, a empresa possuía apenas dois computadores e
em 2009 a mesma possuía cerca de 300 servidores distribuídos entre dois data-
centers para realizar as transações. Contava com o apoio de cinco colaboradores
e no momento da entrevista possuía 130 funcionários.
Considerando-se que desde 1998 o celular havia se popularizado no Brasil e
era uma tecnologia de custos relativamente baixos, identificou-se uma oportuni-
dade de realizar o processamento das informações do cartão de crédito utilizando
a telefonia móvel. Dessa forma, elaborou-se um projeto o qual foi apresentado

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 244 23/11/2009 09:17:19


Um projeto empreendedor: caso Freeddom 245

a alguns possíveis interessados, com grande enfoque nas telefonias móveis


atuantes no mercado. As empresas de telefonia tiveram grande entusiasmo com
o projeto, mas a que demonstrou real interesse em conduzir o projeto foi a Oi.
Dessa parceria, conseguiu-se desenvolver uma tecnologia que permitisse realizar
transações financeiras via celular.
A escolha do modelo de cartão de crédito pelo fundador decorreu do fato
de que o cartão de débito, de acordo com as normas estabelecidas pelo Banco
Central, somente poderia ser emitido por uma instituição bancária.

Aquisições do projeto

A gerência das aquisições do projeto descreve os processos necessários para a


aquisição de mercadorias e serviços fora da organização que desenvolve o projeto.
Ela é composta pelo planejamento das aquisições, preparação das aquisições,
obtenção de propostas, seleção de fornecedores, administração dos contratos de
encerramento do contrato.
Para que o projeto se concretizasse, faltava à empresa realizar parcerias com
empresas que dispusessem de uma base grande de clientes e com potencial de
aquisição de serviço financeiro. Segundo o fundador, buscaram-se empresas
de telefonia, pois estas possuíam características compatíveis com a tecnologia
desenvolvida.
No ano de 2005, a Freeddom firmou parceria com a Oi, empresa de telefonia
móvel fundada em 2002. Essa é a quarta maior operadora de celular do país,
com aproximadamente 17% de participação de mercado (atrás de Vivo – 29%,
Claro – 25% e TIM – 24% – ANATEL, 2009). A Oi tem cerca de 57 milhões de
clientes, sendo 32 milhões em telefonia móvel em 15 estados brasileiros – Rio
de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais, Sergipe, Bahia, Alagoas, Pernambuco,
Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí, Maranhão, Pará, Amapá, Amazonas.
Ainda dentro do processo de expansão nas áreas de atuação, a Oi iniciou suas
atividades no estado de São Paulo no ano de 2008. A parceria da Freeddom com
a Oi resultou na criação do OiPaggo, um cartão de crédito virtual para todos os
clientes da operadora (planos pré e pós-pagos).
Ainda no ano de 2005, iniciou-se um projeto pré-piloto na cidade de Natal
– RN. A escolha por tal cidade deve-se ao fato de que a Oi possuía um grande
market-share e uma boa aceitação entre os usuários, permitindo um maior retorno
das ações estabelecidas naquela cidade. No ano de 2006, realizou-se outro piloto
na região do Triângulo Mineiro, situado em Minas Gerais, com o propósito de
aumentar a participação da Oi naquela região.
Com vistas a aumentar a participação no mercado, foi decidido no ano
de 2007 lançar o produto OiPaggo no Rio de Janeiro. O OiPaggo possui cerca

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246 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

de um milhão de usuários cadastrados (230 mil ativos) e 40 mil estabelecimentos


afiliados. Atualmente, o produto encontra-se bem difundido nas áreas de atuação
da Oi. Os clientes também podem realizar suas compras com o seu OiPaggo pela
internet nos sites da Gol Linhas Aéreas e Americanas.com., concretizando assim
o antigo sonho de seus idealizadores.

Tempo do projeto

De acordo com o PMBoK, a gerência do tempo do projeto descreve os proces-


sos necessários para assegurar que o projeto termine dentro do prazo previsto.
Ele é composto pela definição das atividades, sequenciamento das atividades,
estimativa da duração das atividades, desenvolvimento do cronograma e controle
do cronograma.
Na Freeddom, podem-se destacar alguns momentos de grande relevância
para o desenvolvimento do projeto:

• 2000: pode ser considerado o marco inicial da mentalização do projeto,


pois foi neste ano que o fundador identificou a oportunidade no mer-
cado financeiro.
• 2003: pode ser identificado como o ano da concretização da ideia; tal
fato ocorreu a partir da criação da Paggo.
• Maio de 2005: ocorre a confirmação da parceria da Oi com a Freeddom,
por meio da assinatura do contrato. Surge então o OiPaggo.
• Outubro de 2005: após vários testes de desenvolvimento da tecnologia,
realiza-se a primeira transação a um lojista credenciado – Bibi Sucos
–, situada no Rio de Janeiro. Tal transação foi realizada pelo próprio
fundador.
• Junho de 2006: neste período, iniciou-se um pré-piloto na cidade de
Natal.
• Setembro de 2006: como forma de aumentar a parcela de mercado na
região do Triângulo Mineiro, inicia-se também um pré-piloto nesta
região.
• Março de 2007: após vários testes e aprimoramento da tecnologia,
ocorre o lançamento do OiPaggo na cidade do Rio de Janeiro.
• Julho de 2007: com o desenvolvimento e crescimento do OiPaggo, fez-
se necessário o aumento da equipe de trabalho para atendimento das
demandas surgidas. Para que as atividades fossem desenvolvidas com
qualidade e conforto, neste período, ocorreu a mudança para um am-
biente de trabalho maior do que estavam trabalhando anteriormente.
• Setembro de 2007: expansão para todas as áreas de atuação da Oi.

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Um projeto empreendedor: caso Freeddom 247

Qualidade do projeto

A gerência da qualidade do projeto descreve os processos necessários para


assegurar que as atividades que originaram o desenvolvimento do projeto serão
satisfeitas. Ele é composto pelo planejamento da qualidade, garantia da qualidade
e controle da qualidade.
Atingir a qualidade esperada do projeto, em tão pouco tempo de execução
do mesmo, segundo o fundador da Freeddom, deve-se à adoção da metodologia
do XP (Extreme Programming), um método ágil de desenvolvimento de software.
Tal método é bastante utilizado em empresas de tecnologia. Ainda segundo o
fundador, o mesmo realizou algumas modificações no método de forma a adequá-
lo aos seus objetivos. O XP é utilizado por todas as áreas da empresa, diferindo
algumas práticas de área para área.
O desenvolvimento de todo o projeto foi realizado em sistemas open-sources,
possibilitando maior flexibilidade e uma consequente redução de custos.

Recursos Humanos no projeto

A gerência de Recursos Humanos descreve os processos necessários para


proporcionar a melhor utilização das pessoas envolvidas no projeto. Ele é com-
posto pelo planejamento organizacional, montagem da equipe e desenvolvimento
da equipe.
Um fator de grande importância, segundo o fundador, para que o projeto
obtivesse tal sucesso é o enfoque nas pessoas. Dessa forma, os processos seletivos
realizados para as vagas disponíveis têm grande enfoque no perfil das pessoas,
procurando a adequação dos candidatos com a filosofia da empresa. Essa busca
por pessoas com a cara da empresa se dá fortemente em participações em feiras
de talentos, bem como pela realização de palestras em instituições de ensino de
renome. Tais buscas são realizadas pela área de Recursos Humanos, que na
Freeddom denomina-se área de Gente.
A área de Gente tem como objetivo também manter a motivação dos cola-
boradores da empresa. Segundo o fundador, são realizados alguns eventos, tais
como a comemoração dos aniversariantes do mês e o Freeddom Fest, que objetiva
integrar as pessoas, sanar dúvidas a respeito do negócio da empresa, bem como
explanar a respeito das perspectivas da mesma.
A metodologia XP, anteriormente mencionada, é adotada não somente na par-
te tecnológica do processo, mas também no gerenciamento do negócio como um
todo. Algumas práticas desse gerenciamento podem ser destacadas, tais como o
trabalho aos pares, no qual para a realização dos pequenos projetos as pessoas
trabalham em duplas, utilizando um mesmo computador. Tal pareamento ocorre
em quase todas as áreas da empresa, sendo a área da tecnologia a mais visível.

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248 Gerenciamento de projetos na prática: casos brasileiros • Rabechini Jr. e Carvalho

Outra prática decorrente do XP é o planning game, que implica em reuniões quin-


zenais, nas quais são revistas e discutidas todas as atividades realizadas naquela
iteração e propostas novas atividades para a próxima iteração. Tais atividades são
escritas em cartões denominados estórias, em que cada área da empresa possui a
sua cor. Acontece também o stand-up meeting, que são reuniões diárias realizadas
no início do expediente nas quais são repassadas as estórias concluídas no dia
anterior. Burocratização e envio de e-mails em excesso são práticas não conside-
radas na filosofia da empresa.
Ainda como forma de possibilitar um ambiente de trabalho agradável e de
maior interação entre as pessoas, as áreas trabalham juntas num escritório livre
com salas de reuniões com paredes de vidro. O fundador enfatiza que realiza
gestão por qualidade e é de grande importância que a sua equipe goste do am-
biente de trabalho.

Gerenciamento das comunicações

A gerência das comunicações do projeto descreve os processos necessários


para assegurar que a geração, captura, distribuição, armazenamento e pronta
apresentação das informações do projeto sejam feitos de forma adequada e no
tempo certo. Ele é composto pelo planejamento das comunicações, distribuição
das informações, relato de desempenho e encerramento administrativo.
Mesmo com o dinamismo presente no ambiente da Freeddom, observou-se
que as informações fluem no mesmo sentido. As práticas das reuniões diárias
e quinzenais e o não envio de e-mails desnecessários possibilitam uma grande
eficiência na comunicação das informações, pois são imediatas.

3 Considerações finais

A Freeddom é uma start-up brasileira que tem obtido grande êxito no mer-
cado financeiro. Seu serviço oferecido é considerado pioneiro e tem tido grande
aceitação em grandes centros, como por exemplo na cidade do Rio de Janeiro,
com cerca de 306 mil clientes.
A capacidade empreendedora do fundador se mostra a partir da sua percep-
ção da lacuna existente no mercado financeiro, que, a partir disso, desenvolveu
uma tecnologia de custo baixo, utilizando a telefonia para trafegar informações
de transações financeiras.
O sucesso também pode ser explicado pela combinação da filosofia com a
forma de motivar e o gerenciamento utilizado na condução das atividades dos
colaboradores da empresa. O ambiente encontrado é muito dinâmico, mas ao
mesmo tempo agradável.

gerenciamento de projetos na práticav2.indb 248 23/11/2009 09:17:20


Um projeto empreendedor: caso Freeddom 249

Mesmo com esse ambiente dinâmico e uma estrutura simples, puderam-se


identificar com clareza as áreas do conhecimento preconizadas pelo PMBoK,
sendo algumas bem distintas.
No momento da entrevista, a Freeddom prestava serviços exclusivamente
para a operadora Oi, mas num futuro próximo as outras companhias telefônicas
atuantes no mercado podem ser consideradas como suas potenciais clientes.
A Freeddom, como forma de aproveitar a tecnologia desenvolvida, sugere
a criação de outros serviços complementares no celular, como por exemplo a
propaganda no celular, download de músicas, bem como o envio de mensagens
referentes à compra de produtos de preferência dos clientes, dentre outros.

Questões para discussão

1. Analise os principais impactos dessa nova tecnologia na cadeia de cartão de


crédito.
2. A parceria da Freeddom com uma instituição bancária não poderia viabilizar
o aumento do acesso das pessoas ao sistema de crédito?
3. A Freeddom desenvolveu uma nova tecnologia ou um novo modelo de negó-
cios?
4. O desenvolvimento deste negócio seguiu os passos preconizados pela PMI?
5. Discuta as vantagens do pioneirismo da empresa e os riscos associados ao
desenvolvimento de tecnologia semelhante por parte de grandes players (Visa,
Master, Amex).

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Formato 17 x 24 cm
Tipografia Iowan 10/13
Papel Offset Sun Paper 90 g/m2 (miolo)
Supremo 250 g/m2 (capa)
Número de páginas 256
Impressão Lis Gráfica

03 cap12.indd 250
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