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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

ALUNA: ELEN CANTO

ENSAIO SOBRE A “SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO”, DE MAX WEBER

CURITIBA

2006
Introdução

Weber chamou as “religiões de salvação” de “religiões universais”, ou seja, “as

religiões ou sistemas, determinados religiosamente, que conseguiram reunir á sua volta

multidões de crentes” (WEBER, 1963: p. 309). Essas religiões, segundo ele, são:

confucionismo, cuja camada portadora da religião era formada por “homens com educação

literária que se caracterizavam pelo racionalismo secular”, ou seja, pela parte culta da

sociedade (p. 310); o hinduísmo, composto de uma casta hereditária de letrados, legítimos

portadores das escrituras religiosas; o budismo, propagado pelos monges, únicos membros

integrais da comunidade religiosa; o islamismo, formado por uma camada de guerreiros

que queriam dominar o mundo; o judaísmo, com sua camada de intelectuais treinados na

literatura e no ritual; e o cristianismo, que a princípio era a doutrina de artesão jornaleiros

e depois se tornou uma religião urbana e cívica.

Independentemente da denominação recebida, a religião, seja mágica ou

institucionalizada, é uma forma de representação. Conforme escreveu Evans-Pritchard

(1978, p. 85), a religião é um “sistema de idéias através dos qual os indivíduos representam

para si próprios a sociedade a que pertencem e as relações que elas mantém”.

Ou ainda como escreve Godelier, a religião, tanto na origem quanto no conteúdo, é

representação espontânea e ilusória do mundo, “mas representação tal que, pelo seu próprio

conteúdo, do seu próprio interior, ela funda e exige uma prática que lhe corresponde”

(1981:153). No pensamento primitivo, acredita-se que religião e magia são inseparáveis e

“constituem formas fundamentais e complementares de explicação (ilusória) e de

transformação (imaginária) do mundo” (Godelier, 1981: 158).


Religiões tradicionais e religiões instirucionalizadas

A prática religiosa, tanto nas religiões tradicionais quanto nas racionalizadas, é

realizada individualmente e em grupos. Em seu trabalho etnográfico sobre a ilha de Java,

Geertz questiona sobre a necessidade de comparecer a reuniões. Por que comparecer às

reuniões e não seguir a religião em casa? Por que as religiões não fazem sentido fora da

instituição? “En primer lugar, no se supone que uno alcance la paz retirándose de la

sociedad. Uno debe permanecer en la sociedad Deus alternando com la gente, pero llevando

la paz e el corazón” (Geertz, 2005: 126).

Nas religiões de salvação, o “exercício regular do culto” foi um dos fatores que

permitiu a racionalização. Estes cultos, ministrados pelos sacerdotes (especialistas

religiosos), têm a função de organizar a instituição e distribuir bens de salvação aos fiéis, ao

contrário das religiões mágicas em que, por não possuir um culto formal e por faltar ao

feiticeiro a racionalização de idéias e valores éticos, que dão sentido existencial a uma

multidão de crentes, ficou confinada a ser um meio “marginal” de salvação, restrita em que

o feiticeiro é consultado ocasionalmente.

Com o surgimento das religiões universais, a clandestinidade do feiticeiro e da

magia cresce ainda mais, pois as religiões universais se colocam como único meio legítimo

de salvação. Contudo, a magia como forma de cura dos males e, sobretudo, das

enfermidades, foi sempre procurada pelo indivíduo, pois ele já não se voltava para o culto

da comunidade, “mas como indivíduo, procurou o feiticeiro como ‘conselheiro espiritual’

mais velho e pessoal” (p. 315). Isso, segundo Weber, resultou na formação de uma

comunidade religiosa independente de associações étnicas.


Ao contrário da magia, as religiões universais, por meio dos cultos ocuparam uma

nova posição em relação ao sofrimento individual, pois a preocupação também era dirigida

ao sofrimento das massas. Nesse sentido, as religiões de redenção tinham por objetivo

livrar o indivíduo e a humanidade “da desgraça, da fome, da seca, da enfermidade e, em

última análise, do sofrimento e da morte” (Idem, p. 322). Conforme afirmou Geertz,

“Tanto la ética como la religión, tanto el misticismo como la cortesia apuntan pues al

mimso fin: una tranquilidad desapegada que defienda contra toda pertubación de adentro o

de afuera” (2005: 126). Logo, a religião serviria para amortizar esse sofrimento. Sofre-se

aqui, mas tendo em vista uma “recompensa” futura, neste mundo ou em outro que haveria

de vir.

Uma das respostas teóricas fundamentais e recorrentes em todas as religiões

universais foi a necessidade de justificar, a partir da teodicéia, a distribuição dos bens

materiais entre os homens. Com isso, as religiões atendem a uma necessidade geral, no

sentido de justificar e legitimar a boa fortuna às classes “positivamente privilegiadas”. Pois

elas, “necessitam saber que têm direito à boa sorte. Desejavam ser convencidas de que

‘merecem’, e acima de tudo, que a merecem em comparação com os outros. Desejavam

saber que os menos afortunados também estão recebendo o que merecem. A boa fortuna

deseja, assim, ‘legitimar-se’ ” (p. 314).

Ao contrário das classes “negativamente privilegiadas” que, por não disporem de

honras e poder social, como dispunham as classes “positivamente privilegiadas” e, por

estarem ameaçadas pelas desgraças e enfermidades, necessitavam de promessas de

redenção que as livrassem do sofrimento do mundo, a distribuição dos bens materiais entre

as camadas sociais tornou-se um problema ético, que provinha da necessidade de buscar

uma explicação religiosa para o sofrimento, que era percebido como negativo e injusto.
Para que o infortúnio do sofrimento pudesse ser percebido, ele teve de adquirir um

caráter positivo, justificado pelas religiões universais, que nas sociedades tribais, era visto

como um desagrado aos deuses e como um sintoma de culpa secreta. Nas religiões de

redenção, por meio do sofrimento o indivíduo poderia chegar à glorificação. “Numerosas

formas de punições e abstinência em relação á dieta e sono, bem como relações sexuais,

despertam, ou pelo menos facilitam (...) todos os estados extraordinários considerados

como sagrados’” (p. 314).

Weber explica a relação negativa do sofrimento nas sociedades tribais:

“Os homens sofrendo permanentemente, de luto,


enfermidades ou qualquer outra desgraça, acreditavam,
dependendo da natureza de seu sofrimento, estar
possuídos por um demônio ou vitimados pela ira de
um Deus a quem teriam insultado. Tolerar esses
homens em meio da comunidade de culto poderia
provocar prejuízos. De qualquer modo, eles não
tinham permissão de participar das festas e sacrifícios
de culto, pois os deuses não gostavam de vê-los e
poderiam irritar-se ” (p. 313).

A idéia de sofrimento imerecido, reconhecido pelas religiões universais enquanto

promessas de redenção, dirigia-se aos indivíduos e, principalmente, à massa de necessitados

e carentes. Nisso, pode-se dizer que os cultos de redenção, promovidos pelas religiões

universais, visam suprir tanto as necessidades do indivíduo quanto os anseios coletivos e as

duas formas de sofrimento são vistas como positivas.

A partir da “teodicéia racional do infortúnio”, produto da evolução da concepção

racional do mundo baseada no mito do redentor ou do profeta, que “tal visão racional do

mundo deu com freqüência ao sofrimento, como tal, um valor positivo que lhe era antes

totalmente estranho” (p. 317). Ao tornar o sofrimento como um valor positivo, essa

concepção centrava sua esperança num salvador que tivesse, ao mesmo tempo, um caráter
individual e universal, pronto para garantir a salvação do indivíduo e de toda a coletividade

que se voltassem para ele. Essa concepção de mundo, que resultou da profecia emissária,

possibilitou o surgimento de uma concepção metafísica de Deus, criada pelo judaísmo, que

deu origem ao “conceito de um Senhor da Criação supramundano, pessoal, irado,

misericordioso, amante, exigente, punitivo” (p. 329).

Essa idéia do Deus supramundano ganhou vida com as revelações de Moisés no

monte Sinai, que deu origem às três religiões que Maurílio Adriani chama de “fés de

ascendência bíblica”, ou seja, judaísmo, cristianismo e islamismo. De acordo com a história

bíblica, quando o povo era escravo no Egito, Moisés desafiou o faraó para que libertasse o

povo de Israel. Cada vez que o faraó recusava, o povo era atingido por pragas. Ao final,

depois que Deus enviou as dez pragas, o povo foi liberto, mas mesmo assim foi seguido por

faraó e seu exército. Com isso, permitiu-se a realização do milagre maior: o mar Vermelho

se abriu e o povo hebreu passou. Em seguida, o mar se fechou, afogando todo o exército de

faraó.

Toda essa história, com milagres, punição do mal e o cumprimento de uma

promessa legitima a credibilidade da missão de Moisés, que foi o mensageiro de Deus na

terra, a quem Deus teria dado uma missão muito especial de firmar, pro meio dele, uma

aliança com o povo de Israel. Foi para Moisés que Deus teria entregado as tábuas com os

Dez Mandamentos, por meio das quais as religiões de ascendência bíblica baseiam seu

código de comportamento e conduta. A violação de algum dos mandamentos acarretaria no

pecado, ou seja, aquilo que não agrada a Deus e o separa do homem. por causa do pecado

original, de Adão e Eva, o homem não poderia mais chegar-se a Deus.

O caminho da salvação imposto pela profecia emissária das religiões de ascendência

bíblica estava diretamente voltado para a ação no mundo e não fora dele. As idéias não
eram análogas, ideais, mas concretas. O profeta é legitimado por fatos concretos. O milagre

deve acontecer para comprovar a que aquela pessoa realmente é a escolhida por Deus.

Dessa forma, a profecia emissária, que mostra o caminho de salvação por meio do

mensageiro ou instrumento de Deus, que revela suas exigências éticas aos homens, difere

da profecia exemplar, que mostra o caminho da salvação mediante um exemplo pessoal e

uma vida guiada pela contemplação. Nessa profecia, há ausência do conceito de Deus ético

e supramundano, segundo Weber, que foi tão presente na profecia emissária. Isto significa

dizer que a concepção de Deus supramundano “foi especialmente importante para a direção

ativa e ascética de busca de salvação. Não teve a mesma importância para a busca

contemplativa e mística, que tem afinidade interna com a despersonalização e imanência do

poder divino” (Weber, 1963: 373).

Nessa última, o caminho da salvação só poderia ser alcançado pela vida

contemplativa e apático-extática. Esse caminho de salvação pressupunha uma união

contemplativa com o divino mediante a posse dele pelo êxtase. O Divino, na profecia

exemplar, era considerado um ser supremo e impessoal, como Brahma, na religião hindu.

Nas religiões tradicionais — que Godelier chama de “primitivas” — não havia essa

necessidade de legitimar a religião por meio de um profeta e nem atribuir as leis do

universo a mérito de um único deus.

Segundo Godelier, o homem primitivo pensa a natureza por analogia, ou seja, pensa

espontaneamente a natureza de forma análoga ao mundo humano.

“A natureza, mais além das suas aparências visíveis, se


desdobra, portanto, para a consciência em mundos
profundos imaginários habitados por sujeitos, idéias,
que personificam as forças invisíveis, os poderes
superiores e misteriosos da natureza. As idealidades
criadas pelo pensamento humano se apresentam,
portanto, como um mundo coerente e organizado de
representações ilusórias, mundo que domina a prática e
a consciência humanas” (Godelier, 1981: 150).

Godelier afirma — baseado na idéia de Marx de que o pensamento primitivo pensou

a natureza atribuindo qualidades humanas às realidades invisíveis da natureza —que o ser

humano cria um duplo ideal, imaginário da sociedade, e o povoa com personagens

fantásticos que representam, que forma ilusória, as realidades invisíveis da natureza, “as

forças superiores que regulam a ordem e o curso das coisas”.

Analisando os textos de Marx e Engels, podemos ver que, o “reflexo fantástico” das

representações religiosas se dá de duas formas. Primeiramente, o pensamento primitivo

coloca o mundo da natureza como um mundo de pessoas, construído por representações

ilusórias do mundo. Em segundo lugar, no pensamento primitivo idealidades que só têm

existência em si próprias ganham autonomia, existência independente e objetiva. Dessa

forma, trata o mundo de coisas como de pessoas e o mundo subjetivo como objetivo. Como

afirma Marx, “a personificação das coisas e a reificação das relações de produção, esta

religião da vida cotidiana”. (p. 152).

A ideologia evolui juntamente com as relações do homem com a natureza. Nas

sociedades primitivas, as desigualdades existem no homem e na mulher e nas gerações.

Para Marx, a ideologia religiosa e a ideologia dominante nos povos primitivos. À medida

que as relações nesses povos foram se hierarquizando, a sociedade perdeu controle sobre si

própria e a ideologia tomou conta dessas forças sociais e lhes atribuiu caráter sobrenatural,

antes atribuído à natureza ” (pp. 154-155).

Escolhem-se personagens sobre-humanos, pois possuem características humanas,

como vontade e consciência, mas que podem fazer o que o homem não pode fazer. “Estes
personagens formam uma sociedade ideal e mantêm relações entre si e com a sociedade

humana” (p. 158).

A estrutura dominante das relações sociais, nessas sociedades, é dada pelas relações

de parentesco. Dessa forma, há uma forte relação entre o papel das relações de parentesco

na vida social e sua função de armadura sociológica do mundo ideal dos mitos. O homem

representa o mundo de maneira análoga à sua própria experiência.

Além das práticas regulares de culto, do estabelecimento dos especialistas

religiosos, do sofrimento como algo positivo e das profecias, tanto emissárias quanto de

exemplo, as religiões mágicas se diferem das religiões de salvação na relação entre a vida

secular e a vida religiosa.

As religiões tradicionais (ou mágicas) estão atreladas a práticas sociais estabelecidas

por determinada sociedade, fazendo com que não se possa distinguir a vida secular da vida

religiosa, ao contrário do que acontece nas religiões racionalizadas, que são conscientes em

si mesmas. Nestas, são muito distintas as relações entre a vida espiritual e a vida cotidiana,

o que pode resultar no ascetismo característico de religiões protestantes.

Por fim, uma religião se legitima quando tem uma documentação, uma literatura. A

religião só pode ser racionalizada quando tem um livro, como a Bíblia ou o Corão.

À medida que o mundo parece sem sentido, a religião tende a se racionalizar para

dar um sentido ao mundo. “A unidade da imagem primitiva do mundo, em que tudo era

mágica concreta, tendeu a dividir-se em conhecimento racional e domínio da natureza de

um lado, e em experiências ‘místicas’ de outro” (Weber, 1963: 325).

O processo de racionalização pode ser observado no texto de Geertz a

racionalização da religião tradicional de Bali, que o autor chamou de “bali-ismo”, que mais

tarde, em 1962, foi admitida como grande religião da Indonésia. Segundo Geertz, as
possibilidades de conversão para outras religiões são praticamente excluídas, pois, na

cultura balinesa, quem se converte para ar o cristianismo ou islamismo, por exemplo,

abandonou a religião, mas também a própria Bali e até perdeu o juízo. “El cristianismo

Deus el Islam podrán continuar ejercendo influencia en la vida religiosa de la isla; pero no

tienen virtualmente ninguna posibilidad de controlarla (Geertz, 2005: 161)”.

A religião começou a se tornar consciente de si mesma e ocorreram processos de

conversão interna ao bali-ismo “que, em sus dimensiones filosóficas , se aproximará a las

religiones mundiales tanto por el carácter general de las preguntas que formula como por el

carácter general de las respuestas que da” (Idem, p.161).

“Estudiosos” do bali-ismo, seguidores que tinham entre dezoito e trinta anos de

idade, principalmente, passaram a questionar sobre a separação da vida religiosa e da vida

cotidiano, além de separar o sagrado do secular “Aqui se ve la crisis de la fe, la ruptura de

los mitos, el derrumbre de los fundamentos en una forma clara, sin barnices” (p. 163).
A importância do estudo dos rituais para a compreensão da experiência religiosa

A experiência religiosa está ligada diretamente ao sagrado. Pelo menos é o senso

comum que temos em relação à religião: a experiência religiosa, mística, proporciona o

encontro com o sagrado — que Godelier define como a relação dos homens com a origem

das coisas “na qual os homens reais desaparecem e parecem no seu lugar duplos deles

próprios, homens imaginários” (2000: 221).

O ritual serve como um marco na vida religiosa e divide-se em três etapas, definidas

por Van Gennep, que são citadas em Turner (1974, 201): pré-liminariedade (separação),

liminariedade (margem) e pós-liminariedade (reagregação). O estado de liminariedade é a

base para a compreensão do ritual, pois nela encontra-se simplificada toda a estrutura do

rito. Nesse estado ocorre a “desidentificação” da pessoa, o igualitarismo social absoluto,

sem diferenciação de classe, que Turner conceituou como communitas.

No estado de communitas, o universo simbólico entra em ação. Dessa forma, por

meio dos rituais, podemos observar na prática a simbologia daquela religiosidade

específica. Os símbolos sagrados representam o ethos de um povo. Esses símbolos são

abstrações da experiência em formas tangíveis.

Rituais e cerimônias religiosas servem para afirmar a relação de fé do Homem com

o sagrado e é por meio desses rituais que se percebe melhor a religiosidade. Todo o ritual

serve para reforçar a concepção religiosa. Como já foi dito no início, toda a religião é

acompanhada de uma prática religiosa. A prática é comum tanto nas religiões

racionalizadas quanto nas tradicionais. Como as religiões mágicas ou tradicionais não

possuem “intelectuais”, a única forma de se compreender a experiência religiosa é por meio

dos rituais.
Bibliografia

Adriani, M. História das religiões. Lisboa: Edições 70, 1990.

Carvalho, E. A. (org). Godelier. São Paulo: Ática, 1981.

Evans-Pritchard, E. E. Antropologia social da religião. Rio de Janeiro: Editora Campus,

1978.

Geertz, Clifford. La Interpretación de las culturas.

Godelier, M. O enigma da dádiva. Lisboa; Edições 70: 1996.

WEBER, M. Ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro: Koogan, 1963.

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