Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
WHAT KIND OF MAN IS THE PROPHET AND HIS IMPORTANCE TODAY IN ABRAHAM
HESCHEL
Narcélio Ferreira de Lima1
GT 5 – Pesquisa Bíblica.
Resumo
O filósofo e teólogo judeu Abraham Joshua Heschel (1907-1972) compreendeu
os(as) interlocutores(as) da Bíblia Hebraica como pessoas do pathos divino (homo
sympathetikos). A presente reflexão intenciona aprofundar essa perspectiva através
de uma hermenêutica sobre alguns conceitos de sua tese doutoral (1936) que aborda
a consciência profética e traçar análise exegética de algumas perícopes bíblicas para
exemplificar de que maneira a profecia bíblica e o ato profético podem iluminar as
sociedades contemporâneas na luta por misericórdia e justiça. Nesse horizonte, o
profeta hebreu nos aparecerá como uma personalidade “sui generis” frente às
demais figuras que se relacionam à voz de alguma divindade ou à predição do futuro
frente ao mundo extra bíblico. Na análise dessas experiências registrada na Bíblia,
verificamos que é a vocação divina que realmente define os profetas
veterotestamentários e que os mesmos se identificam não simplesmente como
“mensageiros”, mas também com diversos outros atributos alegados para si,
sobretudo o de “testemunhas”. Por fim, fazemos a associação dessas figuras ao
gênero humano na relação transcendental entre Deus e o ser humano, na mesma
dignidade e ética em prol da transformação social, movendo-se do êxtase à
ação. Uma justa concepção dessa experiência e movimento mostra-nos que os
profetas e profetizas continuam vivos(as), despertando a imaginação e fidelidade de
nossos contemporâneos, especialmente onde impera o desconhecimento da voz de
Deus, a insensibilidade à maldade e o apego ao poder.
Palavras-chave: Heschel. Profeta. Profecia. Pathos. Simpatia
Abstract
The Jewish philosopher and theologian Abraham Joshua Heschel (1907-1972)
understood the interlocutors of the Hebrew Bible as persons of divine pathos (homo
sympathetikos). The present reflection intends to deepen this perspective through
hermeneutics about some concepts of his doctoral thesis (1936) that addresses the
prophetic conscience and outlines an exegetical analysis of some biblical pericopes
to exemplify how biblical prophecy and the prophetic act can illuminate societies
contemporaries in the struggle for mercy and justice. In this horizon, the Hebrew
prophet will appear to us as a “sui generis” personality in front of the other figures
1
PUC GO. Graduado em Filosofia e Teologia (Faculdade Católica de Fortaleza).
Mestrando em Ciências da Religião (bolsista Capes). fraternascelius@gmail.com
354 | Anais do VIII Congresso da ANPTECRE – Volume I - GTs
that are related to the voice of some deity or to the prediction of the future in front of
the extra-biblical world. In the analysis of these experiences recorded in the Bible, we
find that it is the divine vocation that really defines the Old Testament prophets and
that they identify themselves not simply as “messengers”, but also with several other
attributes alleged for themselves, especially that of “witnesses”. Finally, we associate
these figures within the human race in the transcendental relationship between God
and the human being, in the same dignity and ethics in favor of social transformation,
moving from ecstasy to action. A fair conception of this experience and movement
shows us that the prophets and prophetesses are still alive, awakening the
imagination and fidelity of our contemporaries, especially where the ignorance of
God’s voice, the insensitivity to evil and the attachment to power prevail.
Keywords: Heschel. Prophet. Prophecy. Pathos. Sympathy
Introdução
2
O deus dos filósofos gregos é sublime demais para se relacionar com os humanos, já o dos profetas
se mostra preocupado e solidário para com as questões humanas. Embora permaneça “O Santo”,
separado, transcendente, mostra-se, sobretudo, pai e amante de todos(as) antes que senhor, rei e juiz.
Narcélio Ferreira de Lima |355
para que essas duas visões poderosas nos forneçam alguma referência para a
humanidade, muitas vezes desesperançada e carente de sentido.
antes de tudo, alguém que foi chamado. É o chamado que define realmente o profeta. Sua
vocação nasce no meio de um povo também eleito. É no meio deste povo que se deve
entender o sentido da vocação profética: orientar Israel para que caminhe na fé e na
obediência diante do Senhor (SCHÖKEL; SICRE, 1988, p. 31).
A Bíblia não utiliza apenas um termo para designar o profeta hebreu. Sicre
(2016) mostra que este pode ser identificado com os termos hebraicos para vidente
(ro’eh), visionário (hozeh), homem de Deus (’îsh ’elohim), profeta (nabî) ou uma visão
desse conjunto trazida pela tradição posterior. Heschel reconhece não haver
consenso no que concerne à origem da palavra hebraica nabî, o que tem gerado muita
disputa e a questão permanecendo obscura. Apenas observa que a forma verbal nibá
ou hitnabé parece estar em conexão com o verbo nabu (chamar) e
Nabi, passivo como mashiach, “ungido”, nathin, “uma pessoa dada ao templo como
serviçal”, asir, “prisioneiro”, parece denotar uma pessoa que é objeto passivo de uma ação
exterior. Nabi, então, significaria, literalmente, alguém que é chamado (por Deus), alguém
que tem uma vocação (de Deus), assim como alguém que está sujeito à influência de um
demônio ou deus falso e que retém a condição imposta sobre si por esse chamado ou
influência (HESCHEL, 1973b, p. 189).
Para melhor ilustrar o que estamos tratando, Heschel recorre a algumas das
principais experiências bíblicas que exprimem seu estado interior. Essa aproximação
Narcélio Ferreira de Lima |357
pode ser encontrada no primeiro tomo de sua obra “Los Profetas” (1973a) e em nosso
livro “O mundo interior dos profetas bíblicos” (2021) na seguinte ordem: Amós,
Oseias, Isaías, Miqueias, Jeremias, Habacuc e Deutero-Isaías. Vejamos.
Amós, homem de alma e linguagem simples, embora confesse: “Não sou um
profeta, nem filho de profeta; eu sou vaqueiro e cultivador de sicômoros” (Am 7,14),
tem profunda consciência de sua vocação profética: “Iahweh tirou-me de junto do
rebanho e Iahweh me disse: ‘Vai, profetiza a meu povo, Israel!’” (Am 7,15). Ele está
tão envolvido com a revelação que sua mensagem e resposta confundem-se.
Oséias nos deixa expressões supremas da visão de um Deus subjetivo,
linguagem cara aos profetas, como também diversas reações acidentais do pathos
divino da relação entre Deus e ser humano (Os 11,1). “Sua mente se encontrava
poderosamente afetada pela amargura de Deus, refletida em sua própria experiência
simpática” (HESCHEL, 1973a, p. 121), por isso, seria injusto classificá-lo como
“profeta de desgraças”, esquecendo seus apelos à conversão do povo.
Isaías se encontra com semblante de angústia, pois se depara com o cinismo
e loucura de seu povo. Seu sentimento parece confundir-se com a angústia divina,
ele não levanta perguntas, mas uma exclamação, de quão maravilhoso é o mundo
que Deus criou e quão horrível é o mundo que os homens têm feito! O Deus de Isaías
“é, sobretudo, um Deus de justiça, não um mero protetor” (HESCHEL, 1973a, p. 187).
Em Miqueias, a palavra de Deus tem sabor amargo em sua alma, pois é notório
o pesar e tristeza de suas sentenças. Um grande ensinamento trazido por ele é a
apropriação da profecia, notória pela utilização frequente da primeira pessoa do
singular, onde se fala como indivíduo (Mq 6,6-8). Nada se sabe de sua vida particular
e relato vocacional, mas suas palavras deixam transparecer a consciência que ele
tinha de sua missão.
Jeremias tem uma alma dolorida em torno da melancolia. Suas duras e
constantes palavras de ameaça e destruição, mais do que nos outros profetas, já o
fez conhecido como “profeta da ira”, no entanto, é o homem seduzido e apaixonado
por seu Deus (Jr 20,7), pois “sente tanto a atração como a coerção de Deus, a atração
e a pressão, o encanto e a força. Tem consciência tanto da identificação voluntária
como da capitulação forçada” (HESCHEL, 1973a, p. 213). É certo que o profeta
também experimenta momentos de felicidade e prazer (Jr 15,16). “Era por natureza
358 | Anais do VIII Congresso da ANPTECRE – Volume I - GTs
3
Heschel (1973a, p. 261-263) considera “Deutero- Isaías” toda obra posterior a esse profeta do século
VIII a.e.c, ou seja, os capítulos 40 a 66, aqui abordados.
Narcélio Ferreira de Lima |359
amor” (MEYER, 1973a, p. 10), por isso, sua mensagem se torna sempre viva e atual,
tocando as questões centrais entre Deus e o ser humano.
A profecia não se diz, vive-se, por isso, a teologia hescheliana sublinha a ética
e compaixão dessas figuras que podem ser consideradas as testemunhas e
confidentes do Senhor, por isso, “guias da humanidade”. Mas também não se pode
esquecer que eles foram profundamente humanos, onde a palavra de Deus pôde se
transverberar na palavra humana, encarnando em si a vida de Deus e a de seu povo.
O profeta é um vigia, servo, mensageiro de Deus, provador e testador, “não
obstante, sua verdadeira grandeza consiste em sua habilidade de prender a Deus e
ao homem em um mesmo pensamento” (HESCHEL, 1973a, p. 62). A palavra de Deus
no eco desses profetas revela uma continuidade histórica na qual a Bíblia é apenas
uma parte que nos convida a uma constante atualização, diante Daquele cuja palavra
é eterna e que perdura de geração em geração (Sl 119,89-90).
Em um mundo estilhaçado e enfermo, insensível à voz divina e apegado às
falsas sensações de segurança, liberdade e poder, se quisermos que a nossa tradição
judaico-cristã continue hoje relevante, então se faz indispensável recorrermos aos
profetas e novamente escutá-los, ou melhor, pensar e atuar como eles.
Conclusão
Referências
LIMA, Narcélio Ferreira de. O mundo interior dos profetas bíblicos: vocação, paixão e
ação. Curitiba: Brazil Publishing, 2021.
MEYER, Marshall T. Prefácio. In: HESCHEL, Abraham Joshua. Los Profetas: el hombre
y su vocación. Supervisión de Marshall T. Meyer. Buenos Aires: Paidos, 1973.
SICRE DÍAZ, José Luis. Introdução ao profetismo bíblico. Petrópolis: Vozes, 2016.