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UMA VISÃO NEUROPSICOMOTORA DAS

DISFUNÇÕES OCORRIDAS NA APRENDIZAGEM


ESCOLAR

Cíntia Kotula Caneda1


Msc. Josi Maria Zimme rmann-Peruzatto2

Resumo

A psicomotricidade é o conjunto de fatores fisiológicos, intersensoriais e psíquicos que resulta


em uma cognição ativa. O equilíbrio dessas fontes permite ao sujeito encontrar formas para
realizar a aprendizagem, entretanto a falta de harmonia desses fatores pode ter como
consequência dificuldades, identificadas por sintomas como falta de atenção, raciocínio
lógico, incapacidade de ler e escrever fluentemente, entre outros. O objetivo deste artigo é
fundamentar a causa determinante dessas dificuldades nos fatores psicomotores. Através de
uma revisão bibliográfica foi possível perceber os fatores que compõem a psicomotricidade
como importantes ferramentas para detectarmos possíveis sintomas de dificuldades de
aprendizagem, e tratá-los de forma eficiente.

Palavras- Chave: Cérebro. Cognição. Motricidade.

A VISION OF DYSFUNCTION
NEUROPSYCHOMOTOR OCCURRING IN
LEARNING SCHOOL

Abstract

The psychomotricity is the set of physiologic, intersensory and psychological factors that
turns in an active cognition.The balance of these fountains allows a person to find forms to
carry out the apprenticeship, already, the lack of harmony of these factors, can take as a
consequence difficulties identified by symptoms like lack of attention, logical reasoning,
incompetence of reading and writing fluently, and other consequences.The objective of this
article is to substantiate the determinative cause of these difficulties on the psychomotor
factors. Through a bibliographical revision it was possible to realize the factors that compose
the psychomotricity as important tools in order that we detect possible symptoms of
difficulties of apprenticeship, and to treat them as an efficient form.

Key Words : Brain. Cognition. Motricity.

1. Pedagoga -Psicopedagoga. Fone: 51-85683903 E -mail: cintiakot@ig.com.br


Site: www.cintiakot.wix.com/cintiak1
2.Mestre em Ciências Biológicas (Fisiologia) pela UFRGS. E-mail: josimariazp@yahoo.com.br
IERGS - GRUPO UNIASSELVI - Porto Alegre -RS
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1. INTRODUÇÃO

As dificuldades de aprendizagem apresentadas por alunos em salas de aula trazem


muitos deles aos consultórios médicos e psicopedagógicos, buscando soluções para
desenvolverem as capacidades de atenção, de raciocínio lógico, de leitura, de escrita e outras
tantas que possibilitarão seu desenvolvimento cognitivo.
A psicomotricidade engloba múltiplos fatores, e o estudo de alguns como Formação de
Conceitos, Operações Sensório-Motoras e o Funcionamento do Sistema Nervoso realizado
neste artigo visa explicitar a forma como esses conceitos relacionam-se especificamente com
as dificuldades encontradas nos indivíduos em idade escolar.
Este artigo através de uma revisão bibliográfica incluindo autores precursores das
teorias do desenvolvimento humano e suas capacidades e outros estudiosos e pesquisadores
mais recentes, que dando seguimento às teorias iniciais apresentam a cada dia novas
descobertas sobre o comportamento humano, fundamenta a origem dessas dificuldades em
fatores psicomotores endógenos ou exógenos capazes de limitar a assimilação e compreensão
do sujeito.
Fonseca (2008) afirma que a maturação motora crossomodal provinda da área
intersensorial é essencial para a capacidade de ler, escrever, jogar e desenhar. , assim como a
excitação celular prolongada é responsável pela falta de capacidade para conceitualizar a
ação, dificultando a concentração, construção lógica e consciência corporal.

2. HISTÓRICO DA PSICOMOTRICIDADE

A relação entre movimentos e aprendizagem já incentivava estudos neurológicos


desde o século XIX, mas foi a necessidade médica de nomear patologias decorrentes de
debilidades motoras que fez surgir o termo psicomotricidade, porém somente no século XX o
termo recebe uma visão mais ampliada, admitindo a influência do psiquismo como integrante
da construção de movimentos (Jobim e Assis, 2008). A associação psíquica de sentimentos,
sensações e construções mentais com os movimentos proposta por Henry Wallon em seu
Laboratório de Psicologia Biológica criado em 1925, permitiu aos médicos, psicólogos,
pedagogos e neurologistas a compreensão do funcionamento psicomotor do ser humano e sua
influência na cognição.
Wallon (1937) afirmava que o ato motor possuía uma dimensão sócio afetiva,
ocorrendo simultaneamente entre o indivíduo biológico e o meio, desde o útero materno. Em
1938 o médico Ajuriaguerra se destaca nos estudos sobre a criança e seu corpo, atendendo em
consultório distúrbios psicomotores e de linguagem, compreendendo o esquema corporal e a
imagem do corpo sob uma perspectiva neurofisiológica.
Com o passar dos anos a evolução destes estudos trouxe outros pesquisadores
renomados, também com o intuito de conceituar e contextualizar o processo do movimento
através da visão neurobiológica e social, porém Le Boulch (2001) foi o que mel hor
conceituou os movimentos do indivíduo.

... È a ação pedagógica que tem como objetivo principal o desenvolvimento


motor e mental da criança, com a finalidade de levá-la a dominar o próprio corpo e
adquirir uma inibição voluntária, propõe, no movimento espontâneo, sua diretriz
fundamental, pois, em qualquer movimento, existe um condicionante afetivo que
determina um comportamento intencional (LE BOULCH, 2001).

Seguindo os estudos iniciados por Wallon, Willian Cruickshank (1957) inova


relacionando os distúrbios psicomotores com as dificuldades específicas do aprender.
Cruickshank estudou o perfil psicoeducativo de crianças com disfunções ou lesões cerebrais
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mínimas, onde encontrou fundamentação para sua teoria perceptivo motora, afirmando a
ligação das disfunções perceptivas, visuotátil motoras e a formação de conceitos como
responsáveis pelas dificuldades de cognição em muitos dos casos estudados.
Mas a grande base para todo esse conhecimento vem dos estudos de Jean Piaget sobre
o desenvolvimento do pensamento humano. Apesar de não ter dedicado sua obra ao estudo da
psicomotricidade contribuiu muito com a teoria da Epistemologia Genética, pontuando fatores
importantes para o desenvolvimento cognitivo.
Um desses fatores é a equilibração que para Piaget (1976) é a aquisição do
componente exógeno para construir o conhecimento, através da assimilação incorporando
componentes exteriores ao esquema conceitual do sujeito e a acomodação especificando
particularidades a fim de categorizá-las. Esses dois componentes da aprendizagem devem ser
recíprocos, criando subsistemas cada vez mais capazes de detalhar elementos, mas
reorganizando o sistema cognitivo a fim de manter o equilíbrio, garantindo a continui dade da
totalidade a ser acomodada e não a troca de um conhecimento por outro.
Atualmente a Neurociência estuda o funcionamento do sistema nervoso e se destacou
das teorias anteriores porque além de dar continuidade a elas permitiu a descoberta das
disfunções orgânicas e suas diversas ramificações como causa das alterações impeditivas da
aprendizagem do sujeito. A cada dia esta ciência comprova que o desenvolvimento fisiológico
e o ritmo de ação de cada ser humano, responsáveis por sua aprendizagem, são únicos e
indissociáveis das características adquiridas pelo meio.
Uma das áreas que compõem a Neurociências é a psicomotricidade, entendendo o
cérebro como principal fator que através das conexões neurais, forma o ato intencional.
Seres unicelulares, pluricelulares e metazoários funcionam rusticamente com o mesmo
processo celular humano. Através dos conceitos de irritabilidade, condutibilidade e
contratilidade, a célula recebe o estímulo o encaminha para uma outra célula e possibilita a
resposta em forma de movimento (Relvas, 2011).
O movimento existe desde a criação dos seres mais primitivos em organização celular,
como as amebas, e foi ao longo da evolução se tornando complexo através da especialização
das células, para reagirem de forma diferenciada a cada informação recebida do meio.
A alta capacidade neuronal permite que o movimento em resposta ao estímulo seja
consciente e voluntário, proporcionando compreensão do todo adquirindo como consequência
a aprendizagem.

3. PSICOMOTRICIDADE

A psicomotricidade definida por Fonseca (2008) como “campo transdisciplinar que


estuda e investiga as relações e influências recíprocas e sistêmicas entre psiquismo e
motricidade”, trás na sua raiz a imitação, e com ela a consciência do homem enquanto ser
pensante, diferenciando-o do animal. A imitação começa a transformar atos motores em
psicomotores, envolver fatores sociais e históricos e mudar significativamente a trajetória da
humanidade.
Unindo pensamento e ação motora o homem apoderou-se da compreensão dos signos,
imprescindível para o desenvolvimento, começou a utilizar e criar instrumentos de trabalho,
significando e transformando o meio socioambiental em que vivia e desenvolveu a linguagem,
colocando um fim a uma estrutura preponderantemente biológica e iniciando o complexo
comportamento inteligível da raça humana.
Os signos são formados por conceitos internos que produzem transformações
interpsicológicas, sendo através deles que o homem expandiu atenção, a memória e a
planificação motora, adquirindo controle e regulação intencional do pensamento.
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... O cérebro humano é o produto filogenético e ontogênico de sistemas


funcionais adquiridos em vários milhões de anos, ao longo do processo sócio-
histórico da espécie humana (LURIA, 1966 apud FONSECA, 2008, p. 405).

Segundo Luria (1966) a motricidade resulta de analisadores proprioceptivos como os


músculos, tendões e articulações e exteroceptivas, ou seja, do espaço temporal, ambiental e
sociocultural, assegurando a maturação e organização do sistema nervoso desde o nascimento,
permitindo o desenvolvimento sensorial e neuronal.

...a motricidade como comportamento intencional, não é o resultado de


contrações musculares puras, mas, sim, uma resposta a uma causa exterior integrada
e conservada por uma atividade superior de análise e síntese e que se materializa sob
a forma de uma ação ou gesto humanizado (FONSECA, 2008, P.409).

O córtex é o responsável por organizar os dados sensoriais recebidos do exterior,


classificando-os e transformando-os em centros de informações, dedicados a responder aos
estímulos recebidos através da experiência presente em sobreposição à memória passada.
A memória corporal é aquela adquirida por imitação ou aprendizagem, será
internalizada e gravada para formar os gestos conscientes e direcionados ou inconscientes,
quando se tornam habituais nos fazendo reagir sem precisar pensar, porém mesmo desta
forma é a evocação de lembranças e sentimentos fixados em nossa identidade.
De acordo com Thompson (2011) a memória corporal do bebê, com ações repetidas e
variadas vai aos poucos se esquematizando e se internalizando para formar a cognição,
fazendo da psicomotricidade ferramenta fundamental para a expressão e construção de
comportamentos.

A memória é a faculdade de representar o passado, o que nele foi aprendido, o que


nele foi vivido e, principalmente, o que foi sentido e tudo que se vincula a esses
traços dos tempos passados. Nele, tudo se inscreve no espírito, tudo nele se inscreve
no inconsciente, com todas suas referências, para, no momento oportuno, reaparecer
na consciência. (B. CASTETS, 1988, P. 09)

Diferente das classificações simplistas e leigas que resumem o funcionamento


psicomotor em atividades de equilíbrio, motricidade fina, coordenação e outros, sabe-se que a
formação de conceitos, as operações sensório-motoras como tato, atenção e movimento
visual, o raciocínio lógico e o funcionamento do sistema nervoso são fatores psicomotores
básicos que influenciam na aprendizagem.

4. FATORES PSICOMOTORES QUE INFLUENCIAM A APRENDIZAGEM

4.1. FORMAÇÃO DE CONCEITOS

Estudos iniciais não foram capazes de determinar o processo de formação de


conceitos, limitaram-se a comprovar sua existência ou não, dessa forma não revelaram a
maturação biológica de sua origem aceitando a visão mecanicista da época.
A formação de conceitos é um processo que acontece através das associações,
pensamentos, representações, juízos e tendências sociais, porém estes fatores por si só não
representam esse processo e sim operações psicológicas utilizadas pelo indivíduo para
concebê-lo.
As simples associações verbais ou concretas não são suficientes para formação de
conceitos, pois é preciso o fortalecimento de alguns vínculos correspondentes aos atributos
comuns a um grupo de objetos em detrimento de outros correspondentes aos atributos que
distinguem esses objetos (Ivic, 2010).
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Os conceitos são palavras desempenhando papel de signos, se desenvolvendo através


da linguagem, que também não é puramente associativa, necessita da criação de novas
estruturas intelectuais.
A criança ao iniciar sua fala relaciona palavras a um grupo específico, passando a usá-
la como identidade do próprio grupo, sem distinção de particularidades, tendendo a
generalizar o conhecimento. Nesta fase de aquisição da linguagem esse processo é
considerado como pseudoconceito, já que o conceito desta palavra teria uma estrutura
individual de processamento.
Conhecida como fase do pensamento por complexos, esta etapa resume as construções
a uma associação simples da imagem concreta, não havendo ainda relação com a construção
abstrata do conceito.
Na segunda fase da linguagem a associação funcional deixa de ser concreta para
adquirir uma característica mais complexa, onde é necessário levar em conta a informação e o
referencial abstrato que a palavra passa a ter no meio, mas a fase de linguagem por
pseudoconceitos é essencial para a formação da rede de conexões exteriores, permitindo mais
adiante a abstração e percepção de detalhes na criação conceitual.
De acordo com Ivic (2010) em seu ensaio sobre Vygotsy, o verdadeiro conceito se
formará na adolescência, em uma terceira etapa, onde não só a conceituação abstrata será
concebida como também o emprego lógico destes conceitos.
O conceito então se pode dizer, surge do juízo em uma ordem maturacional
combinado com a informação advinda do meio, onde é preciso raciocinar sobre uma questão
para resolvê-la.

4.2. ESTÁGIOS DA FORMAÇÃO COGNITIVA

A Psicogênese do Conhecimento (Piaget, 2007) é o estudo da formação integral do


sujeito, para responder a questão da direção dos processos cognitivos. O postulado de Piaget
afirma que apesar das múltiplas facetas apresentadas entre os diferentes estágios do
desenvolvimento cognitivo, o fator principal sempre será os diversos graus de interações do
sujeito com o objeto.
A relação entre indivíduo e objeto representa a dualidade entre razão e emoção,
propiciando ao indivíduo o amadurecimento cognitivo, começando a ser elaborada no período
sensório-motor, em uma construção perceptiva do bebê com os observáveis ao seu redor, onde
esse novo objeto de conhecimento é associado como parte de seu próprio corpo.
A criança não se reconhece como praticante da ação sobre o meio, mas há uma
coordenação gradual de ações permitindo a observação do deslocamento do objeto no tempo e
no espaço, criando a assimilação de que o objeto produz suas próprias relações a partir dos
movimentos impostos sobre ele, tornando possível a diferenciação do sujeito e objeto.
Para Wallon apud Gratiot-Alfandéry (2010) a relação afetiva construída pelo bebê
com o meio nos primeiros dois anos de vida é decisiva para sua maturidade orgânica, pois a
construção cognitiva do ser humano se dá a partir destas primeiras relações interativas,
quando ele se expressa por gestos e é compreendido, formando uma rede de associações
positivas que integrarão sua memória e, por conseguinte sua aprendizagem.
O ato motor é indissociável dessa construção, já que propicia o gesto, a expressão e
todas outras atividades corporais pelas quais o bebê interage. Através do amadurecimento, a
função simbólica se desenvolve e o ato motor deixa de ser involuntário para ser psicomotor,
ou seja, assume função intencional e reflexiva.
No estágio Pré Operatório, mais avançado, podemos perceber as influências do nível
sensório-motor quando o sujeito reconhece o objeto, mas nesse caso sendo capaz de
diferenciá-lo de si, porém sem formação de conceito efetivo, impedindo o estabelecimento de
noção de conservação, tornando transitórias as qualidades e esquemas de ação do objeto.
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O estágio das Operações Concretas é onde o indivíduo deveria estar apto para
desenvolver o raciocínio lógico, que consiste na contextualização dos conceitos de seriação,
inclusão, categorização, conservação e reversibilidade, já vivenciados nos períodos sensório-
motor e pré- operacional. Agora organizadas permitirão a ordenação, a procura de resultados
por experimentação e a simultaneidade de ações no sentido de encontrar soluções.
O principal fator no processo do raciocínio lógico apresentado neste estágio parece ser
a questão da reversibilidade, exigindo o retorno do sujeito a um nível anterior do processo
cognitivo, onde o objeto tinha significado único, para voltar ao estágio das Operações
Concretas, onde o objeto é variável, de acordo com as diversas possibilidades.
Essas operações estão em constante movimento, pois há sempre o desequilíbrio,
desestruturando o sistema organizado para acomodar novas questões, retornando ao equilíbrio
inicial.

4.3. FUNCIONAMENTO DO SISTEMA NERVOSO

Muito se sabe da relação mente corpo e ação, mas pouco ainda se compreende do
processo pelo qual essa tríade funciona.
No século XVI estudiosos afirmavam essa conexão, porém sem instrumentos e estudos
específicos para comprová-la ignoravam a atividade neural, dando ênfase a uma teoria
espiritual, onde as funções executivas eram comandadas por entidades extrassensoriais, que
habitavam o cérebro.
Com a propagação do mecanicismo a ciência encontrou respostas fisiológicas para os
estímulos entre cérebro e corpo, admitindo funções específicas dos neurônios para cada pulso
elétrico. Esses pulsos elétricos entre os neurônios, chamados de sinapses, são capazes de
controlar, regular e coordenar todas as funções do corpo humano. Diferente de outras células
do organismo, os neurônios processam informações, criando conexões que fornecem dados ao
longo das membranas, interagindo com músculos e órgãos.
O impulso nervoso recebido pela célula através de estímulos internos ou externos
chama-se potencial de ação, um processo químico capaz de tornar a célula permeável e
suscetível a alterações elétricas, e só se torna possível através das sinapses, gerando para o
neurônio incontáveis mensagens ao mesmo tempo. Cada ramificação dos teledendrites possui
inúmeros neurotransmissores que recebem e aguardam o potencial de ação para serem
liberados na fenda sináptica e captados por receptores específicos, dentro de um ciclo que
provocará outro potencial de ação, porém deve haver equilíbrio total neste processo, pois se
os neurotransmissores liberados em excesso não forem recaptados, a célula se manterá sempre
em estado de excitação, não retornando ao estado original de inibição e impedindo um novo
estímulo, incapacitando a produtividade do sistema nervoso.
De acordo com Fonseca (2008), muitos autores desde a década de 1950 sugerem que a
fragilidade dessa estrutura neurológica é a responsável pelas alterações no estado de atenção
do sujeito, já que a excitação celular excessiva não permite o recebimento de novos estímulos
dentro de um espaço temporal adequado.

5. INFLUÊNCIAS DAS DIFICULDADES PSICOMOTORAS NA APRENDIZAGEM


ESCOLAR

5.1. DESEQUILÍBRIOS

A Teoria da Equilibração de Piaget (1976) preconiza a ordenação de dados dentro dos


variados subsistemas cognitivos criados durante o processo de aquisição de conhecimento,
através da assimilação e acomodação, ou seja, por um lado recebe informações do meio,
diferencia e as integra à outras, por outro conserva os dados já adquiridos.
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Os desequilíbrios são inerentes às ações do indivíduo e resultam do conflito


desencadeado pela associação dos elementos observáveis e suas coordenações, motivando o
sujeito a construir o conhecimento através da ação retroativa ou proativa de compensação do
distúrbio, retomando assim ao equilíbrio. Para alguns os muitos subsistemas utilizados nesse
processo não se relacionam corretamente, havendo dificuldade de ajustamento entre o sujeito
e o objeto, elaborando uma substituição de informações e não a conservação.
Para Piaget (1976) “os desequilíbrios obrigam o indivíduo a ultrapassar seu estado
atual e a processar o que quer que seja em direções novas”.
O sujeito sem histórico de dificuldades de aprendizagem encontra o equilíbrio das
estruturas cognitivas através da ação retroativa, quando retorna ao estágio anterior ao que se
encontra para reelaborar alguns conceitos, porém aquele que demonstra dificuldade não pode
retornar ao estado anterior por não possuir nele uma estrutura completa de dados, realiza
então a ação proativa, denominada reequilibração, permitindo ao sistema construir novas
fontes de aprendizagem.
Entendendo o desequilíbrio como parte da aquisição do conhecimento de todos os
sujeitos e a multiplicidade dos subsistemas, diferenciados de acordo com os fatores exógenos,
acredita-se que esta aquisição não ocorra na mesma velocidade para todos, dessa forma a
dificuldade não poderia ser apenas uma questão de déficit das estruturas operatórias, mas uma
ampla gama de fatores, psicogenéticos, históricos e sociogenéticos, podendo ser momentâneos
ou duradouros, conforme o movimento externo destes fatores.
A regulação deste equilíbrio depende da leitura dos observáveis e não da ação de
mudança em si, coordenando as transformações, intervindo de forma conceitual e
compensando as afirmações com negações, proporciona-se a o indivíduo a possibilidade de
criação de novos caminhos para a aprendizagem.
Hoje a neurociência, contribuindo significativamente para a compreensão dos
distúrbios de aprendizagem, nomeou estes “novos caminhos”, citados por Piaget (1976),
como plasticidade cerebral, onde a grande descoberta está no fato de entender os subsistemas
criados durante o processo de construção do saber como processos químicos realizados pelo
cérebro, capaz de se remodelar, absorvendo e executando funções de outras áreas que se
encontram em estado inativo.
Os estímulos externos às áreas cerebrais sadias, provenientes de características
individuais culturais e orgânicas, permitem a reorganização destas, criando novas conexões
responsáveis por executar as funções específicas já conhecidas, mas também outras novas.
O fato de Piaget assim como a Neurociência acreditarem nos estímulos ambientais
para criarem uma reação química cerebral favorável à aprendizagem corrobora a afirmação de
que todas as pessoas podem aprender, dentro de um processo de tempo variável, porém
contínuo.
Para Piaget (1976) o desenvolvimento cognitivo passa por etapas sucessivas de fatores
extemporâneos dessa forma sua fonte não pode ser permanente e sim transitória, mesmo que
lenta e prolongada.
A dificuldade de regulação tem sua fonte na insuficiência de caracteres perceptíveis
atribuídos aos observáveis ou na deformação dessas percepções. No primeiro caso estaria
presente a falta de atenção e campo de visão para abranger todos os detalhes possíveis e a
supervalorização de alguns dados em detrimento de outros, no segundo item o fator
determinante se apresenta como uma omissão de dados, fazendo sujeito emprestar
características conhecidas e assimiladas de outros observáveis, deformando assim a questão.
Os desequilíbrios são decorrentes de uma interação somatopsíquica e orgânica
inadequada, com origem em fatores diversos, impossíveis de serem detectados com precisão.
Algumas destas dificuldades são encontradas com mais frequência, do q ue outras, mas
não deixam de manter suas raízes nos fatores psicomotores básicos.
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5.2. DIFICULDADES DE LEITURA E ESCRITA

Sem dúvida entendemos a motricidade diretamente envolvida no ato de ler e escrever,


ao segurar o lápis, movimentar a mão, direcionar os olhos e a cabeça, porém o ato psicomotor
que proporciona a aquisição da leitura e escrita é muito mais amplo, pois necessita de fatores
internos e externos do indivíduo para acontecer positivamente.
“A competência central da alfabetização é a decodificação, mas para decodificar, o
aluno precisa ter adquirido uma série de outras competências” (Araújo e Oliveira, 2008, p.
22).
A leitura e escrita envolvem dois processos distintos e contrários, decodificação e
codificação, o primeiro transformando a palavra escrita em som, e o segundo escrevendo o
som ouvido, no entanto para dar início ao processo é preciso que o sujeito se aproprie dos
signos e para isso necessita da memória, da maturação sensório-motora formada em sua
primeira infância e das funções cognitivas estruturadas pelo sistema nervoso.
Distúrbios da linguagem escrita e falada muitas vezes são popularmente conhecidos
como “bloqueios emocionais”, cientificamente são descritos como o processo de memória,
formação de pensamentos e criatividade sendo desestruturados pelo mau funcionamento do
sistema que os controla. As emoções quando não racionalizadas sobrecarregam órgãos
descontrolando a produção hormonal, enfraquecendo o corpo, promovendo doenças
psicossomáticas capazes de interferir na aprendizagem.
A atenção, advinda da formação reticular que mantém o córtex em estado de
recebimento para novos estímulos, interpretando-os e significando-os é um quesito muito
importante para a aprendizagem da fala, da escrita e da leitura.

Ler e escrever são de fato uma simbiose entre razão e emoção, construída através da
interação perceptiva e do amadurecimento de células que transformam em ação a
informação obtida do meio (RELVAS, 2012).

A maturação desse sistema proporcionou ao ser humano se equilibrar, manter-se ereto


e manipular objetos, todo esse sistema é comandado pelo controle ocular periférico, pela
ligação do sistema límbico e vegetativo (Hermant, 1988).
Dessa forma, entende-se que qualquer perturbação a um desses fatores afetará a
recepção modal, alterando a aquisição da leitura, da escrita ou de ambas.

5.3. DIFICULDADES DE RACIOCÍNIO LÓGICO

De acordo com Benedet (2002) o pensamento se manifesta a partir de dois grupos de


atividades mentais: a formação de conceitos e a resolução de problemas.
A conceituação tem origem na categorização, a capacidade de agrupar elementos a
partir de características comuns, permitindo ao sujeito a organização dos dados e, por
conseguinte transformar as representações mentais em signos passíveis de recuperação através
da memória ou utilização para outras situações vivenciadas, formando o raciocínio lógico.
A memória, a conceituação, o recebimento de estímulos sensoriais e criação de
sinapses são algumas das estruturas que funcionam em conjunto para que haja sucesso no
processo de raciocínio e resolução de problemas.
Conforme Piaget (2008) essa capacidade é atingida pelo sujeito no estágio das
Operações Concretas, onde é necessário realizar a “Reversibilidade”, característica desse
estágio preponderante nas operações lógico-matemáticas, exigindo que o raciocínio inverso da
negação não seja um simples retorno aos níveis anteriores e sim um processo de
compensação, onde o sujeito compreende a diferença das partes isoladas de um problema ou
objeto, mas o percebe como um todo contínuo.
Dessa forma, é imprescindível o processo de “Equilibração”, onde os conceitos de
ação conservadora em correspondência com a diferenciação das partes resultem na
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desestruturação conceitual para então adaptar-se e reequilibrar a estrutura cognitiva, formando


um novo conceito mais complexo.
O amadurecimento e a chegada ao nível das Operações Concretas dependem de
transformações fisiológicas impulsionadas pelos estímulos externos e internos, são
completadas em etapas diferentes do desenvolvimento, indepe ndente da idade cronológica,
ocasionando dificuldades escolares quando a capacidade cognitiva está em desacordo com ao
esperado socialmente para sua idade.

5.4. DIFICULDADES DE ATENÇÃO

Willian Cruickshank foi um dos primeiros pesquisadores a se interessar em estudar a


Teoria Perceptivo - Motora em crianças com deficiência mental. O pesquisador procurava
entender o motivo pelo qual as crianças com paralisia cerebral ou disfunções cerebrais
mínimas possuíam dificuldades perceptivas, dificuldades visuomotora, tátil - motora e de
formação de conceitos.
As funções de perceber, relacionar visão e tato ao ato motor e construir conceitos
permite ao indivíduo atribuir valor simbólico para estas relações, criando através de
lembranças e sensações vividas pelo corpo a reconstrução motora desse simbolismo.
Para Herrmant (1988) “os movimentos corporais tem tanto valor simbólico quanto o
das palavras”.
Em 1958 Cruickshank transportou seus estudos para crianças sem lesões ou alterações
mentais, mas com persistentes dificuldades escolares, e encontrou nelas as mesmas
características deficitárias de atenção, hiperatividade e perceptivo - motoras, assim, ampliando
sua teoria e confirmando que a atenção do sujeito depende da capacidade perceptivo - motora
para elaborar conceitos e a partir deles criar as redes de conhecimentos.

A atenção é a capacidade de selecionar e manter o controle sobre a entrada de


informações externas necessárias em um dado momento para a realização de um
processo mental, mas também diz respeito ao controle de informações geradas
internamente. Sem essa capacidade de seleção, a quantidade de informações
externas e/ou internas seria enorme, a tal ponto de inviabilizar qualquer atividade
mental (COSTA E MAIA, 2001, P.47).

As ações executivas realizadas pela criança possuem intrínseca ligação com a atenção,
pois sem ela o ato de executar as funções desejadas se torna falho ou incompleto, para
Fonseca (2008) o desenvolvimento motor destas crianças se encontra efetivo, porém mal
regulado.
Sabe-se que a relação do indivíduo com o ambiente desde o nascimento é importante
para o desenvolvimento positivo dos conceitos, formando sua cognição, pois para perceber,
seriar, classificar e ordenar é necessário atenção e para isso todos os conceitos devem estar
formados e interligados, proporcionando ao indivíduo a assimilação e acomodação dos novos
conhecimentos, onde de acordo com as etapas do amadurecimento, ele seja capaz de abstraí-
los.
Os estudos de Cruickshank e diversos colaboradores sugerem a distratibilidade e a
hiperatividade como decorrentes de um desequilíbrio no processo de excitação- inibição
celular, onde a excitação cortical prolongada escapa aos processos de auto - regulação. Os
impulsos excitatórios que se tornam mais difíceis de inibir provocam a falta de atenção,
prejudicando as respostas motoras e a captação de estímulos sensoriais (Fonseca, 2008).
A aprendizagem escolar através da análise e síntese dos estímulos recebidos exige do
sujeito a capacidade de organizar ideias, correlacionar os conhecimentos, construir estratégias
e resolver problemas, tornando a atenção essencial para executar essas ações e atingir um bom
rendimento escolar.
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6. CONCLUSÃO

O desenvolvimento humano é objeto de estudos há muitos anos, desde épocas remotas


já se tinha a preocupação em obter respostas para as questões de comportamento, sentimentos,
anatomia e outras características que pudessem desvendar o funcionamento do indivíduo.
Com o avanço tecnológico e científico muita coisa se descobriu sobre esse corpo e
suas relações, porém o fator de maior importância foi exatamente a evolução do cérebro
humano, assumindo dimensões cada vez maiores, direcionando os caminhos desses avanços.
Piaget (1976) quando cita o fator de alteração na capacidade de aprendizagem como
transitório confirma que existe em nosso cérebro a programação para sempre evoluir, mesmo
que momentaneamente possa estar alterada por inúmeros fatores
Uma das funções cerebrais é controlar os movimentos, este sempre fez parte da
humanidade como fonte criadora de proteção, sobrevivência e permanência da espécie,
evoluindo aos poucos, se tornando mais refinado e complexo, se adaptando e construindo
novas formas de ação a cada conhecimento adquirido.
Percebeu-se após inúmeros estudos que os movimentos não provinham somente do
esquema cerebral de estímulo muscular, recebimento de dados e reação, mas tinham
intrínseca relação com todo o sistema nervoso, construindo redes neuronais únicas, capazes
não só de responder, mas compreender, formular e enviar a resposta adequada, consolidando
assim a Psicomotricidade como área de estudos científicos.
Os diversos fatores constituintes da psicomotricidade propiciaram também a
observação das inúmeras dificuldades de aprendizagem que poderiam ser atribuídas a ela,
caso alguma de suas estruturas estivesse com funcionamento inadequado.
Com a intenção de melhorar o desempenho do aluno em sala de aula, cada vez mais os
professores recorrem ao auxílio de profissionais especializados no comportamento e no
funcionamento do cérebro humano, estes por sua vez encontram apoio nos conceitos de
interligação dos sistemas sensoriais, esquemas cerebrais e meio ambiente, preconizado pela
psicomotricidade.
A psicomotricidade com seus diversos campos de abrangência é uma área de
importante contribuição, não só para o diagnóstico como também para a restauração dos
Sistemas, construindo um indivíduo mais equilibrado fisiologicamente, capacitado para lidar
com as emoções, mas ao mesmo tempo consciente de suas ações sobre o meio, adquirindo e
aprimorando as habilidades necessárias para um desenvolvimento sadio.

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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