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Ivy Judensnaider
Economista pela Fundação Armando Álvares Penteado e mestra pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, no Programa de Estudos Pós‑Graduados em História da Ciência e da Tecnologia. Atualmente é professora da
Universidade Paulista (UNIP), onde coordena o curso de Ciências Econômicas no campus Marquês (SP). Também atua
no setor de publicações, sendo autora de inúmeros textos de divulgação científica publicados na web. Nos últimos dez
anos, tem trabalhado na elaboração de textos e de livros para uso em ensino a distância.
Economista pela Universidade Paulista (UNIP) e mestre em Economia Política pela Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo. Atualmente é professor da UNIP nos cursos de Ciências Econômicas e Administração e também é
coordenador do curso de Ciências Econômicas na mesma universidade, tanto na modalidade presencial quanto a
distância. Tem experiência em administração e finanças, notadamente àquelas ligadas ao setor de transporte de
passageiros, atuando há 29 anos no ramo.
CDU 338(100)
© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem
permissão escrita da Universidade Paulista.
Prof. Dr. João Carlos Di Genio
Reitor
Comissão editorial:
Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
Dra. Divane Alves da Silva (UNIP)
Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)
Dra. Valéria de Carvalho (UNIP)
Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos
Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto
Revisão:
Lucas Ricardi
Giovanna Oliveira
Sumário
História da Globalização
APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................7
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................8
Unidade I
1 ORIGENS HISTÓRICAS, CAPITALISMO MERCANTIL E AS CRÍTICAS LIBERAIS..............................9
1.1 A Inglaterra e a primeira Revolução Industrial......................................................................... 17
1.2 O apogeu: a segunda Revolução Industrial................................................................................ 25
1.3 A crise......................................................................................................................................................... 34
1.4 A Primeira Guerra Mundial............................................................................................................... 41
2 A CRISE DE 1929.............................................................................................................................................. 46
2.1 A gênese da crise................................................................................................................................... 46
2.2 O New Deal.............................................................................................................................................. 52
3 A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL................................................................................................................ 55
4 TEORIAS EXPLICATIVAS DA ECONOMIA E DO COMÉRCIO MUNDIAL.......................................... 61
4.1 Teoria “Pura” do Comércio Internacional.................................................................................... 61
4.1.1 O mercantilismo....................................................................................................................................... 62
4.1.2 Visão de David Hume acerca do comércio internacional........................................................ 63
4.2 Relações internacionais na visão da Teoria Clássica............................................................... 65
4.2.1 Adam Smith e suas vantagens absolutas...................................................................................... 65
4.2.2 David Ricardo e suas vantagens comparativas........................................................................... 67
4.3 Comércio internacional na visão neoclássica: o Modelo Heckscher‑Ohlin................... 69
4.4 Relações internacionais na perspectiva marxista.................................................................... 70
4.4.1 Abordagem de Karl Marx...................................................................................................................... 71
4.4.2 Abordagem de Paul Marlor Sweezy................................................................................................. 72
4.4.3 Visão de imperialismo por Rosa Luxemburg................................................................................. 73
Unidade II
5 REORDENAMENTO MONETÁRIO-FINANCEIRO MUNDIAL............................................................... 79
5.1 A Conferência de Bretton Woods e suas instituições............................................................ 79
5.2 Os Anos Dourados do Capitalismo................................................................................................. 82
5.3 A Guerra Fria........................................................................................................................................... 86
5.4 O fim do Acordo de Bretton Woods e o processo inflacionário......................................... 90
5.5 A crise do petróleo e os efeitos na economia mundial......................................................... 95
6 DO KEYNESIANISMO AO NEOLIBERALISMO........................................................................................100
6.1 Mises e Hayek.......................................................................................................................................107
6.1.1 Mises e sua praxeologia......................................................................................................................107
6.1.2 Hayek e o neoliberalismo econômico............................................................................................109
6.2 Neoliberalismo, neossocialismo ou social democracia........................................................112
6.3 Mudanças no cenário mundial: desafios para superar a crise..........................................118
6.4 Consenso de Washington................................................................................................................122
7 GLOBALIZAÇÃO E MUNDIALIZAÇÃO......................................................................................................125
7.1 Diferentes conceitos de globalização.........................................................................................126
7.1.1 A perspectiva histórica....................................................................................................................... 128
7.1.2 A perspectiva da compressão do espaço e do tempo............................................................ 129
7.1.3 A perspectiva da ideologia................................................................................................................ 129
7.1.4 A perspectiva econômica................................................................................................................... 130
7.2 Ajustamento macroeconômico nos países centrais como
fundamentação ao processo de globalização econômica.........................................................132
7.3 Globalização e seu paradigma produtivo..................................................................................134
7.4 As dinâmicas da globalização........................................................................................................139
7.4.1 Globalização comercial....................................................................................................................... 139
7.4.2 Globalização produtiva....................................................................................................................... 142
7.4.3 Globalização financeira...................................................................................................................... 144
7.4.4 Globalização tecnológica................................................................................................................... 145
7.5 Dos obstáculos à globalização.......................................................................................................147
7.6 Das reações à globalização..............................................................................................................150
8 CRISE ECONÔMICA DE 2008 E AS RELAÇÕES ECONÔMICAS
DO INÍCIO DO SÉCULO XXI.............................................................................................................................153
8.1 O caráter cíclico do capitalismo....................................................................................................153
8.2 Schumpeter e as contradições do capitalismo.......................................................................154
8.3 Crise de 2008........................................................................................................................................158
APRESENTAÇÃO
Este livro‑texto trata das relações econômicas internacionais a partir do século XV, buscando, pela
abordagem da evolução do sistema capitalista de produção, compreender as principais discussões
teóricas acerca da globalização, considerando a possibilidade de diálogos interdisciplinares e de uma
visão integrada da História a respeito do que vem a ser globalização, suas condições de origem, dimensões
sociais e econômicas e as discussões de fins do século XX e princípios do século XXI sobre esse processo
histórico. Reforçamos que nosso objetivo é apresentar a você, aluno, o que se entende por globalização,
desde suas origens até suas atuais formas de manifestação.
• Exercícios comentados.
• Tópicos para refletir, em que convidamos você a pensar sobre assuntos da atualidade.
• A seção saiba mais, em que indicamos filmes e livros que, de alguma forma, complementam os
temas investigados. Não deixe de explorar essas sugestões; garantimos que você irá ampliar seu
conhecimento sobre os temas apresentados e que isso será extremamente útil, não apenas na
questão específica da disciplina, mas na sua vida profissional.
• Exemplos de aplicação, em que você será convidado a refletir sobre um tema proposto.
Inicialmente, abordaremos as origens históricas do capitalismo mercantil, bem como suas críticas
liberais, passando pelas revoluções industriais inglesas, as guerras mundiais e a crise do capitalismo dos
anos 1930, finalizando com as teorias explicativas da economia e do comércio mundial em ambiente de
expansão do capitalismo.
Na sequência, nos dedicaremos à discussão para o acordo de Bretton Woods e aos elementos
fundantes do processo de globalização econômica, bem como a seus efeitos em termos de evolução
do capital. O Neoliberalismo, a Inglaterra de Margaret Thatcher e o Consenso de Washington também
estarão presentes aqui, e abordaremos ainda as reações à globalização a exemplo dos fóruns mundiais.
Finalizaremos com a crise econômica de 2008 e as relações econômicas do início do século XXI.
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INTRODUÇÃO
Para que serve a História? Segundo Arruda (2008, p. 8), para que possamos ultrapassar o “eu” na
direção do “nós”, para que possamos compreender a relação do homem com outros homens ao longo
do tempo. Como afirma o autor, “por esta razão, a consciência histórica, que é parte fundante do
conhecimento da História, pressupõe a ultrapassagem do ‘eu individualista’ e é, concomitantemente,
um dos principais caminhos para realizar essa superação” (ARRUDA, 2008, p. 8).
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HISTÓRIA DA GLOBALIZAÇÃO
Unidade I
1 ORIGENS HISTÓRICAS, CAPITALISMO MERCANTIL E AS CRÍTICAS LIBERAIS
Para que se possa perceber a forma com que o capitalismo se desenvolve, é importante lembrar
que as cidades e os comerciantes travaram uma intensa luta política contra a autoridade feudal para
que suas atividades ficassem livres das amarras e do excesso de regulamentação. Neste aspecto, não se
deve deixar de lado as transformações provocadas pela perda de poder político da Igreja Católica e o
surgimento de uma nova classe social, a dos camponeses expulsos de suas terras e que, dali para frente,
estavam dispostos a vender sua força de trabalho em troca de salário.
O que ainda é importante para que possamos entender o cenário de desenvolvimento industrial que
teve início na Inglaterra e, posteriormente, disseminou‑se pelo restante da Europa? Basicamente, são dois
os aspectos que tornam possível a compreensão dos primórdios da história do capitalismo: o primeiro diz
respeito à acumulação de capital necessária para os investimentos na indústria; o segundo está relacionado
à existência de uma classe social que chamará para si a tarefa de empreender, criar, construir e conquistar.
Sabemos que uma das primeiras fontes de acumulação do capital foi a venda ou o arrendamento
de terra, mas nem tal negócio, tampouco o comércio em si – que ainda era local e se resumia à troca de
artigos artesanais ao lado de produtos agrícolas – podem explicar a transformação pela qual a economia
feudal passaria. Investiguemos, então, como ocorreu a acumulação de capital que seria, posteriormente,
investido nas indústrias nascentes.
Aos poucos, os comerciantes romperam seus laços com o antigo sistema e com a produção agrícola,
passando a depender, e cada vez mais, da renda do comércio para sobreviver: surgiam gradualmente
oportunidades de ganho que iam além da mera economia de subsistência e que tinham por objetivo um
mercado amplo e crescente.
Se a renda da aristocracia feudal provinha do excedente de trabalho servil (que, embora não
apresentasse taxas significativas de crescimento em função da baixa produtividade e da falta de
incremento tecnológico, era capaz de satisfazer as necessidades imediatas dos senhores feudais), a nova
riqueza da burguesia emergente teve como origem as atividades relacionadas às trocas comerciais.
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Unidade I
Lembrete
Para além da melhoria na qualidade de vida da burguesia, que passou a ter acesso a matérias‑primas
e produtos de alto padrão, são dois os pontos que, segundo Dobb (1986), explicam os ganhos que o
comércio representava para a burguesia:
Tratava‑se do início do processo de obtenção de lucro por meio da exploração comercial e da alienação,
sobre as quais Marx iria se debruçar. Marx também nos dá outra explicação para o enriquecimento
da burguesia: o aumento da oferta de metais preciosos no século XVI. O aumento da disponibilidade
de moeda foi fundamental para o desenvolvimento do modo de produção capitalista, porque estava
relacionado a “uma quantidade de dinheiro suficiente para a circulação e a formação correspondente de
um entesouramento” (DOBB, 1986, p. 131). Essa moeda foi utilizada não apenas para investir em novos
negócios, mas também para a aquisição de terras e propriedades dos antigos senhores feudais, falidos
e endividados.
Aos poucos, o mercado cresceu, ampliando as possibilidades de negócios. Não cresceu por meio
do consumo interno, já que a classe ascendente contribuía pouco para o consumo interno do país, em
função de um padrão de vida limitado e de gastos parcimoniosos. De fato, a indústria – em especial
a inglesa – dependeu basicamente dos mercados de exportação. Ainda, em vez de contribuir com seu
poder de consumo para o desenvolvimento da economia, a classe burguesa envolveu‑se em transações
bancárias, comprando títulos da dívida pública da Coroa e do Estado. Além de essa estratégia trazer
vantagens políticas, também promoveu a acumulação e a concentração de capital nas mãos de poucos.
Finalmente, “a suposição de que a abundância de dinheiro deve ser desejada por si mesma, e não porque
pode permitir a promoção de relações de comércio mais lucrativas, cada vez mais sai de cena” (DOBB,
1986, p. 152).
Essa nova forma de riqueza, portanto, esteve desde o início associada à obtenção e à venda de ações
e ao comércio exterior. O capital obtido por meio da especulação e do mercado externo foi redirecionado
ao desenvolvimento interno das manufaturas do país: no momento em que a indústria nacional passou
a representar maiores possibilidades de lucro, inverteu‑se o foco de interesse da burguesia, que passou
10
HISTÓRIA DA GLOBALIZAÇÃO
a defender uma “política protecionista” da indústria nascente. O objetivo era excluir a concorrência das
indústrias estrangeiras em solo nacional e criar mais empregos com a renda advinda da exportação de
bens. Esse, aliás, seria um dos argumentos a favor de uma balança comercial favorável.
Importações
Exportações
Para Hobson (1985), duas doutrinas econômicas (e extremamente míopes, em sua opinião) ganharam
robustez naquele instante. A primeira estava relacionada ao fato de que “o comércio importador devia
restringir‑se a mercadorias que não eram nem podiam ser vantajosamente produzidas no país” (HOBSON,
1985, p. 31). A segunda dizia respeito à necessidade de uma balança favorável (mais exportações,
comparativamente às importações) em cada caso. No caso da Inglaterra, o saldo deveria ser positivo nas
relações comerciais com cada país com o qual ela negociava. Em função disso,
11
Unidade I
esse país obtinha um balanço mais favorável do que com qualquer outro
(HOBSON, 1985, p. 31).
Se a riqueza significava estocar metais, o Estado chamava para si a tarefa de estimular as exportações,
inibir as importações, descobrir novas fontes de metais e tornar proibitiva a saída de ouro e prata do país.
Observação
Para o Estado, o metalismo – quer dizer, “a ideia generalizada de que um país seria tão mais próspero
e poderoso, na razão direta da quantidade de metais preciosos que ele possuísse” (REZENDE, 2007,
p. 122) – significava (e de forma totalmente errônea) que os negócios seriam estimulados por força da
baixa de juros permitida pela abundância de moeda. Se a estocagem de metais não fosse possibilitada
pela extração das minas, deveria ser obtida por meio de uma balança comercial favorável.
Foi essa política de ação do Estado que contribuiu para a acumulação primitiva do capital sob a forma de
propriedades e títulos que seriam, no momento apropriado, investidos na produção. É claro que a transferência
de riqueza aos burgueses não teria bastado para impulsionar o desenvolvimento do capitalismo; ela precisava
estar – e efetivamente esteve – aliada ao desapossamento dos proprietários anteriores, gerando uma classe
de destituídos e pobres que, depois, constituiria a classe proletária. A burguesia ascendeu em detrimento da
pauperização dos pequenos proprietários, que perdiam seu patrimônio a preços em queda e presenciavam
sua valorização, em seguida, nas mãos pouco numerosas dos seus detentores.
Sem esse processo, torna‑se claro que uma oferta abundante e barata de mão
de obra não poderia estar à disposição, a menos que houvesse um regresso
a algo bem parecido com o trabalho servil. A força de trabalho não teria sido
“ela própria convertida em sua mercadoria” em escala suficientemente ampla,
e estaria faltando a condição essencial para o aparecimento da mais‑valia
industrial como uma categoria econômica ‘natural’ (DOBB, 1986, p. 132).
O capital mercantil nos séculos XIV e XV acumulou‑se a partir dos juros cobrados pelos grandes
comerciantes nos empréstimos feitos aos pequenos produtores e aos empobrecidos. As novas organizações
de comerciantes ricos, que monopolizavam o comércio atacadista e se posicionavam contra a nobreza e
a Igreja, cobravam taxas administrativas altíssimas e excluíam de suas fileiras os varejistas e os artesãos.
A participação mínima dos trabalhadores na produção comercial para a qual contribuíam também
colaborou para a acumulação de capital mercantil. Já no século XVI, a exploração do trabalho assalariado
– ou seja, a maximização do uso da força de trabalho e a queda dos salários – passou a representar
uma oportunidade cada vez maior de obtenção de lucro. O proletariado, cada vez mais desesperado por
meios de sobrevivência, competia entre si, oferecendo sua força de trabalho por salários reduzidos.
Faltava, ainda, que se desse o aprimoramento da técnica, fator essencial para o aumento da
produtividade do trabalho e, portanto, da mais‑valia industrial, o que ocorreu com as grandes
invenções que revolucionaram a indústria como a máquina de fiar, tear mecânico, máquina a vapor,
lançadeira volante, patentes para técnicas diversas de fundição, bombeamento de minas e obras
hidráulicas. Para termos uma ideia da velocidade com que essas invenções foram incorporadas aos
processos industriais, citamos alguns exemplos no caso da indústria têxtil inglesa: em 1730, surgiu a
máquina fiadora de rolos; em 1738, a lançadeira volante; em 1748, a máquina de cardar; em 1764, a
máquina jenny de fiar, e assim por diante.
13
Unidade I
A divisão de trabalho ocorria até o limite da extensão do mercado. Mais: como cada um buscava seu
próprio interesse e como o interesse de cada um tinha que levar em consideração o interesse do outro, o
bem‑estar de todos estava garantido. O que dava essa certeza para Smith era a sua crença na existência
de um mecanismo natural de autorregulação na natureza que, espelhado no sistema econômico, o
manteria em funcionamento e em crescimento (HEILBRONER; MILBERG, 2008).
A divisão do trabalho e a introdução da máquina afetaram o espaço em que essa produção ocorria,
tornando a fábrica o lugar apropriado para a produção, em vez das pequenas oficinas de manufatura.
Ainda, no momento em que a técnica passou a ser empregada amplamente, os destituídos de terra
transformaram‑se em trabalhadores assalariados (DOBB, 1986). A adoção do maquinário utilizado nas
fábricas e a caracterização e expansão do proletariado como classe trabalhadora, explorada e assalariada,
apontavam para o distanciamento cada vez maior da atividade econômica industrial com relação à
economia comercial e mercantil dos séculos XVII e XVIII.
14
HISTÓRIA DA GLOBALIZAÇÃO
Nesse período, as velhas estruturas fabris continuaram a conviver com técnicas produtivas
modernas. Em algumas regiões, o trabalho ainda ocorria em pequenas firmas que empregavam poucos
trabalhadores, ou seja, em firmas nas quais o empregador não era o grande capitalista, mas o empreiteiro
intermediário. A manutenção de resquícios desses padrões de indústria domiciliar, inclusive, explica a
demora na consagração de um caráter homogêneo da classe trabalhadora, que seguia envolvida com o
sistema dos ofícios e pequenas unidades produtoras.
Portanto, o capitalismo ganhou seus contornos específicos no instante em que a máquina foi
introduzida e a produtividade aumentou. Afinal,
[...] ele não opera sua extração de excedente econômico, nem se apropriando
do produtor – como na escravidão –, nem do trabalho do produtor –
como na economia [...] senhorial. O capitalismo extrai excedente dentro
do próprio processo de produção, de um produtor livre, através da
diferença de valor, que esse produtor recebe pela venda da mercadoria
força de trabalho, em relação às mercadorias que essa força de trabalho
produz (REZENDE, 2007, p. 139).
Ainda, esse excedente se somou ao que ocorria na esfera do consumo: o produtor, pelo seu trabalho,
recebia dinheiro em vez de mercadorias. Quando ele adquiria mercadorias, “não o faz[ia] pelo valor
que elas possuíam quando da sua produção, mas sim pelo que [teriam] após passarem pela esfera da
distribuição e chegarem à do consumo, agregando sobrepreços” (REZENDE, 2007, p. 139). E, para que
sempre houvesse mão de obra disposta a vender sua força de trabalho por salário, o capitalismo não
realizava o pleno emprego, levando à formação do exército de reserva de mão de obra, “constituído por
trabalhadores mantidos desempregados [...] para permitir a rotatividade da mão de obra, barateando os
salários e dificultando a formação do proletariado em um bloco coeso” (REZENDE, 2007, p. 140).
Na Europa, como também aconteceu na colônia americana, buscou‑se restringir o acesso das pessoas
à propriedade e às terras.
Afinal, o fácil acesso a propriedades a partir de uma política de distribuição de terras tornava escassa a
mão de obra. Na Inglaterra a mesma política foi executada, e as pequenas propriedades foram substituídas
por maiores: os agricultores eram expulsos por meio do aumento de multas e taxas sobre os arrendamentos
e, às vezes, até mesmo acabavam doando suas terras a outros camponeses por dificuldades de mantê‑las
frente à competição com outros proprietários que detinham mais técnica e capital.
Aqui vale a pena uma observação: embora alguns historiadores afirmem ter sido o aumento da
classe proletária nos primeiros momentos do capitalismo um resultado espontâneo do crescimento
demográfico excepcional, é importante lembrar que a população total de países como França e
Inglaterra declinava; era a classe social dos empobrecidos que inflava desproporcionalmente. Afinal, se
o proletariado nos séculos XVI e XVII era pequeno e tinha mobilidade restrita e se, em grande medida, ele
era composto por quem tinha algum tipo de ligação com a terra, em período posterior ele seria “tirado
da terra e [...] [seriam] removidos os obstáculos à mobilidade da mão de obra da aldeia para a cidade.
Só então a indústria capitalista pôde atingir maturidade completa” (MARX apud DOBB, 1986, p. 166).
Quando não havia oferta para mão de obra suficiente, a Coroa permitia o emprego de trabalho compulsório.
Mesmo em momentos de escassez de mão de obra, as leis determinavam o nível máximo dos
salários, obrigavam os desempregados ao trabalho, encaminhavam os mendigos a casas de correção e
até mesmo expulsavam pessoas do reino. Na Alemanha, a Guerra dos Trinta Anos congelou a economia
por um tempo – o que, no fim, contribuiu para que os salários se estabilizassem.
Observação
Na Inglaterra o cenário era outro: os salários reais, que haviam sofrido aumento até o século XV,
se estagnaram – ainda que os preços dos produtos começassem a inflacionar, principalmente com a
afluência de metais preciosos. Na França e na Inglaterra, eles se mantiveram por todo o século XVII
abaixo do que haviam estado nos anos quinhentos. Para Dobb (1986),
16
HISTÓRIA DA GLOBALIZAÇÃO
Nesse novo sistema, a sociedade se tornou compelida a buscar os seus próprios interesses e o lucro.
A burguesia passou a ser responsável pelos investimentos, pelos empreendimentos e pela disseminação
do sistema para todos os cantos do planeta. Segundo Marx e Engels (1999),
Em primeiro lugar, a Inglaterra havia enriquecido com o comércio e com a pirataria, sendo que a riqueza
oriunda dessas atividades ficou nas mãos da burguesia comercial. Em função dos excedentes econômicos,
a acumulação primitiva de capitais promovida entre os séculos XVI e XVIII sustentou e financiou o parque
industrial nascente. A formação de poupança, essencial para os investimentos solicitados pela atividade fabril,
foi estimulada. Esses novos valores, totalmente distintos daqueles que haviam vigorado durante o feudalismo,
aderiram com perfeição a um novo tempo contaminado pelo empreendedorismo e pelo crescimento econômico.
17
Unidade I
Em segundo lugar, deve ser considerado o contexto político da Inglaterra: a cisão entre Estado e Igreja
acabou por servir aos interesses de uma reforma ética que pregava o lucro como objetivo, o trabalho como
virtude (e não como uma punição) e a mobilidade social como prêmio para o esforço pessoal.
Embora durante muito tempo tenha prevalecido na História Econômica Geral certa “leitura” que
manteve indústria e universidade em esferas distintas, algumas evidências apontam para a existência de
uma estreita relação entre elas, em especial na Inglaterra, “local de um entusiasmo peculiar pela ciência
e engenharia” (HEILBRONER; MILBERG, 2008, p. 83). Lá surgiram, por exemplo, a Royal Society (presidida
por Isaac Newton) e a Philosophical Society of Edinburgh, inaugurada em 1737 e que tinha, entre seus
mantenedores e membros, vários grandes proprietários de terra.
Afinal, “não menos importante foi o entusiasmo da aristocracia inglesa da terra pela agricultura
científica: os donos de terra ingleses deixaram claro um interesse em questões como rotatividade das
colheitas e fertilizantes” (HEILBRONER; MILBERG, 2008, p. 83). Ainda, além do desenvolvimento na
Ciência e Engenharia na Inglaterra, outros fatores podem explicar a origem da Revolução Industrial ali,
alguns tão fortuitos
Quanto ao papel das instituições bancárias naquele instante, temos duas possíveis interpretações:
uma que privilegia o papel da atividade bancária comercial e outra que reconhece a importância das
operações financeiras dos bancos, especialmente no tocante às operações de crédito para industriais
e empresários. De qualquer forma, é importante notar que não havia ainda o conceito dos bancos
como agentes para captação de poupança e recursos com o objetivo explícito de agenciar fundos para
investimentos. Segundo Heilbroner e Milberg (2008), o capital era acumulado e as indústrias cresciam,
mas isso ocorria porque os salários eram mantidos em patamares extremamente baixos e porque
poupadores importantes (agricultores, donos de terra e fabricantes prósperos) contribuíram para que
volumosas quantias de dinheiro fossem colocadas à disposição para investimentos.
Parece evidente, a essa altura, que todas essas vantagens por si só não teriam sido suficientes para
explicar o incrível desenvolvimento industrial na Inglaterra: “o que em última instância fez funcionar todos
18
HISTÓRIA DA GLOBALIZAÇÃO
esses fatores foi a energia de um grupo de Novos Homens que transformou as oportunidades latentes da
história em um veículo de sua própria ascensão à fama e à fortuna” (HEILBRONER; MILBERG, 2008, p. 83).
John Wildinson (industrial do aço), James Watt (fabricante de máquinas a vapor), John Roebuck
(magnata do ferro), Matthew Boulton (fabricante de botões), Richard Arkwright, John Kay, Samuel
Need e Jedediah Strutt, todos envolvidos com a indústria têxtil: esses foram os ingleses talentosos e
empreendedores (na maioria, de origem social bastante humilde) que souberam fazer uso das condições
históricas excepcionais, inventando, investindo e fabricando riqueza e fortuna nas novas indústrias. Nem
sempre preocupados com o bem‑estar de seus empregados, eles desejavam a expansão e o crescimento.
Dessa lista de nomes, também podemos depreender o tripé que sustentou a industrialização inglesa:
a indústria têxtil, a siderurgia e a mineração de carvão (REZENDE, 2007). A fabricação de tecidos de
algodão (acelerada pela utilização da lançadeira volante e do tear mecânico) totalmente mecanizada
permitiu o incremento da produção e a exportação do produto; a siderurgia possibilitou a construção de
estradas de ferros; a mineração do carvão (combustível da máquina a vapor) acompanhou a expansão.
Os riscos dos investimentos do mercado do algodão valiam a pena, o que atraiu empresários
dispostos a se envolverem com o desenvolvimento tecnológico necessário para a revolução
industrial. Os subprodutos do algodão eram um ótimo investimento, na medida em que a maquinaria
necessária para produzi‑los era simples e barata e o lucro que dela se obtinha era crescente. A
revolução industrial britânica não teria ocorrido sem a contribuição das condições fornecidas
pela indústria do algodão, ou seja, sua familiaridade com o ambiente fabril (e a necessidade dele
derivada de manutenção física das fábricas), o emprego de numerosa mão de obra e seu peso no
montante total do comércio inglês:
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Unidade I
Até mesmo a Índia deixou de representar um continente exportador e passou ao papel de comprador
dos produtos de algodão, já que perdia a corrida industrial. Pela primeira vez, invertia-se a relação de
comércio existente há muito tempo entre Oriente e Ocidente. À Inglaterra coube o monopólio do mercado
exportador, principalmente por meio dos acessos obtidos nas colônias que, por sua vez, passaram a
depender das importações britânicas – ainda mais em períodos de guerra na Europa. Hobsbawm (2010)
nos relata que, em 1814, a exportação inglesa era de quatro jardas de algodão para cada três jardas
usadas internamente, enquanto em 1850 essa proporção subiu de treze para oito jardas.
20
HISTÓRIA DA GLOBALIZAÇÃO
Aquele era um tempo de exploração humana – das crianças em particular – motivada pela crença
do progresso daqueles que detinham os meios de produção.
Saiba mais
OLIVER Twist. Dir. Roman Polanski. Reino Unido: TriStar Pictures, 2005.
130 minutos.
Huberman (1974) conta o que era considerado normal, no século XIX, em termos de duração de um
dia de trabalho em uma fábrica inglesa:
possível haver ser humano tão cruel que exigisse de uma criança de 9 anos
trabalhar 12 horas e meia por dia, e isso, como os senhores reconhecem,
como hábito normal (HUBERMAN, 1974, p. 192).
Em 1828, The Lion, uma revista radical para a época, publicou a incrível
história de Robert Blincoe, uma das oito paupérrimas crianças que
haviam sido enviadas para uma fábrica em Lowdham. Os meninos e
as meninas – tinham todos cerca de dez anos – eram chicoteados dia
e noite, não apenas pela menor falta, mas também para desestimular
seu comportamento preguiçoso. E comparadas com as de uma fábrica
em Litton, para onde Blincoe foi transferido a seguir, as condições de
Lowdham eram quase humanas. Em Litton, as crianças disputavam com
os porcos a lavagem que era jogada na lama para os bichos comerem;
eram chutadas, socadas e abusadas sexualmente; o patrão delas, um
tal de Ellice Needham, tinha o horrível hábito de beliscar as orelhas dos
pequenos até que suas unhas se encontrassem através da carne. O capataz
da fábrica era ainda pior. Pendurava Blincoe pelos pulsos por cima de
uma máquina até que seus joelhos se dobrassem e então colocava pesos
sobre seus ombros. A criança e seus pequenos companheiros de trabalho
viviam quase nus durante o gélido inverno e (aparentemente apenas
por pura e gratuita brincadeira sádica) os dentes deles eram limidados!
(HEILBRONER, 1996, p. 101).
Heilbroner e Milberg (2008, p. 89), por sua vez, relatam a trágica vida dos operários:
Exemplo de aplicação
Em sua opinião, há semelhanças entre a exploração do trabalho infantil nos dias de hoje e a da
Revolução Industrial?
Segundo Heilbroner e Milberg (2008), a Revolução Industrial inglesa transformou uma sociedade
agrícola e comercial em uma sociedade industrial. Portanto, esse processo, muito lentamente,
foi modificando as principais características da economia inglesa e incorporando aos poucos as
mudanças tecnológicas que efetivamente se traduziram em alterações visíveis na vida das pessoas e
na organização das empresas.
Apenas no século XIX essas transformações estarão cristalizadas: até lá, o campo – fornecedor
da matéria‑prima das tecelagens e das manufaturas têxteis – ainda ocupará espaço privilegiado na
economia; depois disso, ganharão importância as fábricas e a produção de bens de capital, que foi uma
das razões para o fantástico crescimento da Inglaterra.
23
Unidade I
Regiões metalúrgicas
Bacias carboníferas
Tal processo pode ser facilmente explicado: foi o desenvolvimento da produção de bens de capital,
principalmente para a mineração, que permitiu a invenção das ferrovias. As minas precisavam de
máquinas a vapor e de meios de transporte, demandando indústrias de bens de capital e as elevando ao
mesmo patamar de desenvolvimento que a indústria algodoeira. Os homens de negócios, que integravam
a classe média e precisavam encontrar onde investir seu capital acumulado, passaram a se dedicar à
construção de ferrovias: de 28 milhões de libras investidas em ferrovias em 1840, segundo Hobsbawm
(2010), o investimento em 1850 passou para 240 milhões de libras:
Devemos lembrar que a produção de bens de capital é fundamental para o surgimento de uma
economia industrializada. Os baixos salários dos trabalhadores e a produção limitada de bens de
consumo em momento posterior explicam‑se no contexto da opção pelo desenvolvimento do setor de
bens de capital em detrimento dos bens de consumo. Mais: já consagrada na Inglaterra, havia chegado
o momento de a Revolução Industrial alcançar outras nações.
24
HISTÓRIA DA GLOBALIZAÇÃO
De forma resumida, o século XVIII ficaria marcado pela conformação de estruturas sociais bastante específicas.
Contribuíram para isso o crescimento demográfico (principalmente em função da queda da mortalidade advinda
das melhorias nas técnicas de saúde pública), a expansão do mercado por meio da divisão do trabalho e dos
acréscimos na produtividade e as invenções que transformariam as cidades e a produção.
Entre 1775 e 1875, o mundo experimentou um “vasto boom secular” caracterizado por progresso
econômico, ainda que desigual entre os países europeus. A fábrica passou a centralizar o trabalho
coletivo e alienante. O operário não mais precisava oferecer habilidades de manuseio das ferramentas:
pelo contrário, neste novo cenário são as máquinas que exigem do trabalhador obediência. Além disso,
Esse cenário nos permite perceber a Revolução Industrial como “uma série contínua de transformações
que perdurou além mesmo do século XIX, em vez de como uma modificação feita de uma só vez” (DOBB, 1986,
p. 269). No entanto, “uma vez vinda a transformação crucial, o sistema industrial embarcou em toda uma série
de revoluções na técnica de produção, como traço notável de uma época do capitalismo amadurecido” (DOBB,
1986, p. 270). A especialização e a divisão do trabalho permitiam inovações, caracterizando um processo cumulativo
e irreversível em termos de produtividade, concentração da produção, acumulação e propriedade do capital.
No seu auge, as transformações provocadas pela Revolução Industrial foram anormalmente rápidas e se
distinguiram em muito dos padrões anteriores. As mudanças na economia, na indústria, nas relações sociais,
25
Unidade I
De fato, o cenário estava preparado para a expansão da Revolução Industrial para além das fronteiras
inglesas, e isso ocorreria com a segunda Revolução Industrial, conjunto de inovações que permitiu ao
capitalismo sair de sua infância e desenvolver‑se.
Os governos e os homens de negócio do Ocidente não encontravam impeditivos para suas pretensões
capitalistas. Ainda: embora o iluminismo objetivasse a libertação do indivíduo, tratava‑se de uma
liberdade atrelada à sociedade capitalista, em que os iluministas emancipariam os futuros burgueses
já pertencentes à alta sociedade. Não por acaso, a Revolução Francesa e a Revolução Industrial inglesa
ocorreram no mesmo período e em lugares próximos: ambas foram fruto do desenvolvimento do
capitalismo liberal burguês. Elas serviram como marcas cruciais e divisoras de águas entre a existência
das velhas civilizações e o domínio europeu (principalmente britânico) do resto do mundo. Foi esse
desenvolvimento do capital burguês o que permitiu à Inglaterra a superioridade técnica, militar e
comercial, por meio da qual essa nação poria em prática empreendimentos capitalistas e expansionistas.
Além disso, a Inglaterra, cuja estabilidade fizera com que a conquista de autonomia por parte das suas
26
HISTÓRIA DA GLOBALIZAÇÃO
colônias não implicasse grande perda econômica, soube administrar melhor todas as guerras travadas
com o inimigo francês, ainda que este dispusesse de mais recursos.
Em 1848, uma revolta na França contra o autoritarismo e as péssimas condições da economia francesa
acabou servindo de estímulo à propagação de um clima revolucionário para dezenas de outros países na Europa.
Figura 6 – Propagação da Revolução de 1848 pelo restante da Europa. Em branco, os países liberais; em amarelo, os conservadores
Saiba mais
O desapego aos ideais tradicionais e religiosos daria lugar à máxima da Revolução Francesa, que
pretendia a liberdade, a igualdade e a fraternidade de todos os homens, desde que respeitados o progresso
e o racionalismo inerentes ao desenvolvimento do capitalismo. Afinal, foi a Revolução Francesa que pôs
fim de fato aos resquícios das relações sociais feudais: a monarquia tinha interesse nas novas ideias da
classe média para se modernizar e a classe média dependia da boa vontade do príncipe para que as ações
direcionadas ao progresso do capitalismo tivessem espaço em meio aos interesses aristocráticos e clericais.
Lembrete
Lembrete
A industrialização também acabou alcançando a Suíça e a Holanda, já que nesses países a burguesia
estava no poder havia muito tempo. Segundo Magalhães Filho (1991), na Holanda, apesar de a burguesia
ser predominantemente comercial, sua posição estratégica e as riquezas de suas colônias asiáticas
davam‑lhe posição privilegiada.
Na Dinamarca, as restrições e amarras feudais haviam sido abolidas em 1788; a economia, desde
então, havia se especializado na exportação de cereais e animais, principalmente para a Inglaterra. Na
Bélgica, desenvolveu‑se a produção de carvão e a indústria siderúrgica; também cresceu a produção de
produtos alimentícios e expandiu‑se a indústria têxtil.
Figura 7 – Unificação alemã: em amarelo, o reino da Prússia em 1864; em rosa, as aquisições prussianas entre 1865 e 1866; em verde,
a Alsácia e a Lorena, adquiridas em 1871
Nesse processo, a Prússia desempenhou importante papel, liderando as áreas alemãs mais
desenvolvidas e, por meio de uma política militarista agressiva, combatendo a Dinamarca, a Áustria
e a França.
Como exemplo dessa atuação centralizadora e forte do Estado da Prússia, podemos citar a prática de
dumping, sistematizada com o objetivo de criar vantagens para os produtos alemães.
Observação
29
Unidade I
Em função das necessidades nacionais, o Estado alemão também privilegiou o ensino técnico e a
pesquisa científica. Segundo Rezende (2007, p. 153), “as indústrias Krupp, por exemplo, chegaram a
ter em seus quadros funcionais um corpo de cientistas maior que o de qualquer outra universidade, às
vésperas da Primeira Guerra Mundial”.
A unificação também foi fundamental para o desenvolvimento industrial na Itália. Nesse país, o
processo de industrialização respeitou as características geográficas e econômicas do país. Segundo
Rezende (2007, p. 154),
[...] existiam duas Itálias. Uma Itália do Norte, com uma agricultura
progressista, com um sistema bancário desenvolvido, e com uma indústria
centrada nas cidades de Milão (têxtil e metalúrgica), Turim (mecânica e
têxtil), Gênova (têxtil e construção naval) e Veneza (têxtil), ligadas por uma
razoável rede ferroviária. E uma Itália do Sul, atrasada, essencialmente rural,
com apenas uma grande cidade, Nápoles, que no entanto concentrava mais
uma atividade comercial, que propriamente industrial.
30
HISTÓRIA DA GLOBALIZAÇÃO
Dentro desse contexto, os interesses dos grandes proprietários de terra se uniriam aos interesses dos
industriais, e a Itália do Sul passou a oferecer a mão de obra tão necessária à Itália do Norte.
Observação
Não será a Europa a única região a se contaminar pelos ares da industrialização, e o Japão é um
exemplo de como o desgaste do poder dos senhores feudais acabou por permitir que o desenvolvimento
econômico ganhasse impulso por meio da junção de forças entre o Estado e a burguesia. Assim, ao
final do século XIX, impostos feudais são substituídos por tarifas alfandegárias, e os antigos samurais
(a serviço dos senhores feudais) são substituídos por soldados profissionais. No entanto, é importante
lembrar que os senhores feudais não perderam suas terras nesse processo, e a organização tributária
passou a arrecadar recursos dos senhores proprietários de terras, dirigindo‑os para investimentos
industriais. Segundo Magalhães Filho (1991, p. 285),
Outro exemplo de industrialização, agora no Novo Mundo, diz respeito aos Estados Unidos. Segundo
Rezende (2007, p. 156), inicialmente colônia inglesa, “independentes em 1781, e tendo reafirmado
sua independência com a Guerra de 1812‑14 com a Inglaterra – motivada pelos impedimentos que
os ingleses faziam ao comércio com a França napoleônica e suas dependências –, os Estados Unidos
mantêm até 1860 a dicotomia herdada de seu passado colonial”: ao Sul, estavam os estados que viviam
da agricultura e eram, portanto, escravocratas. “As colônias de Maryland, Virgínia, Carolinas do Norte e
do Sul e Geórgia exportavam fumo, e em escala menor, arroz, anil, cânhamo, linho e resinas vegetais,
importando quase tudo o que consumiam” (MAGALHÃES FILHO, 1991, p. 274). Ao Norte, as colônias não
apresentavam condições geográficas favoráveis para a agricultura, tendo sido povoadas posteriormente,
por religiosos fugitivos da Grã‑Bretanha e da Europa continental: de origem burguesa, esses habitantes
trouxeram técnicas de produção e uma cultura voltada para o comércio e para a manufatura. Ao final
do século XIX, tem início um movimento separatista: os estados sulistas (Confederados) formam um
novo país e os estados do Norte reagem, defendendo a União. Segundo Magalhães Filho (1991, p. 279),
[...] a guerra durou quatro anos. As mortes militares alcançaram 529 mil
homens. O Sul foi completamente derrotado e sua economia primária
31
Unidade I
Vencedor, o norte “abole a escravidão e garante as condições para seu crescimento econômico, com
uma industrialização caracterizada pela presença de grandes trustes e cartéis (Carnegie, Ford, General
Electric, Westinghouse)” (REZENDE, 2007, p. 156).
Estados da União
Estados Confederados
32
HISTÓRIA DA GLOBALIZAÇÃO
Saiba mais
No século XIX, a Revolução Industrial estava consolidada na maior parte dos países da Europa. O
operário, que não possuía nada além de sua força de trabalho, empregava‑se nas pequenas ou grandes
fábricas e sujeitava‑se a condições extremamente precárias e insalubres. Não havia como protestar ou
como lutar por quaisquer melhorias de salário: sequer havia garantia de emprego, já que a ameaça da
substituição da mão de obra por máquinas funcionava como uma espada sobre a cabeça do trabalhador.
De fato, havia tanta revolta que, ao final do século XVIII e nos primeiros anos do século XIX, as invasões
de fábricas por operários se tornaram uma constante.
Saiba mais
33
Unidade I
1.3 A crise
No final do século XIX, deflagra‑se a primeira crise geral do capitalismo. A miséria social produzida
e intensificada pela Revolução Industrial fomentou levantes trabalhistas e a aparição de movimentos
contrários à industrialização. Todos estavam insatisfeitos, e a insatisfação não atingia apenas o
proletariado. Entre os indignados, podiam ser encontrados pequenos comerciantes, pequenos burgueses
e fazendeiros; em suma, todos – exceto os grandes proprietários dos meios de produção, a quem a
Revolução Industrial proporcionava grandes lucros –, sofriam com a desigualdade de renda.
De fato, ao longo da segunda metade do século, a economia já havia dado sinais de que algo não
corria bem: recessões, fracas e de curta duração, e depressões, mais profundas e duradouras, ameaçavam
o desenvolvimento até então exponencial do capitalismo e implicavam desemprego, queda de produção
e consumo e baixa na qualidade de vida. Além disso, o proletariado, frente às condições constantes
de miséria às quais era submetido e sofrendo ainda mais intensamente com as oscilações do sistema
capitalista, se organizava em sindicatos e se interessava por ideias que preconizavam a democracia e a
efetiva participação política que lhe fazia falta:
Datam desse período a disseminação das correntes do socialismo utópico, a publicação do Manifesto
Comunista (1848), a organização da Primeira Internacional (1864) e, após seu fracasso, da Segunda
Internacional (1889), a publicação de O Capital (1867), os escritos anarquistas, a Comuna de Paris (1871)
e a mobilização política sindical e partidária do operariado.
O socialismo utópico (que se contrapunha ao socialismo científico de Marx e Engels por conta da
ausência de ações propositivas em sua teoria e de seu pacifismo) teorizava acerca do que deveria ser
considerada uma sociedade justa e igualitária, mas não elaborava quaisquer métodos revolucionários
para alcançá‑la. Além disso, os autores dessa corrente responsabilizavam as classes superiores pela
modificação social necessária ao estabelecimento do socialismo.
A crítica de Marx e Engels aos socialistas utópicos era simples: para eles, não se podia ignorar
a questão de classe inerente à desigualdade social. Era preciso atentar para as distinções de classe,
em vez de dar preferência aos valores burgueses e entendê‑los como representativos da sociedade
em seu conjunto. Com esse propósito, em 1848, Marx e Engels publicam o Manifesto Comunista,
convocando todos os operários do mundo para que se unissem e se comprometessem com a revolução
socialista. Para seus autores, o vetor de qualquer ação revolucionária era a classe trabalhadora e só ela
poderia conquistar a própria emancipação, fazendo‑se essencial a libertação autônoma, por baixo, do
34
HISTÓRIA DA GLOBALIZAÇÃO
proletariado com relação à burguesia. Além disso, os autores propunham uma união internacionalista
de todo o operariado para que se pusesse fim à concentração de riqueza própria do capitalismo
monopolista. De fato, Marx e Engels enxergavam, também, uma contradição inerente ao capitalismo.
Essa contradição era o que explicava as crises e antecipava a intensificação inevitável do conflito entre
a centralização dos meios de produção e a exploração do proletariado, situação que supostamente
levaria o capitalismo à sua decadência.
Anos depois, Marx publicou O Capital, em que definiu conceitos que seriam utilizados tanto por
socialistas quanto por estudiosos em geral por muitas décadas. Em O Capital podemos ler, por exemplo,
que o capitalismo se baseia na exploração da força de trabalho e na obtenção de mais‑valia: uma ínfima
parte do trabalho do proletário (tão especializado que o impede de ter uma noção integral do produto
final do esforço conjunto dos trabalhadores) paga seu salário, sendo todo o resto revertido em lucro
para o proprietário dos meios de produção.
Lembrete
A redução da margem de lucro, segundo Hobsbawm (2010), teve duas consequências: em primeiro
lugar, por conta do ambiente extremamente competitivo entre as empresas, o mercado viveu a experiência
da queda dramática e constante no preço dos artigos acabados; em segundo, houve a manutenção dos
35
Unidade I
custos de produção, que não se beneficiaram da queda geral dos preços. Na verdade, depois de 1815, a
situação geral dos preços era de deflação e não de inflação, e os lucros experimentavam um leve recuo.
Uma possível saída era que o custo de vida diminuísse, para que os salários também pudessem
diminuir. Havia, entretanto, o impedimento representado pela política protecionista do Parlamento, que
permitia o monopólio da propriedade fundiária e criava obstáculos para as importações: como exportar
para países se estes não tinham recursos, dada a impossibilidade de exportar para países que adotavam
políticas protecionistas?
O capitalismo industrial, então, dava lugar ao capitalismo monopolista, em que grandes grupos
controlavam partes igualmente grandes do mercado referente à sua produção – sem, com isso, eliminar
necessariamente a concorrência: um número pequeno de empresas eliminava seus concorrentes
menores e competia pelo mercado entre si, às vezes chegando a acordos para dividi‑lo.
Aço, metalurgia, indústria química, siderurgia, mineração e outros setores: os países industrializados
deparavam com o estabelecimento de monopólios empresariais especializados e os países não
industrializados forneciam os produtos primários necessários a tal produção, importando produtos
acabados. Via‑se, também, a consolidação e a crescente importância do monopolismo bancário, por
meio do qual as empresas particulares e governos, cujos interesses convergiam, controlavam empresas
menores e influenciavam a política exterior com seus empréstimos e concessões de crédito.
Na indústria ferroviária, a ação predatória dos grandes empresários acabou por fazer com que os
moradores da Califórnia só pudessem usar os trens de uma única e grande empresa. “Mas não foi
apenas a indústria ferroviária que utilizou o poder econômico para criar uma posição monopolizadora.
Na fabricação de uísque e de açúcar, no tabaco e nos alimentos para o gado, em pregos, anéis de aço,
36
HISTÓRIA DA GLOBALIZAÇÃO
aparelhos elétricos, lâminas de metal, em fósforos e carne” (HEILBRONER; MILBERG, 2008, p. 107), em
todos os setores da economia americana, surgiram gigantes monopolizadores, cuja atuação e controle
inviabilizavam qualquer concorrência. Aos poucos, a produção industrial passou a se concentrar nas
mãos de poucas unidades de negócio.
É evidente que, em dado momento, os gigantes perceberam que a conquista de novas fatias de mercado
só aconteceria caso eles brigassem; e, como eles não queriam brigar, decidiram não competir. Quais
as estratégias então formuladas por essas grandes empresas? Elas resolveram criar trustes, grupos que
reuniam empresas coligadas que recebiam parcelas dos lucros conforme a porcentagem de participação.
Quando os trustes foram declarados ilegais, criou‑se o dispositivo que permitia às empresas a compra de
ações de outras empresas, em um verdadeiro processo de fusão. Nos Estados Unidos,
mercados externos, ainda que ela não envolvesse dominação política, e ao conjunto de estratégias
relacionadas a esses objetivos damos o nome de neocolonialismo.
Explorar economicamente países periféricos, entretanto, não era tarefa simples ou justa. A ação
capitalista trouxe consigo a responsabilidade pela dependência comercial, pela subjugação política e,
por vezes, pela eliminação da cultura e população locais.
Observação
Saiba mais
Sobre o tema, sugerimos os filmes a seguir:
DIAMANTE de sangue. Dir. Edward Zwick. EUA: Warner Bros., 2006. 143 minutos.
HOTEL Ruanda. Dir. Terry George. EUA: United Artists, 2004. 121 minutos.
Exemplo de aplicação
Não há consenso sobre o fim do processo de descolonização do mundo, visto que ainda hoje há
países travando suas lutas por independência e pela reformulação de seus limites geográficos, por conta
da política expansionista europeia de que falamos: o último país a obter independência foi o Sudão do
Sul, que conquistou sua autonomia frente ao Sudão em 2011.
Em sua opinião, há semelhança entre o imperialismo do final do século XIX e início do século XX e
as estratégias de dominação econômica que os países industrializados utilizam atualmente junto aos
países periféricos?
38
HISTÓRIA DA GLOBALIZAÇÃO
A Grã‑Bretanha era, nesse período, praticamente dona do mundo. Ela detinha o controle do maior
império colonial. A sua posse mais importante era a Índia; no Império da Índia, organizou‑se a produção
e exportação de algodão, açúcar e juta, consumo e objeto de investimento de capital inglês. Os britânicos
também se estabeleceram em Cingapura, controlando o fluxo marítimo entre China e Índia; ocuparam
Hong Kong; conquistaram a Birmânia; dominaram a Austrália, a Nova Zelândia e o Canadá; e expandiram
seu império por quase todo o continente africano.
A ação imperialista nas colônias britânicas fora da África, entretanto, tinha suas particularidades: desde o
começo, a Grã‑Bretanha concedeu certa autonomia política para a população nativa e, por mais que as colônias
estivessem estritamente ligadas à sua metrópole, puderam desenvolver sua indústria ao mesmo patamar da
indústria britânica, passando a exportadoras de grande porte. Já na África, os interesses ingleses operavam
de forma diferente. Com um terço do continente sob o domínio britânico, o maior objetivo da metrópole era
controlar as reservas de ouro e diamantes em solo africano: África do Sul, Natal, Egito, Zanzibar, Quênia, Uganda,
Bechuanalândia (atual Botswana), Nigéria e Serra Leoa foram alguns dos territórios anexados ao império britânico.
Além disso, várias regiões foram disputadas com outros países europeus, como a Alemanha, a França e Portugal,
que também procuravam participar da divisão do mundo proporcionada pelo expansionismo imperialista.
Por sua vez, a tentativa de expansão alemã figurou em vários conflitos e contribuiu para o
aceleramento da conquista da África por franceses e britânicos. Coube à Alemanha, no fim, o controle
de Nova Guiné, das ilhas da Micronésia e da Samoa Ocidental. A Itália e a Bélgica também entraram na
corrida imperialista, mas conseguiram o controle de apenas poucos territórios: a Itália ocupou a Eritreia
e posteriormente a Somália e a Líbia, e a Bélgica explorou economicamente a região do Congo até 1908,
quando o país foi de fato anexado à metrópole e a opressão lá vista nos anos anteriores foi controlada.
Figura 10 – Os impérios
39
Unidade I
O expansionismo russo, ainda que tenha se aventurado por terras em que habitavam populações
rurais e até mesmo nômades, se espalhou por grandes territórios: a fronteira oriental russa chegou ao
Pacífico e, em 1858, a China reconheceu o domínio russo a norte do Amur e leste do Ussuri. A Rússia
ocupou o Cáucaso; anexou a Geórgia; transformou em vassalos o vale do Amu Darya, Bucara e Quiva; e
disputou o Afeganistão e a Pérsia com a Grã‑Bretanha. Além disso, a Rússia e a Áustria‑Hungria se viam
em um conflito pelos territórios recém‑desmembrados do Império Otomano. A partir daí, uma série
de crises se iniciou entre os países que queriam anexar mais terras, ocasionando guerras, provocando
acordos, justificando intervenções por parte das potências e fomentando levantes populares.
40
HISTÓRIA DA GLOBALIZAÇÃO
Mas a disputa pelos mercados estava longe de se solucionar. Muito em breve, os países entrariam em
guerra para preservar o que julgavam serem suas propriedades e para expandir os seus limites. Afinal,
quais seriam os limites para o crescimento capitalista?
Os motivos que levaram à Primeira Guerra Mundial não foram ideológicos ou revolucionários, mas
sim econômicos. A rivalidade econômica havia crescido com o desenvolvimento capitalista e com a
competição econômica. Por causa dos mercados, os países europeus entraram em guerra, levando
consigo outras nações.
Tanto a Alemanha quanto a Grã‑Bretanha já haviam encontrado os limites para sua expansão,
precisando conquistar outros territórios e novas fontes de recursos. No caso da França, os objetivos eram
menos globais, contudo igualmente urgentes: compensar a sua inferioridade demográfica e econômica
frente à Alemanha. Em resumo, a França lutava pelo seu futuro como grande potência (HOBSBAWM, 2008).
O conflito foi sangrento a tal ponto que, a partir de 1914, a palavra “paz” ganhou um significado
que até então ninguém conhecia. É totalmente compreensível pensar assim; afinal, até 1914 nunca
havia ocorrido uma guerra em que todas as grandes potências estivessem envolvidas. Houvera apenas
uma guerra breve com a participação de duas grandes potências: a Guerra da Crimeia (1854‑6), com a
Rússia de um lado e a Grã‑Bretanha e a França do outro. Normalmente, as guerras envolvendo grandes
potências eram rápidas, durando semanas ou, no máximo, poucos meses.
41
Unidade I
Lembrete
Antes de 1914, não houvera guerras mundiais, e entre 1815 e 1914 nenhuma grande potência
combateu outra fora do seu território imediato. Porém, tudo mudou em 1914: a Primeira Guerra
Mundial envolveu todas as grandes potências, e todos os Estados europeus, com exceção dos três
países da Escandinávia: Suíça, Espanha e os Países Baixos. Canadenses lutaram na França, americanos
viajaram para a Europa (desconsiderando a advertência de George Washington quanto à inadequação
do envolvimento americano no conflito), indianos foram enviados para a Europa e para o Oriente Médio,
batalhões de chineses foram para o Ocidente e africanos lutaram no exército francês: a guerra naval
tornou‑se global e, o conflito, mundial (HOBSBAWM, 2008).
Observação
Segundo Hobsbawm (2008), um satirista em Viana, Karl Kraus, ao documentar e denunciar essa
guerra em um drama‑reportagem, deu ao seu trabalho o título de Os Últimos Dias da Humanidade;
ele não era o único a ver a Guerra Mundial como o fim do mundo. É bem verdade que a humanidade
sobreviveu; contudo, no curso dos acontecimentos, o extermínio de uma considerável parte da raça
humana foi percebido não só como possível, mas como uma verdadeira tragédia.
Mas o que provocou essa guerra? A Primeira Guerra Mundial (1914‑1918), a princípio, foi essencialmente
europeia, tendo a Tríplice Aliança de um lado (formada pela França, Grã‑Bretanha e Rússia) e as Potências
Centrais de outro (Áustria‑Hungria, com a Sérvia e a Bélgica sendo arrastadas imediatamente para um
dos lados). O acontecimento inicial foi o ataque austríaco à Sérvia. A Turquia, a Bulgária e o Japão logo se
juntaram às Potências Centrais. Subornada, a Itália se uniu à Tríplice Aliança; depois, a Grécia, a Romênia,
Portugal e, de forma decisiva, os EUA (em 1917) se envolveram no conflito (HOBSBAWM, 2008).
A Alemanha tinha como plano liquidar rapidamente a França no Ocidente e partir tão rápido quanto
possível para derrotar a Rússia no Oriente, antes que os russos pudessem usar o seu enorme potencial
militar humano. Movida por uma questão de necessidade, a Alemanha planejava uma campanha
relâmpago. O plano não deu certo em sua totalidade. Os alemães avançaram sobre a França, inclusive
atravessando a Bélgica, sendo bloqueados a algumas dezenas de quilômetros a leste de Paris depois de
cinco ou seis meses de declarada a guerra.
42
HISTÓRIA DA GLOBALIZAÇÃO
O exército alemão recuou e a defesa da França foi reforçada com forças belgas e britânicas, auxílio
esse que logo aumentou de forma significativa. Essa era a frente de batalha ocidental, que se tornou
uma máquina de massacre sem precedentes na história da guerra.
Em 1916, a tentativa alemã de romper as barreiras inimigas em Verdum fracassou: a batalha envolveu
2 milhões de homens e resultou em 1 milhão de baixas. Os britânicos efetuaram uma ofensiva contra
os alemães no Somme, com o objetivo de forçar os alemães a suspenderem a ofensiva em Verdum.
Segundo Hobsbawm (2008), são números impressionantes: essa batalha custou à Grã‑Bretanha 420 mil
mortos, sendo que só no primeiro ataque morreram 60 mil homens.
Observação
A Primeira Guerra Mundial foi deveras catastrófica: os franceses perderam mais de 20% de
seus homens em idade militar, e se levarmos em conta os prisioneiros de guerra, os feridos e os
permanentemente estropiados e desfigurados, não mais de um terço dos soldados franceses saiu ileso.
Os britânicos perderam uma geração – meio milhão de homens com menos de trinta anos; os alemães
perderam um pouco mais do que os franceses (1,8 milhão de mortos, contra 1,6 milhão por parte dos
franceses). Os EUA perderam 116 mil homens, o que é muito se levarmos em conta que os americanos
lutaram apenas um ano e meio (1917‑ 1918) (HOBSBAWM, 2008).
O plano da Itália de abrir outra frente de batalha falhou: os soldados não viam motivo para lutar pelo
governo de um Estado que tinha se formado havia tão pouco tempo.
Observação
Os italianos tiveram de ser ajudados por seus aliados e a Grã‑Bretanha, a França e a Alemanha
sangraram até a morte na frente de combate ocidental. Na frente de batalha oriental, a Rússia estava
totalmente desestabilizada, claramente perdendo a guerra contra seus inimigos, sendo empurrada para
a revolução e perdendo grande parte de seus territórios (HOBSBAWM, 2008). A grande questão era
como resolver o impasse na frente de combate ocidental; afinal, sem que houvesse alguma vitória no
Ocidente, nenhum dos lados sairia vencedor da guerra. O conflito naval também estava empatado, tanto
que o ultimo confronto em 1916 havia terminado de forma indefinida, sem que um vencedor pudesse
ser identificado.
Durante a Primeira Guerra Mundial, tanto a Tríplice Aliança quanto as Potências Centrais tentaram
vencer a guerra por meio da tecnologia.
44
HISTÓRIA DA GLOBALIZAÇÃO
Os alemães, especialistas em química, apostaram no gás venenoso, cuja utilização se revelou bárbara
e ineficaz. Os britânicos foram os pioneiros nos veículos blindados de esteira (comumente chamados
de tanques de guerra), embora seus generais ainda não soubessem como usá‑los. Os submarinos se
tornaram a forma mais eficaz de combater o inimigo, tornando‑se a arma tecnológica mais importante
durante a Primeira Guerra Mundial.
Visto que nenhum dos lados conseguia derrotar os soldados do outro, o alvo passou a ser a população
civil. Todos os suprimentos da Grã‑Bretanha vinham pelo mar, logo, parecia factível estrangular as ilhas
britânicas mediante uma guerra submarina cada vez mais implacável contra os navios ingleses; com
essa estratégia, os alemães chegaram muito perto do êxito em 1917. A solução britânica foi simples:
arrastar os Estados Unidos para a guerra.
Para Hobsbawm (2008), com a Alemanha já exausta, o fim chegaria em apenas uma questão de
semanas. As Potências Centrais não só admitiram a derrota como, em seguida, desmoronaram. Devido
a essa derrota, nenhum dos velhos governos ficou de pé: a revolução varreu o Sudeste e o Centro da
Europa no outono de 1918, e nenhum dos países derrotados escapou da revolução. Mesmo os vitoriosos
ficaram com seus governos abalados.
45
Unidade I
Ao final, a Primeira Guerra Mundial nos deu uma lição muito importante: os interesses econômicos
no capitalismo, mais do que qualquer outra coisa, tiveram o poder de ceifar centenas de milhares de
vidas. De qualquer forma, o mundo depois da Primeira Guerra Mundial já não era o mesmo. Em março
de 1917, o czar russo foi deposto; em outubro do mesmo ano, o Partido Bolchevique derrubou o governo
provisório estabelecido e instituiu o governo socialista na Rússia. De forma dissidente e contrária
ao movimento de outros países, a União Soviética substituía a estrutura feudal por outra distinta,
não capitalista: embora o processo de industrialização já houvesse atingido essa região, a situação
de extrema pobreza no território russo, as péssimas condições de vida do proletariado (empregado
na exportação de petróleo, na construção de estradas de ferro e na indústria siderúrgica) e os ares
revolucionários das ideias comunistas e socialistas levariam à criação de uma dissidência em relação ao
contexto hegemônico capitalista. A Primeira Guerra Mundial colaboraria para esse processo, por meio
da crise de abastecimento que serviria de combustão para as greves e revoltas populares.
A Revolução de Outubro de 1917 acabou por colocar os conselhos operários no controle de todas as
esferas da economia (por meio da estatização), o confisco das propriedades privadas e a estatização. A
União Soviética surgia com uma proposta distinta do capitalismo, negando o mercado e centrando sua
força na concentração de poder nas mãos do Estado. Mas o capitalismo teria outras preocupações mais
urgentes pela frente.
2 A CRISE DE 1929
O período que vai entre os anos 1920 e 1930 será importante para que seja permitido entender a
evolução do capitalismo e sua característica cíclica em que de um momento de exuberância, rapidamente
se passa a um momento de depressão. É o que iremos entender.
O século XX mal havia se recuperado dos efeitos terríveis da Primeira Guerra Mundial quando outro
acontecimento atingiu o mundo com força.
epicentro deste que foi o maior terremoto global medido na escala Richter
dos historiadores econômicos […] (HOBSBAWM, 2008, p. 91).
A crise de 1929 veio se construindo durante e após a Primeira Guerra Mundial (1914‑1918). Nesse
período, os Estados Unidos tornaram‑se o principal fornecedor de produtos industrializados para a
Europa devido à destruição causada pela guerra aos países europeus.
De fato, o estouro dessa bolha de consumo e especulação, entremeada por elevados índices de
desemprego, traduzia uma morte anunciada. Sobre isso, a Revista Veja publicou o seguinte texto:
47
Unidade I
Tratava‑se da Crise de 1929: a partir da quebra da Bolsa da maior economia do mundo, todas as
economias mundiais foram afetadas. Para Dobb (1986), para além de perdas materiais, a crise também
– ou principalmente – representou uma ameaça ao sonho do progresso econômico.
Saiba mais
Vamos, agora, direcionar nossa atenção às origens da crise. Em um período em que a produção
de massa era o principal motor do capitalismo – produção essa que envolvia sucessivas etapas de
divisão do trabalho –, o produtor independente da máquina, o antigo artesão e o agente que operava
a máquina foram substituídos por uma só máquina, que centralizava a administração da produção e
que demandava apenas supervisão humana. Temos o estabelecimento de uma produção mecanizada,
unificada e invariável.
48
HISTÓRIA DA GLOBALIZAÇÃO
A expectativa era que o conceito por trás da expressão “mão invisível”, cuja aplicação parecia estar
em pleno funcionamento, combinasse com a movimentação do mercado e conciliasse os interesses
da oferta e da demanda. O que vimos, entretanto, foi a intensificação do monopólio das empresas, a
rigidez de preços, a estabilidade das margens de lucros, a redução da oferta de trabalho e um otimismo
no mínimo incoerente. Com pouca demanda e excedente de produção, tentava‑se equilibrar a balança
reduzindo a produção e o emprego, mas não havia espaço para que os preços sofressem alteração
no capitalismo monopolista. Da mesma forma, a taxa de lucro dos capitalistas se mantinha. Foi esse
contexto que propiciou o colapso mundial em 1929. Além disso,
Só se podia falar com otimismo sobre os lucros obtidos na Bolsa de Valores, que eram tão imensos
que atraíam todos, independentemente de sua classe. A esperança de dias mais prósperos e com poucos
riscos fazia com que grande parcela da sociedade se envolvesse com as operações na Bolsa. Não se
previa que uma crise de tão grandes dimensões se aproximava.
Saiba mais
49
Unidade I
300
200
1929 = 100 Desocupação
100
Produção
80
60
1929 1930 1931 1932 1933 1934
Havia outras deficiências no sistema monopolista: as dificuldades impostas, ainda que de forma
espontânea, ao estabelecimento de novas empresas e a queda inevitável de investimentos. Os
equipamentos de produção e o capital ficaram imobilizados, sem ter para onde serem escoados,
e mais: o exército industrial de reserva, ou seja, a mão de obra disponível, cresceu de forma
desproporcional e preocupante.
Ainda que se acreditasse que o capitalismo monopolista seria capaz de garantir o pleno emprego
de recursos, se deixado à mercê de seu próprio desenvolvimento, não se encontravam evidências que
sustentassem tal teoria. A Grande Depressão dos anos de 1930 provava a qualquer observador menos
atento que muitos daqueles que buscavam emprego falhavam.
Mesmo assim, não podemos responsabilizar a quebra da bolsa de valores pela Grande Depressão
de forma integral, fazendo‑se necessário atentar para outros aspectos da conjuntura econômica
norte‑americana que, aliados à euforia especulativa, contribuíram para a crise.
50
HISTÓRIA DA GLOBALIZAÇÃO
O setor de serviços, por sua vez, surge a partir da demanda do setor industrial por suporte e assistência.
As empresas de serviços remuneravam o trabalhador conforme sua produtividade e exigiam o emprego
de trabalhadores com experiência no setor industrial. Era preciso atraí‑los por meio de uma relação de
salário positiva se comparada à do emprego nas indústrias, o que culminava em lucros menores para os
empresários do setor de serviços e salários elevados para seus empregados.
Observação
Para que possamos compreender a tomada de atitude dos diversos países do mundo e a ruptura
que as correntes teóricas daí surgidas representaram para o pensamento econômico, é preciso nos
debruçar sobre alguns conceitos. Vejamos, inicialmente, o que é política econômica. Em resumo, ela
traduz a intervenção do Estado na economia com o objetivo de promover o crescimento econômico, a
expansão dos níveis de emprego e o controle da inflação (FORTUNA, 1998). O crescimento econômico
de um país ocorre quando há um aumento no Produto Interno Bruto (PIB). O aumento no nível de
emprego acontece com a criação de novas vagas de emprego, buscando‑se sempre o menor índice de
desemprego possível. E, quando falamos em controle da inflação, estamos falando em controle dos
níveis de preço, ou seja, dos cuidados para que os preços não oscilem muito na economia.
As políticas econômicas podem ser divididas em política fiscal, monetária e cambial. A política
fiscal ocorre por meio da arrecadação de impostos e dos gastos do governo, afetando assim o nível de
demanda. A arrecadação de impostos influencia diretamente o poder de consumo dos agentes, visto
que determina quanto de renda estará disponível para o consumo. Já os gastos do governo agem como
um efeito de demanda, ou seja, aumentam ou diminuem (caso ocorra um aumento ou uma diminuição
dos gastos do governo) o consumo de mercadorias e serviços. A política monetária se dá por meio da
ação do Banco Central. O objetivo da política monetária é o controle da liquidez, da taxa de juros e dos
preços, visando sempre ao crescimento econômico e à redução do desemprego.
Segundo Fortuna (1998, p. 15), o Banco Central pode ser entendido como:
[...] entidade criada para atuar como órgão executivo central do sistema
financeiro, cabendo‑lhe a responsabilidade de cumprir e fazer cumprir as
51
Unidade I
O Banco Central também é o responsável pela política cambial, sendo esta indiretamente ligada à
política monetária; porém, destacando‑se por afetar mais diretamente as variáveis que relacionam o
país com o exterior. O câmbio é entendido como uma relação de preço entre as moedas; ele reflete, por
exemplo, quanto vale o Dólar em Real, o Real em Euro, o Euro em Dólar etc. A política cambial baseia‑se
fundamentalmente na administração desses preços (FORTUNA, 1998).
Por que esses conceitos são importantes? Porque a crença que surgiu como resultado dos processos
que levaram a cabo a Revolução Industrial – a de que o mercado equilibraria automaticamente a oferta
de emprego – foi posta em xeque pela crise de 1929.
Para achar uma saída para a crise em 1933 e para resolver o problema de 17 milhões de desempregados,
a equipe de Roosevelt elaborou o New Deal (Novo Acordo). O New Deal propunha a intervenção do Estado
na economia, supervisionando o mercado e os empresários, corrigindo as distorções e monitorando as
atividades nas bolsas de valores.
O New Deal buscaria provocar o equilíbrio na economia por meio do seguinte conjunto de medidas:
• criação de um portentoso e ambicioso programa de obras públicas a serem executadas por órgãos
públicos e empresas estatais: foram construídas estradas, escolas, hospitais, aeroportos e toda
uma infinidade de obras de infraestrutura;
• criação da Previdência Social e elaboração de leis sociais para a proteção dos trabalhadores e
desempregados;
• compra de estoques de cereais, e posterior queima deles, para manter a remuneração dos setores
da economia envolvidos com o setor primário;
• arbitragem dos conflitos entre empresários, forçando‑os a concretizar acordos sobre os níveis de
produção e de preços;
52
HISTÓRIA DA GLOBALIZAÇÃO
Descrente do equilíbrio automático do pleno emprego, o que a sociedade agora presenciava era
o Estado salvando o Capital. As estratégias adotadas pelo New Deal conseguiram aumentar o nível
de emprego, contribuindo também para o aumento da produção e, portanto, para a manutenção das
atividades econômicas que geravam as tensões sociais.
O New Deal foi bem‑sucedido porque entendeu a necessidade de se aumentar a capacidade de consumo
para que, depois, se pudesse fomentar o aumento da capacidade de produção das empresas. Foi assim que
Roosevelt transferiu renda para a sociedade e inaugurou novos tempos de consumo e produção.
A lógica por trás da construção de infraestrutura preconizada pelo New Deal era a seguinte: o governo
poderia, por exemplo, adquirir o espaço físico de uma fábrica falida em função da crise, repassando
para a família antes proprietária daquele local verba suficiente para que ela pudesse reintegrar a classe
consumidora. Em seguida, o governo adquiria do mercado de construção civil os materiais necessários
para construir naquele mesmo local alguma estrutura de que a sociedade precisasse – por exemplo, um
hospital. Dava‑se, então, a contratação das pessoas que trabalhariam nas obras para a construção do
hospital: pedreiros, marceneiros, pintores e demais profissionais. Com o salário recebido por esse trabalho,
cada um dos trabalhadores voltaria ao mercado de consumo de mercadorias e, ainda por cima, todos
poderiam desfrutar da melhoria de infraestrutura obtida por meio da construção do prédio público.
Os empresários, por seu turno, incentivados também pelo governo com subsídios à produção,
voltaram a ter ímpeto para continuar seus negócios, percebendo então que a sociedade tinha capacidade
de retorno ao mercado de consumo. Assim, empresas voltaram a empregar outras pessoas e retomaram
a produção anteriormente freada em função da crise. Todas essas medidas conjugadas geraram um
aumento no nível de emprego da economia, forçando o aumento da produção e da contratação de
empregados, a manutenção da atividade econômica e o controle das tensões sociais.
A lição que os economistas acabavam de aprender era a seguinte: caso o mecanismo natural de regulação
do mercado falhasse, a solução para o capital era a ação decisiva do Estado. Experimentaríamos a partir daquele
instante o Welfare State, Estado de Bem‑estar Social, em que caberia ao Estado o resgate da sociedade.
Lembrete
Um economista britânico se proporia a traduzir essa nova situação dentro dos rigores do pensamento
econômico: seu nome era John Maynard Keynes, e o seu trabalho foi tão brilhante que ainda hoje ele
adjetiva parcela considerável dos economistas do mainstream. Keynes mostrou que, contrariamente
aos resultados apontados pela Teoria Clássica, as economias capitalistas não tinham a capacidade
de promover automaticamente o pleno emprego. Assim, deveriam ser abertas oportunidades para a
ação governamental: por meio dos clássicos instrumentos de política econômica, caberia ao governo
direcionar a economia rumo à utilização total dos recursos.
53
Unidade I
A análise de Keynes partiu do estudo da riqueza de uma nação. Segundo ele, a medida de riqueza
de uma nação era sua renda, transferida de mãos no processo de produção e consumo de mercadorias.
De fato, era essa transferência que revitalizava a economia. Parte da renda era gasta no consumo de
bens e serviços; outra parte era poupada, ou em bancos ou por meio da aquisição de ações. De qualquer
forma, era esperado que essa renda retornasse ao sistema, via concessão de empréstimos ou por meio
de financiamentos para a expansão das atividades produtivas.
O problema surgia porque essa comunicação entre poupança e investimento não era automática.
Afinal, o fluxo circular da renda não funciona de forma automática.
A economia ficava paralisada, segundo Keynes. Ele ainda descobriria mais uma coisa: a depressão
e a crise da bolsa haviam acabado com o montante de poupanças. De fato, sequer havia renda para o
consumo, quanto menos para poupança.
A maior consequência era que a economia encontrava‑se em uma condição de paralisia exatamente
quando precisava ser mais dinâmica, pois, se não havia excedente de poupanças, não havia pressão na
taxa de juros para encorajar os negociantes a pedir empréstimos. Se não havia empréstimos e gastos
com investimentos, não havia ímpeto de expansão. Assim, dava‑se o paradoxo da pobreza em meio à
fartura e à anomalia de homens e máquinas sem ter o que fazer (HEILBRONER, 1996).
O que fazer nessa situação de paralisia? Keynes elaboraria teoricamente o que se tentara antes, e de
forma bem‑sucedida, com o New Deal americano. Assim, cabia ao governo tirar a economia do fundo do
poço, investindo e criando empregos. Ao criar empregos, criaria renda para consumo e poupança. Criando
demanda, criaria estímulos para que a oferta fizesse a produção retomar seu crescimento. O governo
deveria investir em obras públicas, mesmo que fosse apenas para cavar buracos que, posteriormente,
fossem tapados: a prioridade era criar emprego.
Em outras palavras,
Era, afinal, a “mão visível” do Estado colocando ordem no mercado, ordem essa que outra mão
invisível não lograra conseguir.
54
HISTÓRIA DA GLOBALIZAÇÃO
Uma vez que estamos interessados em compreender a evolução do sistema capitalista de produção
para que possamos mapear os processos inerentes à globalização econômica, faz‑se necessário
compreender como, do ponto de vista de alguns teóricos, as relações econômicas internacionais
também evoluíram durante o capitalismo.
Ao contrário da Primeira Guerra Mundial, a Segunda Guerra Mundial (1939‑1945) não tem uma
vasta literatura sobre suas causas; com raras exceções, não se discute que Alemanha, Japão e Itália
foram os agressores e que a maioria dos Estados levados à guerra (capitalistas ou socialistas) fizeram o
possível para evitar o conflito (HOBSBAWM, 2008). No entanto, a pergunta sobre o que ou quem causou
a Segunda Guerra Mundial não pode ser respondida de forma simples.
Figura 16 – Hitler e Mussolini em Munique, cidade na qual se realizou em 1938 uma conferência reunindo Alemanha e Itália de um
lado e França e Inglaterra de outro
Os países que saíram “vitoriosos” na Primeira Guerra Mundial, com medo de uma nova guerra, fizeram
tratados de “paz” com os derrotados. O tratado feito com a Alemanha tinha o nome de Tratado de Versalhes,
e era totalmente punitivo. Essa “paz” punitiva imposta à Alemanha justificava‑se com o argumento de que
o Estado alemão era o único responsável pela guerra e por suas consequências. O real objetivo do Tratado
de Versalhes era enfraquecer ao máximo a Alemanha e, para tanto, o Estado alemão teve perdas territoriais
(embora não substanciais), ficou privado de expandir sua força marinha e aérea efetiva e ficou limitado a
um exército de 100 mil homens. Também foram impostos à Alemanha os pagamentos dos custos da guerra
sofridos pelos vitoriosos (custos esses que eram teoricamente “infinitos”); além disso, os países vencedores
retiraram dos alemães todas as suas colônias do ultramar, redistribuindo‑as entre os britânicos, franceses
e, em menor extensão, aos japoneses (HOBSBAWM, 2008).
Observação
55
Unidade I
Visto que essa “paz” imposta pelos vitoriosos era cercada de medidas punitivas, poucos acreditavam
que ela durasse por muito tempo. A insatisfação com o status quo não era exclusiva dos países derrotados:
mesmo países vitoriosos, como o Japão e a Itália, estavam insatisfeitos (HOBSBAWM, 2008). Todos os
partidos na Alemanha, incluindo os comunistas na extrema esquerda e os nacional‑socialistas de Hitler
na extrema direita, eram contra o Tratado de Versalhes, pois o consideravam injusto e inaceitável.
Com a ascensão do fascismo na Itália, a insatisfação passou a ganhar contornos mais perigosos.
Quanto ao Japão, sua força militar e naval o tornava a mais formidável potência do Extremo Oriente.
O país, com a sua indústria avançando a passos largos – embora a sua economia em tamanho absoluto
ainda fosse bem modesta (2,5% da produção mundial no final da década de 1920) –, acreditava que
merecia uma porção maior do Extremo Oriente do que as potências imperiais brancas haviam concedido.
Além disso, os japoneses também tinham consciência da sua vulnerabilidade econômica, dado que lhes
faltavam praticamente todos os recursos naturais necessários a uma economia moderna: a saída era a
importação de mercadorias, processo esse que deixaria o país vulnerável à interferência de marinhas
estrangeiras. Segundo Hobsbawm (2008), a pressão militar dentro do Japão para que se criasse um
império territorial próximo da China, com o objetivo de diminuir a vulnerabilidade do país, era imensa.
Independentemente das condições impostas à Alemanha pelo Tratado de Versalhes, é inegável que o
que causou de fato a Segunda Guerra Mundial foi a sucessão de agressões por parte das três potências
descontentes. A Segunda Guerra Mundial começou com a invasão da Manchúria pelo Japão em 1931; com
a invasão dos italianos à Etiópia em 1935; com a intervenção alemã e italiana na guerra civil espanhola
entre 1936 e 1939; com a invasão alemã da Áustria em 1938; com o estropiamento da Tchecoslováquia
pela Alemanha no mesmo ano; com a ocupação alemã ao que sobrou da Tchecoslováquia em março de
1939 (seguida pela ocupação italiana da Albânia); e com as exigências alemãs à Polônia que, de fato,
levaram ao início da guerra (HOBSBAWM, 2008).
56
HISTÓRIA DA GLOBALIZAÇÃO
Países neutros
Alemanha em 1/9/1939
Adversários da Alemanha
Países ligados à Alemanha por um Tratada de Amizade
De modo alternativo, o início da Segunda Guerra Mundial também pode ser visto como uma série de
inações: a não ação contra o Japão; a não tomada de medidas contra a Itália em 1935; a não reação da
Grã‑Bretanha e França à acusação alemã contra o Tratado de Versalhes e a reocupação da Renânia em
1936; a recusa da França e Grã‑Bretanha em intervir na Guerra Civil Espanhola; a não reação à ocupação
da Áustria; o recuo de Grã‑Bretanha e França frente às chantagens alemãs sobre a Tchecoslováquia; e a
recusa da URSS de continuar se opondo a Hitler em 1939 (HOBSBAWM, 2008).
57
Unidade I
Para a Alemanha (e depois para o Japão) era necessária uma guerra rápida: os recursos de seus inimigos,
uma vez unidos e coordenados, eram esmagadoramente superiores aos seus. Nem a Alemanha nem o
Japão fizeram planos para uma guerra longa, tampouco contavam com equipamentos para tal cenário.
Observação
A Segunda Guerra Mundial começou como um conflito puramente europeu ocidental da Alemanha
contra a Grã‑Bretanha e França, depois de os alemães terem invadido a Polônia, que foi derrotada e
dividida em três semanas com a até então neutra URSS. Na primavera de 1940, a Alemanha já havia
conquistado Noruega, Dinamarca, Países Baixos, Bélgica e França com extrema facilidade, ocupando
os quatro primeiros países e dividindo a França numa zona diretamente ocupada e administrada pelos
alemães. Restava apenas a Grã‑Bretanha em guerra contra a Alemanha.
É de grande importância deixar claro que os “fantasmas” da matança que ocorreu na Primeira Guerra
Mundial influenciaram muito a forma de combate de Grã‑Bretanha, França e EUA:
[...] tornou‑se bastante evidente para os políticos, pelo menos nos países
democráticos, que os banhos de sangue de 1914‑8 não seriam mais
tolerados pelos eleitores. A estratégia pós‑1918 da Grã‑Bretanha e da
França, tal como a estratégia pós‑Vietnã nos EUA, baseava‑se nessa crença.
A curto prazo, isso ajudou os alemães a ganhar a II Guerra Mundial no
ocidente em 1940, contra uma França empenhada em agachar‑se por trás
de suas fortificações incompletas e, uma vez rompidas estas, simplesmente
não querendo continuar a luta; e uma Grã‑Bretanha desesperada por evitar
meter‑se no tipo de guerra terrestre maciça que dizimara seu povo em
1914‑8. A longo prazo, os governos democráticos não resistiram à tentação
de salvar as vidas de seus cidadãos, tratando as dos países inimigos como
totalmente descartáveis. O lançamento da bomba atômica sobre Hiroshima
e Nagasaki em 1945 não foi justificado como indispensável para a vitória,
então absolutamente certa, mas como um meio de salvar vidas de soldados
americanos (HOBSBAWM, 2008, p. 34‑5).
58
HISTÓRIA DA GLOBALIZAÇÃO
Em termos práticos, a guerra parecia estar acabando, e o mapa da Europa era redesenhado. Por acordo,
a URSS recuperou as áreas do império czarista que haviam sido perdidas em 1918 (com exceção da Polônia,
então ocupada pela Alemanha) e a Finlândia, onde Stalin travou uma guerra de inverno em 1939 a 1940,
levando as fronteiras russas um pouco mais longe de Leningrado. As tentativas britânicas de expandir a
guerra nos Bálcãs falharam. A Alemanha cruzou todo o Mediterrâneo em direção à África, quando pareceu
que sua aliada, a Itália, seria totalmente expulsa de seu império africano pelos britânicos, que atacavam
de sua base principal no Egito. Sob o comando de um dos seus generais mais brilhantes, Erwin Rommel,
o Afrika Korps alemão ameaçou toda a posição da Grã‑Bretanha no Oriente Médio (HOBSBAWM, 2008).
A data decisiva da Segunda Guerra Mundial foi 22 de julho de 1941, quando Hitler invadiu a até
então neutra URSS, com o objetivo de reavivar a guerra. Mesmo parecendo insensato o ataque – pois
deixava a Alemanha envolvida em uma guerra de duas frentes –, a conquista de um vasto território
oriental rico em recursos e trabalho escravo era o próximo passo lógico. Com o Exército Vermelho todo
desorganizado, os avanços iniciais contra os soviéticos foram tão rápidos quanto no Ocidente. Como
Hobsbawm (2008) relata, em meados de outubro de 1941, os alemães estavam nos arredores de Moscou
A guerra contra a URSS não durou semanas, como esperava Hitler: a Alemanha estava perdida, pois
não havia se preparado para uma guerra longa e produzira menos aviões que a Grã‑Bretanha, a URSS e
os EUA. Uma nova ofensiva foi tentada contra a URSS em 1942, após o terrível inverno; o exército alemão
avançou no Cáucaso e no Vale Volga, mas, no verão de 1942, os alemães foram detidos em Stalingrado. O
mundo todo sabia que a derrota alemã era só uma questão de tempo (HOBSBAWM, 2008).
Saiba mais
59
Unidade I
O Japão até poderia ter evitado o conflito, mas a essência de sua política era a de se transformar em
uma potência econômica. Dado o fracasso que as potências europeias haviam sofrido ao tentar reagir
contra Hitler e Mussolini, os japoneses não esperavam que os EUA reagissem à expansão japonesa. A
jogada era perigosa e se mostrou suicida. O Japão queria estabelecer rapidamente o seu império e, para
tanto, imaginava ser necessário imobilizar a marinha americana, a única força que poderia intervir. De
acordo com Hobsbawm (2008), era previsível que os EUA seriam imediatamente arrastados para a guerra e,
com as suas forças e seus recursos esmagadoramente superiores, ganhariam o conflito com tranquilidade.
Hitler, já inteiramente esgotado na URSS, declarou guerra aos EUA. Para Washington, era claro que
a Alemanha nazista apresentava um problema muito maior para os interesses americanos e do mundo
do que o Japão. Portanto, os EUA se concentraram em derrotar primeiro a Alemanha: decisão correta,
porque eles levaram três anos para vencer a Alemanha e apenas três meses para colocar o Japão de
joelhos (HOBSBAWM, 2008).
As decisões da Alemanha no sentido de invadir a URSS e declarar guerra aos EUA significaram o
fim da Segunda Guerra Mundial. Os soviéticos avançavam pelos Bálcãs principalmente pela Iugoslávia,
Albânia e Grécia. Um movimento armado, arquitetado pelos comunistas, causou sérios problemas
militares à Alemanha e, sobretudo, à Itália.
[...] Winston Churchill tinha razão quando exclamou confiante depois de Pearl
Harbor que a vitória pela aplicação correta de uma força esmagadora era certa
(KENNEDY, p. 347). Do fim de 1942 em diante, ninguém duvidou de que a
Grande Aliança contra o Eixo ia vencer. Os aliados começaram a concentrar‑se
no que fazer com a sua previsível vitória (HOBSBAWM, 2008, p. 49).
Observação
Segundo Hobsbawm (2008), os EUA, com o objetivo de assegurar uma rápida rendição japonesa no
Leste, lançaram duas bombas atômicas, uma sobre Hiroshima e outra sobre Nagasaki. A vitória em 1945
foi total. Os Estados derrotados foram totalmente ocupados pelos vitoriosos e não fizeram nenhum
tipo de acordo de paz, com exceção da Itália. Os países aliados – Grã‑Bretanha, EUA e URSS – tentaram
chegar a um acordo de como ficariam os despojos da vitória, iniciativa que não teve muito sucesso.
Observação
As perdas são incalculáveis e mesmo estimativas aproximadas são difíceis de serem realizadas:
a Segunda Guerra Mundial, diferentemente da Primeira Guerra Mundial, matou tanto civis quanto
soldados, sendo que boa parte da comunidade judaica pereceu em campos de concentração construídos
pelos nazistas, assim como outros grupos étnicos minoritários. As mortes causadas diretamente pela
guerra foram estimadas entre três a quatro vezes o número estimado da Primeira Guerra Mundial:
entre 10% e 20% da população total da URSS, Polônia e Iugoslávia; entre 4% e 6% da Áustria, Itália,
Alemanha, Hungria, Japão e China; a Grã‑Bretanha e França tiveram baixas menores do que na Primeira
Guerra Mundial (cerca de 1%). Os soviéticos divulgaram as suas baixas de forma oficial várias vezes: em
7 milhões, 11 milhões, 20 milhões ou mesmo 30 milhões.
A chamada Teoria “Pura” do Comércio Internacional, ao adotar uma perspectiva de longo prazo,
concentra‑se na explicação de fatores reais como determinantes do fluxo comercial entre países. Para
tanto, conforme Baumann (2004) ressalta, essa teoria apoia‑se em algumas hipóteses simplificadoras,
quais sejam:
• que todas as variáveis do sistema econômico sejam determinadas de forma independente dos
fluxos monetários;
61
Unidade I
• que todos os preços da economia sejam flexíveis, e que os mercados de produtos e de fatores de
produção funcionem sob a lógica da concorrência perfeita;
• que para cada país considerado, o estoque de fatores de produção seja encarado como uma variável
exógena, independentemente de sua remuneração;
• que como a utilização dos fatores de produção independe de sua remuneração, os fatores sejam
móveis entre setores, mas imóveis entre países.
Dadas as restrições, a preocupação central deste tipo de teoria está em descobrir a existência ou
não de ganhos com o comércio internacional, bem como qual será o padrão do fluxo comercial, ou seja,
que produtos uma economia deveria exportar e importar e a que nível de preços. Por outras palavras, a
Teoria “Pura” procura identificar o que determina o comércio internacional.
4.1.1 O mercantilismo
A visão dominante entre os séculos XVI e XVIII foi essencialmente uma postura mercantilista, em que o
comércio era admitido como uma fonte de riqueza, mas sob uma ótica bastante peculiar: a de acumulação
sem limites de poder de compra, possibilitada por crescentes ganhos derivados de superávits comerciais.
Para Dowbor (1990) e Singer (1989), a exacerbação do comércio produziu dois efeitos sobre a
estrutura econômica europeia. O primeiro desses efeitos corresponde ao fluxo de metais preciosos para
a Europa, pois a quantidade de ouro chegou a dobrar em meados do século XVI. Como a produção de
bens pouco se alterou, houve uma elevação de preços e redução dos rendimentos dos senhores feudais.
Sobre isso, Dowbor (1990, p. 32) ressalta que:
O segundo desses efeitos foi o reforço da produção, pois conforme Dowbor (1990, p. 33) explica,
Desta maneira, o comércio internacional promovido pelo maior relacionamento entre países passava
a ser encarado como uma disputa por uma quantidade limitada de metal precioso, e dessa forma cada
país poderia obter vantagens às custas dos demais, por intermédio da acumulação de tal metal.
A visão mercantilista, além de ser altamente nacionalista e priorizar o bem‑estar do próprio país, implicava
uma percepção estática da disponibilidade de recursos. A atividade econômica era, portanto, reduzida a um
jogo de soma zero no qual os ganhos de um país têm lugar em detrimento dos resultados obtidos pelos demais.
Sobre isto, vejamos uma passagem de Araújo (1989, p. 22):
Diante desse quadro, as proposições mercantilistas passam a ser objeto de críticas. Um dos primeiros
pensadores a oporem‑se veementemente à lógica mercantilista foi David Hume, ao questionar o argumento
básico de uma economia poder acumular indefinidamente divisas sem afetar com isso sua posição
competitiva no mercado internacional.
Conforme Kuntz (1983), há três traços principais na explanação de Hume que explicitam o que viria a
ser o comércio internacional: a concepção de um mecanismo de ajuste automático nas contas externas, que
inutilizaria qualquer intervenção governamental, a aplicação da Teoria Quantitativa da Moeda quanto aos
efeitos econômicos de superávits ou déficits na balança comercial de cada país e a alegação de que vantagens
comparativas são variáveis determinantes na mobilidade de recursos num sistema sem intervenção.
O argumento é o de que a acumulação de divisas na forma prescrita pelos mercantilistas, ou seja, via
superávits comerciais, acabaria por afetar a oferta interna de moeda e, assim, elevar o nível de preços
e salários internos. Em sua obra Escritos sobre Economia, de 1777, David Hume dedica um capítulo à
análise da moeda. Dentre outras considerações, efetua a que se segue:
[...] em qualquer reino onde o dinheiro comece a afluir com maior abundância
que anteriormente, tudo assume novo aspecto: o trabalho e a indústria
ganham vida; o comerciante torna‑se mais empreendedor; o fabricante
mais hábil e diligente e até mesmo o agricultor empurra o arado com
maior alegria e atenção. Não é fácil explicar isto, se considerarmos apenas a
influência que a maior abundância de moeda exerce sobre o próprio reino,
elevando o preço das mercadorias e obrigando todos a pagarem um número
maior dessas cédulas amarelas ou brancas por tudo que compram. Quanto
ao comércio exterior, parece que uma grande quantidade de dinheiro é
bastante desvantajosa, porque eleva o custo de todo tipo de mão de obra.
Pelos argumentos de David Hume, o mecanismo de ajuste automático funcionaria da seguinte forma:
um déficit em balanço de pagamentos ensejaria uma saída de ouro do país, ocasionando uma queda
na oferta monetária. Esta contrai a demanda interna por mercadorias, diminuindo seus preços. Também
diminui a demanda interna por produtos estrangeiros, o que, em outras palavras, diminui as importações.
A queda nos preços das mercadorias produzidas internamente eleva a competitividade internacional
aumentando, portanto, as exportações. Por fim, reduz‑se o déficit no balanço de pagamentos.
Williamson (1988) ressalta que há algumas premissas necessárias a serem atendidas para se garantir
que o mecanismo de fluxo‑espécie‑preço funcione da forma descrita por Hume. São elas:
• que se evite a esterilização completa, ou seja, que não seja compensada uma queda nas reservas
com elevação do crédito interno;
64
HISTÓRIA DA GLOBALIZAÇÃO
Enquanto no século XVI os mercantilistas ainda viam a aquisição de ouro e da prata como forma
mais importante de enriquecer o país, a própria necessidade de dispor de cada vez mais produtos para
exportar e adquirir o ouro gera uma outra visão de fonte de riqueza: a capacidade de produzir, que
se desenvolve com a Revolução Industrial. Na Inglaterra, ela teve seu auge por volta das três últimas
décadas do século XVIII e começo do século XIX.
Nesse período, a Inglaterra tinha um mercado interno bem desenvolvido, comparativamente aos demais
países da Europa, onde se procurava a produção em maior quantidade para vender a preços mais baixos, o que
significava lucros crescentes. Além disso, a busca por maiores lucros, conjugada ao aumento das vendas, foi
também estimulada pela demanda externa por bens produzidos na Inglaterra, dando motivos para a explosão
de inovações tecnológicas então ocorridas. Segundo Dowbor (1990, p. 36‑7), a Revolução Industrial promoveu
efeitos positivos para países desenvolvidos, como a Inglaterra do século XIX. Vejamos sua explanação:
Em outras palavras, ainda para Dowbor (1990), a Revolução Industrial generalizou a utilização
da tecnologia ao desenvolver a produção de ferramentas, especializou e modernizou a produção
manufaturada, promoveu, nos países desenvolvidos, o processo de enriquecimento cumulativo através
da conquista de novos mercados a cada progresso técnico da sua indústria, invadiu diversas partes do
mundo com produtos manufaturados e, por fim, estimulou a industrialização.
Em 1776, com A Riqueza das Nações, de Adam Smith, e em 1817, com Princípios de Economia
Política e Tributação de David Ricardo, ocorre uma evolução no pensamento econômico. Incorporando
os fatos e os valores da Revolução Industrial, forma‑se a Teoria Clássica do liberalismo. Segundo ela,
65
Unidade I
dentre outros aspectos, o sistema econômico livre do Estado permite a cada capitalista e a cada
trabalhador buscar o seu próprio interesse no mercado. Trata‑se da recomendação do laissez‑faire,
laissez‑passer, que podemos identificar como a recomendação da irrestrita abertura dos portos, ou
dos mercados, na promoção de maior relacionamento entre as nações, fato que na época favorecia o
poder industrial inglês.
A abertura dos mercados seria importante, pois como enfatiza Smith (1996, p. 77):
[...] com plena segurança, achamos que a liberdade do comércio, sem que
seja necessária nenhuma atenção especial por parte do governo, sempre
nos garantirá o vinho de que temos necessidade; com a mesma segurança
podemos estar certos de que o livre comércio sempre nos assegurará o ouro
e a prata que tivermos condições de comprar ou empregar, seja para fazer
circular as nossas mercadorias, seja para outras finalidades.
Com este argumento, percebe‑se que o comércio externo beneficiaria todos os países participantes,
já que em primeiro lugar, daria escoamento à produção excedente de manufaturados, caso não existisse
demanda interna; em segundo lugar, valorizaria, no mercado externo, mercadorias que poderiam
tornar‑se supérfluas no mercado interno; e em terceiro lugar, o comércio externo provocaria a elevação
da produção, “aumentando assim a renda e a riqueza reais da sociedade” (SMITH, 1996, p. 430).
Com isto, Adam Smith defende a Teoria das Vantagens Absolutas, entendidas em custos de produção
– notadamente à sua época, custos de mão de obra. Seu argumento difere daquele postulado pelas
teorias “puras”, pois parte do pressuposto de que as trocas comerciais beneficiam todas as nações que
delas participam, e cada país obteria vantagens maiores ou menores na produção de cada mercadoria.
Mais claramente, se o mercado internacional fosse encarado como forma de competição e sem qualquer
interferência governamental, cada país procuraria especializar‑se na produção de mercadorias que lhe
dariam maior vantagem absoluta, tanto natural quanto adquirida.
Desta forma, se cada nação participante do comércio internacional procurasse sua produção mais
vantajosa, ou seja, aquela vantagem absoluta, todas as mercadorias seriam trocadas ou vendidas pelo
seu valor mais baixo, de onde surgiria a riqueza de todas as nações, pois para Smith (apud SINGER, 1989,
p. 47), “riqueza significa obter bens de uso necessários ao consumo da população com o menor gasto
de tempo de trabalho humano. Neste sentido, o comércio internacional, livre de interferências não
econômicas, promoveria a riqueza de todas as nações”.
66
HISTÓRIA DA GLOBALIZAÇÃO
Smith (1996) assegura então que toda pessoa procura empregar seu capital da forma mais vantajosa
possível, visando à manutenção de sua própria vantagem. Com efeito, se todas as pessoas assim agirem, e
aplicarem seu capital em fomento da atividade nacional, a sociedade como um todo atingirá o emprego
mais vantajoso de seu capital, e cada indivíduo se esforçará para aumentar ao máximo possível a renda
anual da sociedade, já que
Sendo assim, se algum país puder fornecer uma mercadoria a um custo mais baixo que aquele de
sua produção interna, para Smith seria melhor comprá‑la que produzi‑la, ou seja, é melhor importá‑la.
Desta forma, deixando de produzir tal mercadoria, encaminha‑se o capital e o emprego necessário para
outra produção, que poderá fornecer maior vantagem. Ao produzir internamente aquela mercadoria,
que é mais barata quando se importa, há um desperdício de recursos produtivos, provocando, então,
uma queda no valor da produção anual da atividade do país, e não é isto que um pais deseja.
Smith acrescenta ainda que as vantagens naturais que um país pode deter frente a outro na produção
de determinadas mercadorias tornam‑se, às vezes, tão grandes que não ensejaria provocar um processo
de concorrência entre tal mercadoria, mesmo
[...] não interessando se as vantagens que um país leva sobre o outro são
naturais ou adquiridas. Enquanto um dos países tiver suas vantagens, e
outro desejar partilhar delas, sempre será mais vantajoso para este último
comprar que fabricar ele mesmo (SMITH, 1996, p. 44).
David Ricardo dá forma definitiva a essa concepção argumentando que cada país não precisaria ter
uma vantagem absoluta na produção de todas as mercadorias, mas deveria se especializar na produção
daquelas em que tivesse maiores vantagens relativas ou comparativas, também em custos.
Neste sentido, Ricardo sustenta, assim como Smith, que numa economia de livre mercado, cada
nação procurará aplicar todo o seu capital, bem como todo o seu trabalho, em atividades que lhe tragam
o máximo benefício, como se cada país buscasse sua “vantagem individual”. Obter vantagem significaria
obter eficiência na produção derivada da utilização de uma quantidade menor de trabalho na produção.
Assim, para Ricardo (1996, p. 97‑8),
67
Unidade I
Dessa forma, dois países poderiam tirar proveito do comércio, se cada um tivesse uma vantagem
relativa na produção. Vantagem relativa ou comparativa significa que a quantidade de trabalho
incorporado em duas mercadorias seria diferente entre dois países, de modo que cada um poderia ter,
pelo menos, uma mercadoria na qual a quantidade relativa de trabalho incorporado seria menor que a
do outro país (HUNT, 1989, p. 137). Assim, o comércio internacional seria importante para um país, pois
ampliaria a quantidade de mercadorias transacionadas, elevaria a diversidade dos produtos nos quais os
salários poderiam ser gastos a um custo menor e, por fim, aumentaria o grau de satisfação da sociedade
(RICARDO, 1996, p. 93‑7). Por suas palavras,
[...] se Portugal não tivesse nenhuma ligação comercial com outros países, em
vez de empregar grande parte de seu capital e de seu esforço na produção
de vinhos, com os quais importa, para seu uso, tecidos e ferramentas de
outros países, seria obrigado a empregar parte daquele capital na fabricação
de tais mercadorias, com resultados provavelmente inferiores em qualidade
e quantidade.
Para Singer (1989, p. 147), Ricardo demonstra então que mesmo que um país tivesse grandes
vantagens naturais ou adquiridas em todas as esferas de produção, conforme explicava Smith, a
especialização de sua produção apenas nos ramos em que suas vantagens comparativas fossem maiores
trar‑lhe‑ia mais vantagens que a autossuficiência econômica.
Ainda que essa teoria não explicite que os ganhos de especialização, sejam no consumo ou
na acumulação de capital, não se repartem homogeneamente entre as nações participantes do
intercâmbio comercial (SINGER, 1989), durante boa parte do século XIX, as políticas comerciais das
nações capitalistas mais avançadas e daquelas menos desenvolvidas observaram suas recomendações
de política econômica, notadamente a política de “portos abertos”. As poucas exceções a essa visão
e a essa política derivam do argumento da indústria infante, cujo conteúdo, em última instância,
implicaria sugerir um fechamento temporário do país ao livre comércio, que contraria as relações
de comércio até então apresentadas.
A abordagem clássica dos custos comparativos desempenhou importante papel no quadro da teoria
das vantagens resultantes da especialização e das trocas internacionais. Suas conclusões tiveram grande
utilidade e, nesse sentido, as bases teóricas do enfoque ricardiano puderam ser aplicadas a situações reais,
principalmente em sua época, quando o trabalho era considerado como o fator básico determinante dos
custos de oferta da maior parte dos bens e serviços produzidos pelas nações.
Se o trabalho fosse o único fator de produção, as vantagens comparativas poderiam surgir apenas por
causa de diferenças internacionais da produtividade da mão de obra, mas no mundo real elas também
refletem diferenças entre os recursos dos países – por exemplo, terra, capital, recursos minerais, entre
outros. Dessa forma, diante de novos recursos teóricos e em decorrência das consideráveis modificações
havidas na estrutura de produção das nações, a Teoria Clássica das Vantagens Comparativas passa a ser
objeto de diversas reformulações.
68
HISTÓRIA DA GLOBALIZAÇÃO
O teorema desenvolvido pelos suecos Eli Heckscher e Bertil Ohlin enfatiza as razões e os ganhos
com o comércio internacional, pois fatores diferentes de produção estão disponíveis nos mais diversos
países e mostram que as vantagens comparativas de cada país são influenciadas pela interação entre
a abundância relativa dos fatores de produção e a tecnologia da produção, ou seja, a quantidade e a
intensidade relativa com que os fatores de produção são usados na produção de bens diferentes.
Tomando por base Krugman e Obstfeld (1999), Gonçalves (1998) e Williamson (1988), passamos a
exemplificar o teorema. Esse modelo considera que cada economia pode produzir dois bens, tecidos e
alimentos, e que a produção de cada bem requer o uso de dois fatores de produção específicos e com
oferta limitada, quais sejam, mão de obra e terra. Neste caso simples de dois fatores, dois produtos e duas
regiões, ou seja, modelo 2x2x2, o comércio praticado entre os países seria baseado na troca de produtos
produzidos mais baratos em cada região, portanto, aqueles cuja produção utilize relativamente maior
quantidade do fator abundante em termos domésticos.
Assume‑se, também, que os consumidores dos diferentes países têm preferências idênticas, que a
sociedade pode maximizar seu bem‑estar como se fosse um indivíduo e que um maior nível de bem‑estar
para a sociedade implica maior nível deste para cada indivíduo.
Sendo assim, o modelo de Heckscher‑Ohlin diz respeito ao comércio em equilíbrio entre duas
economias, passando a ideia de que o país onde o trabalho for, por exemplo, relativamente abundante,
será capaz de produzir o bem intensivo em trabalho a um custo relativamente baixo, obtendo uma
vantagem comparativa em sua produção. Para Williamson (1988, p. 37), o modelo pode ser enunciado
da seguinte maneira: “cada país exportará o bem intensivo em seu fator abundante”.
Sabemos que o custo de produção de um bem depende dos preços dos fatores de produção. Se o
aluguel da terra, por exemplo, for mais elevado, então o bem cuja produção seja terra‑intensiva terá
preços mais altos. Nesse caso, a importância do preço de fator particular no custo de produção de um
bem depende, entretanto, da quantidade do fator que a produção do bem envolve. Se a produção de
tecido utiliza pouca terra, então um aumento no preço da terra não terá muito efeito sobre o do tecido.
A partir da determinação do preço dos tecidos e dos alimentos, bem como do estabelecimento do
padrão de oferta limitada de terra e mão de obra, podemos identificar quanto de cada recurso será
direcionado na economia à produção de cada bem, e, portanto, a quantidade produzida de cada bem na
economia, de acordo com a curva de possibilidade de produção de uma economia específica.
69
Unidade I
Para Krugman e Obstfeld (1999, p. 75‑6), “o efeito enviesado dos incrementos dos recursos nas
possibilidades de produção é a chave para entender como as diferenças em recursos aumentam o
comércio internacional”.
Uma vez que a economia doméstica tem uma proporção maior de mão de obra em relação à terra
que a economia estrangeira, a doméstica é abundante nisso e a estrangeira é abundante em terra. Se
o tecido for um bem intensivo em mão de obra, a fronteira de possibilidade de produção da economia
doméstica, relativa à estrangeira, é deslocada para fora mais na direção dos tecidos que na direção dos
alimentos. Assim, coeteris paribus, a economia doméstica tende a produzir uma proporção mais elevada
de tecidos em relação a alimentos.
70
HISTÓRIA DA GLOBALIZAÇÃO
Segundo Marx, mesmo em sua fase comercial, anterior à Revolução Industrial, o poder dos capitalistas
passava a ser garantido por novas leis sobre a propriedade privada, e o desenvolvimento da produção
capitalista tornava sempre necessários aumentos no capital aplicado em determinado empreendimento
industrial, para que cada empresa pudesse acompanhar a evolução tecnológica.
Por outro lado, isto se reforçou com a consolidação do capitalismo industrial. Através dele, além das
exigências de maiores gastos com aperfeiçoamentos tecnológicos, visando aos ganhos de produtividade,
que garantiriam as reduções de custos e os ganhos de competitividade, outro elemento era crucial: a
intensificação da concorrência entre empresas que, levando a crises de subconsumo ou superinvestimento,
fazia com que regularmente fossem eliminadas as empresas menos competitivas, o que acarretava
concentração da produção em um número decrescente de empresas e centralização de parcelas cada vez
maiores da riqueza do capital em um número cada vez menor de proprietários (HUNT, 1989, p. 241‑2).
Para Gorender (1985), partindo‑se de uma análise da concorrência entre os capitalistas, a tendência à
queda da taxa de lucro já fora constatada por Smith, que a inferiu da queda da taxa de juros, explicando
o fenômeno pela concorrência entre os capitais cada vez mais acumulados, em que a concorrência
impelia os salários para cima e induzia à baixa da taxa de lucros. Ricardo também deu sua contribuição
à questão, mas, em sua explicação, parte do pressuposto da lei dos rendimentos decrescentes na
agricultura. Uma vez que a produção atinge um ponto em que não satisfaz a demanda, o plantio é
obrigado a ser deslocado para terrenos cada vez menos férteis e distantes dos centros de consumo,
aumentando‑se os custos e reduzindo‑se a lucratividade da atividade agrícola.
Marx, quando aborda esta questão, parte do que chamou de composição orgânica do capital. O
capital de uma empresa foi por ele explicado como sendo uma composição entre uma parcela dita
constante (equivalente ao valor dos meios de produção = c) e uma parcela variável (equivalente ao valor
da força de trabalho = salários = v), definindo‑se uma razão conhecida como a composição orgânica do
capital (COK = c/v). Para Marx (1991, p. 242‑3), a acumulação incessante aumentaria a COK, expressando
o desenvolvimento progressivo da produtividade social do trabalho, pois, na tentativa de superar a
concorrência pela incorporação dos avanços tecnológicos, na composição orgânica do capital social
médio, o aumento dos fatores constantes ocorreria em ritmo maior que o aumento nas quantidades
utilizadas da força de trabalho e isso levaria a uma tendência à queda da taxa de lucro. Por suas palavras:
Diante disso, temos que, embora a taxa de lucro seja a relação deste com o capital total, o próprio
lucro só seria criado pelo capital variável, pela força de trabalho que produz a mais valia, ou seja, pelo
71
Unidade I
trabalho excedente. Em não se alterando a taxa de mais‑valia, expressada pela relação entre esta e o
capital variável, m/v, a redução da parcela variável no capital total resultaria numa queda da taxa de
lucro. Mas a tendência histórica do capitalismo consiste na elevação dos elementos do capital constante,
impulsionado pela valorização do capital e, portanto, de sua acumulação, expressando o crescimento
da produtividade social do trabalho como resultado do aumento da massa e do valor dos meios de
produção por trabalhador ocupado, e a redução do valor por unidade do produto. Não havia, portanto,
para Marx (1991, p. 244‑66), dificuldade lógica na explicação da queda da taxa de lucro. A dificuldade
advinha do seu movimento muito lento e dos seus efeitos perceptíveis tão somente em longo prazo.
Essa tendência declinante da taxa de lucro faz com que os capitalistas busquem algumas influências
compensatórias para que revertam esse processo. Como influências compensatórias, Marx (1991, p.
266‑74) identificou:
• o barateamento dos elementos do capital constante, o que baixaria a COK e elevaria a taxa de lucro;
• o comércio exterior, por permitir obtenção de bens de produção e/ou bens‑salários mais baratos,
coincidindo com os efeitos de aumentos da intensidade da exploração;
• a exportação de capitais a países atrasados, onde a taxa de lucro costuma ser mais elevada,
motivo por que os lucros dos investimentos no exterior impelem para cima a taxa de lucro no país
exportador de capitais.
Sweezy (1983, p. 92‑3), em sua obra Teoria do Desenvolvimento Capitalista, retoma a lei de tendência
declinante da taxa de lucro identificando, além das influências compensatórias anteriormente discutidas
em Marx, outras forças importantes que tendem a reduzir ou a elevar a taxa de lucro.
Por forças que influenciariam negativamente a taxa de lucro, identificou o poder dos sindicatos, bem
como a ação estatal destinada ao beneficio do trabalho. Já as forças que impelem para cima a taxa de
lucro seriam as organizações de empregadores, a formação de monopólios e a ação estatal destinada a
72
HISTÓRIA DA GLOBALIZAÇÃO
beneficiar o capital e, por último, a exportação de capital, por aliviar a pressão sobre o mercado interno
de trabalho e impedir que “a acumulação exerça plenamente seus efeitos depressivos na taxa de lucro”.
De acordo com Sweezy (1983, p. 221‑2), no mundo real, existe uma grande quantidade de países
que, através de um processo de interdependência, mantêm relações econômicas entre si, relações
de troca de mercadorias, formando uma economia mundial integrada e determinando uma forma
particular de divisão internacional do trabalho, pois cada país exporta mercadorias, que mantêm
melhores e maiores vantagens, conforme discutido por Heckscher‑Ohlin anteriormente. Mas as relações
econômicas internacionais não se limitam às trocas de mercadorias, já que tais relações “são suplantadas
pelos movimentos de capital, ou seja, pela exportação por alguns países e importação por outros, de
mercadorias que têm características e funções específicas de capital”.
Nesse aspecto, países enviam a outros meios de produção de que estes últimos necessitam para pôr
em prática seu processo produtivo com o objetivo de produzir mais‑valia, que, uma vez realizada, deve
ser enviada regularmente ao país exportador do capital ou da mercadoria que tem função de capital.
Assim, Sweezy (1983, p. 222‑4) sustenta que se há movimentos de capital numa direção e de mais‑valia
na outra, em se tratando de relações internacionais, já que de países capitalistas, cujo lucro é baixo, ou
cuja acumulação tenha atingido seu ponto máximo, tenderão a exportar capitais para países de alto lucro,
fazendo com que as taxas de lucro se igualem, nos diferentes países, devido à mobilidade do capital.
Como vimos, quando Sweezy (1983, p. 225‑35) analisa os movimentos da economia mundial,
provocados pelo próprio desenvolvimento do capitalismo, não está somente preocupado com as
relações de troca de mercadorias entre países, mas também em discutir modificações qualitativas nas
partes componentes da economia mundial, encarando, então, o imperialismo como um estágio no
desenvolvimento da economia mundial, em que as contradições do processo de acumulação atingiram
tal maturidade que a exportação de capital é uma característica das relações econômicas mundiais.
Sweezy (1983, p. 224‑5) sustenta que em países onde a liberdade de comércio e de movimento de
capital é a norma, haveria uma tendência para que as taxas de desenvolvimento do capitalismo em
escala mundial fossem niveladas pelos movimentos de capitais, mas na realidade isso não acontece, pois
[...] as relações entre países têm constituído até certo ponto o domínio da política
econômica, ou seja, da ação estatal dirigida para a realização de objetivos
econômicos definidos, [já que] na esfera internacional os interesses do capital
são diretamente e rapidamente traduzidos em termos de política estatal, [e desta
forma] os antagonismos internacionais do imperialismo assumem a forma de
conflitos entre Estados e portanto, indiretamente, entre as nações como um todo.
Herdeira da economia política marxista, Rosa Luxemburg (1970, p. 392), em sua obra A Acumulação
do Capital, utiliza‑se da Teoria da Reprodução do Capital de Marx para formular sua Teoria do
Imperialismo, definindo‑o como “a expressão política do processo de acumulação de capital, de sua luta
para conquistar regiões não capitalistas que não se encontrem ainda dominadas”.
73
Unidade I
Para Luxemburg (1970, p. 11‑3), reprodução significa produção nova ou renovação do processo de
produção, que em sociedades com base capitalista, depende de condições técnicas e sociais, ou seja,
depende de meios materiais de produção, bem como da força de trabalho, empenhadas na produção
de mercadorias, que ao serem levadas ao mercado e trocadas por dinheiro deverão gerar lucro ao seu
produtor/vendedor.
Acrescenta Luxemburg (1970, p. 19‑20): para que o capitalista consiga uma apropriação mais rápida
da mais‑valia, deverá incrementar seu processo produtivo, incorporando novos meios de produção,
no intuito de ampliar a produção, diminuir custos e baratear o preço das mercadorias. Para que a
reprodução do capital prossiga seu caminho, cada capitalista individual deverá reinvestir parte de sua
mais‑valia na produção de mercadorias, incorporando mais bens de capital, ou seja, transformando
mais‑valia em capital constante, exigência do processo de concorrência.
Após fazer uma análise do processo de reprodução capitalista, mais minuciosa que esta aqui
apresentada, Luxemburg se preocupa em saber para quem e quando produzem os capitalistas, à medida
em que não consomem tudo o que produzem, mas acumulam. Ela está interessada em identificar quem
viabiliza a realização da mais‑valia em constante crescimento. Sustenta, então, que uma economia
capitalista sem relação comercial com setores não capitalistas internos ou externos às suas fronteiras
é incapaz de acumular, pois esse modo de produção só pode funcionar normalmente em acumulação
mais intensa, se vinculado a um meio não capitalista, que lhe forneça um mercado externo adicional
em expansão, pois enquanto se reduz o consumo interno, a acumulação é motivada pelo crescimento
de consumo externo, isto é, da economia não capitalista (SINGER, 1985, p. 37‑40).
Posto que os capitalistas acumulavam bens de capital não pelo desejo de fazê‑lo, mas na expectativa
de obter lucros, e isso poderia ser comprometido por falta de consumo interno, Luxemburg acaba por
concluir que na esfera interna de uma economia capitalista, os ganhos dos capitalistas e dos trabalhadores
74
HISTÓRIA DA GLOBALIZAÇÃO
não eram suficientes para permitir, por um período prolongado, a realização contínua da mais‑valia
gerada pela expansão da produção de mercadorias, e procura descobrir de onde provinham os gastos
adicionais que haviam tornado possível essa expansão, concluindo por fim que “o capitalismo aparece
e se desenvolve historicamente num meio social não capitalista” (LUXEMBURG, 1970, p. 317). Segundo
ela, o capitalismo necessita de camadas sociais não capitalistas para desenvolver sua mais‑valia, pois o
capital não alcança seus objetivos em uma economia “natural”, ou seja, pré‑capitalista, pelo fato de a
produção nessa economia ser toda em função de necessidades domésticas, não existindo demanda por
mercadorias estrangeiras e nem excedente de produtos.
Para Luxemburg (1970, p. 334), o desenvolvimento de uma economia de mercado seria uma forma de acabar
com as economias não capitalistas, e em seus estudos encontra a resposta para a explicação do expansionismo
das economias capitalistas do início do século XX na tendência histórica do modo de produção capitalista a
expandir‑se continuamente, submetendo a seu controle áreas não capitalistas e incorporando‑as ao domínio
das relações capitalistas. Os gastos dessas áreas não capitalistas com a aquisição de mercadorias produzidas nas
economias avançadas proporcionavam a demanda adicional de que essas economias necessitavam.
Resumo
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