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Química e sociedade

A Revolução Verde da Mamona

José Marcelo Cangemi, Antonia Marli dos Santos e Salvador Claro Neto

Da mamona, aproveita-se tudo, já que o óleo extraído de suas sementes é matéria-prima para a fabricação
de produtos elaborados como biodiesel, plásticos, fibras sintéticas, esmaltes, resinas, lubrificantes e próteses.
Como subproduto da industrialização da mamona, obtém-se a torta, que possui a capacidade de restaurar terras
esgotadas. Por tudo isso, esse vegetal, que não entra na cadeia alimentícia, pode ser considerado um “petróleo
verde”. A partir de 1º de julho de 2009, a mistura compulsória de biodiesel no combustível diesel passou a ser de
4%, sendo a mamona escolhida pelo Governo Federal como a matéria-prima prioritária do programa biodiesel
devido à geração de emprego e renda em regiões pouco favorecidas do país, uma vez que essa cultura envolve
uma grande parte de agricultores familiares. No ensino, o tema mamona pode ser utilizado não somente como
uma ferramenta no ensino de química, mas também ajudando o aluno a posicionar-se com relação a diversos
temas da atualidade como modelo de desenvolvimento sustentável, mudança de matriz energética, diminuição
do consumo de energia e até mesmo os destinos da economia do país. 3

mamona, biodiesel, poliuretano

Recebido em 26/01/09, aceito em 11/09/09

D
e origem discutida, já que exis-
tem relatos em épocas longín-
quas do seu cultivo na Ásia e na
África, se pode afirmar que a mamona
já era utilizada pelos egípcios há pelo
menos 4.000 anos. Na Grécia antiga,
alguns filósofos mencionaram em
seus escritos o emprego do óleo de
mamona no Egito para iluminação e Figura 1: (a) Frutos da mamoneira (LEOALC, 2008); (b) sementes de mamona (BBC
na produção de unguentos. Brasil, 2003).
No Brasil, a planta foi trazida pelos
portugueses com a finalidade de utili- mundial. O estado da Bahia concen- para a fabricação de produtos ela-
zar seu óleo para iluminação e lubrifi- tra 85% da produção nacional (Adital, borados como biodiesel, plásticos,
cação de eixos de carroça (Chierice 2009). Na sequência, a Figura 1(a) fibras sintéticas, esmaltes, resinas e
e Claro Neto, 2001). O clima tropical mostra os frutos da mamoneira, e a lubrificantes. Na área médica, com os
facilitou seu alastramento, a ponto Figura 1(b), as sementes da mamona. biopolímeros, tem-se uma revolução
de hoje a mamona ser encontrada A mamoneira é uma oleaginosa na produção de órgãos artificiais do
de norte a sul no país. Atualmente (planta que possui óleos e gorduras corpo humano. Como subproduto da
o Brasil é o terceiro maior produtor que podem ser extraídos por meio de industrialização da mamona, obtém-
mundial, perdendo para China e processos adequados) de elevado se a torta, que possui a capacidade
Índia, que são responsáveis por valor industrial, já que o óleo extraído de restaurar terras esgotadas. Aliás,
aproximadamente 90% da produção de suas sementes é matéria-prima é bom enfatizar que dela se apro-
veita tudo, já que as folhas servem
A seção “Química e sociedade” apresenta artigos que focalizam diferentes inter-relações entre Ciência e sociedade, de alimento para o bicho da seda e,
procurando analisar o potencial e as limitações da Ciência na tentativa de compreender e solucionar problemas sociais. misturadas à folhagem, aumentam a

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secreção láctea das vacas. A haste, nos óleos vegetais, este está pre- biodiesel e as próteses de poliure-
além de celulose própria para a fa- sente numa faixa de 84,0% a 91,0% tano, que serão abordadas com um
bricação do papel, fornece matéria- da sua composição. A Tabela 1 maior detalhamento a seguir.
prima para a produção de tecidos mostra a composição média (em
rústicos (BDMG, 2000). Por tudo isso, faixas) do teor de ácidos graxos no
a) Mamona e biodiesel
esse vegetal, que não entra na cadeia óleo de mamona.
alimentícia, pode ser considerado um A estrutura molecular do triglicerí- O diesel obtido a partir do petróleo
“petróleo verde”. deo do ácido ricinoléico é mostrada tem composição média de moléculas
Um tema como a mamona é a na Figura 2, sendo que este possui de 18 átomos de carbono que não se
possibilidade de combinar vários a particularidade de ser um dos vaporizam facilmente e que, por isso,
assuntos e várias disciplinas, já que poucos ácidos graxos naturais cuja precisam de temperaturas elevadas
trata de assuntos diversos como estrutura química possui três grupos para a queima.
reações químicas, produção de funcionais altamente reativos: o gru-
Diferentemente dos moto-
energia, meio ambiente, agricultura po carbonila no primeiro carbono, a
res à gasolina ou álcool que
familiar, armas químicas e próteses dupla ligação (ou insaturação) no 9º
aspiram uma mistura ar/com-
na área médica. Trazer esse tema carbono e o grupo hidroxila no 12º
bustível e têm uma ignição por
para a sala de aula possibilita conec- carbono (Cangemi, 2006). Esses
centelha (velas de ignição),
tar professores e alunos ao mundo grupos funcionais fazem com que o
nos motores diesel o início da
em que vivem, tornando a aprendi- óleo de mamona possa ser subme-
combustão se dá por autoig-
zagem significativa e desenvolvendo tido a diversos processos químicos,
nição do combustível. Nesses
o senso crítico. nos quais podem ser obtidos uma
motores diesel, o ar aspirado
enorme gama de produtos.
Óleo de mamona para o interior do cilindro é
O óleo de mamona é obtido da Relação entre ciência e tecnologia comprimido pelo pistão, de
forma a elevar a temperatura.
semente da planta Ricinus commu- 1. Ricinoquímica: a química do óleo de (Petrobras, 2009, s/p)
4 nis e possui características quími-
mamona
cas atípicas quando comparadas O uso de óleos vegetais ou ani-
à maioria dos óleos vegetais, pois Por meio da ricinoquímica, mui- mais (triglicerídeos) diretamente no
além da presença do triglicerídeo tos produtos elaborados podem ser motor a diesel fica limitado devido a
do ácido ricinoléico, que é um ácido obtidos a partir do óleo de mamona algumas propriedades físicas destes,
graxo hidroxilado pouco frequente em diversos setores como o médico, que implicam em alguns problemas
farmacêutico, de cosméticos e aero- no motor, principalmente combustão
Tabela 1: Variação do teor de ácidos náutico, como mostrado na Tabela 2. incompleta. Como os triglicerídeos
graxos no óleo de mamona (Moshkin, Entre as aplicações mais promis- costumam ter mais de 50 átomos
1986).
soras do óleo de mamona, estão o

Ácido graxo Porcentagem


Ácido Ricinoléico 84,0-91,0
Ácido Linoléico 2,9-6,5
Ácido Oléico 3,1-5,9
Ácido Esteárico 1,4-2,1
Ácido Palmítico 0,9-1,5 Figura 2: Triglicerídeo do ácido ricinoléico.

Tabela 2: Setores de aplicação dos óleos e corpos graxos obtidos a partir da mamona (Freire, 2001).

Óleos e corpos graxos Aplicações industriais


Ácidos graxos e derivados Plásticos, agentes de higiene e limpeza, sabões, cosméticos, corantes têxteis, borrachas,
lubrificantes, indústrias de couro e papel.
Ésteres metílicos de ácidos graxos Cosméticos, agentes de higiene e limpeza, biodiesel.
Glicerol e derivados Cosméticos, pasta dental, produtos farmacêuticos, comestíveis, lacas, plásticos, resinas
sintéticas, explosivos e processamento de celulose.
Álcoois graxos e derivados Agentes de higiene e limpeza, têxteis, cosméticos, indústrias de couro e papel.
Aminas graxas e derivados Mineração, biocidas, indústrias têxteis e fibras, aditivos para óleos minerais.
Óleos secantes Lacas, corantes, vernizes.
Derivados de óleos neutros Sabões.

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de carbono em suas moléculas, tais nordestino, uma vez que essa cultura
óleos apresentam alta viscosidade envolve uma grande parte de agricul-
e baixa volatilidade. Visando reduzir tores familiares. No entanto, o governo
a viscosidade dos óleos vegetais, vem revendo sua meta inicial que era
pode-se realizar a reação de transes- vincular 200 mil agricultores familiares Figura 4 - Síntese do uretano, a partir de
terificação (ou alcoólise) com um mo- como fornecedores do PNPB. Devido isocianato e grupo hidroxila.
noálcool de cadeia curta (metanol ou à dificuldade de organizar a cadeia
etanol) num processo relativamente de produção da mamona e a forte funcionais hidroxilas como mostrado
simples, promovendo a obtenção de elevação do preço das commodities, na Figura 4.
um combustível denominado biodie- o governo agora parece se contentar A polimerização dos uretanos
sel com propriedades semelhantes em consolidar o número de 100 mil ocorre quando se reage um com-
às do óleo diesel. Um esquema da famílias participantes do programa posto com dois ou mais isocianatos
transesterificação, que é a rota mais (Folha de São Paulo, 2008). com um poliol, ou seja, um álcool
utilizada em todo o mundo para pro- Um problema que vem sendo polifuncional, conforme Figura 5. O
dução de biodiesel, é mostrado na enfrentado pelo PNPB são os preços plástico obtido na forma de espuma
Figura 3. Dois produtos são gerados mais atrativos pagos pela indústria de poliuretano, de densidade baixa
da reação de transesterificação: o ricínoquímica, que têm estimulado e consistência variável – rígida, ma-
biodiesel e a glicerina. Esta é uma agricultores familiares produtores de cia ou esponjosa –, possui diversas
substância largamente empregada mamona do Nordeste a não cumprir aplicações.
como matéria-prima para a indústria contratos com as empresas produ- Desde 1984, o Grupo de Química
farmacêutica e de cosméticos. toras de biodiesel. A informação é Analítica e Tecnologia de Polímeros
O Programa Nacional de Pro- do diretor de Geração de Renda e (GQATP) da USP de São Carlos de-
dução e Uso de Biodiesel (PNPB) Agregação de Valor da Secretaria de senvolve pesquisas com polímeros
tem sido articulado pelo Governo Agricultura Familiar do Ministério do poliuretanos derivados de óleo de
Federal desde 2003, cuja prioridade Desenvolvimento Agrário, Arnoldo mamona, causando uma revolução
é fomentar a ampliação da produção Anacleto de Campos, que completa na medicina. Esse material tem 5
e do consumo em escala comercial dizendo que quando o PNPB foi cria- mostrado-se totalmente compatível
do biodiesel como aditivo ao diesel do, em dezembro de 2004, o preço com organismos vivos, não apre-
petrolífero. A lei 11.097, de 13 de ja- pago ao produtor pelo litro de óleo sentando qualquer tipo de rejeição e
neiro de 2005, instituiu juridicamente de mamona estava entre R$ 0,25 e despertando enorme interesse para
o início de implementação do PNPB, R$ 0,30. Atualmente o valor está em aplicação em cirurgia ortopédica
introduzindo o biodiesel na Matriz cerca de R$ 1, valor incompatível (Ignácio e cols., 1997). Dessa forma,
Energética Brasileira ao estabelecer com a política nacional de biodiesel o polímero é biocompatível, ou seja,
a obrigatoriedade da adição de 2% (Biodieselbr.com, 2009). o organismo humano não o enxerga
desse biocombustível ao óleo diesel como corpo estranho, devido à estru-
de origem fóssil a partir de janeiro tura molecular do óleo de mamona
b) Próteses de mamona
de 2008, mistura conhecida como (Ecoviagem, 2003).
B2. A chegada do B2 significou uma Nas últimas décadas, os poliu- O polímero de poliuretano, obtido
economia de aproximadamente US$ retanos têm-se destacado nos mais a partir do óleo de mamona, passou a
410 milhões em divisas na balança variados campos de aplicação e, ser usado como matriz para a produ-
comercial, reduzindo a dependência mais recentemente, na medicina. A ção de próteses para várias partes do
externa do diesel de 7% para 5% síntese dos uretanos envolve a reação corpo e de cimento ósseo, cuja função
(ANP, 2008). Em de 1º de julho de de grupos isocianatos com grupos é preencher o espaço entre a prótese
2008, a mistura compulsória de bio-
diesel no combustível diesel passou
de 2% para 3% (B3); em 1º de julho
de 2009, de 3% para 4% (B4), sendo
que existe uma previsão para 2010
da mistura obrigatória para 5% (B5)
(Suerdieck, 2006). Figura 3: Reação de tranesterificação utilizando metanol.
Outro ponto importante em re-
lação ao PNPB foi a escolha, pelo
Governo Federal, da mamona como
uma matéria-prima prioritária devido
principalmente ao apelo social que ela
possui, incrementando a geração de
emprego e renda em regiões pouco
favorecidas do país, como o semiárido Figura 5 - Poliuretano obtido a partir de di-isocianato e poliol.

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e o osso poroso, possibilitando o en-
caixe. As próteses produzidas com o
polímero substituem as pesadas próte-
ses feitas de platina e cimento acrílico,
podendo ser até 40% mais barato do
que estas e não exigindo manutenção
(Alves, 2004). O invento recebeu, em
2003, a aprovação da Food and Drug
Administration (FDA), a agência do
governo norte-americano responsável
pela liberação de novos alimentos e
Figura 6 - (a) ampolas de poliol e pré-polímero; (b) globo ocular para manter o movimento
medicamentos. O material é produzido
dos olhos (Ereno, 2003); (c) prótese de coluna vertebral (Alves, 2004).
pela Poliquil, instalada em Araraquara
(SP) e exportado na forma de kit – com
duas ampolas (Figura 6a), compostas produto principal (Freire, 2001). Após a e cálcio quando comparada a outros
de poliol e pré-polímero extraídos do extração do óleo por prensagem, uma adubos orgânicos, e ainda age como
óleo da semente de mamona, mais o massa orgânica conhecida como torta controladora de nematóides de solo.
carbonato de cálcio, misturados ape- de mamona fica retida nos filtros (Gan- Na Tabela 3, tem-se um comparativo
nas no momento em que serão usados. dhi e cols., 1994). A torta de mamona entre a torta de mamona e alguns
Atualmente, com o sucesso do bruta apresenta compostos tóxicos adubos vegetais com relação aos
polímero, já existem peças para e alergogênicos, que são: a proteína teores de N, P, K e Ca.
substituir globo ocular (Figura 6b), tóxica ricina, o alcalóide relativamente A adição de torta de mamona
mandíbula, laringe, fêmur, testículos, inofensivo ricinina e um alergogênico, ao solo, com dosagens variando de
pedaços de crânio e de colunas ver- o castor-bean allergen (CB-1A), que acordo com a cultura e o tipo de solo
tebrais (Figura 6c), além de próteses é uma mistura de proteínas de baixo e da riqueza ou não de nutrientes,
6 penianas. E há também boa notícia peso molecular e polissacarídicas além de suprir as necessidades nu-
para os mais preocupados com a (Weis, 1983). Cabe lembrar que os tricionais das plantas, aumenta o pH
estética: a resina de mamona surge compostos tóxicos e o alergogênico do solo, eleva o conteúdo de carbono
como uma promessa nessa área, na presentes na torta, devido à não so- e promove a melhoria geral na parte
forma de fios muito finos, para ameni- lubilidade no óleo e aos processos física do solo (Lear, 1959).
zar rugas de expressão e combater a de lavagem após a extração, não
flacidez da pele (Ereno, 2003). são encontrados no óleo de mamona
a) Ricina
Como se não bastassem todas as (Chierice e Claro Neto, 2001).
vantagens citadas do poliuretano ob- A torta de mamona apresenta Proteína de toxidez elevada, pre-
tido a partir da mamona, temos ainda aproximadamente 1,2 tonelada para sente na quantidade de 6% a 9% da
o fato de que se trata de um produto cada tonelada de óleo extraída, valor baga, faz parte de uma ampla família
biodegradável. Uma substância é que pode variar, dependendo da de enzimas conhecidas como Prote-
biodegradável se os microrganis- semente utilizada e do cultivo (Costa ínas Inibidoras de Ribossomos (RIP)
mos presentes no meio ambiente e cols., 2004). A torta de mamona que, impossibilitando a síntese protéi-
forem capazes de convertê-la em desintoxicada e sem o alergogênico ca, levam à morte celular (Lima, 2007).
substâncias mais simples, existen- pode ser utilizada como complemen- Em virtude de sua baixa estabilidade
tes naturalmente no meio (Snyder, to em rações animais devido ao seu térmica e da solubilidade em água, a
1995). No caso da espuma derivada elevado valor protéico, já que possui ricina pode ser eliminada da água por
do óleo de mamona, sua estrutura 42,5% de proteína bruta. No Brasil, a processo de cozimento com vapor de
química (poliéster) a torna suscetível torta vem sendo mais utilizada como água saturado. A estrutura tridimensio-
ao ataque de microrganismos, po- adubo orgânico sem nenhum tipo de nal da ricina é mostrada na Figura 7.
dendo ser considerada um polímero tratamento, pois se trata de excelente A ricina pode ser fatal, mesmo em
com características biodegradáveis, fonte de nitrogênio, fósforo, potássio pequenas doses, e tem a capacidade
o mesmo não ocorrendo com a
espuma PU-petróleo convencional Tabela 3: Poder fertilizante de alguns adubos vegetais – Kg/ton (Bayma, 1933).
(poliéter) (Cangemi e cols., 2008).
Fonte Nitrogênio (%) Fósforo (%) Potássio (%) Cálcio (%)
2. A torta de mamona – fertilizante e (N) (P) (K) (Ca)
alimento
Torta de mamona 37,70 16,20 11,20 64,10
Os resíduos agrícolas provenientes Esterco bovino 3,40 1,30 3,50 8,20
do beneficiamento são denominados
Esterco misto 5,00 2,60 0,53 8,13
subprodutos e considerados tão im-
portantes economicamente quanto o Torta de algodão 31,30 12,70 11,70 55,70

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O alergogênico CB-1A é um com- No rastro dessa discussão, po-
posto não tóxico, porém de elevada dem entrar temas tão diversos como
ação alergogênica, sendo que na modelo de desenvolvimento social-
baga está presente na quantidade mente sustentável; mudança de matriz
de 3% a 6%. Segundo Anandan e energética; diminuição do consumo
cols. (2005), a ricina é o principal de energia; uso de área agricultáveis;
empecilho para o uso alimentar da particularidades (vantagens e desvan-
torta de mamona para animais, pois tagens) da mamona como matéria-
a ricinina e o CB-1A são de pouca prima para biodiesel versus outras
relevância por estarem presentes em aplicações; compará-la com outras
baixa concentração e apresentarem oleaginosas e as consequências
Figura 7: Estrutura tridimensional da ricina
baixa toxicidade. disso na alimentação; como também
(Lima, 2007).
o apelo social do programa do Go-
A mamona no ensino de química verno Federal (PNPB) que prioriza a
de ser convertida em líquido e vapor. Na sala de aula, o professor utilização da mamona, objetivando a
O veneno ainda não tem antídoto co- pode enfatizar as peculiaridades do geração de emprego e renda em regi-
nhecido e é considerado um potencial óleo de mamona que o torna um ões pouco favorecidas do país como
agente numa guerra química. O Centro óleo único, bastante versátil e com o semiárido nordestino, uma vez que
Britânico de Controle e Prevenção de elevado valor comercial. Em seu essa cultura envolve uma grande parte
Doenças classifica a substância como trabalho, Prado e cols. (2006) apre- de agricultores familiares. É apresen-
do tipo B, uma ameaça moderada. O sentaram alguns tópicos que podem tando questões assim que se pode
veneno pode ser letal se for inalado, ser abordados, utilizando o biodiesel transcender em uma abordagem am-
ingerido ou injetado. É considerado re- como meio facilitador do processo pla, estimulando uma educação para
lativamente fácil de ser produzido em de ensino-aprendizagem: definição, a cidadania, não se atendo apenas
quantidades pequenas (BBC Brasil, forma de obtenção, aplicações, em classificações, nomes, fórmulas e
2003). Em 2003, houve o tão falado necessidade de fontes alternativas memorizações desnecessárias. 7
“plano terrorista da ricina”, envolvendo de energia, questões ambientais
um suposto laboratório da Al Qaeda pertinentes aos combustíveis, com- Considerações finais
ao norte de Londres, que fabricava parações entre o impacto ambiental Quando se ouve falar das aplica-
“armas de destruição em massa”. gerado entre o diesel convencional ções da mamona, parece que ela é
O caso caducou logo que se provou e o biodiesel, outros combustíveis uma panaceia para tudo. Na verdade,
não haver plano terrorista algum nem alternativos, produção de biodiesel todas as utilidades da planta são fru-
armas e meios para fabricá-las. a partir de óleos vegetais e gorduras tos de anos e anos de pesquisa em
animais, energia, calor, variação de empresas e universidades que, aos
entalpia, cálculos estequiométricos, poucos, vão se transformando em
b) Ricinina e alergogênico CB-1A
diferenças entre reações de transes- produtos e qualidade de vida para a
A ricinina é um alcalóide tóxico co- terificação e saponificação, funções sociedade. Em outra frente, temos a
nhecido como 1,2-dihidro-4-metoxi- orgânicas, viscosidade, densidade e preocupação com a inclusão social,
1-metil-2-oxo-3-piridinocarbonitrila outras propriedades físico-químicas. diminuição das importações de diesel
(C8H8N2O2), cuja fórmula estrutural é Quanto à torta de mamona, com mineral e a ambição de proporcionar
formada por um monocíclico deriva- seus compostos tóxicos e alergo- um novo modelo de gestão do de-
do da piridina com o grupo cianeto gênicos, pode-se trabalhar funções senvolvimento agrário e energético.
(Figura 8). Normalmente, é obtida químicas, miscibilidade, toxidez, Também é bom se lembrar da
das sementes, mas ocorre também proteínas, entre outros. necessidade de se fazer escolhas
nas folhas. Em seu trabalho, Santos e Pinto ao trabalhar com esse tema para
(2009) vão além: propõem a confec- que não se corra o risco da perda de
ção de equipamentos de laboratório, foco do que se deseja ensinar, pes-
com materiais de fácil acesso, para quisas infindáveis com acúmulo de
a obtenção de biodiesel por meio informações pouco compreendidas,
de um experimento simples. Tam- indefinição ou falta de explicitação
bém se pode optar por trabalhar dos propósitos quanto ao que se
com poliuretanos (Cangemi e cols., espera que o estudante saiba ao final
2009), abordando alguns tópicos do processo, dilema entre verticaliza-
como: funções orgânicas, definição, ção nos conteúdos químicos ou se
aplicações, polímeros, reações de estes servem apenas como pretexto
obtenção dos poliuretanos, além de para discutir questões mais gerais
questões ambientais pertinentes ao que pertencem a outros campos
Figura 8: Fórmula estrutural da ricinina. tema plástico biodegradável. disciplinares.

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José Marcelo Cangemi (jmcangemi@gmail.com), de Licenciatura em Química do Instituto de Ensino doutorado na UFSCar, é docente do Departamento de
bacharel em química com atribuições tecnológicas Superior das Faculdades COC (Ribeirão Preto–SP) Bioquímica e Microbiologia do Instituto de Biociências
pelo Instituto de Química da UNESP-Araraquara, e professor de química no Ensino Médio e pré-vesti­ da UNESP (DBM/IB-UNESP-Rio Claro). Salvador Claro
licenciado em química pela UNIFRAN, especialista bular. Antonia Marli dos Santos (amsantos@rc.unesp. Neto (salvador@iqsc.usp.br), licenciado, bacharel e
em química pela UFLA, doutor em Ciências (Química br), licenciada e bacharel em química pelo Instituto mestre em química pela USP-Ribeirão Preto e doutor
Analítica) pelo Instituto de Química de São Carlos da de Química da UNESP-Araraquara, mestre e doutora em ciências (Química Analítica) pela USP-São Carlos,
USP (IQSC/USP), é coordenador e docente no curso em Ciências (Físico-Química) pelo IQSC/USP, pós- é técnico de nível superior no IQSC/USP.

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Abstract: The Green Revolution of the Castor. Castor is considerably useful, as the oil extracted from its seeds is raw material for the manufacture of products like biodiesel, plastics, synthetic fibers,
resins, lubricants and prostheses. As a byproduct of the castor industrialization appears the castor bean cake, which has the ability to restore exhausted land. For all that this reasons, this plant,
which does not enter the food chain, can be considered a “green petroleum”. From July 1, 2009 the compulsory blending of biodiesel in diesel fuel has to be 4 %, and the castor has been chosen
by the Federal Government as the prior raw material of the biodiesel program due to the income and employment generation it brings to poor regions of the country, considering this culture involves
great number of family farmers. In education, the theme of “castor” can be used not only as a tool in the teaching of chemistry, but also as a help to the student in positioning himself about several
actual issues as a model of sustainable development, changing the energy matrix, decreased energy consumption and even the fate of the country’s economy.
Keywords: castor, biodiesel, polyurethane.

QUÍMICA NOVA NA ESCOLA A Revolução Verde da Mamona Vol. 32, N° 1 , FEVEREIRO 2010

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